Por Claudiney Prieto (trecho do livro “Wicca para Todos”, disponibilizado gratuitamente pelo autor em http://pt.calameo.com/read/0001432751a1dba130852)
Muito se discute sobre a presença de homossexuais na Wicca, em função das alegações de Gerald Gardner que dizia que a homossexualidade não tinha lugar na Arte.
Para chegarmos a uma conclusão pessoal sobre as afirmações de Gardner, temos que levar em consideração que ele era fruto de sua época. Na década de 40/50 a homossexualidade era considerada uma doença mental e crime, passível de prisão. A ligação de uma religião, tão mal vista como a Wicca, com a homossexualidade seguramente não seria bem aceita pela opinião pública. Logo, é natural que ele afirmasse que a homossexualidade não tinha lugar na Wicca não só porque era crime mas porque a própria Arte estava no seu processo de construção e busca da identidade.
O conceito das polaridades tem sido tema central para os muitos caminhos da Wicca desde aquela época e ele tem sido usado como uma explicação para tentar manter os Gays fora dos caminhos da Wicca. As afirmações mais vistas e lidas em livros sobre a Wicca geralmente afirmam frase como:
"Deusa e Deus, Feminino e Masculino, cuja interação cria o mundo, as estações e toda realidade manifesta.”
Onde os gays, e eu me incluo nesse grupo, se encaixam nisso tudo? Há uma conspiração em curso na Wicca para negar às minorias sexuais uma religião e Tradição Mistérica própria? É hora de reavaliarmos as afirmações sobre polaridade tão comuns nos livros de Wicca, pois isso tem limitado em muitos pontos a nossa experiência espiritual e nossa relação com os Deuses.
A primeira coisa que precisamos compreender é que apesar de se expressarem através de nós, a Deusa e o Deus não são seres humanos. Eles existem no reino do Espírito e são personificações das forças abstratas do Universo. Classificá-los apenas como masculino e feminino é limitá-los à nossa experiência humana e humanizá-los ao extremo. Deusa e Deus não são humanos, nem forças opostas. São elementos complementares de uma mesma coisa, extremos de uma mesma escala! Por que devemos nos limitar apenas a duas forças para explicar ou tentar entender a criação de energia e vida em nossa religião?
A teoria das polaridades fala basicamente da união dos opostos para criar energia seja ela mágica ou não. Esse pensamento simplista, utilizado por Gardner e muitos outros magistas para fundamentar suas teorias, poderia ser verdadeiro no século passado, mas atualmente é considerado ultrapassado de muitas maneiras. O conceito de energia baseado na polaridade masculina/feminina ou em pares de opostos é demasiadamente limitante e antigo. Nem mesmo a Ciência classifica as coisas mais dessa maneira.
Atualmente são consideradas 5 tipos de forças: a carga, a freqüência, a voltagem, a fase e a força composta. A carga é a atração de contrários no sentido do norte magnético ao sul magnético, e repulsão de energias semelhantes. A carga é o tipo de força mais usualmente possível de ser entendido em nossa cultura. Neste tipo de força, o intercâmbio da energia se apóia sobre diferenças da valência e da síntese.
A freqüência depende se a atração for do mesmo gênero ou gênero oposto, como a relação entre a mesma nota musical em diversas oitavas ou como as notas que são parte do mesmo acorde. Neste tipo de força, o intercâmbio da energia se apóia sobre intervalo e as semelhanças da proporção e ressonância, alto e baixo, harmonia e dissonância.
A voltagem surge das forças centrípetas e centrífugas em equilíbrio com a atração gravitacional. Aqui, o intercâmbio da energia se apóia sobre congruências do movimento para forçar o movimento, à direita, à esquerda, e a inércia.
Na fase, o intercâmbio da energia se apóia sobre o reforço e interferência. Ela traz as formas de onda conjuntas de modo que a onda alcance picos para aumentar a amplitude ou de modo que os picos se emparelhem o para alcançar o equilíbrio zero no caso da atração oposta.
A quinta força é uma síntese ou um composto dos quatro tipos mencionados, a Força Composta que consiste na combinação da carga e da voltagem Todas essas formas de força podem ser geradas pela sinergia. A sinergia é junção harmônica de forças iguais que quando unidas se tornam mais fortes do que qualquer uma dessas forças sozinhas, que em conjunto aumenta seu potencial de ação para gerar energia.
Gays quando trabalham magia podem não usar a estrutura das polaridades para gerar energia, mas indiscutivelmente podem se valer da sinergia para isso. Assim, sua forma de fazer magia é tão efetiva quanto qualquer outra que use os pares de opostos. Assim, dizer que gays não podem praticar a Arte porque não podem criar energia para ser canalizada para um objetivo específico porque não se relacionam sexualmente com pessoas do sexo oposto é um ato de ignorância extrema.
Temos que pensar além do gênero para ampliar nossa visão sobre o tema. Masculino e feminino é apenas uma entre as muitas formas de polaridades que incluem, mas não se limitam a:
Ativo / Passivo
Quente / Frio
Positivo/Negativo
Claro/ Escuro
Dia / Noite
Bem / Mal
Envio / Recepção
Guerra/ Paz
Sol/ Lua
Cada um desses pares de opostos está além de ser masculino ou feminino e vive e atua tanto em homens quanto em mulheres. Desta forma, masculino ou feminino não estão diretamente ligados a um padrão ou outro de energia. Encontramos Deuses lunares e Deusas solares, Deusas da guerra e Deuses da paz. A oposição energética não está no gênero, mas no padrão e/ou comportamento que cada indivíduo assume ao lidar com uma energia ou outra.
Gardner algumas vezes afirmou que gays eram uma abominação, um aborto da natureza e que não poderiam praticar Wicca porque a união de duas pessoas do mesmo sexo não gera vida. O quanto essa afirmação se encaixa no mundo atual?
Insiste-se em um equilíbrio de Masculino/Feminino para gerar energia e dar vida aos rituais, enquanto a maioria das pessoas segue usando preservativos, anticoncepcionais e diafragmas em suas práticas mágicas. Que vida está sendo gerada com essa atitude?
Isso nos leva a uma importante observação: Ignora-se totalmente que algumas pessoas são inférteis por razões fisiológicas! Assim, a união do masculino e feminino não gera necessariamente a vida! Pessoas inférteis, por mais que sejam heterossexuais, não podem gerar vida através de suas relações sexuais.
Temos aqui 2 questionamentos cruciais:
1. Se gays são excluídos de alguns grupos por não gerarem vida através de suas relações sexuais, assim também deveriam ser os heterossexuais que são incapazes de gerar vida por problemas fisiológicos?
2. Um gay fértil que não se une sexualmente com o sexo oposto deve ser aceito em grupo porque não é infértil, enquanto o heterossexual com problemas fisiológicos deve ser excluído por sua infertilidade? Fecundidade é o que a maioria das visões pagãs deseja enfatizar, mas EXISTEM
outras realidades. É tempo de examinarmos um novo paradigma para nossa religião.
Há fecundidade da inspiração. Há também fecundidade para achar soluções. A fecundidade fisiológica existe da mesma forma, mas ela não é a única. A fecundidade não conhece limites. Há fecundidade em todos os seres e ela se chama criatividade!
Será por isso que os gays estiveram em sua maioria sempre criando arte de uma ou outra maneira? Seria isso a capacidade de transformar a fecundidade, uma vez fisiológica, em criativa? Vale a pena levar tudo isso em consideração quando se considera o que Gardner disse como o Canon da Wicca. Como todos ele era um homem falho, limitado aos pensamentos, comportamentos, valores e conhecimentos científicos disponíveis em sua época. Uma religião deve estar em constante evolução, se adaptando e sendo renovada à cada descoberta e avanço da sociedade.
Sobre o autor:
Claudiney Prieto é pioneiro da Wicca no Brasil e um dos autores mais respeitados e conhecidos da atualidade! Com diversos livros publicados sobre Wicca e Paganismo, há mais de 15 anos o autor tem sido presença constante na mídia para esclarecer sobre as práticas e fundamentos da Antiga Religião. Suas obras se tornaram populares entre os Pagãos de diversas linhas e têm auxiliado a comunidade Pagã brasileira e latino-americana a conhecer e se aprofundar na prática e filosofia da Religião Wicca. Claudiney renova seus pensamentos a cada página que escreve, transmitindo com magnificência o conhecimento dos diferentes temas que compõem os exercícios de autotransformação e aprendizagem aos praticantes da Wicca. Acesse o site oficial do escritor: http://www.wiccanaweb.com.br
Blogue do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Artigos sobre visão inclusiva nas diversas formas de espiritualidade; denúncias de preconceito religioso e fundamentalista contra LGBTs; dicas de blogues, sites, filmes e documentários; tradução de artigos; divulgação de eventos LGBT e os inclusivos; notícias do mundo LGBT; decisões legislativas e debates políticos relativos aos direitos LGBT; temas culturais relevantes. Contato: espiritualidadeinclusiva@gmail.com
5 comentários:
Exato, Valeria Nagy! Espírito não tem sexo e tanto o homem quanto a mulher possuem as duas polaridades dentro de si. Como bem diz o texto de Claudiney Prieto, a religião deve se adaptar aos tempos, como aliás, sempre ocorreu. Afinal, sempre que uma nova religião nascia, contestava práticas e comportamentos das anteriores, propondo uma adaptação. O Buda, por exemplo, propôs o uso de línguas comuns ao invés do sagrado Sânscrito dos brâmanes; o Cristianismo propôs uma mensagem de Salvação para todos os povos e não apenas os judeus; o Islamismo em seus primórdios propôs que o estudo científico era importante, criticando a Igreja de Roma; e, por aí vai. Por que a sexualidade humana não pode agora ser o ponto de adaptação?
Excelente, com uma visão atual!!!!!!
Wicca... Uma religião linda para todos, que como sabemos religião vem do latim "religare" que significar religar, todos tem direito de religar-se com o Universo seja qual for o caminho a trilhar, todos levam ao mesmo lugar, o fato é que o próprio homem não questiona o outro, ou pior não se alto questiona... Chega de conceitos atrasados!
Obrigado, me tirou muitas dúvidas e esclareceu minha mente. Que o Senhor e a senhora o abençoem!
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