quarta-feira, 28 de março de 2012

[Notícia] Luto: Morreu Daniel Zamudio, o gay chileno atacado por neonazistas

Por Espiritualidade Inclusiva
(Daniel Zamudio, o homossexual chileno vítima de neonazistas, faleceu ontem, dia 27 de março)

Fonte: http://www.diversidadecatolica.blogspot.com.br/2012/03/carta-aberta-daniel-zamudio.html

Um jovem homossexual chileno que foi agredido por um grupo de neonazistas em Santiago foi declarado com morte cerebral no último domingo pelos médicos que o atendiam desde o ataque, no início do mês. Os assassinos, já detidos pela polícia chilena, agrediram brutalmente o rapaz, tendo lhe arrancado parte de uma orelha, marcado seu corpo com símbolos neonazistas, apedrejado-o e quebrado uma de suas pernas.

[Atualização em 28/03/12: Daniel Zamudio faleceu ontem, às 19:45h, horário do Chile. (Informação do amigo @realfpalhano) Mais um mártir. Até quando?]

O jesuíta Marcos Cárdenas escreveu-lhe uma carta aberta, que recebemos ontem via Twitter dos queridos @realfpalhano e @wrighini e reproduzimos aqui, com tradução nossa.

Estimado Daniel:

Permito-me te escrever estas linhas mesmo não te conhecendo e ainda que possivelmente você não lerá esta carta. Faço-o porque não posso permanecer calado diante do mal perpetrado por esses recalcitrantes, ou, melhor dizendo, canalhas - que, incapazes de reconhecer a grandeza e mistério do ser humano, te massacraram a golpes tão-somente pela sua orientação sexual.

Provavelmente, você vai se perguntar por que um religioso está te escrevendo, sabendo que pertenço a uma instituição que, desde tempos idos, condena moralmente e exclui os homossexuais. Por desgraça, vivemos em uma sociedade homofóbica, que não respeita essa orientação. Te digo que sou contrário às posições desrespeitosas, de censura, inquisidoras, obscurantistas. Minha atitude face a essa tendência é de diálogo. Está claro para mim que alguns setores da Igreja ainda adotam uma posição intolerante, da qual não compartilho: mas esse já é outro tema.

Te escrevo com a intenção de te contar que essa agressão bestial, cruel e desapiedada não passará para a história como mais um ataque apenas, ou como uma noticia a mais das páginas policiais. Te prometo que lutaremos e combateremos para que essa prática nefasta seja extirpada da nossa sociedade. Há instituições que têm sido proféticas na denúncia e condenação de atos desse gênero; a MovilH e a Fundación =Iguales, entre outras. Para mím, essas instituições são presença de Deus, pois as lésbicas, gays, transexuais e bissexuais são filhos e filhas prediletos de Deus,  perseguidos, pisoteados e excluídos que têm sido ao longo da história.

Tenho certeza, Daniel, de que Deus te ama profundamente, ama a tua vida, a tua família e a tua condição homossexual. Você é, para nós, causa de orgulho e  admiração. Se nós, cristãos, acreditamos em um Deus que é e se  manifesta no amor, será que o amor entre pessoas do mesmo sexo, portanto, não seria uma concretização - nada mais, nada menos - do amor de Deus? Creia-me: se a utopia do amor se concretizar, espero que as trincheiras do ódio e da violência desapareçam.

Me despeço com um abraço grande e te incluo em minhas orações.

Até sempre, Daniel.

- Marcos Cárdenas, jesuíta. Estudante de Filosofia na UAH.
Fonte: Sentidos Comunes, com informações do Terra


Para entender o que aconteceu:

Neonazistas agridem e tentam desenhar suásticas em jovem gay

Fonte: http://www.sosnoticias.com.br/2012/03/neonazistas-agridem-e-tentam-desenhar-suasticas-em-jovem-gay/

Um jovem homossexual chileno está em coma induzido, sem risco de morte, após ser agredido por um grupo de neonazistas que, além disso, marcaram seu corpo e arrancaram parte de uma orelha, segundo denunciaram nesta terça-feira entidades de defesa das minorias sexuais.

Enquanto o governo chileno repudiou os fatos, organizações de minorias sexuais anunciaram que apresentarão queixas contra os responsáveis e os pais do jovem afirmaram que o filho já tinha sido vítima de outras agressões e ameaças. A vítima, Daniel Zamudio, 24 anos, está internada na emergência de um hospital de Santiago desde sábado passado, disse hoje aos jornalistas o diretor do centro médico, Emilio Villalón.

Zamudio chegou ao hospital “com lesões graves, um traumatismo craniano severo, hemorragia e uma fratura na perna direita”, explicou Villalón. Perguntado pelas marcas gravadas em seu corpo, o médico detalhou que são lesões superficiais no tórax, no abdômen e no dorso, e que podem ter sido feitas com algum objeto cortante.

Segundo denunciou o Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh), a entidade mais ativa na defesa das minorias sexuais no Chile, com essas marcas os neonazistas pretendiam desenhar suásticas sobre seu corpo. Enquanto isso, em Valparaíso, o ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, se solidarizou com o jovem e com sua família e manifestou seu “repúdio absoluto à violência assassina”. Anunciou, além disso, que o governo tratará com urgência o projeto de lei contra a discriminação, cujo texto original foi enviado ao Congresso em 2005 e que foi aprovado no Senado em novembro do ano passado.
Quem também rejeitou a agressão foi o cantor porto-riquenho Ricky Martin. “Chega de ódio, chega de discriminação. Espero que se faça justiça já. Muita luz para Daniel e toda sua família”, escreveu o artista em seu Twitter. Segundo um relatório do Movilh, em 2011 foram registrados 186 casos de discriminação, 48 a mais que em 2010, que incluem o assassinato de três pessoas, 13 agressões físicas ou verbais perpetradas por civis e cinco casos de abusos policiais.

Por outra parte, a organização AcciónGay denunciou hoje em comunicado que nas últimas semanas aconteceram “arrastões” neonazistas contra transexuais e prostitutas nas cidades de Valparaíso e Viña del Mar, a 125 quilômetros de Santiago.

Fonte: terra.com



Nota de Espiritualidade Inclusiva:


Antes de tudo, externamos nossos profundos pêsames pela morte de Daniel Zamudio. Ele foi mais uma das muitas vítimas da homofobia violenta que ocorre em todo o planeta diariamente. Isso nos entristece, mas ao mesmo tempo nos mostra que a luta pela erradicação do preconceito deve aumentar na mesma medida das agressões e dos assassinatos dos LGBT em todos os cantos da Terra.

Enquanto o Ministro do Interior do Chile anunciou que o governo tratará com urgência o projeto de lei contra a discriminação, aqui no Brasil o nosso PLC 122 esbarra frente ao fundamentalismo evangélico/católico que acaba sendo co-responsável pelos assassinatos brutais diários de muitos gays, lésbicas, travestis e transexuais, crimes impunes em quem sempre a vítima acaba por ser considerada culpada e causa da agressão. Parece até que a coisa se esgota assim e fica tudo por isso mesmo. Não! Basta! Temos que colocar um fim nesta impunidade, pois estão matando nossos jovens simplesmente por eles serem como são. Não são bandidos, nem drogados, nem traficantes, nem psicopatas. São apenas jovens buscando a felicidade. Por outro lado, seus algozes e assassinos são pessoas desequilibradas, violentas, bandidos que deveriam estar atrás das grades, como os responsáveis pelo site incitador de ódio Sílvio Koerich, desbaratado há poucos dias pela Polícia Federal, mas ainda no ar.

O que estão esperando? Que a comunidade LGBT una-se em frentes de segurança armada para poder sair às ruas em grandes bandos e, só assim, se sentir segura, já que a polícia, o poder público e a justiça não fazem nada de concreto para coibir este "homocausto", como muito bem define Luiz Mott? As autoridades brasileiras, os políticos, os legisladores e o judiciário estão minimizando a gravidade da situação, e isso trará consequências sociais graves muito em breve, se nada for feito. O que não se pode admitir é que pessoas sejam atacadas, agredidas e mortas por serem quem são, sem terem cometido crime algum. Quando teremos a Constituição Federal sendo realmente cumprida e o Estado Brasileiro defendendo nossas vidas como defende os direitos dos próprios assassinos de gays? Exigimos segurança, cidadania plena e condições de vida! BASTA!

quinta-feira, 22 de março de 2012

[Notícia] A casa homofóbica caiu! Sílvio Koerich desmascarado!

Por Espiritualidade Inclusiva

(Uma das muitas barbaridades preconceituosas e de incitação à violência no site do fake Sílvio Koerich, agora identificado pela PF)

Quem abomina a homofobia, a incitação à violência contra gays, negros, mulheres e minorias ou já sofreu preconceito violento, já deve ter ouvido falar do “fake” Sílvio Koerich e de seu website homofóbico, racista, anti-semita, misógino e xenófobo, em suma, NAZISTA! Pois, ele e seu comparsa acabam de ser identificados, conforme notícias reproduzidas abaixo:




Polícia Federal prende incitadores de ódio na internet

Joyce Carvalho

Pregação da violência contra homossexuais, mulheres, negros, nordestinos e judeus, além da incitação para extermínio destes grupos, levaram dois homens para a prisão nesta quinta-feira (22). Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello foram presos em Curitiba pela Polícia Federal (PF) e são suspeitos de alimentarem um site na internet com estas informações.

Os dois colocaram ofensas contra a presidente da República, Dilma Rousseff e outras autoridades de alto escalão. Ameaçaram de morte publicamente o deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ). Aém disto tudo, há postagens no site sobre como matar uma pessoa, sendo de maneira lenta ou rápida. Ou ainda como abordar crianças para um posterior abuso sexual. Havia também citações de que lésbicas deveriam sofrer um "estupro corretivo", de acordo com a PF, que deflagrou a Operação Intolerância, na qual os dois foram presos. Os policiais federais ainda cumpriram três mandados de busca e apreensão, sendo dois no Paraná e um em Brasília.

As investigações começaram em dezembro do ano passado, após mais de 70 mil denúncias crimes por parte da sociedade civil sobre o conteúdo ofensivo do site. "Eles não pregavam apenas a discriminação, que por si só já é grave. Eles também pregavam extermínios em massa de negros, homossexuais, mulheres. As imagens no site são bastante fortes. Há, inclusive um manual de aliciamento de crianças. Tudo causa uma repugnância social. Em dez anos de atuação, é um dos casos mais graves que eu vi", afirma o delegado da PF Flávio Cardinelle Oliveira Garcia, chefe do núcleo de repressão a crimes cibernéticos da PF no Paraná.

Segundo o delegado, há indicativos de que as ofensas também eram reais e não ficavam apenas no mundo virtual. Há boletins de ocorrência contra os dois presos por agressões e ameaças. Garcia explica que Marcelo Mello foi condenado por discriminação pela internet em 2005 e que este seria o primeiro caso de uma punição em virtude de ofensas virtuais no País. Marcelo também tem R$ 500 mil reais na conta corrente e a PF vai tentar descobrir a origem do dinheiro. Eram solicitadas doações no site ofensivo.

De acordo com o delegado Wagner Mesquita, também da PF no Paraná, foi localizado um mapa de uma casa de festas perto do campus da Universidade de Brasília, muito conhecida pelos estudantes da instituiçã. Há citações no site de que uma ação contra alunos da universidade seria planejada e colocada em prática, semelhante ao massacre em uma escola municipal em Realengo, no Rio de Janeiro, há quase um ano. O alvo seria estudantes de cursos de Ciências Sociais, considerados pelos dois como "esquerdistas". Marcelo Mello é ex-estudante da Universidade de Brasília, segundo a PF.

Os presos se diziam parte de uma seita que tentava captar pessoas com estes mesmos pensamentos. Há insinuações de que o assassino Wellington Menezes de Oliveira, o responsável pelo massacre em Realengo, teria feito contato com os dois para obter informações para o crime. Mas ainda não há confirmação se houve realmente a ligação entre os três.

O site ainda permanece no ar porque está hospedado na Malásia e o processo depende do governo do país asiático. "Eles acharam que desta forma não seriam identificados. Mais gente pode estar envolvida, inclusive colaborando para as mensagens", revela Garcia.




Desmascarada identidade do homofóbico Silvio Koerich

Um Outro Olhar (Miriam Martinho, editora)

Há tempos, a pedido de várias pessoas físicas (ativistas ou não), onde se inclui a editora do Um Outro Olhar, e organizações não-governamentais, como o CLAM (Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos), a ABGLT, a SaferNet, órgãos governamentais como a Secretaria de Políticas para Mulheres e a Secretaria de Direitos Humanos vinham tentando identificar e punir os autores do site Silvio Koerich por suas postagens criminosas contra mulheres, homossexuais, negros, etc.

(Um dos fake Koerich, agora identificado como Emerson)

Hoje, sob o título PF prende incitadores de Ódio na Internet, do site Paraná Online, lê-se matéria que informa sobre a identificação dos criminosos Emerson Eduardo Rodrigues (Sílvio Koerich) e Marcelo Valle Silveira Mello, moradores de Curitiba e Brasília, respectivamente, e a expedição de mandados de prisão preventiva contra eles pela Justiça Federal. Segue trecho e link para a matéria completa. Apesar da demora, algo a comemorar. Mais informações devem surgir em breve.

PF prende incitadores de Ódio na Internet

A PF em Curitiba realiza nesta quinta-feira (22), a fase ostensiva da sua "Operação Intolerância" - por meio da qual identificou os responsáveis pelas postagens criminosas encontradas no site silviokoerich . org - , para o cumprimento dos mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça Federal contra Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello, moradores de Curitiba e Brasília, respectivamente.

As investigações, conduzidas pelo Núcleo de Repressão aos Crimes Cibernéticos, uma Unidade Especializada da PF, permitiram a cabal identificação dos criminosos, que há meses vinham postando mensagens de apologia de crimes graves e da violência, sobretudo contra mulheres, negros, homossexuais, nordestinos e judeus, além da incitação do abuso sexual de menores.

Esta Unidade Especializada, que integra a Delegacia de Defesa Institucional da PF, recebera inúmeras denúncias relacionadas ao conteúdo discriminatório do referido site, bem como outras denúncias, de mesmo teor, foram dirigidas ao Ministério Público Federal e à ONG SaferNet, onde se registraram 69.729 (até 14.04.12) pedidos de providências a respeito do conteúdo criminoso do site investigado, um número recorde da participação de populares no controle do conteúdo da internet brasileira.

(Sílvio Koerich)
Também, nesta manhã, a PF dará cumprimento aos mandados de busca e apreensão expedidos pela JF, para examinar residências e locais de trabalho dos criminosos em busca de elementos materiais da responsabilidade criminal, já amplamente demonstrada ao longo da investigação e que, preliminarmente, permitiu identificar o cometimento dos crimes de incitação/indução à discriminação ou preconceito de raça, por meio de recursos de comunicação social (Lei 7716/89); incitação à prática de crime (art. 286 do Código Penal) e publicação de fotografia com cena pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Lei 8069/90-ECA).

Consta da decisão judicial que decretou a prisão preventiva dos criminosos que "Elementos concretos colhidos na investigação demonstram que a manutenção dos investigados em liberdade é atentatória à ordem pública. A conduta atribuída aos investigados é grave, na medida em que estimula o ódio à minorias e à violência a grupos minoritários, através de meios de comunicação facilmente acessíveis a toda a comunidade. Ressalto que o conteúdo das ideias difundidas no site é extremamente violento. Não se trata de manifestação de desapreço ou de desprezo a determinadas categorias de pessoas (o que já não seria aceitável), mas de pregar a tortura e o extermínio de tais grupos, de forma cruel, o que se afigura absolutamente inaceitável."

Dentre os conteúdos publicados pelos criminosos e localizados pela PF, havia referência ao apoio prestado pelos criminosos ao atirador Wellington, que em 2011 atacou a tiros uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro, matando diversas crianças, bem como à suposta incapacidade da Polícia Federal em o localizar e deter.

terça-feira, 20 de março de 2012

Luz no gueto: uma visão mecânica e microfísica sobre a possibilidade da nascença dos preconceitos e das exclusões?

Por Marcelo Moraes Caetano (artigo originariamente publicado na revista G Magazine, edição especial de aniversário, coluna "Papo sério")

Uma das maiores necessidades do ser humano é ser aceito num grupo. Isso é natural, e não tem nada de errado. Mas essa aceitação que se busca - à qual os filósofos chamariam de “sentimento de pertença” - pode se transformar em patologia. Isso acontece quando a busca se converte numa espécie de exagerada ânsia pelo “troféu” de se pertencer ao grupo que está no poder, que tem maior influência - o “grupo dos vitoriosos”.

Esse desejo cria e alimenta a necessidade de existência de grupos abaixo daquele poder, daquela vitória. Tal tipo de “posição vitoriosa” exigirá, sempre, o aplauso. E, para o aplauso, é preciso que existam grupos de “perdedores”, cuja função é, exclusivamente, a de submissão. Eis a chave que dá partida na máquina dos preconceitos.

Aquela lógica criará, pouco a pouco, diferença de grupos e conflito entre eles, porque é preciso que se justifique a luta, para que o “melhor”, o “mais perfeito”, possa subir ao poder. Agora, seus membros terão o “prêmio” máximo: a recompensa de pertencerem ao grupo mais poderoso. O grupo dos “incluídos no poder” só existirá se houver, do outro lado, o grupo dos “excluídos do poder”.

Começamos a ver que o papel do preconceito é, antes de tudo, servir como espécie de treino, uma arena para que a segregação entre vitoriosos e perdedores nunca seja desfeita. Se o preconceito não for “treinado”, as exclusões tendem, naturalmente, a acabar.

Nós mesmos, pertencentes às minorias, aos chamados "guetos", podemos estar contribuindo com a manutenção do preconceito, inconscientemente, se nos aceitamos como vítimas, inferiores, escravos. Isso alimenta a máquina da crueldade preconceituosa, porque torna ainda mais “poderosos” os que, fantasiosamente, se acham “superiores” aos seus “escravos”. Acabamos funcionando como engrenagens...

Nada disso existe: não existem grupos melhores nem grupos piores, apenas grupos diferentes. Alimentar o desejo de que exista ruptura entre “ganhadores” e “perdedores” significa ter de criar constantes conflitos entre grupos X, Y ou Z. Quando nos dermos conta de que essa “lógica” é mera ficção, o preconceito começará a desmoronar pouco a pouco, a partir de suas raízes.

O preconceito contra o homossexual, por exemplo, é um exercício mecânico para que se criem segregações que permitam a ascensão dos “normais” (heterossexuais) ao poder cobiçado. Digo que é um “exercício” exatamente porque não encontra nenhum fundamento concreto, a não ser o “treino” para as exclusões de todo tipo - as sexuais, as financeiras, as religiosas, as raciais, as culturais, as ideológicas, as profissionais, as linguísticas.

Preconceitos se multiplicam quase infinitamente: hoje, podemos dizer que somente será visto “sem” preconceito social aquele que, no Brasil, por exemplo, seja do sexo masculino, branco, jovem, bonito, tenha muito dinheiro, seja heterossexual, esteja num cargo de chefia, seja casado, com filhos, católico, pertencente a alguma confraria secular, tenha gestos contidos, não ria em excesso. E quantas vezes os gays já não receberam propostas escondidas desse tipo de “homem normal e ideal da sociedade brasileira”?

Se olharmos para cada preconceito em si mesmo, logo começaremos a ver que ele, por si só, não tem nenhum fundamento, nem científico, nem natural, nem racional. Vamos checar um pouco mais de perto as possíveis “justificativas” para a homofobia?

Uma alegação pré-histórica que “justificaria” a luta contra a homossexualidade. Se, num tempo remoto, a terra precisava ser habitada, e a união entre pessoas do mesmo sexo representava um obstáculo à procriação, será que o ambiente em que estamos, modernamente, deve ser visto daquela maneira? Será que precisamos continuar habitando descontroladamente a terra? Enfim, qual o obstáculo “real” que a união entre pessoas do mesmo sexo representaria, hoje, à terra?

O que justifica a segregação ainda existente contra homossexuais?

Há algo, repito, que “justifica” esse e os demais preconceitos: o exercício da segregação, semelhante aos exercícios que os soldados, mesmo em tempos de paz, fazem, sempre à espera da guerra. “Vitoriosos” contra “derrotados” é uma lógica de guerra.

Voltando à questão específica do preconceito contra homossexuais, desta vez num nível mais direto de análise.

Se uma pessoa se supõe na condição de determinar que certa conduta ou orientação - amar alguém do mesmo sexo - sejam erradas, o mínimo que devemos exigir dessa pessoa será que ela própria não deseje, em nenhum nível, o que está sendo por ela recriminado. E de que forma eu posso, inequivocamente, dizer que alguém que recrimina ou discrimina um homossexual não seja, ele próprio, um homossexual? O que me permite ver, com esses olhos que a Terra há de comer, como diz o povo, se essa pessoa é ou não é homossexual?

Nada. Ela pode gritar que não é, pode até enganar a si mesma, casando-se com pessoas do sexo oposto várias vezes, mas eu continuarei não sabendo se ela é ou não é homossexual. Ela própria pode não saber. Não se trata, apenas, de hipocrisia da parte dela, porque ela pode muito bem, de fato, nunca ter sido apresentada a si mesma, e não se conhecer.

Por isso, também, a raiva, a rivalidade gratuita, a hostilidade, a violência contra grupos que ferem a sua indefinida (porém idealizada) pessoa. Elas não se conhecem ou não aceitam aquilo que conhecem, e agem de maneira hostil contra o grupo que as desmascara publicamente. Grupos que as identificam com os “perdedores”... Uma ofensa!

Outra pergunta aos que recriminam a conduta homossexual alegando “cientificidade”. Qual a base científica para se afirmar que a homossexualidade não seria uma conduta natural à espécie humana? Alegar, por exemplo, que os animais das selvas não a praticam? Ainda que não praticassem, pergunto: se devemos justificar uma conduta humana com base numa conduta animal, por que ainda estamos vestidos, por que não tiramos nossas roupas e por que, também, não deixamos de nos comunicar pela fala?... Nunca vi um animal vestido nas selvas. Nunca vi um animal falando línguas humanas.

Nada justificará uma exclusão, em tempo algum, seja ela qual for.

Desmascarar um preconceito é mais simples do que se supõe. Todos eles estarão imbuídos da “lógica” da guerra, em que a “vitória” de uns é “legitimada” pela “derrota” de outros. O preconceito é um exercício de segregação, e a segregação é alimentada pela lógica do poder, sendo a sua peça principal.

Conhecer esta máquina de ficção, sem máscaras, significa dar o primeiro passo em direção ao fim dos preconceitos.

Pode ser a luz no fim do “gueto”.



Sobre o autor

Marcelo Moraes Caetano é escritor, professor titular da Laureate International Universities, da Universidade de Freiburg e professor pesquisador do CNPq-UERJ. Membro da APPERJ, da União Brasileira de Escritores (SP), do PEN Club (RJ-Londres), da Académie des Arts-Sciences et Lettres (Paris), editor da revista de cultura ALIÁS, colunista da Revista da Cultura (SP, RS, Brasília,PE, Campinas). Pianista clássico (com primeiros lugares no Brasil e no exterior), membro da Orquestra Sinfônica de Viena, tradutor de inglês, francês, alemão, latim e grego, professor de português, grego e literatura brasileira, portuguesa e africana (bacharel pela UERJ e licenciado pela UNESA, especialista pela UFF, Mestre pela PUC-rio e Doutor por Coimbra). Possui 18 livros publicados: gramático ("Gramática para o vestibular", Editora Elite, "Gramática Reflexiva da Língua Portuguesa" (Editora Ferreira), lexicógrafo ("Instâncias do sentido o dicionário e a gramática - múltiplas interconexões semiológicas" -Editora Academia Brasileira de Filologia), crítico literário ("Literatura Brasileira", Editora Elite, "Caminhos do texto", Editora Ferreira), com diversas premiações nacionais e internacionais. Blogue: http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com

sexta-feira, 16 de março de 2012

Amor, Bíblia e gays

Por Toni Souza


Fiquei pensando sobre qual assunto abordar nessa estreia, afinal são tantos os temas que nos interessam, e sei que nosso gosto é apurado e, de certa forma, exigente! Pensei... E julguei pertinente, conversaremos sobre o AMOR!

Frustrei?!

Mas vamos seguir. De certo, poderemos encontrar algo que nos faça refletir.

O Amor é cantado por muitas vozes, traduzido em palavras por tantas mãos e sentido por tantos corações. E aqueles sonetos de Vinícius? Eles contam-nos de um amor tão bom.

O Amor que nos exorta e nos convida a oferecer ao próximo, cordialidades em sinal de fraternidade (Rm 12, 10). O Amor que é Phileo, expressão grega que significa “afeição e sentimento profundo”. Mas, que também é Ágapei, vocábulo mais característico do cristianismo e é traduzido por AMOR e aparece em vários contextos nas Escrituras. Ágape fala-nos da essência amorosa de Deus como capaz de amar o mundo a tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16).

E o que dizer do Amor do Cântico dos Cânticos? Aquele Amor que é visgo e aproxima duas pessoas sedentas pela sedução da conquista. É o Amor encharcado por paixões inebriantes, exaltando o erótico no Amor como um presente que Deus concede ao ser humano: “como são ternos teus carinhos, minha irmã e minha noiva! Tuas carícias são mais deliciosas que o vinho; teus perfumes, mais aromáticos que todos os bálsamos” (Ct 4,10).

E, ao final, a noiva derrama-se em reconhecimento: “porque é forte o amor como a morte… Águas torrenciais não conseguirão apagar o amor, nem rios poderão afogá-lo. Se alguém quisesse comprar o amor com todos os tesouros da sua casa, receberia somente desprezo” (Ct 8,6s). Pois, um Amor assim, suplanta nossa compreensão (Ef 3,19). Um Amor como esse é eterno (Jr 31,3), livre (Os 14,4) e duradouro (Jo 13,1).

Nessa altura, talvez vocês estejam se perguntando: Qual a relevância dessa conversa para nós os gays?

Bem. Quando eu escrevia um outro artigo de título: Homossexualidade: espiritualidade em encarar as diferenças (http://www.tonisouza.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=2235593), eu lancei mão de um comentário simples, porém, extraordinário do Teólogo Leonardo Boff e que eu faço questão de repetir aqui; e ele dizia: “Se a relação for de amor, é algo tão profundo que tem a ver com Deus”. Assim falou Boff, em oposição ao papa João Paulo II, que apregoava sua não aceitação para o casamento homossexual.

Pois bem, é tão comum nos encontrarmos com pessoas que se profissionalizam em jogar com os sentimentos alheios, de brincar com as emoções sem se importar com o que cada pessoa traz dentro de si. Ignorando o aspecto sagrado do sentimento.

E onde está a relação profunda e de Amor?

Encontra-se numa sala de bate-papo qualquer, em que os frequentadores se apresentam com nomes fakes ou se expondo em prateleiras ávidas por sexo, nada além do sexo? Encontra-se o Amor nas esquinas escuras à espera de um carro, de um anônimo pra logo depois se deitar numa cama impessoal só para um sexo banal, rápido e barato?

O que há? Não suportamos a ideia de sermos apontados como promíscuos. Estamos cansados de deparar-nos com o receio nos olhos de nossas famílias, quando revelamos nossa homossexualidade. Pois, no fundo eles temem que nos lancemos a uma vida sem limites, regras e respeito próprio.

O que há entre nós? Será a necessidade de se auto-afirmar, de se sentir importante, desejado, quisto? Qual o sentido em ter músculos torneados, carnes esculturais, formosura.... Pra quê? Se o que impera, muitas vezes, é o vazio na cabeça. Cadê o conteúdo, a honestidade, o papo-sério e construtivo?
Valorizo o bom do amor! Pois, o corpo se desfaz, é efêmero. É tão importante que se transforma em pó, mísero pó!

Não custa respeitar-se mutuamente!

Portanto, independente do rótulo homo ou hétero, temos todos a dignidade de filhos de Deus, somos chamados à comunhão com Ele e com o próximo, somos também destinatários da graça divina. 
E ainda falando do Amor, vale a pena ressaltar o grifo do também Teólogo Frei Betto que nos fala: “Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Primeira Carta de João (4,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

E por aqui eu fico, entendendo que toda forma de amor é licita. Seja na união de um homem com uma mulher; entre duas mulheres ou entre dois homens, pois se existir AMOR, Deus aí estará!

Amemo-nos!


Sobre o autor


Toni Souza é baiano. Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido. Site: http://www.tonisouza.prosaeverso.net - Contato: tonnysouza@gmail.com

quarta-feira, 14 de março de 2012

Fundamentalistas querem expulsar os gays do Brasil

(Refutação dos argumentos do Pastor Deputado Marco Feliciano em texto intitulado “Fascistas querem expulsar Deus do Brasil”, publicado em seu website no dia 07 de março de 2012 e reproduzido ao final)

Por Paulo Stekel


“Ditadura Gay”, Sr. Feliciano? Quem acredita em tamanha baboseira? Esta expressão é uma afronta aos inúmeros cadáveres que a homofobia crescente produz semanalmente em todos os cantos de nosso Brasil. O Grupo Gay da Bahia (GGB), coordenado pelo notório Luiz Mott, há duas décadas tem denunciado um verdadeiro holocausto gay, o “homocausto”, que vem ocorrendo em nosso país às vistas de vários governos, parlamentares e especialistas em Direitos Humanos, sem que uma ação preventiva realmente efetiva e eficaz seja implementada. Aliás, quando tal tipo de ação é proposta em alguma instância do poder público, então vem o Sr. e os seus com o argumento intrigante e ridículo de “ditadura gay”. Ainda mistura isso com política, atribuindo a uma ação de “esquerda progressista” tal descalabro criado por mentes doentias, de onde venha!

Os membros de uma Ditadura matam, não são mortos, Sr. Feliciano! Se o Sr. tem o direito de lançar pérolas desta natureza, podemos insinuar que estão a querer implementar no Brasil uma “Ditadura Fundamentalista”, ou sendo tão irresponsável quando os donos da expressão que o Sr. usa, uma verdadeira “Ditadura Evangélica”, o que o Sr. com certeza também contestará por achar impossível, do ponto de vista constitucional. E, o é! Tanto quanto a tal “ditadura gay” à qual o Sr. se apega com tanta força.

O movimento evangélico não é retrógrado, Sr. Feliciano. Retrógrados são os muito mal-intencionados, mal-assessorados, ignorantes, homofóbicos e, muitas vezes, corruptos (pseudo)religiosos fanáticos fundamentalistas imiscuídos neste movimento tão legítimo como qualquer outro movimento religioso (católico, espírita, umbandista, budista, paganista...). Assim como não colocamos todos os evangélicos no mesmo saco de gato, o Sr. também não pode colocar todos os gays na mesma cova. Direitos fundamentais não podem transigir diante de quaisquer ideologias, sejam de direita, de centro, de esquerda ou “ideologias religiosas”, se o Sr. preferir entender assim, pois pessoas morrem diariamente e transigir é conivência ou, no mínimo, omissão. Aliás, pelo que conheço das religiões e, modéstia à parte, conheço muito, especialmente as religiões teístas, é tarefa da religião defender a vida de todos os seres humanos, mesmo quando estes não professam a mesma crença que nós! Nunca vejo na TV ou na Internet líderes evangélicos dizendo, esbravejando, como faz Malafaia, “não matem os gays, não os agridam, pois são irmãos nossos como todos os outros”! Ao contrário, vejo na TV expressões como “descer a lenha” nos gays! Isso é religião? Não. Não me atrevo a dizer o que é, mas o que não é já não me serve.

Propondo uma sopa insossa para ser engolida por seus próprios fiéis, o Sr. ainda mistura sua (não é filha sua?) “Ditadura Gay” com a afirmação do laicismo de Estado, ao atacar a decisão legítima do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, estado onde nasci e resido, por ter decidido pela retirada dos símbolos religiosos dos espaços públicos, já que o Estado é Laico. O Sr. reclama que retiraram basicamente os crucifixos. Com certeza. O Sr. não acha interessante o fato de não existirem quase símbolos representando outras religiões nos espaços públicos brasileiros? Isso revela, não que o Brasil seja cristão, pois não temos mais “religião do Estado”, mas que os símbolos, cultura e práticas cristãs influenciam de modo preocupante os espaços laicos de nossa nação, obstaculizando decisões que envolvam etnias em risco, afrodescendentes, religiões historicamente excluídas e apoio do poder público a ações de fés que não sejam a cristã, já que o Cristianismo no Brasil recebe incentivo até fiscais nas três esferas de governo que seriam impensáveis em outros países civilizados. Ou se dá direitos e privilégios a todas as fés, ou a nenhuma! Senão, falar em Estado Laico passa a ser mera força de expressão!

Quanto ao movimento gay, o Sr. Feliciano comete em seu texto erros crassos que devem ser corrigidos (não me refiro aos gramaticais):

Ele diz que o movimento gay é um grupo pequeno, mas extremamente organizado. Pequeno ele é, pois somos entre 6 e 10% da sociedade. “Extremamente organizado”, gostaria de levar por elogio, mas não posso. Se fôssemos tão organizados assim, já teríamos uma lei anti-homofobia, casamento civil homo-afetivo, adoção de crianças e pelo menos 10% de parlamentares gays. Estamos longe de tudo isso! Mas, tenha a certeza, Sr. Feliciano, nos encaminhamos para isso diariamente, e sem ditadura alguma...

Ele diz que somos muito bem representados na mídia, na imprensa e que gozamos de favores governamentais. Então, me diga: Qual canal de TV foi concedido ao movimento gay? Quantos “Malafaias gays” temos na imprensa “descendo o sarrafo” em heterossexuais? Que favores governamentais são esses que não conseguem sequer forçar a aprovação de uma lei anti-homofobia decente, que ainda tem que amargar uma nova redação que mais parece ser para pastores incitadores de ódio na frente do altar de Deus, que para quem padece todo o tipo de violência diariamente nas ruas, na escola, nas igrejas, no trabalho e até dentro de casa? Ridículo, se não fosse tão trágico.

Mas, em seu texto, o Sr. ainda diz que somos uma minoria que não sofre de verdade, que camuflamos perseguição para impor um modo de vida promíscuo... Que Deus ouça o pouco valor que o Sr. dá à vida de quem morre todos os dias unicamente por ser quem é, não por estar matando, roubando, amealhando patrimônio público ou enchendo as cuecas de dólares para enviar a missões apostólicas na África! Deus permite que se use métodos diabólicos para a expansão das coisas celestes? Em qual versículo está tal permissão?

Para seu governo (que espero, não passe desta legislatura), a maioria dos gays dá muita importância à família, ajuda na integração de seus membros, cuida de pai e mãe até estarem bem velhinhos e é capaz de ajudar na criação de irmãos, sobrinhos e outros parentes com um amor incondicional tão louvável quanto o elogiado por Paulo em Coríntios! Já que estamos falando em falso moralismo, se o Sr. se apega aos promíscuos para atacar todos os gays, deveria eu atacar todos os heterossexuais por causa das prostitutas? Seria um argumento sem sentido, não é mesmo? Não para o Sr. e os que pensam do mesmo modo, pelo que depreendo de seus textos.

Quando o Sr. diz que o Brasil é uma nação “que embora seja laica não é ATÉIA”, se contradiz de um modo que me sinto constrangido em ter que contrapor. Fico com aquela “vergonha alheia”. Um Estado Laico não é um estado teísta nem um estado ateu. Nem uma coisa, nem outra. Até porque há religiões teístas (ex. Cristianismo) e religiões ateias (ex. Budismo). Então, se o Brasil não fosse laico, mas Budista, seria um estado com religião oficial, mas ateu. Um Estado Laico é aquele que não regula a vida religiosa/espiritual de seus cidadãos, simplesmente isso. Não regulando, também não é regulado por religião alguma, embora o Sr. e os seus estejam querendo reverter isso e transformar o Brasil em uma Teocracia Cristã Fundamentalista comparável apenas ao regime iraniano. Isso, nenhum cidadão brasileiro conhecedor dos seus direitos deve permitir jamais! De onde o Sr. tirou que o Estado Brasileiro é teísta? Ou ateu? Como homem público, o Sr. deveria evitar de nos envergonhar com seu pouco conhecimento de conceitos básicos imprescindíveis para a elaboração de leis coerentes e justas para aqueles que o Sr. representa.

O Sr. chega às raias da indecência total ao dizer em seu texto que invocamos uma “tal HOMOFOBIA coletiva nacional, que inexiste!” - E, inexiste, mesmo! Comportamentos, reprováveis ou não, não são coletivos, são individuais. As imputações, neste caso, também devem ser individuais, e por isso queremos uma lei anti-homofobia para julgar caso a caso. Agora, afirmar que os focos de homofobia são “isolados e baixissimos” (a falta do acento em proparoxítona é do seu texto original, não do meu!) quando comparados a outras minorias significa que o Sr. está a contar mortos para ver a quem ajuda em primeiro lugar? É assim que o Sr., como parlamentar, bate o martelo para decidir a quem defender ou se omitir, para dizer o mínimo?

“O que virá a seguir”, como o Sr. diz em seu texto não-revisado? Que Deus ajude ao Sr. e aos seus, pois parece que precisam de muito mais orientação d'Ele do que qualquer um de nós. Não pretendemos expulsar Deus da nação brasileira porque defendemos o Estado Laico, onde estão presentes por direito todos os deuses, orixás, santos, budas e deidades, ou nenhum destes, conforme o desejo individual dos cidadãos em suas vidas privadas. Ao comentário de alguém, feito após o seu texto, que afirmou que o “RS é do Senhor Jesus Cristo”, eu complemento: o RS e o Brasil inteiro são de Deus, Buda, Krishna, Oxalá, Alá, Jeová, Cristo, Tupã, Olorum e quantos mais aparecerem para invocar seus direitos, pois aqui temos lugar para todos. Também temos lugar para os que não acreditam em nenhum destes, e em seu humanismo apenas desejam uma sociedade justa, igualitária e feliz.

Digo isso com a plena convicção de ser um budista praticante que pesquisou muitas religiões, estudou a Bíblia em suas três línguas originais (hebraico, aramaico e grego), fez amizade com ateus e agnósticos, e se tornou um universalista inclusivo por entender que defender todas as crenças é garantir o direito da crença particular do cidadão, quando ele escolhe uma para seu caminho de felicidade nesta vida de dores. Eu escolhi o meu caminho, mas não quero impô-lo a ninguém. E, se o caminho escolhido não me permite viver em paz e harmonia com os que pensam diferente porque venha a desejar mudá-los de modo invasivo, este caminho não me serve.

Então, Sr. Feliciano, ao defendermos o Estado Laico estamos defendendo, inclusive, os direitos de crença de sua religião. Só o Sr. e os seus partidários auto-declarados “salvos” não percebem isso. Pois, percebam, antes que, assim profetizo!, o fogo do Inferno que vocês mesmos estão instalando em nossa pátria amada comece a arder, queimando a todos indistintamente, a homens e feras...

----------------

Abaixo, o texto original de Marco Feliciano, exatamente como lá consta, com todos os seus erros gramaticais, má formatação e ausência de muitos acentos até nas proparoxítonas, sempre acentuadas:


FASCISTAS QUEREM EXPULSAR DEUS DO BRASIL

Por marcio
7 de março de 2012 Publicado em: Noticias

Lendo a coluna na VEJA, de Reinaldo Azevedo, que com perspicacia e inteligência denuncia uma militância que vem crescendo assustadoramente nesse nosso país, a qual me refiro aqui sem medo e entitulo DITADURA GAY, que tem, sem sombra de duvida o apoio de uma esquerda petista, que traduz seus pensamentos em ações em forma de uma palavra que amam verbalizar, PROGRESSISTA.

Semana passada tal palavra foi ressoada por ninguém menos que JOSÉ DIRCEU, o “homem do PT”, que não tem moral alguma para falar, como fez, do movimento cristão brasileiro personificado em suas palavras através do movimento EVangélico, o qual ele chama de RETRÓGRADO. Um homem com seus histórico, perdeu, como eu disse em meu twitter disse desses, a chance de ficar calado.

Reinaldo Azevedo entitula de FASCISTA a ação ocorrida no Rio Grande do Sul, através do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça, que decidiu eliminar todos os crucifixos e outros simbolos religiosos dos espaços publicos e pasmem, por unanimidade. E concordo com ele, em gênero, número e grau.

Entre o fim do século 19 e inicio do século 20, surgia o Fascismo. Nos idos de 1923 os fascistas começaram a desenvolver um programa de separação entre o estado e a igreja, foi o precursor do Nazismo de Hitler, e era de certa forma o resultado de um sentimento generalizado de medo e ansiedade que vinha da classe média do pós-guerra. A palavra “fascismo” devira de fascio, nome de grupos politicos na Italia do século 19, mas também deriva de fasces, que vem do império Romano e q era um simbolo dos magistrados.

Percebo e entendo o que o colunista da VEJA previu. Na classe média brasileira surge um grupo. PEqueno, mas extremamente organizado, disciplinado e muito, muito bem representado, na midia, na imprensa e goza de favores governamentais.

Tal grupo que representa uma minoria, não destas que sofrem de verdade, mas que sob uma camuflagem de perseguição, tenta e consegue impor seu modo de vida promiscuo, seus pensamentos anti-familia-e-anti-bons-costumes.

Que se faz valer por ter na midia que deveria ser imparcial, mas, nesses assuntos assumem uma militancia descomunal, e que, num futuro proximo, se algo nao for feito imediatamente, arrepender-se-ão ao verem a desgraça que provocaram numa sociedade que vive em função do que pensam e de como agem classes artitiscas e midiáticas.

Temo e muito que assim como houve no Rio GRande do Sul, que, infelizmente tem se aberto a tais idéias “progressistas” carregando em seu curriculum por exemplo o PRIMEIRO CASAMENTO DE PESSOAS DO MESMO SEXO, e agora protagonizam essa “PERSEGUIÇÃO AOS SIMBOLOS RELIGIOSOS”, em uma nação que embora seja laica não é ATÉIA.

A militancia Gay no Brasil esta sendo amparada pelos cofres publicos. Muito dinheiro tem sido investido neste tema, e tudo em nome de uma tal HOMOFOBIA coletiva nacional, que inexiste! O que existe são focos isolados e baixissimos, se comparado a outras minorias que sofrem de fato com o preconceito acentuado, mas que tendo a vitrine que tem e o apoio de tanta gente importante e lastreada pelos cofres publicos, transforma cristãos, evangélicos, e qualquer um quer cruzar os seus caminhos, em HOMOFOBICOS, FUNDAMENTALISTAS RETROGRADOS e RELIGIOSOS FANATICOS.

O que virá a seguir? Que Deus nos ajude! E nos ajude logo, antes que, esses fascistas, expulsem de uma vez DEUS da nação brasileira, afinal ja tiraram seus simbolos no Sul, como buscam tirar das cédulas do real a inscrição DEUS SEJA LOUVADO, como buscam exterminar programações religosas na TV, como perseguem festas religiosas, como buscam fechar igrejas, e outras coisas mais que me da náuseas, e prefiro aqui me calar.

Pastor Marco Feliciano

Deputado Federal

terça-feira, 13 de março de 2012

[Editorial] Gays, ateus e laicistas nas mãos dos “salvos de Cristo”?

Por Espiritualidade Inclusiva


Hoje, 13 de março de 2012, nosso blogue Espiritualidade Inclusiva completa três meses. O trabalho está cada vez mais intenso e com reconhecimento da comunidade LGBT brasileira, especialmente aquela parcela afinidade com o discurso espiritual inclusivo. Os ateus também têm apreciado nosso trabalho, por causa de nossa defesa do Estado Laico. As estatísticas atualizadas mostram o que já conquistamos: 63 postagens de diversos autores, mais de 10 mil visualizações de página e cada vez mais comentários, inclusive de fundamentalistas enfurecidos!

Até o momento, a postagem mais lida é o artigo “[Notícia] "A Homofobia me machuca” ou mais uma história real de homofobia familiar fundamentalista no Brasil”, que comoveu muitas pessoas no blogue e no Facebook por envolver um rapaz vítima de homofobia doméstica causada por seu irmão pastor pentecostal. Atualmente ele está seguro e sob os cuidados de uma ONG LGBT de Minas Gerais.

O segundo artigo mais lido até agora é “A visão espírita da união estável segundo Divaldo Pereira Franco”, que continua causando polêmica entre espíritas e não-espíritas.

O terceiro artigo mais lido é “Destruindo sofismas cristãos”, de Andrea Foltz, que caiu no gosto de muitos pelos argumentos fortes e consistentes para rebater a demonização dos gays feita pelos religiosos teístas fundamentalistas.

As atividades que promovemos ou apoiamos durante este período incluem:

- Apoio à Campanha pelo Estado Laico, através de uma petição lançada pela Lésbicas Feministas LBL - Região Sul (RS). Entendemos que, ao apoiar o Estado Laico, estamos defendendo o direito de todos quanto a terem suas crenças ou nenhuma: religiosos, ateus, agnósticos.

- Palestra do Movimento Espiritualidade Inclusiva na Marcha das Mulheres em Eldorado do Sul – RS, ministrada por Paulo Stekel por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

- Apoio a jovens LGBT (e adultos também), que nos procuram por email ou redes sociais pedindo orientação sobre seu processo de “sair do armário”, considerando que sofrem “homofobia religiosa” dentro de casa. Este não era nosso objetivo inicial, mas a gravidade desta tendência ocorrendo dentro das famílias em nosso Brasil acabou levando-nos a esta tarefa.

Aproveitamos este editorial para ratificar que nosso Movimento Espiritualidade Inclusiva não privilegia nenhuma religião ou crença em particular. Como partimos do apoio ao Estado Laico e da defesa dos Direitos Humanos LGBT, criticamos todas as atitudes preconceituosas vindas de qualquer ambiente religioso/espiritual, e enaltecemos todas as atitudes inclusivas vindas destes meios. Somos universalistas no respeito a todas as crenças e mesmo a não-crenças, como no caso de ateus e agnósticos, mas não somos um movimento religioso, não representamos nenhuma religião e não fazemos qualquer pregação. Todo o nosso discurso é em favor da inclusão, dos direitos humanos e do estado laico. Fora isso, cada um decide o caminho espiritual que deseja seguir, ou nenhum.

A necessidade desta declaração vem em um momento em que os demônios da vez, eleitos pelos fundamentalistas neo-pentecostais brasileiros, são os gays, os ateus e os defensores do laicismo de Estado. São todos colocados no mesmo rol e de modo completamente pejorativo. O Estado Laico está sob ameaça grave e cabe a todos nós, LGBTs ou não, ateus ou religiosos, defendermos o direito constitucional de não vermos uma religião tendo privilégios em detrimento das demais; uma religião dando “pitacos” em matéria legislativa utilizando como argumentos dogmas bíblicos que nem deveriam ser considerados num Estado Laico.

Estes fundamentalistas se consideram a nata de Deus, os “salvos de Cristo”, os únicos corretos, verdadeiros e com fé, mas não percebem o quanto se valem de falácias, mentiras, subterfúgios, ameaças e incitação ao ódio para chegar ao termo de seus objetivos, o que afronta claramente os próprios textos sagrados que dizem defender. Hipocrisia é a tônica do fundamentalismo no mundo inteiro, mas aqui ele atinge sua perfeição! Não podemos deixar isso continuar. Vamos nos opor a isso sempre que pudermos com os mais sólidos argumentos constitucionais, de direitos humanos e do bom senso geral, para evitar que mais vidas sejam ceifadas pelas ações de assassinos psicopatas que são influenciados pelo discurso de ódio de pastores e líderes religiosos espúrios que deveriam é estar atrás das grades, não no púlpito das igrejas.

Continuamos abertos a críticas, sugestões, artigos e notícias de colaboração, dicas e depoimentos de quem queira passar aos leitores do blogue suas experiências com a religião e a espiritualidade. O formato do blogue não é fechado e podemos melhorá-lo ou modificá-lo sempre que for útil e necessário. Aos poucos estão chegando alguns relatos interessantes que virarão artigos em breve. Há uma multiplicidade de experiências que precisam chegar ao grande público, para nortear nossas ações em prol da inclusão e da diversidade.

A propósito, recebemos de Luiz Mott uma dezena de artigos seus para irmos publicando aos poucos em nosso blogue. São estudos maravilhosos que resgatam a história milenar do preconceito contra os gays no Brasil, América Latina e em outras partes do mundo, sempre com implicações religiosas. Aguardem!

segunda-feira, 12 de março de 2012

O papel da mulher numa espiritualidade inclusiva

Por Paulo Stekel

[Este artigo traz a essência da palestra de mesmo nome ministrada por ocasião do Dia Internacional da Mulher, em 08 de março, na Câmara de Vereadores de Eldorado do Sul – RS. Neste dia, ocorreu a 1ª Marcha das Mulheres, promovida pela AME – Associação das Mulheres Eldoradenses, da qual Stekel participou e tirou algumas fotos, que ilustram este artigo. O convite foi feito pela Presidenta da AME, Adriana “Drika” Viegas. Fotos de Paulo Stekel]



Usando uma expressão popular, podemos dizer que as mulheres “estão em todas”, e cada vez mais. Depois de muita luta (direito a uma alma, direito a voto, divórcio, trabalhar fora, etc.), as mulheres estão presentes em todos os setores de nossa sociedade.

(Drika Viegas, presidenta da AME - Associação das Mulheres Eldoradenses)

Ao mesmo tempo, ainda temos setores onde a presença feminina é menor, pelo menos na representatividade. É o caso da política. Ali, uma grande quantidade de mulheres milita em todas as siglas partidárias, mas só uma parcela mínima (às vezes nem chega a isso) acaba concorrendo aos cargos eletivos em todas as esferas. Destas, poucas são as eleitas, apesar disto estar se modificando lentamente.

(Aladar e Guanaíra, do CEMAS - Centro Municipal de Apoio ao Soropositivo - Santa Cruz do Sul, que também participaram das atividades em Eldorado do Sul - RS)
Considerando que espiritualidade/religiosidade tem a ver com um anseio natural do ser humano pelo transcendente, independente das religiões instituídas, e que “espiritualidade inclusiva” se refere a uma busca espiritual que não exclui ninguém, seja por raça, cor, etnia, cultura, religião, gênero ou orientação sexual, o que isso tem a ver com a mulher? Tudo, pois a experiência mostra que, em geral, as mulheres são mais tolerantes e menos preconceituosas que os homens. Na verdade, as mães são mais abertas que os pais.

(Paulo Stekel, em entrevista à Rádio Comunitária de Eldorado do Sul, antes de sua palestra)
Quando levamos isso para a questão LGBT, as estatísticas nacionais e mundiais mostram que as mães aceitam muito mais facilmente seus filhos gays, lésbicas, transexuais, etc, do que os pais, geralmente mais fechados e ligados a um machismo introjetado muito prejudicial à saúde psicológica e mental de seus filhos.


Posto isto, dizemos que o principal papel da mulher na promoção de uma espiritualidade inclusiva tem a ver com sua maior facilidade em demonstrar um amor incondicional por seus filhos, independente de como eles se apresentem. E, isso, as mães conseguem estender aos filhos dos outros. Mesmo que as mães não consigam ver seus filhos gays como sendo normais, como tendo nascido com esta orientação, elas conseguem seguir amando-os, apoiando-os e defendendo-os do preconceito do mundo heteronormativo. Não há como negar que de cada dez mães que aceitam seus filhos gays, apenas um pai parece fazer o mesmo. Tanto que as exceções chegam a ser surpreendentes.

(Paulo Stekel, representando o Movimento Espiritualidade Inclusiva, em palestra para as mulheres na Câmara de Vereadores de Eldorado do Sul - RS)
Nosso blogue Espiritualidade Inclusiva, por exemplo, tem uma grande quantidade de leitoras, maioria, com certeza, e em geral são as pessoas mais atentas, mais participativas e, muito importante, as mais respeitosas e com argumento. Já tivemos duas colaboradoras nas matérias do blogue que são heterossexuais e outras que já enviaram material inclusivo para avaliação. A participação feminina em nosso movimento já se faz sentir e é de ótima qualidade.

Contudo, ainda é lastimável o preconceito que a mulher sofre no Brasil. Se ela for mulher, negra, lésbica e pobre, sofrerá um quádruplo preconceito, muito angustiante. Na mente machista, a mulher é considera um ser inferior ao homem e subordinada a ele, sem possibilidade de argumentação. Os fanáticos parecem lembrar das palavras misóginas do Apóstolo Paulo sobre as mulheres serem submissas aos maridos para destilar sua tirania patriarcal. Somando-se a isso o preconceito racial que existe, sim, no Brasil, fica muito difícil para a mulher negra encontrar colocação profissional adequada mesmo quando preenche todos os requisitos técnicos. Se ela for lésbica, então, nem pensar! Se for pobre, melhor a morte! Mas, não é assim que o país vai crescer e incluir a todos os cidadãos numa prosperidade equitativa. Não adianta o Brasil tornar-se a sexta economia do mundo, mas manter suas mulheres na miséria e sob um preconceito indignante.

Por isso, digo: todos os movimentos sociais de mulheres e para as mulheres (incluindo os da comunidade LGBT) devem ser fortalecidos cada vez mais. Fortalecendo os movimentos das mulheres, pela natureza delas, já estaremos reforçando outros movimentos que venham a beneficiar a todos, homens e mulheres, heterossexuais ou LGBTs.

(Drika Viegas e Isabel, da AME - Associação das Mulheres Eldoradenses)

Então, amadas mulheres, continuemos a luta!

quinta-feira, 8 de março de 2012

[Evento] Trocando ideias com o Movimento LGBT

Por Espiritualidade Inclusiva

(Luiza Nagib Eluf, Procuradora de Justiça)

Nota do editor do blogue, Paulo Stekel - A pedido de nossa amiga Rita Moreira (escritora, redatora e videomaker – confira em http://ritascmoreira.blogspot.com), divulgamos aqui o seguinte evento em São Paulo, que julgamos da máxima importância para toda a Comunidade LGBT:

________________________________
A Procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf (foto) quer trocar ideias com lideranças e militantes do movimento LGBT.

Local: Teatro Oficina, Rua Jaceguai, nº 520, Bela Vista, próximo ao metrô Liberdade, em São Paulo (SP).

Dia e horário: Domingo, 18 de março, 17h


Luiza Nagib Eluf, que você talvez conheça dos artigos que publica há anos nos jornais O Estado de SP e Folha de SP, é Procuradora de Justiça no Ministério Público de São Paulo e atualmente integra a Comissão de Reforma do Código Penal onde defende, entre outros temas (como a legalização do aborto), a criação de lei específica contra os crimes de homofobia.

Luiza Nagib Eluf defende nossa causa!


Venha conhecê-la pessoalmente e trazer seus pontos de vista.


SUA PARTICIPAÇÃO SERÁ DA MAIOR IMPORTÂNCIA!

Vencendo a homofobia – a experiência inclusiva de Canoas – RS

Por Paulinho de Odé (publicado originalmente em http://paulinhodeode.blogspot.com/2012/03/vencendo-homofobia-experiencia.html)

A homofobia está presente em todos os recantos deste país, nos lares, na rua, nas escolas... Aqui em Canoas não é diferente. Contudo, através de um trabalho intenso iniciado anos atrás, estamos agora colhendo os frutos de uma conscientização crescente. A coisa já foi muito pior e sem qualquer ajuda do poder público, sem políticas que defendessem a comunidade LGBT da região. Uma das iniciativas da Coordenadoria de Políticas de Diversidade de Canoas em prol da conscientização quanto à homofobia é a Parada Livre, da qual já tivemos três edições. Este evento é consequência de uma série de atividades que tem por objetivo lutar contra qualquer tipo de preconceito e violência na nossa cidade. Seu sucesso crescente acada ano nos motiva a realizar muito mais atividades e eventos que lutem contra a homofobia e ajudem a diminuir os assassinatos no nosso país, tendo em vista que o Brasil é o que tem o maior número de homicídios a pessoas LGBT no mundo. A Parada é, na verdade, uma forma alegre de celebrar a diversidade e a consciência da necessidade de combater a homofobia.

Todas as lutas históricas dos movimentos sociais se deram através da organização e da reivindicação. E nós, que fomos forjados nos movimentos sociais entendemos que a política pública só acontece com força quando se tem trabalho compartilhado de gestão e movimento. Por isso, é importante que cada vez mais as ONGs em Canoas, e no Estado, se organizem, se fortaleçam, para que as demandas dos movimentos sejam contempladas. Mas nós precisamos potencializar mais as ONGs na cidade e no Estado. O nosso lema é discutir o que nos une, não o que nos separa.

Aqui em Canoas, nossas atividades pró-LGBT e pró-liberdade religiosa são uma demonstração da importância destas ações para o bem comum e a cidadania plena de setores que padecem sob muito preconceito.

Tudo isso mostra que estamos agindo corretamente na luta pelo direito à diversidade e no combate à homofobia. Os promotores de violência homofóbica precisam ir para trás das grades, assim como já ocorre no caso da Lei Maria da Penha. Homofobia é um crime e não há outra definição para ela! Mesmo que de forma muitas vezes velada, a discriminação contra o homossexual ainda é forte, e é rotineira em determinados segmentos da sociedade.

Ainda dentro das iniciativas neste sentido, em 21 de junho de 2011, realizamos em Canoas o I Fórum Estadual de Combate à Homofobia (Educação, Direitos Humanos e Homolesbofobia). A tônica do fórum foi um amplo debate sobre a violência física à população GLBT e as relações desse fenômeno com a afirmação da democracia. Esta foi uma parceria bem sucedida da Coordenadoria de Políticas de Diversidade com a Liga dos Direitos Humanos, da Faculdade de Educação da UFRGS. Neste ano de 2012 realizaremos o II Fórum Estadual de Combate à Homofobia, em junho.

Além de continuar fomentando uma melhor definição de políticas públicas, continuamos nosso trabalho de ajudar na consolidação dos direitos humanos como prática cotidiana, para que cesse o preconceito explícito ou velado que ainda impregna nossa sociedade e não permite o reconhecimento cidadão pleno de pessoas unicamente por conta de sua orientação sexual. Fóruns, paradas livres, encontros, seminários e outras ações de conscientização são importantes para dar visibilidade às ideias de todos os que lutam contra a discriminação. Estamos prontos agora, para dar um novo passo: o de integrar ainda mais a comunidade LGBT em Canoas, através de novas iniciativas, eventos e ações que deverão ser sugeridas pelos próprios interessados. Sempre há muito a se fazer e Canoas já é um exemplo para o Brasil. Vamos fazer isso se ampliar e expandir.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher - uma justa homenagem numa data que deveria durar 365 dias!

Por Espiritualidade Inclusiva

Neste 08 de março, quando se celebra o Dia Internacional da Mulher, o Movimento Espiritualidade Inclusiva comemora junto com todas as mulheres deste mundo as muitas conquistas importantes obtidas por força de muitas lutas. Ao mesmo tempo, se une a elas na luta por mais direitos e reconhecimento cidadão, uma vez que ainda persistem discrepâncias sociais cruéis no âmbito profissional, racial, étnico-cultural, de classe social e de orientação sexual.

Mas, na verdade, o maior mal que se impõe sobre as mulheres em todos os países é a covarde VIOLÊNCIA (física, moral, emocional, familiar, conjugal, religiosa, fundamentalista, etc.). Em muitos lugares, incluindo setores da sociedade brasileira, a mulher é considerada um ser inferior ao homem, a quem lhe cabe servir, obedecer, lavar e passar sua roupa, fazer sua comida, aguentar seus destemperos e traições, suportar calada sua arrogância e ainda educar seus filhos para serem grandes homens... Paradoxal!

Em nossa opinião, as mulheres têm sido as maiores promotoras dos direitos da diversidade, da inclusão e da conscientização quanto ao preconceito sofrido pela comunidade LGBT em todo o mundo. Por isso, são nossas maiores aliadas, almas capacitadas a amar incondicionalmente e a sofrer as dores deste amor sem esmorecer. Enfim, nosso exemplo maior a ser seguido...

Sintam-se todas homenageadas com estas palavras.

terça-feira, 6 de março de 2012

Etno-história da Homossexualidade na América Latina

Por Luiz Mott (Esta comunicação foi apresentada no “Seminário-Taller de História de las Mentalidades y los Imaginarios”, realizado na Pontifícia Universidad Javerina de Bogotá, Colômbia, Departamento de História e Geografia, 22-26/8/1994. Aproveito a ocasião para agradecer ao Coordenador do evento, Dr. Jaime Humberto Borja Gomez, o convite e oportunidade de participar deste seminário.*)

* Para baixar o texto em PDF: http://ich.ufpel.edu.br/ndh/downloads/Luiz_Mott_Volume_04.pdf


“A homossexualidade deve ser um desafio e não um tabu para a Ciência”, dizia já em 1957 G. A. SILVER(1) e não obstante tal sugestão, injustificado complô do silêncio continua a barrar da Academia os estudos sobre “o amor que não ousa dizer o nome” (Oswald Wilde).


Já em 1927, B. Malinowski, um dos pais da Antropologia moderna, chamava a atenção para a importância de se estudar temas da sexualidade humana tirando “a folha da parreira que cobre o sexo”(2) – não obstante, neste final do segundo milênio da nossa civilização, o estudo do amor e erotismo entre pessoas do mesmo gênero ou continua proibido, ou é , considerado tema de marginal e de menor importância no meio universitário. Se ponderarmos que os gays(3) e lésbicas representam 6 a 10% da população dos países ocidentais(4), concluiremos que somente o preconceito e discriminação poderiam explicar o desprezo pelo conhecimento de tão significativo contingente demográfico. Em seu recente livro sobre as uniões entre homossexuais na Europa pré moderna, J. Boswell adverte-nos do quão ilógica e cruel tem sido nossa cultura, notadamente após o século XIV, ao eleger a homossexualidade como a maior e mais horroroso de todos os nossos tabus sexuais. O “pecado nefando isto é , aquele cujo nome não pode ser mencionado - e muito menos praticado! - foi considerado pela moral judaico-cristã como mais grave do que os mais hediondos crimes anti-sociais, como por exemplo, o matricídio, a violência sexual contra crianças, o canibalismo, o genocídio e até o deicídio - todos pecados-crimes mencionáveis, enquanto só o abominável pecado de sodomia foi rotulado e tratado como nefandum”.(5)

É pois com o objetivo de quebrar o silêncio e tabu que ainda cerca o amor entre pessoas em nosso continente, que decidi tratar da história e antropologia da homossexualidade na América Latina. Reunindo informações bibliográficas de difícil acesso, geralmente inexistentes nos compêndios tradicionais, minha intenção, além de esboçar um quadro geral do homoerotismo em diferentes áreas culturais desta parte do orbe, é estimular outros pesquisadores nativos a aprofundar as pistas aqui apresentadas, não apenas visando o deleite intelectual, diletante ou fetichista, mas tendo em vista o reconhecimento dos direitos de cidadania deste buliçoso segmento social cujos direitos humanos são negados e vilipendiados na maior parte de nossos países, inclusive dentro das próprias universidades.

Para efeito de análise, dividi este trabalho em três partes, a saber:

I) A Homossexualidade na América Pré-Colombiana

II) A repressão aos Sodomitas na América Latina Colonial

III) Gays e lésbicas latino-americanos hoje

Portanto, antecipando algumas das conclusões desta pesquisa, gostaria de destacar que o estudo da Etno-História do Homoerotismo na América Latina reveste-se de particular interesse para diferentes mentalidades, do quotidiano e da sexualidade. Os dados aqui coligidos permitem avançar a discussão sobre a própria teoria da Homossexualidade(6), ratificando-se de um lado a universalidade temporal e espacial das práticas homófilas, desmitificando assim a acusação vulgar de que teriam sido os europeus os introdutores do “vício filosófico” (Voltaire) no Novo Mundo.

Outra questão sugerida pelos dados aqui apresentados remete-nos a um dos impasses teóricos mais cadentes e ainda não resolvido pelos estudiosos deste tema: até que ponto o conceito de homossexualidade pode ser usado com propriedade heurística para descrever e interpretar as relações unissexuais do mundo extra-europeu? Deixarei ao leitor, no final deste trabalho, retirar suas próprias conclusões quanto a esta polêmica que coloca de um lado os essencialistas e do outro, os construtivistas sociais.(7)

I. A homossexualidade na América Pré- Colombiana


"Ultra Oequinotialem no peccari."
(Ditado Ibérico do Século XV)

Para se estudar as práticas homossexuais no Novo Mundo quando da chegada dos conquistadores europeus, dispomos basicamente de três fontes: Esculturas e cerâmicas representando cenas homoeróticas; Mitos conservados na memória oral dos nativos e registrados nos manuscritos nos tradicionais; Relatos dos primeiros cronistas que entraram em contato com os ameríndios(8).

Conforme relata Gonzalo Fernandez de Ovideo, em sua História General y Natural de las Indias, (1535), o gosto pelo vício nefando se espalhava não só por toda a área circum-caribe, mas também ao longo da Tierra Firme, atual costa da Venezuela e Colômbia, “donde muchos destos indios y indias eram sodomitas”. Observou escandalizado que “en aquel diabólico e nefando acto de Sodoma, hechos de oro de relieve. Yo vi uno destos joyeles del diablo que pesaba veinte pesos de oro, hueco, vaicado y bien labrado, que se hobo en el Puerto de Santa Marta en la costa de Tierra Firme, año de 1514... Asi que ved si quien tales joyas se prescia y compone su persona, si usará tal de maldad en tierra donde tales arreos traen, o si se debe tener por cosa usada e ordinaria e común a ellos.”(9)

Também Francisco Lopez de Gomara (1552) refere-se à presença de ídolos homossexuais entre os nativos mexicanos de Sant Anton: “Hallaron entre unos arboles un idolillo de oro y muchos de barro, dos hombres cabalgando uno sobre otro a fuer de Sodoma”.(10)

Por ocasião da descoberta da Península de Yucatan, encontraram os espanhóis outra comprovação escultórica de que os Maias prestavam culto ao amor unissexual: “Tenian muchos idolos de barro, unos como con caras de demonios y otros como de mujeres y otros de malas figuras, de manera que al parecer, estaban haciendo sodomias los unos indios com los otros.”(11)

Também na América do Sul, na região dos Andes, foram encontrados provas arqueológicas confirmando a prática do homoerotismo antes da chegada dos europeus. Há notícia que os espanhóis teriam igualmente no Peru encontrado e derretido esculturas em ouro representando cópula anal entre dois homens.(12) Preservaram-se contudo até nossos dias diversas peças de cerâmica, reservatórios de água ou moringas, onde exímios artistas pré-incaicos esculpiram na argila, cenas explícitas de homossexualismo. Na célebre coleção de cerâmica erótica Mochica coletada pela Família Larco, com data anterior a 1000 A.D., 3% das peças retratam realisticamente cenas de penetração per annum.(13)

Além dos ídolos mexicanos e das cerâmicas peruanas, outra importante fonte pré-colombiana para se conhecer a prática da homossexualidade no Novo Mundo é a coleção dos célebres Códices Maias - obras El Chilan Balam , El Popol Buj ( Livro del Consejo) e as Profecias Maias - obras pictográfica-hieroglíficas que tratam da história mitológica e costumes desta civilização. Através destes manuscritos, notadamente do Códice Vaticano n 3738, constata-se que no panteão asteca, ocupava lugar proeminente a deusa Xochipilli, divindade hermafrodita, protetora do amor e da sexualidade não procriativa, a qual, quando representada como homem, tornava-se o deus Xochipilli, padroeiro da homossexualidade masculina, controlador das doenças sexualmente transmissíveis(14). Segundo estes Códices, os Maias dividiam a história mitológica do mundo em diferentes períodos, sendo a Quarta Idade, a que precede o período anterior à chegada dos Europeus, também chamada de Idade Negra ou Idade das Flores, e tinha como patrona Xochiquetzal, símbolo do sexo e da sensualidade. “Esta es la edad em que los vícios, la molicie, el abandono de las costumbres austeras se instalan entre los hombres. Es la edad en que se olvidam las virtudes viriles de los guerreros y de los magistrados, y se ensalza la vida blanda, facil y pervertida. Es sublimación de la Danza de las Flores, de las grinaldas y del afeminamiento. Es el imperio de los mostradores del dorso, segun el Codice del Chilan Balam”.(15)

São contudo os relatos dos primeiros cronistas contemporâneos às conquistas do Novo Mundo, a fonte principal comprobatória da existência, grande extensão e variedade das práticas homossexuais na América Latina.

Já Fernan Cortez, na sua Primeira Carta Relación, enviada ao Imperador Carlos V em 1519, dizia:

“Hemos informados de cierto que todos ( los indios) de Vera Cruz son sodomitas y usan aquel abominale pecado,”(16) acrescentando Lopez de Gomarra que os nativos do Rio Panuco e adjacências eram “grandisimos putos”(17), usando o mesmo termo corrente desde a Idade Média em toda Península Ibérica, injustamente associando os homossexuais às prostitutas. Tarefa extremamente difícil é avaliar o grau de objetividade ou subjetividade destas afirmações pois nalguns casos, parece que os cronistas tendiam a exagerar os hábitos pecaminosos dos selvagens exatamente com o escopo de justificar a conquista, redução ou genocídio dos mesmos. Gomarra e outros cronistas associam a sodomia à impiedade: “Como no conocen el verdadero Dios y Señor, están en grandisimos pecados de idolatria, sacrifícios de hombres vivos, comida de carne humana, habla con el diablo, sodomias, etc”(18)

Quanto aos astecas, há clara contradição entre os primeiros observados, Diaz del Castilho apontando-os como grandes amantes do homoerotismo, enquanto o franciscano Frei Benardino de Sahagum exime-os desta abominação, ambos concordam, no entretanto, quanto à afeminação e travestismo como elementos estruturais da prática homossexual masculina: “Eran todos los démas dellos sométicos, en especial los que vivian en las costas y tierra caliente, en tanta manera que andaban vestidos en hábito de mujeres muchachos a ganar en aquel diabolico y abominable vicio.”(19) O citado missionário franciscano assim descreve os costumes dos nativos na sua História General de las cosas de la Nueva España:

“El somético paciente es abominable, nefando y detestable, digno de que hagan burla y se rian las gentes, y el hedor y fealdad de su pecado nefando no se puede sufrir, por el asco que o em el hablar, por todo se muestra mujeril o afeminado, en el andar o en el hablar, por todo lo cual merece ser quemado.”(20) Também Fray Bartomé da las Casas defende os nativos que missionou de serem muito afeitos às nefandices, ressaltando os especialistas nas civilizações maias e astecas a contradição notada entre a mitologia extremamente dionisíaca, valorativa inclusive da homossexualidade, ao lado de uma prática moral bastante repressiva, do tipo apolíneo, prevendo inclusive a pena de morte para certos casos de homossexualismo.(21)

“Aceptada o rechazada, honrada o severamente castigada, según la nación que se ejerció, (la homosexualidad) estava presente del Estrecho de Bering al de Magallanes...”concluiu com maestria quem primeiro estudou “las anormalidades sexuales de los aborigenes americanos.”(22) Inúmeros são os relatos de cronistas, viajantes e missionários descrevendo a presença de índios homossexuais e travestis entre as tribos e nações da atual América do Norte, onde famosos berdaches chegaram a ser retratados em pitorescas gravuras do século XVII.(23) Praticada pelos maias, astecas e caribes, a homossexualidade também teve muitos adeptos em diferentes civilizações dos antigos impérios andinos, da Colômbia ao Chile, incluindo os Chavin, Tiahunaco, Nazca, Chimu, notadamente os Incas e Chibchas. Em sua Crônica del Peru, Cieza de Leon observou que “por los tener el demonio más presos en las cadenas de su perdición, en los oraculos y adoratórios donde se hallaba el ídolo y daba las respuestas, hacía entender que convenia para el servicio suyo, que alguns mozos desde su niñez estuviesen en los templos para que a su tiempo, cuando se hiciesen los sacrificios y fiestas solenes, los señores y otros principales, usasen com ellos el maldito pecado de la sodomia. Segun el padre Domingo de Santo Tomás, generalmente entre los serranos y Yungas, en cada tiemplo o adoratorio principal, tienen um hombre o dós o más, segun el ídolo, los cuales andan vestido como mujeres y dias principales, su ayuntamiento carnal torpe, especialmente los señores principales. Ellos hacian entender que tal vicio era especie de santidad y religion”(24).

A associação entre homossexualismo e xamanismo e outras manifestações religiosas é tema fartamente documentado em incontáveis culturas, em todos continentes e ao longo de toda história humana.(25) Também entre os aborígenes do Brasil e das partes mais meridionais da América do Sul abundam evidências de que os amores homossexuais faziam parte das alternativas eróticas socialmente aceitáveis antes da chegada dos conquistadores portugueses. Entre os Tupinambá, que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os índios gays eram chamados de tibira, e as lésbicas de çacoaimbeguira. Eis como são descritos no Tratado Descritivo do Brasil em 1587:

“Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestialidade por proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que tem tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.”(26)

Eis como outro cronista, Gandavo, já em 1576 descrevia a conduta das mulheres-machos:

“Algumas índias há que não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos e vão à guerra com seus arcos e flechas e à caça, preservando sempre na companhia dos homens. E cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada. E assim se comunicam e conversam como marido e mulher.”(27)

Provavelmente foram estas índias ultra masculinizadas, as çacoaimbeguira que serem vistas lutando contra os espanhóis no Rio Marañon, foram confundidas com as legendárias Amazonas, mito que propagou-se por todo o Continente Americano, muito embora carecendo de qualquer evidência confiável quanto à sua veracidade.(28)

Entre os nativos Guaicuru, pertencentes à grande nação Guarani , residentes nas margens do Rio Paraguai, ainda nos finais do século XVIII, eram encontrados índios homossexuais que além de travestirem-se, eram totalmente identificados com o estilo de vida do sexo oposto:

“Entre os Guaicurus e Xamicos, há alguns homens a que estimam e são estimados, a que se chamam cudinhos, os quais lhes servem como mulheres, principalmente em suas longas digressões. Estes cudinhos ou nefandos demônios, vestem-se e se enfeitam como mulheres, falam como elas, fazem só os mesmos trabalhos que elas fazem, trazem jalatas, urinam agaxados, têm marido que zelam muito e tem constantemente nos braços, prezam muito que os homens os namorem e uma vez cada mês, afetam o ridículo fingimento de se suporem menstruados, não comendo mulheres naquela crise, nem peixe nem carne, mas sim de algum fruto e palmito, indo todos os dias, como elas praticam, ao rio, com uma cuia para se lavarem.”(29)

À guisa de conclusão desta primeira parte, baseando-me nos principais estudos sobre a homossexualidade na América Latina, assim como em monografias antropológicas e históricas consagradas à diferentes culturas desta região, enumero a seguir a lista das etnias índigenas, do passado e do presente, sobre as quais há evidência arqueológica, histórica, etnográfica ou linguística, comprobatória da prática do homossexualismo.(30)

- México: Albardaos, Cipacingo, Itza, Jaguaces, Panuco, Sinaloa, Sonora, Tabasco, Tahus,Tlasca, Yucatecas, Maias e Astecas.

- Panamá: Dairem, Panamá

- Colômbia: Bogotá, Cayos, Chinatos, Chitarero, Guaira, Gauticos, Laches, Lile, Kagaba, Kogi, Mosca, Matilones, Urabaes, Zamba.

- Peru: Camana, Cañares, Carauli, Chibchas, Chinchas, Chincamas, Conchuco, Guanuco, Huayllas, Manta, Peru, Picta, Quellaca, Tarama, Tumebamba e os nativos de Puerto Viejo, Isla da Plata, Isla da Puna, Sta Helena, San Miguel, Serranos.

- Venezuela: Acchaguas, Bobure, Capechos, Carabina, Caribes, Chiricoa, Ciparicote, Coquibacoa.

- Bolívia: Chiguano,Wachipaeri

- Chile: Araucanos, Mapuche, Patatões

- Brasil: Bororó, Tupinambá, Guatós, Banaré, Wai-Wai, Xavante, Trumai, Tubira, Guaicuru, kaingaig, Nambiquara, Tenetehara, Yanomani, Mehinaku, Camaiurá, Cubeo, Guaiaquil.

II. A repressão aos sodomitas na América Latina colonial


“Raça sobre a qual pesa uma maldição e deve viver na mentira e no perjúrio, visto que sabe ser tido punível e vergonhoso, por inconfessável, seu desejo, o que faz para toda a criatura a maior doçura.”
( M. Proust, 1921)


Apesar da sodomia ser considerada pela Cristandade como “o mais torpe, sujo e desonesto pecado”, punida como crime hediondo equivalente ao regicídio e à traição nacional, merecedores os homossexuais da pena de morte na fogueira, não obstante tamanho tabu e discriminação, à época das grandes descobertas, floresceu na Península Ibérica intrépida e heroíca subcultura gay(31) nalgumas partes mais visível e ousada do que a existente em países europeus fora da esfera inquisitorial.(32)

Malgrados anátemas dos missionários e primeiros cronistas contra os índios praticantes do mau pecado, a despeito da perseguição desencadeada pelos conquistadores e autoridades contra tal crime - lembremo-nos do cruel genocídio praticado por Vasco Balboa, em 1513, o qual, no istmo do Panamá, encontrado numeroso séquito de nativos homossexuais, prendeu quarenta deles que foram devorados por cães ferozes, conforme narra Pietro Martire e retrata dramática gravura da época.(33)

Apesar da violenta homofobia capitaneada pela Inquisição, o certo é que desde os primórdios da colonização, sodomitas europeus encontraram no Novo Mundo espaço privilegiado para a prática do homoerotismo. A extensão e isolamento dos novos territórios, a nudez e maior liberdade sexual dos nativos e escravos, a frouxidão moral dos muitos desclassificados sociais que vieram arriscar a sorte nas Américas, ou para cá foram degredados, são fatores que facilitaram a propagação da homossexualidade nas novas conquistas. Acrescenta-se ainda outro elemento facilitador da homossexualização notadamente da América Portuguesa: 18% dos sodomitas condenados ao degredo pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa foram enviados para o Brasil,(34) a maior parte deles reincidindo no vício italiano. Salvo erro, o primeiro sodomita público e notório a pisar nas Américas de que temos notícias foi o jovem português Estevão Redondo, criado do Governador de Lisboa, D. Manoel Telles, que arribou em Olinda, no nordeste brasileiro, em fevereiro de 1549, “degredado para sempre.”(35)

Em 1558 é a vez do cirurgião Felipe Correia, inveterado fanchono com nítida tendência cross-gender(36) ser degredado para o Brasil: “tinha fama de mulherigo por suas falas e jeitos, bufarão e paciente”.(37)

Estabelecida em 1536, a Inquisição Portuguesa nunca conseguiu instalar um tribunal autônomo em terras brasílicas, diferentemente do que ocorreu com o Santo Ofício de Índias, no litoral colombiano. Infelizmente ainda não foi realizado um inventário de todos os sodomitas latino-americanos presos e processados por estes tribunais da Santa Inquisição. Temos notícia que já em 1548 foram registrados sete casos de sodomia na Guatemala, entre estes, o diácono Juan Altamiro, e seu cúmplice, Frei José de Barrera, além de um índio, Juan Martin, que ao ser encaminhado para a fogueira foi salvo devido a um distúrbio provocado por quatro clérigos e outros civis. Levantamentos parciais informam sobre a prisão de 19 sométigos no México em 1658: nada consta nas principais obras sobre a atuação inquisitorial no Peru e Chile no tocante ao abominável pecado de sodomia.(38) É para o Brasil que conseguimos localizar o maior número de registros documentais permitindo reconstituir com abundância de detalhes, as principais características da vivência homossexual dos colonos a partir dos finais do século XVI.

Entre 1591-1620, de um total de 283 culpas confessadas nas duas Visitações que o Santo Ofício (da fez a diferentes Capitanias do Nordeste brasileiro, há registro de 44 casos de sodomia (15,5%), sendo, depois da blasfêmia, o desvio mais frequentemente praticado pelos colonizadores. Dos denunciados, 61% eram brancos, 24% mestiços de variegados fenótipos, 9% negros e 6% índios, predominando as relações sodomíticas entre parceiros de diferentes cores, os quais ocupavam toda a gama de profissões: de Governador Geral do Brasil, como Diogo Botelho, a sacerdotes, senhores de engenho, funcionários públicos, militares, estudantes, feitores, criados, escravos, etc.(39)

Tais relações entre homossexuais de cores-classes diferentes muitas vezes antagônicas, nem sempre refletem a mesma lógica da dominação senhorial heterossexista, pois há vários exemplos de índios e negros que desempenharam o papel ativo ou quer na iniciativa da sedução, quer na própria relação copulativa, conforme demonstrei em meu trabalho “O Sexo Cativo: Alternativas eróticas dos africanos e seus descendentes no Brasil Escravista.”(40)

Após beneditino levantamento nos mais de quatro mil denúncias, e 400 processos de sodomia arquivados na Torre do Lombo de Lisboa, localizamos até o presente 283 denúncias de brasileiros ou portugueses, residentes no Brasil, infamados de praticarem o pecado de Sodoma. Destes, 32 foram processados, sendo 11 condenados a remar nas galés del Rei, alguns por cinco anos, outros “galés perpétuas”; 6 foram degredados para áreas remotas da Colônia ou para África. Embora nenhum sodomita destes presos pelo Santo Ofício tenha sido condenado à morte na fogueira, há registro da execução dois homossexuais no Brasil colonial: em 1613, em São Luís do Maranhão, por ordem dos invasores franceses, instigados pelos missionários capuchinhos, um índio Tupinambá, publicamente infamado e reconhecido como tibira, foi amarrado na boca de um canhão sendo seu corpo estraçalhado com o estourar do morteiro, “para purificar a terra de suas maldades”(41). Em 1678, um segundo mártir homossexual é executado na Capitania de Sergipe del Rei: um jovem negro, escravo, “foi morto de açoites por ter cometido o pecado de sodomia”.(42)

Quanto às lésbicas, como em 1646 o Santo Ofício Português deliberou excluir a sodomia foeminarum da lista dos crimes pertencentes à sua jurisdição, foi sobretudo nos finais do século XVI que as homossexuais femininas foram vítimas da sanha inquisitorial, mesmo assim, menos reprimidas que os homoeróticos masculinos. Das 29 denúncias de lesbianismo registradas no Nordeste brasileiro, entre 1591-1593, 5 receberam penas pecuniárias e espirituais, 3 foram degredadas e 2 condenadas a açoites públicos.(43)

Conforme já referimos, “amor que não ousava dizer o nome” teve seus adeptos em todas classes, raças e etnias do Brasil Colonial, sendo praticado tanto nas mansões senhoriais, como nos casebres de escravos e livres pobres; nas casernas, igrejas e mosteiros masculinos e femininos; na zona rural e urbana, incluindo tanto interações esporádicas e fortuitas, com diferentes parceiros, quanto relações estáveis, algumas por décadas seguidas. Em meu estudo “Desventuras de um sodomita português no Brasil Seiscentista” reconstruo a vivência homossexual de um violeiro-mercador de fumo, Luiz Delgado e de seus numerosos amantes, primeiro em Évora, no Reino, depois degredado para o Brasil, vivendo ora no Rio de Janeiro, ora na Bahia, onde concluo que malgrado a existência de legislação draconiana tanto civil quanto canônica, contra o crime de sodomia, houve espaço na América Colonial para o surgimento de uma incipiente subcultura gay, vezes, exibida e frenética,(44) comportando inclusive o exibicionismo desafiador de travestis. O primeiro homossexual travesti que temos notícias no Brasil foi um negro natural do Congo, Francisco Manicongo, escravo de um sapateiro, residente em Salvador, denunciado na Visitação de 1591: “recusava-se trazer vestido de homem que lhe dava seu senhor, [conservando] o costume dos negros gentios de Angola e Congo, onde os negros somitigos que o pecado nefando servem de mulheres paciente, são chamados de quimbanda, os quais trazem um pano cingido com as pontas por diante que lhes fica uma abertura diante...”(45). Também em Cuba há informação de práticas homófilas entre os escravos nos engenhos de cana de açúcar.(46) Também índios já batizados, vivendo nos arredores dos primeiros núcleos coloniais do Brasil, são apontados como sodomitas, assumindo alguns ofícios e posturas geralmente atribuídas ao sexo frágil, outras acusados de “viverem como marido e mulher, como se amancebados fossem”.(47)

Tudo leva a crer que também nos demais países latino-americanos, durante o período colonial, existiram não apenas cripto-sodomitas amorfos e isolados, mas um contingente não desprezível de sométicos que apesar de rotulados de maricas, eram suficientemente machos para exteriorizar suas preferências invertidas através de gestos, roupas e adereços próprios de um sub-cultura sincrética e sui-generis. É para o México, além do Brasil, que dispomos de documentação comprovante de tal hipótese: no ano de 1658 foram denunciados 123 sodomitas vivendo na cidade do México e seus arredores, dos quais 19 foram presos e 14 queimados. Um destes escapou da fogueira por ser menor de 15 anos, recebendo contudo como castigo, 200 açoites e 6 anos de trabalhos forçados.(48)

Segundo contava a Alcaide do Crime da Nova Espanha, D. Sotomayor, “o pecado nefando tem mui contaminado estas províncias”, diagnóstico correto, pois dentre as mariquitas presas, constava alguns que por quarenta anos seguidos praticavam somitigarias, “se regalaban uns a otros”, chegando a simular prenhez. Entre os denunciados predominavam os índios, mestiços, espanhóis, mulatos e até mouriscos e portugueses.(49) Dentre estes destacavam-se os domésticos ou escravos, seguidos dos estudantes e pequenos comerciantes. Como ocorria na Península Ibérica, também os sométicos de Nova Espanha assumiam traços e características do sexo frágil, trazendo vestidos de mulheres e tratando-se com nomes femininos: entre os sentenciados havia um mulato apelidado Cotita; os mestiços atendiam por La Zangarriana, La Estampa, La Conchita; um alfaiate espanhol era La Luma, outro, Las Rosas; o índio Martin tornou-se La Martina de los Cielos e um negro atendia por La Morossa.(50) Eis como se comportava um destes sométicos mexicanos:

“El dicho Juan de la Vega hera mulato afeminado... le llamaban Cotita (que es lo mesmo que mariquita) y el dicho mulato se quebrava de cintura y traia atado en la frente de hordinario un pañito llamado melindre que usan las mujeres y en las aberturas de las mangas de um jubón blanco que traia puesto, traya muchas cintas pendientes y se sentava en el suelonen un estrado como mujer y hacia tortilhas y labada y guisaba.”(51)

Consta que após este violento progrom de 1658, novamente em 1673 mais sete mulatos, negros e mestiços de Mixcoac foram queimados, aí também ficamos em dúvida, se processados com todas as formalidades próprias do Santo Ofício, ou por iniciativa das autoridades civis, considerando ser a sodomia crime de foro misto.(52) Além destes homossexuais mexicanos executados na segunda metade do século XVII, encontrei nos arquivos portugueses referência a mais quatro sodomitas vivendo na América Espanhola, até desconhecidos pela historiografia local. O primeiro episódio remete-nos ao Vice-Reino do Peru em 1598: Frei João de Valencuela era natural de Xerex (Sevilha), frade carmelitano, doutor em Teologia e missionário do Peru, “mestre e grande pregador”. Ao retornar dos Andes, em Badajoz (Estremadura), foi preso pelos Familiares do Santo Ofício português, acusado de dormir de portas trancadas com seu criado, o moço Joanilho,13 anos. No desenrolar da investigação, foi acusado de “ser tão puto quantos putos havia na Itália”, terra que no imaginário ibérico da época representava a própria reencarnação de Sodoma e Gomorra. Denunciaram mais: que após missionar no Peru e na Nova Espanha, na caravela em que retornou a Europa, por pouco não foi jogado no mar pelos marinheiros escandalizados, com medo de que Deus Nosso Senhor castigasse-os com desgraças e naufrágios, em castigo pela devassidão do frade somítigo. Apesar de alegar inocência, dos Carmelitas de Castilha, obrigado ao jejum de pão e água todas as quartas e sextas feiras.(53)

Para o século XVII - representa o período de maior homofobia por parte da Inquisição - dispomos de mais de dois processos. Bartolomeu Martins de Moura, 40 anos, ouvires de ouro, parte de cristão-novo, preso em 1655, foi julgado não só por professar secretamente a Lei de Moisés, como por práticas sodomíticas. No Santo Ofício declarou ter vivido dois anos na cidade do México e em Vera Cruz, sendo na ocasião estudante talvez, colega de alguns daqueles 7 estudantes sentenciados naquela província em 1658.(54) Este último caso relativo a um sodomita hispano-americano preso pela Inquisição de Lisboa é particularmente interessante, por reunir algumas especifidades. O réu é natural do México: Pedro Medina, 30 anos, soldado. Ostentava imagem masculina diferentemente de muitos outros sométicos afeminados:

“tinha rosto trigueiro, cabelo preto com gadelhas sobre os ombros, barba preta, estatura mediana. Vestia calções amarelos com riscas verdes, gibão riscado de negro, tudo coisa da Índia.”(55)

Seu pai era português, mudando para o México onde servia de escudeiro a uma fidalga. Em Nova Espanha Pedro Medina nasceu, foi crismado na Sé do México, sendo oficiante D. Francisco Manso. Nada informam os documentos sobre sua vida erótica na terra natal. Feito soldado na armada castelhana, viajou por longínquos reinos do Oriente: Filipinas, Jacatará na Índia, China, caindo cativo dos mouros. Sofrendo violentos espancamentos de seu dono islamita, então na Pérsia, arrenegou Jesus Cristo, vivendo na Lei de Maomé, até que foi resgatado pelos calvinistas holandeses, permanecendo preso num navio, na costa do Ceilão, por meses seguidos. Novamente livre, após tantas peripécias, ao chegar em Lisboa, é denunciado ao Santo Ofício por um jovem de 20 anos, Manoel Rois, igualmente ex-prisioneiro dos batavos. Segundo este moço, nos 6 meses em que sob o jugo dos calvinistas, mantiveram mais de 120 cópulas sodomíticas, “metendo seu membro viril e derramado semente no vaso traseiro dele, confessante, e com consentimento dele, cometeram mais 80 vezes o nefando pecado de sodomia, sendo Pedro Medina o paciente.”

O reú mexicano, por sua vez , ao ser preso, acrescentou que quando na Índia, também cometera o pecado de sodomia com um moço holandês, Cornélio, sendo agente e paciente, "uma só vez, e com João Bautista, veneziano de 18 anos, prestaram culto à Vênus Prepóstera mais três ocasiões. Foi condenado à aviltante pena dos açoites pelas públicas de Lisboa e condenado a 5 anos de gáles" - um local tentador para quem estava tão acostumado a não resistir às pulsões homoeróticas embalado pelas ondas do mar...

III. Gays e lésbicas latino americanos hoje


Com o fim das Inquisições Portuguesa e Espanhola, também na América Latina são extintos os Tribunais do Santo Ofício, em 1820 no Peru e México, em 1821 em Cartagena e no Brasil.(56) Extingue-se o Monstrum Horribilem mas infelizmente, como mentalidades não se mudam por decreto, até hoje persiste na América Latina o espectro inquisitorial, não apenas na ideologia moralista e intolerante, como na própria composição das elites locais, cujas tradicionais descendem diretamente dos terríveis Familiares e Comissários do Santo Ofício.(57)

Diversos países latino-americanos, entre eles o Brasil, com a Independência, por inspiração modernizante do Código Napoleônico, descriminalizaram a sodomia, deixando de constar nos novos Códigos Penais, muito embora persista entre nós, forte preconceito e discriminação contra os praticantes desta variante amorosa. Sob alegação de atentado ao pudor ou prática da prostituição, incontável número de pederastas foram chantageados, encarcerados e torturados pelos agentes da nova ordem policial. Apesar de muitos médicos e cientistas trabalharem por retirar os invertidos sexuais das delegacias e prisões, para tentar sua cura em seus ambulatórios e clínicas, na qualidade de cães de guarda da moral oficial, estes doutores, no afã de regenerar tais desvios, adotaram às vezes modernas formas de violência, torturando as indefesas mariquitas com terapias doloridíssimas que chegaram a incluir choques elétricos, doses cavalares de hormônios e perigosos produtos químicos e até o transplante de testículos de macacos.(58)

Suicídio, clandestinidade total, baixa estima, marginalidade, assassinatos, passaram a ser o pão de cada dia de milhares de uranistas latino-americanos, rechaçados dentro de suas próprias famílias, humilhados nas ruas, barrados no acesso ao trabalho. Pesquisas levadas a cabo no Brasil, país considerado um dos menos homofóbicos da América Latina, revelam que dentre todas as minorias sociais, gays e lésbicas são os mais odiados, ódio manifesto num continuum que inclui o insulto verbal, o tratamento depreciativo nos meios de comunicação, a violência física nas ruas, prisão arbitrária, os assassinatos(59). No México, até hoje gays são apelidados de “cuarenta y uno” em alusão aos 41 maricones presos numa só noite no ano de 1901, os quais foram submetidos a humilhantes castigos, obrigados a varrer as ruas da capital e lavar as latrinas públicas.(60)

Também na Argentina, nos anos 30, as festas reunindo homossexuais “terminaban muchas veces sob la irrupción imprevista de la policia, sobre todo en la época en que era mas urgente la limpieza periódica de los vidrios de la jefatura, menester para el los vigilantes elegian simpre a los maricas, obligados entonces a entregarsecon trapo, jabón y agua la feminina pero nada agradable tarea.”(61)

Nos últimos anos, a imprensa vem noticiando repetidamente o homicídio de centenas de gays, lésbicas no México, Colômbia, Equador(62) e sobretudo no Brasil, onde há documentação comprovando que nos últimos 15 anos, mais de 1200 homossexuais foram violentamente assassinados, vítimas de crimes homofóbicos, perfazendo uma média de um assassinato de homossexual a cada cinco dias.(63)

Para reagir contra este verdadeiro genocídio e contra as não menos cruéis discriminações de que são vítimas mais de 10% dos latino-americanos homófilos(64), em sintonia com o reconhecimento internacional de que a homossexualidade não é doença nem desvio, mas uma orientação sexual tão legitima, normal e saudável quanto a heterossexualidade ou bissexualidade,(65) alguns anos após a famosa rebelião gay ocorrida em Nova York em 1969, considerada o marco inicial e símbolo do moderno movimento homossexual internacional, também na América Latina gays e lésbicas vêm se organizando para ter os mesmos direitos humanos dos demais cidadãos.

Foi na Argentina onde se organizou o primeiro grupo de defesa dos direitos de gays e lésbicas: em 1971 é fundada a Frente de Liberación Homosexual(66) que passou a editar o primeiro boletim homossexual do Continente do Sul, o Somos. Logo no ano seguinte são fundados no México duas entidades congêneres: Sex-Pol e Frente de Liberación Homosexual.(67) Em 1978 é a vez do Brasil entrar na luta pela cidadania dos homossexuais: nosso primeiro grupo gay chamou-se Somos, fundado em São Paulo e logo ramificado para outros estados da federação.

Em 1979 uma facção deste grupo organiza o LF, Lésbico-Feminista,(68) que passou a editar o boletim Chanacomchana. Quando da realização do I Encontro Brasileiro de Homossexuais, em 1980, já existiam mais de vinte grupos gays e lésbicos de norte a sul do país: hoje ultrapassam meia centena.

Peru também teve seu Movimento Homosexual de Lima (MHOL) fundado ainda nos inícios dos anos 80, possuindo sede no centro da cidade onde presta assistência psicológica e jurídica aos homossexuais. Como os demais grupos aqui citados, com o surgimento da epidemia da AIDS, tais entidades passaram a dedicar-se também à prevenção do HIV, contribuindo com os governos locais e com outras não-Governamentais (ONGs/AIDS) na prevenção desta síndrome.(69)

Colômbia possuiu nos inícios da década de 80 a maior e melhor produzida revista gay da América do Sul, Ventana Gay, além do boletim De Ambiente, publicado então pelo Colectivo del Orgullo Gay, sediado em Bogotá. Segundo Spartacus Gay Guide, a principal publicação internacional do gênero, existiram nos inícios da década atual mais duas publicações homossexuais em Bogotá: Lambda Gay e Conotaciones. Segundo esta mesma fonte, em 1987, mais de 50 homossexuais foram assassinados neste homícidios atribuídos a esquadrões da morte.(70)

Venezuela também teve sua organização homossexual, hoje inativa: Grupo Entendido, o qual, em 1983, denunciou junto à Anistia Internacional uma série de maus tratos praticados pelas forças policiais contra os frequentadores dos espaços gays locais.(71)

México, devido à vizinhança com os Estados Unidos, onde o movimento homossexual é extremamente forte e organizado, e graças ao contacto com os chicanos homófilos, é país hispano-americano onde os gays e lésbicas estão mais organizados: já chegaram a realizar manifestações de rua com mais de quatro mil maricones & tortilleras. Além de dezenas de grupos homossexuais, destacando-se o Grupo Orgullo Homossexual de Liberación, Y Que!, Collectivo Sol, com atuação na Capital e em Guadalajara e Tijuana, dispõem os atuais veneradores da deusa Xochiquetzal de alguns serviços de apoio, como o Centro Comunitário Gay, Grupo para Alcoótras e Neuróticos Homossexuais, além de um templo filial da Metropolitan Community Church, a primeira igreja homossexual do mundo.(72)

Há países latino-americanos onde ainda persistem leis que penalizam os homossexuais: Nicarágua, Cuba e Equador(73), inviabilizando o surgimento de movimento organizado em defesa da cidadania dos gays e lésbicas. No Uruguai, Bolívia e Paraguai, e nos demais países da América Central e Caribe, os homossexuais ainda não se organizaram para defender seus direitos humanos. O Chile oferece motivo para reflexão: logo após os anos lúgubres da ditadura militar, surgiram alguns grupos bastante dinâmicos, como Movimento Homosexual y Lesbico de Chile, o Colectivo Lesbico-Feminista. Em 1922, realizou-se em Santiago do Chile e 1º Encontro Sul-Americano de Grupos Gays e Lésbicos. Um detalhe auspicioso: este encontro contou com o apoio tático da Comunidade Quaker, um gesto histórico e pioneiro de respeito e solidariedade humana partindo de uma entidade cristã latino-americano.

À guisa de conclusão


O estudo da etno-história da homossexualidade na América Latina desde os tempos pré-colombianos até à atualidade revela-nos de um lado o preconceito irracional e cruel contra uma minoria social, os gays, lésbicas e travestis - cuja identidade existencial e expressão afetivo-sexual foram secularmente considerados o mais grave pecado e crime mais hediondo, ambos merecedores da morte.

Ao resgatar esta micro-história tão marcada pela intolerância e violência, três foram nossos objetivos: primeiro, quebrar o silêncio e desmistificar o tabu que ainda hoje persistem vis-a-vis a homossexualidade, tornando-a tema sério merecedor de mais estudos e pesquisas pelas diferentes áreas do conhecimento científico; segundo, ao abordar a evolução da homossexualidade masculina e feminina neste meio milênio de história latino-americana, tivemos como espaço demonstrar a universalidade temporal e espacial desta manifestação humana, avançando no conhecimento empírico de certas áreas culturais até então pouco divulgadas nos meios acadêmicos: terceiro, tivemos como preocupação demonstrar que a homofobia, assim como o racismo e o machismo, são frutos podres de variegadas matrizes culturais que se exacerbaram em nosso triste passado escravista, e como tal, emergem como facetas de uma ideologia perversa e desumana, que só poderá ser superada através das luzes da ciência e pelo bom senso dos códigos internacionais de direitos humanos.

Apesar do quadro ainda sombrio e das frequentes violações dos direitos de cidadania dos homossexuais latino-americanos, tudo nos leva a crer que dias melhores começam a brilhar para tal minoria social: até os inícios do século passado, quando da extinção do Santo Ofício da Inquisição, a homossexualidade era crime condenável à morte em todo Continente Latino-Americano. Hoje, a América Latina caminha em sentido inverso: à imitação do que ocorre a décadas nos mais civilizados países do primeiro mundo, no Brasil, em 73 Municípios e em três estados da Federação, as constituições locais proíbem expressamente qualquer discriminação baseada na orientação sexual. Ontem, era crime ser homossexual. Hoje o crime é discriminar o homossexual.


Bibliografia

ARBORELA. Manoel. “Social and sexual varience in Lima”, in S.Murray, op.cit. 1987:101-1117.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Inquisição de Évora, Processo nº 8874, 1553.
______________. Inquisição de Évora, Processo nº 957 e nº 10618.
______________. Inquisição de Lisboa, Processo nº 352, 22-1-1547.
______________. Inquisição de Lisboa, Processo nº 7829, 1655.
______________. Inquisição de Lisboa, Processo nº 3710, 1657.
BAO, Daniel. “Invertidos sexuales, Tortilleras and Maricas Machos: The Construction of Homosexuality in Buenos Aires, Argentina, 1900-1950”in De Cecco & Elia (orgs.), If your seduce a straight person can you make then gay? New York, The Harwoth Press, 1993:205.
BELLINI, Ligia. A Coisa Obscura: Mulher, Sodomia e Inquisição no Brasil Colonial. S.Paulo, Editora Brasiliense, 1989.
BENNASSAR, B. “Aux origenes du caciquisme: Les Familiers de I’Inquisition en Andalousie au
XVIIème siècle”, Cahiers du Monde Hispanique et Luso-Brasilien, nº 727, 1976: 64-71.
Boletim do Grupo Gay da Bahia, nº 1-28, 1980-1994.
BOSWELL, J. Same-Sex Unions Premordern Europe.New York: Villard Books, 1994: xxxiii.
______________. “Revolutions, Universals and Sexual Categories”, in Hidden from History:
Reclaiming the Gay and Lesbians Past, Dubermann, M. Et allii (Eds.) New York American Library,1990.
Bulletin of Internacional Gay and Lesbian Human Rights Comission, S. Francisco, 1993.
BULLOUGH, V.L. Sexual Variance in Society and History. Chicago, The University of Chicago
Press, 1976:42; Thompson, J.E. Maya History and Religion. Norman, University of Oklahoma Press, 1970.
CHINCHILA AGUILA, Ernesto. La Inquisición en Guatemala, Edicion Ministerio de Educación
Publica, 1953.
CIEZA DE LEON,P. La Cronica del Peru. Calpe, Madrid, 1992, apud Requena, op.cit.17-18.
CONNER, R.P. Blossom of Bone reclaiming the connections between homoeroticism and the
Sacred. Harper San Francisco, 1993.
CORTES, H “Cartas de Relación de la Conquista de México”, tomo I,p.32, apud Requena, op. cit.1945:8.
DELGADO Paulino Castañeda y Hernandez Aparicio, Pilar. La Inquisición de Lima (1570-1635),
Madrid, Editorial Deimos, 1989
Devassos do Paraíso. Rio de Janeiro, Marx Limonade, 1986.
DIAZ DEL CASTIHLO, op.cit. 1605, Cap. CCVIII, apud Cardin, 1984:153.
DYNES, W. Enciclopeia of Homosexuality. New York, Garland, 1990:803.
______________. Homosexuality: A research guide. New York, Garland, 1987.
FERNANDEZ, Oviedo, G. Historia General y Natural de las Indias. L.V, Cap.III,1535, apud
Cardin, Alberto. Guerreros, Chamanes y Travestis. Indícios de Homossexalidad entre los exóticos. Barcelona, Tusquets Editores, 1984:150.
FRAGINALS, M El Ingenio. Habana, Ed. Nuestra Historia, 1978:384.
GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província Santa Cruz. Tratado da Terra do Brasil.
(1576) S.Paulo, Editora Obelisco, 1964:56-91.
GERARD, K. Et allii.The Porshuit of Sodomy. Male homosexuality in Renaissance and Enligtenment Europe. New Yok, The Haworth Press, 1989. Carrasco,R. Inquisición y represion sexual en Valencia, Laertes, Barcelona,1985.
GMUNDER, B.& Stamford, J. Spartacus Gay Guide. Berlin, B.G.G. Verlag, 1990-1991, 19 edição:
110.
GREENBERG, David. The construction of Homosexuality. Chicago, The University Chicago
Press, 1988.
GRUNZINSKI, S.op.cit.1985:266.
Grupo Gay da Bahia: Violação dos Direitos Humanos de Gays e Lésbicas no Brasil.
GUERRA,F. The Pre-Columbian Mind. London, Seminar Press, 1971:43-44.
GUIJO, Gregorio. Diário, 1648-1664. Ed. Manoel Romero deTerreos, México, 1952, 2 volumes,
apud De la Santidad a la Perversion,, S.Ortega (ed), “Las Cenizas del Deseo”, de Serge Gruzinski, México, Enlace, Editorial Grijalbo, 1985:255-280.
KATZ,J. Gay American History. New York, Avon Books, 1976.
KINSLEY, A.et allii. Sexual Behavior in the Human Male. Philadelphia: W.B.Saunders,1948.
LARCO HOYLO,R. Checan: Essay on Erotic Elements in Peruvian Art. Genebra, Nagel Publ.1965.
LOPEZ DE GOMARA, F Conquista de México. História General de Indias. (1551) Apud Raquena, op.cit. 1945:4.
______________. F Conquista de México. História General de Indias. (1551) Apud Raquena,
op.cit. 1945:4.
______________. op.cit. 1551, tomo I Cap. XLVII. p.163.
LUMDSEN, Ian. in Homosexuality. Society and the State Mexico. Toronto, Canadian Gay Archives, 1991.
MACAE, Edward. A construção da Igualdade. Identidade Sexual e Política no Brasil de Abertura. Campinas, Editora Unicamp, 1990; Trevisan, J.S.
MALINOWSKI, B. Sexo e Repressão na Sociedade Selvagem. Petrópolis: Vozes Editora,1973.
MEDINA, J.T. História del Tribunal del Santo Ofício de la Inquisición en Chile. Santiago,
Imprenta Ercilla, 1890, 2 vol.
MOTT, Luiz. História del Tribunal del Santo Ofício de la Inquisición en México. Santiago,
Imprenta Elzeveriana, 1905.
______________. “A Inquisição no Maranhão”, ( no prelo).
______________. “Amazonas: Um mito e algumas hipóteses”, in América em tempo de
Conquista, Vainfas R. (Org.), Rio deJaneiro, Jorge Zahar Editor, 1992:33-37.
______________. “Escravidão e Homossexualidade”, in História e Sexualidade no Brasil, R.
Vainfas (org.), S.Paulo. Editora Graal, 1986;19-40.
______________. “Justifica et Misericordia: A Inquisição Portuguesa e a repressão ao nefando
pecado de sodomia”, in Inquisição: Ensaios sobre Mentalidade, Heresias e Arte, A. Novinsty et allii (orgs.) São Paulo, EDUSP/Expressão e Cultura, 1992:703-738.
______________. “Relações raciais entre homossexuais no Brasil Colonial” Revista de
Antropologia, USP, 1992, vol 35: 169-190.
______________. “Somitigos, Tibira e Quimbanda: A prática do homossexualismo entre brancos,
índios e negros na Bahia e Pernambuco nos séculos XVI e XVII”, Comunicação apresentada na
33ª Reunião da SBPC, Salvador, 1981.
______________. A Inquisição em Sergipe. Aracaju, Fundesc,1989.
______________. O Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto,1988.
______________. O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição. Campinas, Editora Papirus, 1989.
______________. “Escravidão e Homossexualidade”, op.cit.1986: 19-40.
MURRAY, S.O. Male Homosexuality in Central and South America. New York, Gai Saber
Monograph,n 5, 1987.
Puentes de Respeto: Creación de Apoyo para la Juventud Lesbiana y Homosexual. Un guia referência del American Friends Committee y del Comité de Servicio Chileno Cuáqueno.
Santiago, 1992.
Requena, op.cit. 1945:3.
Requena, op.cit. 1945_5.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 13, 1850, p.358; Tomo I, 1839, pg. 32-33.
RIBEIRO, Leonídio. Homossexualismo e Endocrinologia. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1938.
SAHAGUN, B. História general de las cosas la Nueva España. L.X, Cap.XI, apud Cardin,op.cit.
1984:153.
SILVER, G.A. The Homosexual: Challenge to Science”, The Nation, 1957, 84:451-454.
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. S.Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1971:308 334.
STUCKELMAN, Joey. Intercourse, Discourse and Identity: A study of the formation of Homosexual identitites under authoritarianism in Argentina and Brazil. Senior Thesis, Latin American Studies, Santa Cruz University, CA, 1992.
TESTAS, G.& Testas, J. A Inquisição. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968:100, “A
Inquisição na América Espanhola”.
TRUMBACH, R. “Sodomite subcultures, Sodomitical roles and the Gender Revolution of the XVIIth recente historiography”, Eighteehth-Century Life. Nº 9, 1985: 109-121.
VERRIL, A. H. La Inquisición. Paris, Payot,1932.


Notas

(1) SILVER, G.A. “The Homosexual: Challenge to Science”, The Nation, 1957, 84: 451-454.

(2) MALINOWSKI, B. Sexo e Repressão na Sociedade Selvagem. Petrópolis: Vozes Editora,1973.

(3) O termo gay, provém do catalão-provençal gai, sendo usado desde os séculos XIII-XIV como sinônimo de homossexual. Cf. BOSWELL, J. Christianity Social Tolerance and Homosexuality. Gay People in Western Europe from the Beginning of the christian Era to the XIVth Century , Chicago: Chicago University Press, 1980:43.

(4) KINSLEY, A.et allii. Sexual Behavior in the HumanMale. Philadelphia:W.B.Saunders, 1948.

(5) BOSWELL, J. Same-Sex Unions Premordern Europe. New York: Villard Books, 1994: xxxiii

(6) GREENBERG, David. The construction of Homosexuality. Chicago, The University Chicago Press, 1988

(7) BOSWELL, J. “Revolutions,Universals and Sexual Categories”, in Hidden from History: Reclaiming the Gay and Lesbians Past, Duberman, M. Et.allii (eds.) New American Library, 1990. Para efeito desta análise, restringimos nossa amostra apenas aos territórios hoje conhecidos como constitutivos da América Latina, tendo como limite setentrional o México, incluindo todos os países de língua latina da América Central, Caribe e América do Sul.

(8) Este é o momento de prestar homenagens ao precursor dos estudos sobre a história da homossexualidade entre os ameríndios, Antonio Raquena, que já em 1945 publicava seu pioneiro e ainda insuperado “Notícias y consideraciones sobre las anormalidades sexuales de los aborigenes americanos: Sodomia”, publicado na Acta Venezolana, Tomo I, nº1, Jul.Set.1945:3-32 (traduzido para o inglês, “Sodomy among native american peoples”, Gay Sunshine, 38/39, 1979:37-39). Apesar da postura abertamente homófobica do autor - até certo ponto compreensível na época, sete trabalho é o vademecum para o estudo deste tema, do qual lançamos mão muitas vezes ao longo destas páginas.

(9) FERNANDEZ Oviedo, G. Historia General y Natural de las Indias. L. V, Cap.III,1535, apud Cardin, Alberto. Guerreros, Chamanes y Travestis. INDÍCIOS DE Homossexalidad entre los exóticos. Barcelona, Tusquets Editores, 1984:150. Depois de Raquena, A.Cardín representa a maior síntese documental referente a esta temática.

(10) LOPEZ DE GOMARA, F Conquista de México. História General de Indias. (1551) Apud Raquena, op.cit. 1945:4

(11) LOPEZ DE GOMARA, F Conquista de México. História General de Indias. (1551) Apud Raquena, op.cit. 1945:4.

(12) LARCO HOYLO,R. Checan: Essay on Erotic Elements in Peruvian Art. Genebra, Nagel Publ.1965

(13) GUERRA,F. The Pre-ColumbianMind. London, Seminar Press, 1971:43-44.

(14) BULLOUGH, V.L. Sexual Variance in Socitety and History. Chicago, The University of Chicago Press, 1976:42; Thompson, J.E. Maya History and Religion. Norman, University of Oklahoma Press, 1970.

(15) Requena, op.cit. 1945_5

(16) CORTES,H “Cartas de Relación de la Conquista de México”, tomo I,p.32, apud Requena, op. cit.1945:8

(17) LOPEZ DE GOMARA, op.cit. 1551, tomo I Cap.XLVII. p.163

(18) LOPEZ DE GOMARA, op.cit. 1551, tomo I Cap.XLVII. p.163

(19) DIAZ DEL CASTIHO, op.cit. 1605,Cap.CCVIII, apud Cardin, 1984:153

(20) SAHAGUN,B. História general de las cosas la Nueva España. L.X, Cap.XI, apud Cardin, op. cit. 1984:153

(21) A intolerância machista e a homofobia deste franciscano não deixa se ser surpreendente, pois além da homossexualidade ser conhecida durante toda a idade Média como “vício dos clérigos”, dentre todas as Ordens Religiosas, a dos Franciscanos era exatamente a que mais devotos tinha do “amor que não ousa dizer o nome”. Boswell, op.cit. 1980; Mott, Luiz. “Pagode Português: A Subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição”, Ciência eCultura, vol.40,fev.1980:120-139

MURRAY, S.O. Male Homosexuality in Central and South America. New York, Gai Saber Monograph,n 5, 1987. Esta obra, que reúne 9 artigos de diferentes especialidades sobre a homossexualidade latino-americana, inclusive um artigo de minha autoria “Homosexuality Brazil: Bibliography” é particularmente útil, pois apresente revisão crítica dos trabalhos históricos e antropológicos clássicos, além de dois léxicos sobre termos espanhóis e portugueses para referir-se aos homossexuais.

(22) Requena, op.cit. 1945:3.

(23) KATZ,J. Gay American History. New York, Avon Books, 1976. Cf.reprodução da gravura de Theodore deBry (1591) onde se vê hermafroditas empregados no transporte de pessoas (pg.431)

(24) CIEZA DE LEON,P. La Cronica del Peru. Calpe, Madrid, 1992, apud Requena, op.cit.17-18.

(25) CONNER, R.P. Blossom of Bone reclaiming the connections between homoeroticism and the Sacred. Harper San Francisco, 1993.

(26) SOUSA, Gabriel Soares. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. S.Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971:308 334.

(27) GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província Santa Cruz. Tratado da Terra do Brasil. (1576) S.Paulo, Editora Obelisco, 1964:56-91.

(28) MOTT, Luiz. “Amazonas: Um mito e algumas hipóteses”, in América em tempo de Conquista, Vainfas R. (Org.), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992:33-37

(29) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo13, 1850, p.358; TomoI, 1839, pg. 32-33

(30) Esta relação de tribos indígenas sobre as quais há evidências etno-históricas sobre a prática do homoerotismo baseia-se nas seguintes bibliografias: Foster, S. W. “A Bibliography on Homosexuality among Latin-American Indians”, Cabirion, nº 12, Spring/Summer 1985:17-19:Mott. Luiz. “Homosexuality in Brazil: Bibliography”, in Male Homosexuality in

(31) TRUMBACH, R. “Sodomite subcultures, Sodomitical roles and the Gender Revolution of the XVIIth recente historiography”, Eighteehth-Century Life. Nº9, 1985: 109-121

(32) GERARD, K. Et allii.The Porshuit of Sodomy. Male homosexuality in Renaissance and Enligtenment Europe. New Yok, The Haworth Press, 1989. Carrasco,R. Inquisición y represion sexual en Valencia, Laertes, Barcelona,1985.

(33) “Balboa Indos nefandum sodomiae scelus committentes canibus obijcit dilaniandos.” Cf. gravura no texto

(34) MOTT, Luiz. “Justifica et Misericordia: A Inquisição Portuguesa e a repressão ao nefando pecado de sodomia”, in Inquisição: Ensaios sobre Mentalidade, Heresias e Arte, A. Novinsty et allii (orgs.) São Paulo, EDUSP/Expressão e Cultura, 1992:703-738.

(35) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo nº352, 22-1-1547.

(36) DYNES, W. Homosexuality: A research guide. New York, Garland, 1987.

(37) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a Inquisição de Évora, Processo nº8874, 1553

(38) MEDINA, J.T. História del Tribunal del Santo Ofício de la Inquisición en México. Santiago, Imprenta Elzeveriana, 1905. Chinchila Aguila, Ernesto. La Inquisición en Guatemala, Edicion Ministerio de Educación Publica, 1953. Delgado, Paulino Castañeda y Hernandez Aparicio, Pilar. La Inquisición de Lima (1570-1635), Madrid, Editorial Deimos, 1989. VERRIL, A.H.La Inquisición. Paris, Payot,1932. MEDINA, J.T. História del Tribunal del Santo Ofício de la Inquisición en Chile. Santiago, Imprenta Ercilla, 1890, 2 vol.

(39) MOTT, Luiz. “Escravidão e Homossexualidade”, in História e Sexualidade no Brasil, R. Vainfas (org.), S.Paulo. Editora Graal, 1986;19-40.

(40) MOTT, Luiz. O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição. Campinas, Editora Papirus, 1989

(41) MOTT, Luiz. “A Inquisição no Maranhão”, ( no prelo)

(42) MOTT, Luiz. A Inquisição em Sergipe. Aracaju, Fundesc,1989

(43) BELLINI, Ligia. A Coisa Obscura: Mulher, Sodomia e Inquisição no Brasil Colonial. S.Paulo, Editora Brasiliense, 1989. Mott, Luiz. O Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1988

(44) MOTT, Luiz. “Relações raciais entre homossexuais no Brasil Colonial” Revista de Antropologia, USP, 1992, vol. 35: 169-190.

(45) MOTT,Luiz. “Escravidão e Homossexualidade”, op.cit.1986: 19-40.

(46) FRAGINALS,M El Ingenio. Habana,Ed. Nuestra Historia, 1978:384

(47) MOTT, Luiz. “Somitigos, Tibira e Quimbanda: A prática do homossexualismo entre brancos, índios e negros na Bahia e Pernambuco nos séculos XVI e XVII”, Comunicação apresentada na 33ª Reunião da SBPC, Salvador, 1981.

(48) GUIJO, Gregorio. Diário, 1648-1664. Ed. Manoel Romero deTerreos, México, 1952, 2 volumes, apud De la Santidad a la Perversion,, S.Ortega (ed), “Las Cenizas del Deseo”, de Serge Gruzinski, México, Enlace, Editorial Grijalbo, 1985:255-280.

(49) GRUNZINSKI, S.op.cit.1985:266

(50) Idem, ibidem, p.272

(51) Idem, ibidem, p.274

(52) Idem, ibidem,p.278

(53) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Évora, Processo nº957 e nº10618.

(54) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo nº7829, 1655.

(55) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo nº3710, 1657.

(56) TESTAS, G.& Testas, J. A Inquisição. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968:100, “A Inquisição na América Espanhola”

(57) BENNASSAR, B. “Aux origenes du caciquisme: Les Familiers de I’Inquisition en Andalousie au XVIIème siècle”, Cahiers duMonde Hispanique et Luso-Brasilien, nº727, 1976: 64-71.

(58) RIBEIRO, Leonídio. Homossexualismo e Endocrinologia. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1938.

(59) Grupo Gay da Bahia: Violação dos Direitos Humanos de Gays e Lésbicas no Brasil. (no prelo).

(60) DYNES, W. Enciclopeia of Homosexuality. New York, Garland, 1990:803

(61) BAO, Daniel. “Invertidos sexuales, Tortilleras and Maricas Machos: The Construction of Homosexuality in Buenos Aires, Argentina, 1900-1950”in De Cecco & Elia (orgs.), If your seduce a straight person can you make then gay? New York, The Harwoth Press, 1993:205.

(62) Bulletin of Internacional Gay and Lesbian Human Rights Comission, S. Francisco, 1993.

(63) Boletim do Grupo Gay da Bahia, nº1-28, 1980-1994.

(64) É com base no citado “Relatório Kinsey”que costuma-se calcular em 6% as pessoas exclusivamente homossexuais, que ocupam os números 5 e 6 da “Escala Kinsey”.

(65) Em 1985,o Conselho Federal de Medicina do Brasil excluiu a homossexualidade da Classificação Internacional de Saúde ratificou esta decisão, suprimindo no último CID o parágrafo 302.0 que classificava o homossexualismo como “desvio e transtorno sexual.”

(66)STUCKELMAN, Joey. Intercourse, Discourse and Identity: A study of the formation of Homosexual identitites under authoritarianism in Argentina and Brazil. Senior Thesis, Latin American Studies, Santa Cruz University, CA, 1992.

(67) LUMDSEN, Ian. in Homosexuality. Society and the State Mexico. Toronto, Canadian Gay Archives, 1991.

(68) MACAE, Edward. A construção da Igualdade. Identidade Sexual e Política no Brasil da Abertura. Campinas, Editora Unicamp, 1990; Trevisan, J.S.

(69) ARBORELA. Manoel. “Social and sexual varience in Lima”, in S.Murray, op.cit. 1987:101-1117.

(70) ARBORELA. Manoel. “Social and sexual varience in Lima”, in S.Murray, op.cit. 1987:101-1117

(71) Idem, ibidem, p.990-993

(72) Idem, ibidem, p .519.e.ss.601

(73) Idem, ibidem, p.122, 142, 601.


Sobre o autor

Luiz Mott é antropólogo, historiador e pesquisador, e um dos mais conhecidos ativistas brasileiros em favor dos direitos civis dos LGBT. Estudou em Seminário Dominicano de Juiz de Fora. Formou-se em Ciências Sociais pela USP. Possui mestrado em Etnologia em Sorbonne e doutorado em Antropologia, pela Unicamp. Atualmente é professor titular aposentado do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, UFBA e é professor e orientador do programa de pós graduação em História da Universidade Federal da Bahia, UFBA. Assumiu sua orientação sexual em 1977. Luiz Mott é fundador do Grupo Gay da Bahia, uma das principais instituições que laboram em prol dos direitos humanos dos gays no Brasil. Conheça mais: http://www.ggb.org.br