Iniciou-se a semana e
eu ainda não decidira qual artigo publicar em Espiritualidade
Inclusiva. Temos recebido muito material bom, e vamos publicando aos
poucos. Contudo, um debate iniciado ontem pela manhã na página
pessoal de Luiz Mott no Facebook (onde aparece a foto postada acima) me fez decidir pelo presente texto.
Há muito que queria
escrever sobre as relações estreitas existentes entre o machismo, a
misoginia e a homofobia, especialmente a voltada contra os
homossexuais masculinos.
Em sua postagem
intitulada “Quem inventou a busca e as mutilações genitais
femininas?”, Luiz Mott respondeu: “Os machos!!! Donos das
mulheres. Portanto, mulher que defende tais abusos machistas, são
alienadas, estão perpetuando sua servidão. Não me venham com o
blablablá do respeito ao relativismo, às culturas tribais, o
escambau. Escravidão e fogueira para sodomitas também eram traços
de muitas culturas do passado, e quem é maluco de defender tais
barbaridades?! Direitos humanos, cidadania e igualdade para todas,
já!”
Entre os comentários a
tal postagem, temos:
Paulo Stekel: “Por
mais que pareça forte e anti-cultural, a opinião de Luiz Mott é a
mesma minha. A forma como as mulheres são tratadas no Oriente
(incluindo a Índia) não é mera questão cultural. É sobreposição
da figura masculina sobre a feminina. Se as mulheres pudessem
contestar essas "tradições" sem irem para a forca, sem
serem agredidas ou condenadas a prisão perpétua, aí sim eu poderia
até considerar isso como algo meramente "cultural". Mas,
não é. Colocar todos os descalabros do mundo na conta da cultura é
uma atitude simplista e evasiva que só beneficia os algozes, nunca
as vítimas. Salve as mulheres do mundo que sofrem nas mãos do
machismo/patriarcalismo! Somo-me à luta delas porque desejo viver
num mundo em que haja oportunidades iguais para todos e todas!”
Anna: “De forma
alguma antropólogos sérios defendem barbáries. É para isso que
existe toda uma discussão acerca dos direitos humanos.” [Luiz Mott
é antropólogo.]
J. T.: “Acho que
nesses lugares todos os homens são homo[ssexuai]s, porque acho que
eles não gostam de mulher.”
Paulo Stekel: “J. T.,
não confunda "homens homossexuais" com "homens
misóginos". São duas coisas completamente diferentes! Em
geral, a misoginia é algo praticado por homens heterossexuais, não
homossexuais. Os homossexuais, em sua maioria, enaltecem a figura da
mulher.
M. D.: “Ah, Paulo,
obrigada pela piada! Os piores são os homens gays! O legal é que
também tem muito que reconhece isto.”
Paulo Stekel: “Não
sei quais são os homens gays que você conhece, M. D. Os que eu
conheço, em sua grande maioria, apoiam as mulheres, as defendem,
elogiam, enaltecem e não as consideram inferiores aos homens. Isso é
estatístico!”
Espiritualidade
Inclusiva: “A misoginia (inferiorização da mulher) tem origem nos
homens heterossexuais, sim. Tanto que o histórico preconceito dos
homens contra os gays masculinos se vale da inferiorização da
mulher para atacar os gays, dizendo que não são homens completos ou
que são aberrações por parecerem mulheres que, para tais
heterossexuais machistas, são inferiores ao homem. Então, misoginia
e homofobia são preconceitos historicamente entrelaçados.”
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Para entendemos melhor
como estes três tipos de preconceito – machismo, misoginia e
homofobia – se entremeiam, temos que defini-los (fonte: Wikipédia):
Machismo: Também
chamado de “chauvinismo masculino” (especialmente nos países de
língua inglesa) é a crença de que os homens são superiores às
mulheres. O “feminismo” não é, de forma alguma, o equivalente
direto ao machismo, pois o primeiro apenas busca a igualdade de
direitos entre homens e mulheres e a libertação das mulheres no
tocante aos padrões e opressões da sociedade patriarcal.
Misoginia: É o ódio
ou desprezo ao sexo feminino. A palavra vem do grego misos ("ódio")
e gyné ("mulher"). É paralelo à misandria, o ódio para
com o sexo masculino. Misoginia é o antônimo de filoginia, que é o
apreço, admiração ou amor pelas mulheres. Diferenciando misoginia
de machismo, a primeira se baseia no ódio ou desprezo pela mulher,
enquanto o machismo constitui-se numa crença na inferioridade da
mulher.
Para o sociólogo Allan
G. Johnson, "a misoginia é uma atitude cultural de ódio às
mulheres porque elas são femininas." Johnson argumentou que: "A
[misoginia] é um aspecto central do preconceito sexista e
ideológico, e, como tal, é uma base importante para a opressão de
mulheres em sociedades dominadas pelo homem. A misoginia é manifesta
em várias formas diferentes, de piadas, pornografia e violência ao
auto-desprezo que as mulheres são ensinadas a sentir pelos seus
corpos."
Michael Flood define a
misoginia como o ódio às mulheres: "Embora mais comum em
homens, a misoginia também existe e é praticada por mulheres contra
outras mulheres ou mesmo elas próprias. A misoginia funciona como
uma ideologia ou sistema de crença que tem acompanhado o patriarcado
ou sociedades dominadas pelo homem por milhares de anos e continua
colocando mulheres em posições subordinadas com acesso limitado ao
poder e tomada de decisões. (...) Aristóteles sustentou que
mulheres existem como deformidades naturais e homens imperfeitos
(...) Desde então, as mulheres em culturas Ocidentais tem
internalizado seu papel como bodes expiatórios da sociedade,
influenciadas no século 21 pela objetificação das mesmas pela
mídia com seu auto-desprezo culturalmente sancionado e fixações em
cirurgia plástica, anorexia e bulimia."
Homofobia: Neologismo
criado pelo psicólogo George Weinberg, em 1971, homofobia, de homo
(pseudoprefixo de homossexual) e fobia (do grego “fóbos”,
"medo", "aversão irreprimível") é uma série
de atitudes e sentimentos negativos em relação a LGBTs (lésbicas,
gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais, etc.). Nas várias
definições correntes sobre o termo encontramos desde as mais
brandas (antipatia, desprezo, preconceito, aversão, medo irracional)
até as mais críticas (comportamento hostil, discriminatório e
violento com base em uma percepção de orientação
não-heterossexual). Etimologicamente, o termo mais aceitável para a
ideia expressa seria "Homofilofóbico", que é medo de quem
gosta do igual. Em um discurso de 1998, a autora, ativista e líder
dos direitos civis, Coretta Scott King, declarou: "A homofobia é
como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância na
medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a
sua humanidade, dignidade e personalidade." Em 1991, a Anistia
Internacional passou a considerar a discriminação contra
homossexuais uma violação aos direitos humanos.
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Pois bem, o machismo
tem relação com o patriarcalismo. Várias são as religiões de
origem patriarcal, mas as que manifestam influência maior no mundo
contemporâneo são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, as
chamadas “religiões abraâmicas”. Para estas religiões, os
consensos são todos favoráveis ao homem: a criação do homem antes
da mulher, apesar de, biologicamente, ser ela a geradora (?); o
pecado no Paraíso e a posterior expulsão como um ato culposo da
“curiosidade insubordinada” de Eva, a primeira mulher; a
apresentação da mulher como moralmente fraca, dada a atos
libidinosos e a manifestar sua opinião de modo intriguento; a
negação da inteligência feminina em pé de igualdade com o homem.
Estes são apenas alguns exemplos.
Se fôssemos seguir à
risca as determinações bíblicas de Deuteronômio (algo que os
muçulmanos mais radicais assim o fazem!), as mulheres cristãs não
poderiam sair à rua sem véu, não poderiam andar à frente dos
maridos, não poderiam sequer abrir a boca para dar opinião própria
e muito menos contestar a “sabedoria” masculina soberana. No
Cristianismo católico, não esqueçamos, até hoje a mulher não
pode ser sacerdote, embora já haja pastoras e missionárias no
Cristianismo Protestante há muito tempo! Como explicar tais
discrepâncias, senão através de um machismo que insiste em se
fazer valer? Até a Maçonaria possui ordens exclusivamente
masculinas, e suas justificativas são praticamente as mesmas da
Igreja Católica. Abismante! Felizmente, as Lojas Mistas (que aceitam
homens e mulheres) vieram corrigir este absurdo do mesmo modo que as
Igrejas Protestantes.
Tudo isso advém de uma
ideia muito antiga, porém sem qualquer base científica, de que a
mulher é inferior ao homem, moralmente fraca e pouco inteligente. As
religiões abraâmicas argumentam que Eva, a primeira mulher, foi
criada após o homem e a partir deste. Então, se seria uma serva e
não poderia sobrepor-se a ele. Além disso, sua participação no
episódio da Árvore do Conhecimento granjeou-lhe fama de ardilosa,
curiosa e intrometida. A determinação natural da mulher parece ter
causado desde os primeiros tempos um medo, um pavor terrível nos
homens, que viam nisso ameaçada sua liderança e força de coesão
da tribo. As inúmeras sociedades matriarcais comprovam o contrário.
Na Idade Média a
mulher não tinha direito a uma alma. Então, como poderia ser salva,
sem uma alma? Por beneplácito papal e para evitar a contradição
óbvia, a existência da alma feminina foi reconhecida, ainda que
tardiamente, para vergonha da humanidade...
A homofobia histórica,
especialmente contra os gays masculinos, se insere exatamente neste
quadro de inferiorização da mulher. Ao perceber em muitos
homossexuais a tendência a um comportamento mais feminino, indo do
sutil ao travestismo, os religiosos de praticamente todas as
religiões teístas viram ali uma inferiorização do homem. Por
isso, até hoje se ofende gays efeminados com expressões delicadas e
que remetem ao universo feminino como “mulherzinha”, “frutinha”,
“bichinha”, “bibinha”, etc. Estas ofensas se entranharam de
tal forma em nossa cultura que até a mais “inocente” e
não-preconceituosa das pessoas por vezes se pega utilizando tais
termos de modo automático, como nas brincadeiras entre meninos e
rapazes heterossexuais, sem sequer perceberem o que estão
manifestando. Aprenderam culturalmente, desde a mais tenra idade, a
manifestar ojeriza por atitudes femininas em homens, já que, como
dissemos, isso remete em nosso inconsciente coletivo masculino à
ideia da inferioridade do sexo feminino. E, nenhum homem “macho”
quer ser comparado a uma mulher... Quanta ignorância!
A prova do que dizemos
está no fato de que, quando um homossexual masculino não se mostra
efeminado, ao saber de sua orientação, as pessoas em geral se
surpreendem, pois foram educadas a associar homossexualidade
masculina a “feminilidade”, afetação e “bichice”.
Desconsiderando os gays enrustidos, escondidos no armário, há, sim,
muitos homens homossexuais que naturalmente não apresentam qualquer
afetação. Não há qualquer relação intrínseca entre afetação
e homossexualidade. Mas, também não há nada de errado seja em ser
um gay efeminado ou um gay não-efeminado. São características
individuais que não devem ser confundidas com a orientação sexual.
O mesmo vale para a suposta “masculinidade” das lésbicas.
O mundo religioso
fundamentalista não consegue trabalhar bem com situações de gênero
e de orientação sexual não-heterossexuais. Para a maioria dos
fanáticos, ou se está entre os homens ou entre as mulheres, seja em
características físicas, biológicas, orientação e direcionamento
da afetividade. Para eles, não há meio termo (ai dos
bissexuais!)... Talvez, por isso o Irã seja o país do mundo que
mais paga cirurgias de adequação de gênero, especialmente a de
gênero masculino para feminino. Afinal, ao permitir isso, a
sociedade medieval iraniana deixa de se sentir desconfortável com a
existência de pessoas que não se sentem adequadas em seus corpos
originais e pode jogar a polêmica para debaixo do tapete. Para os
transexuais, uma ótima situação. Mas, para os homossexuais que não
querem mudar de gênero e mesmo assim relacionar-se com o mesmo sexo,
o problema se agrava, pois o Irã é, paradoxalmente, o país do
mundo que mais enforca e apedreja gays e lésbicas em via pública.
Ou seja, ao recusarem-se a colocar-se compartimentados no status de
gênero ditado pela heteronormatividade, são punidos como se
culpados fossem por algo que lhes acompanha na essência desde a mais
infância, pelo menos.
Por isso, digo que a
luta contra o machismo e a misoginia também são lutas contra a
homofobia e vice-versa, pois no inconsciente coletivo de nossa
sociedade miso-homofóbica moderna tudo existe de modo interdependente: o homem é
superior, a mulher deve ser desprezada e os não-heterossexuais são
como as mulheres, ou seja, inferiores e desprezíveis.
Está na hora de
mudarmos este quadro! Muitos gays masculinos, como disse no começo,
enaltecem a imagem feminina, e isso deve irritar muito o inconsciente
machista/misógino. Talvez, seja este o motivo dos crimes homofóbicos
contra travestis, transexuais e gays efeminados serem tão cruéis,
com desfiguração da face, castração e desmembramento do corpo.
Sem uma re-educação da sociedade não é possível mudar esta
situação para as próximas gerações. Quando tivermos uma lei
anti-homofobia aprovada e uma reavaliação dos currículos
escolares, incluindo educação para a diversidade, a violência vai
diminuir. Talvez, devagar, mas vai diminuir. Para tal continuaremos
lutando!
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