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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Homossexualidade, Catolicismo e Liberdade

Por Marcelo Moraes Caetano


Sou católico por formação e por tendência, universalista e agregador por vocação, e, exatamente por isso, parece-me extremamente necessário apontar falhas nas folhas (o trocadilho dos significantes não é fortuito) da árvore que integra o rol da religiosidade humana.

Em recente leitura publicada em site católico, em texto homônimo ao título deste, escrito por Pe. Dr. Helio Luciano (em: http://www.catedralflorianopolis.com/site/noticia.php?cod=186), eu vi-me premido ao esclarecimento de inúmeras falácias, que pretendo enumerar gradativamente, apontando-lhes os pontos falhos.

Em primeiríssimo lugar, no segundo parágrafo, erra gravemente o articulista quando afirma: “Por outro lado, da parte dos que defendem a homossexualidade, não pode existir uma ditadura que condene de imediato as opiniões contrárias àquelas que eles defendem”. O fato é que homossexualidade não é uma “opinião”, não se trata de uma ideologia, mas de um elemento intrínseco à natureza da pessoa. Não se pode dizer que ser negro, indígena, mulher, por exemplo, sejam “opiniões” que a pessoa tem, porque, em vez disso, trata-se de maneiras como a natureza quis que o ser humano se manifestasse na diversidade, não no unitarismo. “Ditadura” seria, isso sim, querer obscurecer essas e outras manifestações da pluralidade no mundo.

Em segundo lugar, o senhor articulista pretende defender “racionalmente” que o comportamento homossexual é contrário ao “modo próprio de ser” (sic). E arremata: “Sem nenhuma intenção de ofender às pessoas que tenham essa tendência, parece-me claro que o que sentem é uma atração sexual – quase sempre reduzida apenas a essa dimensão. Acaso o amor não é mais que a mera sexualidade?” Antes de tudo, o uso da racionalidade para distinguir amor de atração sexual é, no mínimo, pândego, uma piada das mais jocosas de que se já teve notícia. Ora, o senhor doutor Helio, teólogo que é, deve saber (ou deveria) que há searas humanas para cujo discernimento a racionalidade não é, nem de longe, a fonte de melhor clareza. A fé, por exemplo, é suprarracional, e o amor, certamente, também o é. Como pode esse senhor achar-se conhecedor do que é e do que não é amor? O próprio Blaise Pascal tem um aforismo célebre: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Não lhe parece, senhor, um pouco de soberba excessiva arrogar para si o conhecimento “racional” do que é e do que não é amor? O senhor acha mesmo que julgará com “razão”, unicamente, um assunto do coração? Imagine quão hilariante seria se alguém tentasse descrever a fé única e exclusivamente por meio da “razão”.

Quando o senhor parte à tentativa de conceituação da homossexualidade tendo como premissa a atração sexual, então, está incorrendo no maior dos irracionalismos, pois, inclusive, há amor sem atração sexual, e isso, portanto, também ocorre no amor entre pessoas do mesmo sexo, que são pessoas como outras quaisquer, “sujeitas às mesmas alegrias, dores e gozos de todo e qualquer ser humano”, parafraseando Simone de Beauvoir a respeito da homossexualidade, em seu livro célebre “O segundo sexo”.

Continuando seu amontoado de falácias e sofismas, o doutor teólogo afirma que sua tese é correta baseada no seguinte “raciocínio”: “Uma prova do que disse antes, é que existem apenas 60 mil pessoas no Brasil que se “casaram” com pessoas do seu mesmo sexo. Não chega a 0,04% da população brasileira. Perdoem-me a ironia, mas existem mais pessoas com a “unha encravada” que casais homossexuais e nem por isso temos leis que defendam as pessoas com “unha encravada”.

Senhor, se há tão poucos casais homossexuais no Brasil, não será exatamente por causa da proibição e do preconceito? Não estará o senhor incorrendo (propositada ou inocentemente) na falácia primária da inversão da relação de causa e consequência? E, quanto a dizer que “não temos leis que defendam as pessoas com unha encravada” (sic), como não?! Acaso elas não têm direito, como em qualquer outra enfermidade, pelo menos constitucionalmente, pelo Artigo V da CRFB/88, a tratamento médico gratuito subsidiado inteiramente pelo Estado na figura do SUS?

Ademais, ainda que o número de homossexuais (ou de pessoas com unha encravada) seja pequeno, toda pessoa que tem os mesmos deveres de qualquer cidadão deve, por racionalidade, possuir os mesmos direitos. Há também uma minoria de índios no Brasil (em grande parte quase erradicada pela própria igreja católica), e nem por isso eles deixam de possuir direitos.

Uma democracia não se restringe ao direito das maiorias. Isso é o maior erro de quem supõe saber o que é democracia. A democracia deve possuir dispositivos para atender, também, as minorias. “É preciso tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida em que se desigualam”, lembrou Rui Barbosa, ao instaurar o Princípio da Proporcionalidade na Constituição Brasileira e no seu modus operandi de democracia JUSTA. Não há nada mais injusto do que tratar de maneira igual os desiguais. Isso diz respeito, inclusive, às minorias, que precisam, sim, ser contempladas. Democracia SÓ das maiorias tem outro nome: fascismo. Foi nessa esteira que já se quis erradicar índios, escravizar negros, promover o genocídio de judeus, mulheres, protestantes, candomblecistas etc.

Não é a primeira vez que a igreja, apocalipticamente, grita que o fim da família ocorrerá e que os legisladores são arautos de Sodoma e Gomorra. Quem estudar o movimento que houve quando da implantação do divórcio no Brasil o verá. E a família acabou? A instituição deixou de existir? Ou será que o divórcio deu às pessoas a liberdade e a possibilidade de reconstruírem suas vidas, não precisando se autoflagelar (e flagelar aos filhos e ao cônjuge) por um erro que, muitas vezes, foi cometido no calor da puberdade?

Quando o senhor afirma que 62% da população é contrária à união civil, eu faço duas perguntas: 1) segundo qual fonte? 2) 38% não é uma parcela muito significativa para ser desprezada? Se antes o senhor partia de 0,04% para alardear a “ilegitimidade” da união civil (o que já era falacioso, como se mostrou acima, pois até a mais mínima minoria tem direitos iguais se seus deveres lhe competem igualmente). Pergunto isso porque, numa democracia, qualquer fonte de informação que não seja o escrutínio – plebiscito, referendo, votação – é ilegítima. Qualquer órgão de pesquisa, mesmo oficial, que não sejam as urnas, não está apto a dizer a porcentagem da população que quer ou não quer algo. Só as urnas.

Ademais, parece haver um problema que está sendo pouco discutido, até pelas mentes realmente racionais: o Brasil, na própria Constituição, é uma república federativa. O que quer isso dizer? Que os estados e municípios têm autonomia de criar leis regionais. Será que esses seus duvidosos e/ou ilegítimos 62%, senhor teólogo, são uniformes em todo e qualquer estado brasileiro? Por que, então, o Brasil não propugna por um federativismo mais forte? Certamente há estados no Brasil em que a maioria absoluta da população será a favor da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Ademais, por que se deve ouvir apenas as religiões cristãs, se há, no Brasil, um Estado laico e, mesmo em termos religiosos, muitas outras religiões que não são contra a homossexualidade?

Sobre a alegada “inconstitucionalidade” que o senhor apregoa, é bom lembrar que na Constituição monárquica a escravidão era cláusula pétrea, e que, portanto, aboli-la foi, sim, um ato inconstitucional. Inconstitucionalíssimo! Mas legítimo, porque a escravidão é um vilipêndio à dignidade humana, assim como querer que homossexuais se restrinjam a guetos e esconderijos também o é. Vive-se em guetos quando não se pagam impostos: traficantes, bandidos vivem em gueto. Homossexuais têm direito à luz da sociedade, porque seus deveres idênticos aos de qualquer outra pessoa lhes dão as prerrogativas inerentes aos direitos que esses deveres geram. O Estado nazista, por seu turno, era completamente baseado em leis, e escritas, e nem por isso possuía legitimidade. Terei de citar, uma única e loquaz vez, a frase de Jesus: “A lei foi feita para o homem, não foi o homem que foi feito para a lei” – e curou em dia de sábado (o que era proibido), assim como outro profeta (creio que o Rei Davi) comeu, quando teve fome, dos pães do templo que eram resguardados para as proposições sacerdotais, descumprindo a lei escrita. Porque a lei foi feita para o homem, não foi o homem que foi feito para a lei.

Sobre o que o senhor fala de educação “pró-homossexual”, prefiro não emitir opinião, porque a sua própria afirmação se derruba a si mesma, tamanho o despautério que ela contém. Comentá-la seria até um atentado à racionalidade que o senhor procura esboçar. Seria como tentar “justificar” porque é preciso libertar os escravos. Victor Hugo, sobre isso, tem a famosa frase: “É preciso libertar porque é preciso libertar”. Não vou falar sobre a “educação pró-homossexual” que o senhor diz existir, porque o senhor precisaria (certamente sem sucesso) comprovar o que diz.

Por fim, sobre a “LIBERDADE!!!” (sic) que o senhor cita, com letras maiúsculas e três (três!!!) pontos de exclamação, como se gritar encobrisse a irracionalidade explícita, enfim, sobre a liberdade que o senhor cita querer ter em relação a expressar sua opinião, é bom lembrar que, em democracia, os seus direitos TERMINAM onde COMEÇAM o do outro. O senhor tem liberdade de “xingar” uma pessoa de negra, mas terá de arcar com essa liberdade. Ninguém vedará a sua boca, mas o direito à não-discriminação e ao não-preconceito, que assistem ao negro, e que também são direitos de LIBERDADE!!!, farão com que os ofendidos, direta ou indiretamente, exerçam seus direitos sobre o senhor, e lhe façam aprender a lição número 1 de democracia: a liberdade de expressão tem como limite o momento em que se torna incitação ao ódio, convite à discriminação.

Não é racional, nem democrático, querer infligir o gueto às partes da população que são minorias. Isso é irracional e despótico, para usar eufemismos.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Inclusão na Espiritualidade


Por Jéferson Cristian Guterres de Carvalho


Recebi um desafio de compartilhar neste espaço uma difícil, mas não impossível missão: espiritualidade inclusiva. Sim, digo difícil por que somos hipócritas ao dizer que adoramos um Deus que une os povos e ama a todos e a todas sem distinção de classe social, etnia, sexualidade ou religiosidade, mas continuamos “inundados” em pré-conceitos que atravessaram o tempo desde a era medieval na Europa e vêm em pleno século XXI em uma sociedade que se diz mais politizada e compreensiva. Fico imaginando a indignação de Deus ao enviar seu filho à Terra, entregando seu corpo e sangue por nós para que não maltratássemos o próximo e a próxima, e de repente vemos nos noticiários pessoas assassinadas por falsos movimentos ideológicos porque sua orientação sexual era diferentes destes. Quando penso em espiritualidade, melhor, quando a vivencio em meu dia-a-dia, vejo um mundo onde a felicidade é para todos e todas e onde ninguém critica o modo de pensar ou agir de cada um e cada uma.

Vivemos em um país que foi construído por diversas nacionalidades, tendo uma incrível e bela miscigenação que constitui um povo de múltipla beleza. E, como podemos ter esta riqueza genética em nosso povo e continuar matando uns aos outros, ou umas às outras, por coloração de pele ou modo de agir? Acredito que no início dos tempos, ou melhor, na pré-história, quando o(a) primata que deu origem à primeira espécie humana em nosso planeta, por não ter uma racionalidade como temos nos dias de hoje, provavelmente não compreendia que a ação sexual deveria ser hétero, a deve ter consumado com seres de mesmo sexo, e para eles e elas isso era normal. Temos também exemplos durante nossa história de autoridades políticas gregas, romanas, egípcias, e demais períodos em que se consumava o ato sexual com pessoas do mesmo sexo e não era considerado alguma agressão a moral e bons costumes, valores este criados por uma sociedade, ou melhor, por um governo que temia uma revolta do povo, e que criou certas regras de etiqueta a partir de uma imposição religiosa para que tivessem sempre o controle da situação. É fácil uma religião se utilizar de Deus, ou outro tipo de divindade, para favorecer seus interesses e de seu governo.

A liberdade religiosa deve ser uma dádiva não apenas de poucos, mas de todos, independente de sua orientação sexual, pois conheci um Jesus humano que vivia no meio dos(as) excluídos(as) sentado ao chão, comendo de pão puro e bebendo apenas água em copo de barro sujo, abraçando leprosos, perdoando falsos pecados impostos pela sociedade da época e amando seu próximo e sua próxima. Os templos religiosos não podem mais a renunciar seus fiéis, pois se assim o fizerem, deixarão de ser religiões e serão instituições homofóbicas e preconceituosas. E, digo com toda a veracidade que ao ler e pesquisar sobre as religiões em diferentes continentes para escrever este artigo não encontrei nenhuma DIVINDADE que seja contra a pessoa que tem sua orientação sexual definida: independente se é heterossexual ou se é homossexual, pois conforme a filosofia de cada religião, seita, doutrina ou sociedade, o importante é viver na paz e no amor se beneficiando de suas atitudes mais do que de seus pensamentos.


Sobre o autor


Jéferson Cristian Guterres de Carvalho é vice-presidente do Conselho Municipal de Juventude do município de Canoas – RS; militante da Pastoral da Juventude do Rio Grande do Sul (Vicariato Episcopal de Canoas no grupo de jovens JOCRE); graduando em bacharel em História na Universidade Luterana do Brasil – Campus Canoas; militar da Força Aérea Brasileira; colaborador da Coordenadoria Municipal de Políticas de Diversidade do município de Canoas.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O direito de amar


Por Daniel Lélis (publicado originalmente na Revista Jfashion Chic E Essencial)


Não faz muito tempo, tocar violão era tido como coisa de vagabundo, malandro, irresponsável. Atrizes eram tidas como prostitutas. As mulheres viviam sob o julgo masculino. Tidas como menos inteligentes, nem mesmo podiam votar. Casamentos eram arranjados e o sexo, vejam só, era somente para procriação. Houve uma época em que negros eram vistos como coisas; animais a serem domesticados; seres sem alma, cuja única finalidade para existir era servir os brancos. Século XXI. Ainda hoje homossexuais são vistos por muitos como anormais, libertinos, pecadores. Em nome da literalidade de um livro escrito há mais de dois milênios, julga-se e condena-se a pessoa que ama outro do mesmo sexo. Amar. É por este direito que lutam milhões de pessoas. É contra este direito que batalham tantas outras.

Na atualidade, se eu depreciar alguém por causa da cor da pele, posso ser preso por racismo. Chamar o outro de “negrinho fedido”, “macaco queimado” é crime, definido em lei como imprescritível e inafiançável. Contudo, se eu chamo um gay de “pecador nojento”, “promíscuo sujo”, “viadinho”, “mulherzinha”, em vez de ser punido, posso ser coroado por defender os bons costumes e a moralidade. Crimes de ódio contra homossexuais não são punidos como tal, uma vez que não há respaldo legal para tanto. Fanáticos religiosos, a maioria evangélicos, não aceitam a ideia de não poderem exclamar, incitar, propagar o ódio aos quatro cantos. A lei que pretende tornar crime a violência homofóbica, tipificando-a como aconteceu com o racismo, encontra resistência de parlamentares fundamentalistas, que não aceitam a ideia, puramente humana e generosa, de que se deve aceitar e respeitar o próximo do jeito que ele é.

Acham os conservadores que a liberdade de expressão é um valor absoluto, capaz de absolvê-los das barbaridades ditas em suas congregações. Usam como escudo a liberdade religiosa, a quem chamam de sagrada e inquestionável. Ignoram o fato de que a pregação feita por líderes religiosos contra gays reforça o preconceito e abençoa a prática discriminatória. Fecham os olhos para a realidade de milhares de homossexuais, que são violentados todos os dias somente por serem homossexuais. Negam-se a perceber que muitas vidas são ceifadas por conta do discurso anti-gay. Que liberdade é essa que dá legitimidade a atos covardes, cruéis, desumanos, contra quem, sabe-se lá porque, ama o igual? Que liberdade é essa que dá razão para o agressor e que faz da vítima o culpado?

Lembro-me do dia em que um colega confessou algo que me marcou profundamente. Ele disse que tinha relevado ao seu “melhor” amigo que era homossexual. Sua esperança era de encontrar alguém com quem pudesse contar num momento difícil de descobertas. A resposta não poderia ser pior. O “melhor” amigo disse: “nunca mais chegue perto de mim, ou eu prometo que vou te queimar vivo”. Na hora que ele me contou, fiquei sem palavras, e me perguntei em silêncio: “até quando?”. É o que pergunto agora a você, querido leitor: até quando usarão o nome de deus para justificar a própria hipocrisia? Até quando o amor será motivo de deboche, de chacota? Finalmente, até quando amar será pecado?


Sobre o autor


Daniel Lélis tem 23 anos, mora em Araguaína (TO), é Bacharel em Direito, comunicador e escritor.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ateus e Materialistas são muito diferentes - tão diferentes quanto religiões (cristã, muçulmana, hindu, budista...)

Por Marcelo Moraes Caetano (publicado originalmente em http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com/2012/02/ateus-e-materialistas-sao-muito.html)


Numa discussão em aula universitária que eu dava sobre religiosidade e filosofia, uma aluna me indagou, com a mordacidade, sarcasmo, sentimento de superioridade e altivez que costumam acompanhar os fanáticos:

−“Engraçado, tem muito ateu que, na hora de um aperto, chama por Deus.”

Eu respondi:

−“Engraçado, e tem muito crente que, na hora de um infarto, chama o médico”.

Depois do pasmo inicial, resolvi esclarecer, à turma (que, afinal, possuía gente esclarecida) a falácia dessa minha aluna, e a consequente falácia presente, até, na minha resposta.

“Agora vamos ao discernimento?”, perguntei eu. Ao que a turma prontamente se comprometeu a ouvir. (“Discernir é sinônimo de inteligência para Sócrates”, lembrei eu aos alunos, trazendo à discussão o primeiro pensador do Ocidente que se preocupou com a questão que abaixo se esboçará, centenas de anos antes do nascimento de Jesus.).

É fundamental esclarecer a certas almas que “ateus” são totalmente diferentes de “agnósticos”, “céticos”, “materialistas”, que, por sua vez, são diferentes de “gnósticos”, de “espiritualistas”, de “teístas”, de “fideístas”, de “crentes”, de "transcendentalistas", de "imanentistas" etc. Não se pode (ou não se deve, para quem quer a luz e não a penumbra) colocar “tudo num saco só”.

Por isso mesmo, pode haver, sim, combinações dessas posturas filosóficas, que, muitas vezes (não todas), não são sequer excludentes. Einstein, para mim, por exemplo, era um homem espiritualista, gnóstico, porém cético, porque a Razão vinha em primeiro lugar, e imanentista, porque, para ele, a imanência da inteligência superior acompanhava a razão no âmago do homem; não era preciso olhar para fora para achá-la. Já Kardec, outro exemplo, seguiu uma religião (cristã), porém era igualmente cético, porque só aceitava o cristianismo na medida em que ele se esclarecia pela razão, e transcendentalista, pois achava que as verdades cristãs estavam presentes num mundo espiritual fora e além do homem. E os exemplos se proliferariam infinitamente.

Até “religião”, aliás, é muito diferente de “religiosidade”. Há, inclusive, uma religião, o Budismo, que é a religião que tem maior número de seguidores no mundo, que não acredita em Deus nem em Deuses. Mas para os, digamos, simples de inteligência, parcimoniosos das capacidades cognitivas, de interpretação maniqueista-subjetivista, é tudo “uma coisa só”: de preferência o “demo”.

Só uma distinção, porque não quero transformar um blog numa aula profunda de filosofia, apenas superficial (rs), e quero deixar claro que só escrevi este artiguete a pedido de alguns alunos, instigados que foram pelo senso crítico (graças a Deus! rsrs):

1) o “ateu” é aquele que não acredita, prioritariamente, em Deus, ou Deuses, em Deidades, ou Divindades, seja Jeová, Alá, Santa Rita, Xangô, Brahma, Hare Krishna, Zeus, Vênus. Daí que seu “oposto” é o “teísta”, o “fideísta” ou o “crente”, e não necessariamente o “religioso”, o “gnóstico”, o “espiritualista”. Etc. Etc. Etc.

2) O “agnóstico”, por seu turno, é seguidor da filosofia de Kant, e, com ele, afirma que “NÃO se pode comprovar, PELO MERO USO DA RAZÃO (ESTE é o ponto dos agnósticos), que Deus exista, NEM TAMPOUCO que NÃO exista”, donde se conclui que o agnóstico simplesmente não admite, pela racionalidade, a existência de Deus, porquanto não comprovável com aquela faculdade racional, mas tampouco a inexistência de Deus, porquanto tampouco comprovável pela mesma faculdade.

Então, voltando ao caso que deu ensejo a essa busca fundamental de discernimento, quando aquela pessoa fala de “muitos ateus que chamam por Deus” (e, detalhe: "muitos" não são todos; ademais, pergunto onde ela fez essa pesquisa, e o que exatamente ela chama de "muitos" no espaço amostral alpha da questão...?), enfim, "muitos ateus" que chamam por Deus numa situação difícil (e pode, sim, havê-los, sem contradição nenhuma, desde que I) estabeleçamos o que é "muitos"; II) percebamos que o "chamar por Deus" pode constituir um "chamado" instintivo, inconsciente, e o ateísmo é uma postura mental, consciente; e sabemos que pode haver, em certos momentos, sobreposição das estruturas psíquicas do ser humano; III) ateísmo não exclui completamente a presença de Deus, mas sim a sua existência transcendental e IV) o que será que significa "Deus" nesse "chamado"?), essa pessoa que critica "muitos ateus que chamam por Deus" (rimou à moda inversa de Mario Quintana hoho), pessoa porventura bem-intencionada (oh essa minha mania de ser utópico!), não deve saber que ela está colocando “num mesmo saco” uma miríade de posições espirituais/materiais diferentes para cacete!

Esse ateu que chama por Deus no aperto não poderia ser, isso sim, um materialista, um transcendentalista, porque, em tese, seria como imaginar um cristão que, na hora do aperto, clamasse por Hare Krishna ou por Oxalá, ou um Hindu que, na hora do sufoco, orasse à alta clemência de Jeová.

Agora eu pergunto: até isso (a situação desses chamados "sincréticos" descritos acima) é IM-possível?

Não!

Porque julgar um grupo (mesmo “religioso”) pela ação de “muitos” (palavra usada pela nossa amiguinha) é burrice no sentido socrático, porque não discerne. Ela teria que ser, no mínimo, ontológica, e ter julgado todos os indivíduos daquele grupo para afirmar que é uma característica subjacente a eles todos. (Mas, muito antes, como premissa maior, saber o que é um ateu, algo que sequer sabia.)

Parte precisamente desse tipo de falácia a mesma burrice de dizer que os negros (todos) são assim ou assado, os homossexuais (todos) são assim ou assado, as mulheres (todas) são assim ou assado, os teístas (todos) são assim, os (ateus) todos são assado... Etc.

Aqui me parece necessária uma intervenção metalinguística.

É importante que fique claro que as ideologias, sejam quais forem, devem ser respeitadas. Eu não posso desrespeitar a alguém que, no seu íntimo, por razões subjetivas ou de recalque ou seja lá o que for, não goste, por exemplo, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos estadunidenses, dos judeus, dos nazistas, dos brasileiros... Indo mais profundamente, creio que, no futuro, aprenderemos, até!!! a nos expressar com ideologias distintas sem que isso interfira em nossa capacidade de conviver pacificamente numa sociedade.

Outra utopia? Sim, mas utopia não é o que não se pode alcançar (ao contrário do que muita gente pensa - "pensa"?), e sim o que deve idealmente se procurar para que se atinja a harmonia geral.

Liberdade de expressão sempre! O que é inadmissível é o desrespeito, e a falácia, num pseudo-argumento dentro dessa liberdade de expressão que eu tanto defendo, é, dentre outros, um enorme desrespeito.

Então, esse parêntese dialético: precisamos expor, sem falácias (please!) nossas ideologias, contrastá-las, mas sem que isso signifique, necessariamente, que queremos impô-las a quem há por bem outras ideologias alheias à nossa.

Momento chegará em que a legalidade e a liberdade se encontrarão, reproduzindo palavras de uma entrevista que Élisabeth Roudinesco me deu em Paris. Nesse momento, eu poderei me expressar livremente sem ser punido pela lei, porque, antes de saber que tenho liberdade de expressão, saberei que tenho que respeitar as outras liberdades de expressão. E, pois, a lei não precisará intermediar minha relação com outrem, nesse quesito. Será a união da legalidade e da liberdade.

Há distinção entre meu mundo de ideias, que pode até ser imutável, por "n" fatorial razões, e a tentativa fascista de imposição do meu mundo de ideias. Hoje, infelizmente, ainda se crê que a mera discussão de ideias antitéticas e dialéticas gera, necessariamente, conflito pessoal-social. Digo eu: só o gera em pessoas muito pouco esclarecidas e que não fazem a menor ideia da diferença entre espírito científico-crítico e senso comum-subjetivista.

Chomsky e Piaget nunca se digladiaram em congressos porque o primeiro acredita no inatismo e o segundo no construtivismo. Após discussões figadais, saíam para almoçar juntos... Chomsky me disse, numa entrevista que me deu, que Piaget foi um dos maiores pensadores da atualidade.

Nietzsche mesmo, em seu antieclesialismo, grita: "Bendita a Igreja! O que seria dos livre-pensadores se não fosse a Igreja?"

O ser humano é subjetivo, isso é até tautológico. É como dizer: o sujeito é subjetivo (rs). Mas o subjetiv-ISMO é praticamente uma doutrina teológica que crê que a liberdade de expressão ("express yourself", nas palavras de Nietzche-Madonna) gera inequivocamente conflito, balbúrdia e choque de "interesses" (! ui).

Publiquei um artigo na coluna "Papo sério" da revista G-Magazine, edição de aniversário, chamado "Luz no gueto", que procurava, por aí, responder à ontogênese do preconceito homofóbico. Era um pouco diferente, porque, lá, eu partia de uma distinção (como dito, "onto"-gênese) materialista, empirista, mais do que filosófica, o que faço aqui. Em breve publicarei neste blog o artigo "Luz no gueto", porque ainda acredito na sua eficácia (rs) e sou crente (rs) de que, hoje, ele terá uma repercussão até mais profunda nas consciências e almas (oh!) brasileiras, que, bem ou mal, abriram-se às discussões mais racionais, objetivistas e menos subjetivistas, religiosas; passaram mais do foro íntimo da religião para o status quo coletivo e racional do Estado e do bem-estar necessário à civilização.

Entenderam, agora, de onde nascem, basicamente, os preconceitos? Láááááá da falta de discernimento entre, basicamente, materialismo e espiritualismo. Lááááááá da noite dos tempos. Láááááááá da busca pelo poder de poder dizer o que é o certo e o errado (esta a tese que defendo na G-Magazine aludida.). Lááááááááá na inefável vontade de pertencer ao "grupo vencedor" e tripudiar sobre os grupos cuja posição de gueto evidencia e − mais! - comprova o establishment do "grupo vencedor".

Não discernir é o que cria preconceitos.

E NÃO CONHECER é o que cria NÃO DISCERNIR...

E etc. e tal...

Sobre o autor


Marcelo Moraes Caetano é escritor, professor titular da Laureate International Universities, da Universidade de Freiburg e professor pesquisador do CNPq-UERJ. Membro da APPERJ, da União Brasileira de Escritores (SP), do PEN Club (RJ-Londres), da Académie des Arts-Sciences et Lettres (Paris), editor da revista de cultura ALIÁS, colunista da Revista da Cultura (SP, RS, Brasília,PE, Campinas). Pianista clássico (com primeiros lugares no Brasil e no exterior), membro da Orquestra Sinfônica de Viena, tradutor de inglês, francês, alemão, latim e grego, professor de português, grego e literatura brasileira, portuguesa e africana (bacharel pela UERJ e licenciado pela UNESA, especialista pela UFF, Mestre pela PUC-rio e Doutor por Coimbra). Possui 18 livros publicados: gramático ("Gramática para o vestibular", Editora Elite, "Gramática Reflexiva da Língua Portuguesa" (Editora Ferreira), lexicógrafo ("Instâncias do sentido o dicionário e a gramática - múltiplas interconexões semiológicas" -Editora Academia Brasileira de Filologia), crítico literário ("Literatura Brasileira", Editora Elite, "Caminhos do texto", Editora Ferreira), com diversas premiações nacionais e internacionais. Blogue: http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com