terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A demonização dos gays nas Igrejas Neo-pentecostais – o exemplo da IURD


Por Paulo Stekel

Neste terceiro dia de 2012, já nas primeiras horas, deparei-me com um vídeo espúrio em um canal da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), comandada pelo Bispo Edir Macedo (o mesmo que em vídeo conhecidíssimo na Internet ensina seus pastores a tirar o máximo de dinheiro das pessoas sob a falsa noção do dízimo como deflagrador da prosperidade enviada por Deus). O vídeo em questão é um trecho de programa de TV da IURD em que o Bispo Clodomir chama uma rapaz que padecia do “mal do homossexualismo”, como diz o vídeo. Através de uma teatralidade de quinta categoria, durante mais de dez minutos os Bispos Clodomir, Edir Macedo e uma catrefa de asseclas fanáticos tentam expulsar o “demônio do homossexualismo” de um rapaz de nome Leandro.

Primeiramente, vejamos o vídeo inteiro e continuemos depois nossas considerações:


Este Leandro é gay mesmo ou um péssimo ator? Em minha opinião, é alguém pago para fazer este teatro todo! O Bispo Clodomir pergunta quem o colocou nessa “vida de homossexualismo” e o rapaz responde: “recebi trabalho”. Um trabalho do vizinho que o queria “como homem”. O trabalho teria sido feito por um terreiro numa encruzilhada, numa sexta-feira. Eis aqui um duplo preconceito: homofobia e discriminação religiosa contra os africanistas. Além de considerar a homossexualidade como advindo de demônios, afirma que eles são mandados contra as pessoas por “pais-de-santo”. Fico admirado como o Bispo Edir Macedo e seus “atores” ainda estejam fora das grades. São charlatões evidentes, todos sabemos disso!

Quando os bispos e a catrefa fanática começam a orar para expulsar o “demônio do homossexualismo”, o Bispo Macedo diz que “o terreiro vai fechar, todos os terreiros”, porque têm impedido o rapaz e todos como ele de “buscar a Deus”. Por ser gay ele estaria sendo impedido de buscar a Deus? Como, se Deus o criou assim???

Em seguida, vem a maior pérola fundamentalista. O Bispo Macedo diz que “homossexualismo, lesbianismo, prostituição tem origem no Inferno”. Então, gays são pessoas infernais? Ele ainda diz: “Demônio do homossexualismo (…) maldito. Se tiver AIDS também é queimado!” Ele ainda pensa que AIDS é doença de gays?

Depois que o suposto “demônio gay” sai do rapaz, o Bispo Macedo pergunta como ele está. Ao responder que está bem, o Bispo ainda solta outra pérola: “Agora você tá falando grosso!” O que? Para ele todo o homossexual masculino fala fino, quer ser ou parecer mulher? (Sinceramente, a voz do rapaz continuou a mesma ao final!...rsrs.)

Este vídeo, que repostamos em nosso canal no youtube – acessem http://www.youtube.com/Espiritualinclusiva –, antes que venha a ser deletado pela IURD em seu próprio canal, é apenas um dos muitos exemplos em vídeo das atrocidades apresentadas por esta Igreja que nada mais é que um caça-níqueis muito bem sucedido. Outras igrejas neo-pentecostais (Assembleia de Deus, Quadrangular, etc.) também atacam os gays e os praticantes de outras religiões (especialmente espíritas, africanistas, umbandistas) com argumentos baixos, mas a IURD se supera na teatralidade da coisa. Antigamente, chegaram a cunhar as expressões “pai-de-encosto” e “mãe-de-encosto” para se referir aos Babalorixás e às Ialorixás do africanismo, numa clara intenção de denegrir a imagem destes religiosos que não têm nada de demoníaco, pois são apenas os sacerdotes de uma outra religião que não a cristã. Da mesma forma, gays não são demônios nem são gays por estarem possuídos, mas são simplesmente uma outra via de orientação da complexa sexualidade e afetividade humana. E, não só humana, já que a homossexualidade foi encontrada em cerca de 450 espécies animais!

A figura do topo deste artigo demonstra bem como fundamentalistas neo-pentecostais percebem um homossexual: uma mistura de Hellboy com Barbie... O imaginário evangélico sobre os gays é medieval e muito vil, covarde e sem escrúpulos. Os gays são vistos por estas pessoas do mesmo modo demonizado que eram vistos na Idade Média os praticantes dos cultos pagãos (bruxas), os epilépticos, os nascidos com deficiência ou sinais no corpo, os cientistas inovadores (Galileu, Giordano Bruno), as mulheres não-submissas e os artistas que abandonavam os cânones aprovados pela Igreja de Roma. O que pretendem? Um retorno à Idade Média? Querem que adoremos um Deus caricato, moldado à moda do carrasco, que não parece ter qualquer consideração pela diversidade que ele mesmo teria criado? Não. Este Deus não existe! O que existem são profetas auto-declarados de um Deus que de amor paternal nada possui, um Deus deuteronômico vingativo e preconceituoso que exige fé cega para franquear uma salvação que não virá, pois sem amor ao próximo e sem obras realmente bondosas ninguém pode dizer que é salvo. Quando fanáticos desta estirpe apartam seres humanos de si por não os compreenderem, não estão cumprindo Palavra alguma, pois, todos sabem, a Palavra de Deus é uma só: AMOR!

Há poucos dias o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou em uma entrevista que os religiosos “são livres para dizer no púlpito de suas igrejas que a homossexualidade é pecado”. Mas, o que não se pode admitir, segundo ele, o uso de concessões públicas de rádio e TV para “demonizar e desumanizar uma comunidade inteira, como é a comunidade homossexual”. Na verdade, mesmo no púlpito das igrejas afirmar isso é complicado, pois no caso de haver gays assistindo o culto, estes podem se sentir diminuídos como seres humanos, e mesmo assim têm o direito constitucional de qualquer outro cidadão de estar ali dentro! Apenas um estado verdadeiramente laico pode mediar este conflito... e, não é o caso do Brasil! Onde está a lei para punir aqueles que pregam a “cura” de gays, sejam psicólogos ou pastores? Onde está a lei para punir os agressores nazistoides de gays pelo Brasil inteiro?

Há pastores que dizem que nem todos os gays são endemoniados. Para estes, alguns o são por simples “escolha”, outros, por causa de um “processo de aprendizado” durante a infância. Aprendizado? Mas, até onde sabemos, qualquer família heterossexual só apresenta um processo de aprendizado para seus filhos: o heterossexual! Então, como poderia um processo heterossexual ser o responsável por filhos gays? Não é! A homossexualidade, ainda que não totalmente entendida pela Ciência, é – e, considero isso ponto pacífico – nada mais que parte do complexo processo de sexualidade e afetividade humana e, quiçá, dos mamíferos! É, neste sentido, natural, por ser encontrada na Natureza, e não apenas na humana. Se é natural, deve ser estudada, compreendida, e não demonizada. Para os crentes, se é natural, devem entender que foi criada por Deus e, se há algum culpado pela homossexualidade incomodar alguns “varões” e “varoas” remidos e auto-declarados salvos, este culpado é o próprio Deus! Entendam-se com Ele, pois, oh salvos em Cristo, e deixem os gays viverem em paz, terem seus direitos fundamentais garantidos e colocarem em prática o maior dos mandamentos: amar!

Quando penso que num país como o Brasil o racismo e a discriminação por religião são impedidos por lei, mas a discriminação de homossexuais (por vezes aberta, nos meios de comunicação, quando não associada a violência física e assassinatos) claudica em tentativas mornas ou frustradas de legislação específica, me recordo do fim da Segunda Guerra Mundial, quando as leis anti-semíticas do regime hitlerista na Alemanha foram abolidas, mas as leis anti-homossexuais nazistas só foram suprimidas após a década de 1960, tendo muitos gays presos em campos de concentração sido obrigados pelos aliados, após o fim do Reich, a terminar suas penas, enquanto todos os judeus foram completamente libertados... receberam indenizações... mas os homossexuais continuaram recebendo privação de liberdade. Comparativamente, no Brasil, afirmar-se em público que os judeus assassinaram Jesus Cristo por não o terem reconhecido como o Messias é discriminação prevista em lei, mas dizer que gays são possuídos por demônios é apenas “liberdade de expressão” e “liberdade religiosa”.

Cada vez mais tenho a certeza de que as mentes vis deste mundo se aproveitam das brechas legislativas e sociais para destilar seu ódio contra o que não lhes agrada ou que escapa a seu entendimento limitado do que seja a vida, a liberdade, a comunidade e, principalmente, a espiritualidade.

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