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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Quero ser um yorkshire!

Por Paulo Stekel


Exatamente! Quero ser um yorkshire porque, como gay, não consigo que se tenha por mim ou meus iguais o mesmo sentimento de emoção fleumática, misto de indignação, pena e desencargo de consciência que se viu há algumas semanas no caso do yorkshire espancado até à morte pela enfermeira Camilla Corrêa na cidade de Formosa, cidade goiana no entorno do Distrito Federal. Muitos gays são espancados todos os anos, mortos com requintes de crueldade, e não só não vemos tal movimentação indignada, como ainda temos que suportar os fundamentalistas religiosos culpando as vítimas por serem gays, incitando ainda mais a brutal violência anti-gay.

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter mais de 328 mil pessoas assinando uma petição pública contra meu agressor – um buzz sem precedentes -, pedindo sua prisão, multa e os mais exaltados, até sua morte! Como gay agredido, além de outros gays, quem mais assinaria em meu favor?

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter um forte aparato de defesa – a sociedade protetora dos animais – , formada por uma militância implacável que se mobiliza em todas as mídias com uma velocidade impressionante e se valendo de argumentos radicais e, por vezes, até chocantes, como o de uma militante que disse: “Prefiro ajudar um cachorro faminto na rua do que dar de comer a um pivete nas esquinas”. Quem preferiria ajudar um gay numa situação extrema?

Quero ser um yorkshire porque assim posso me sentir vingado quando o perfil de meu agressor nas redes sociais é alvejado com todo tipo de trollagem, discurso de ódio, indignação e ofensas por pessoas comuns que se consideram sérias, honestas, pagadoras de impostos e cumpridoras de seus deveres de cidadãs. Como gay, eu é quem sou o trollado!

Quero ser um yorkshire porque, se meu dono não conseguir me matar, e os que amam animais me resgatarem, serei criado num lar feliz onde todos consideram meu passado de sofrimento como determinante na hora de me verem como um ser digno de amor e de afeto. O passado de sofrimento de um gay não tem o mesmo peso, pois os fanáticos julgam que ele sofre porque decidiu ser como é, desconsiderando que nasceu assim...

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter a sorte de alguém gravar um vídeo com as agressões sofridas por mim, postar o conteúdo em websites como o youtube, sendo assistido por milhões de pessoas e incitando a opinião pública a exigir do agressor a pena máxima e até a não devida.

Quero ser um yorkshire porque, por mais que meu agressor me bata e depois diga que foi um simples estresse e que, na verdade, ama os animais, ninguém acreditará nele, baixando a lenha em seus argumentos insanos. Como gay, quando fanáticos religiosos ou políticos homofóbicos incitam a violência em seus discursos, mas dizem que amam os gays como seres humanos, e que apenas foram muito intensos em suas palavras, pois defendiam a família, a moral e os bons costumes, fica tudo por isso mesmo.

Enfim, quero ser um yorkshire porque, neste caso, sendo um animal, pequeno, fofinho, sem poder falar, me expressar ou me defender, há quem defenda meus direitos e até adivinhe o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo. Que bom que existem pessoas sensíveis assim! Porém, como gay, poucos são os que defendem meus direitos fundamentais, os que sequer imaginam o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo... embora seja fácil deduzir, já que meu coração bate do mesmo modo que o de todos os seres humanos... e é quase igual ao do yorkshire: um coração vivo!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Da ingenuidade ao fundamentalismo – a intolerância ao fator gay

Por Paulo Stekel (postado originalmente em: http://gayexpression.wordpress.com/2010/09/20/da-ingenuidade-ao-fundamentalismo-%E2%80%93-a-intolerancia-ao-fator-gay/)
A vida de todos os seres humanos poderia ser muito mais fácil se cada um vivesse suas “particularidades” sem qualquer entrave, se pudesse expressar seu ser sem sofrer preconceito, intolerância ou ter que amargar “(pseudo)terapias de correção moral”, sabidamente hipócritas, medievais e oportunistas.


Há tempos assisti um filme de temática gay chamado “Save Me” (Salve-me, 2007), com Robert Grant (de “Queer as a folk”). O filme se tornou conhecido por ter sido selecionado para o prestigiado Festival Sundance de cinema. A trama gira em torno de um homossexual viciado em drogas que, após uma overdose, é levado para um local de “reabilitação” comandado por um casal de tendências cristãs fundamentalistas para ser “curado” de sua homossexualidade através de um programa em 12 passos. Entretanto, ele acaba por se apaixonar por um dos internos, e sua ideia de se tornar hétero vai por água abaixo. Ainda que o formato do “programa de cura” proposto neste filme não seja tão violento quanto o apresentado em outro filme, “Latter Days” – 2003 (aquele do mórmon gay!), a intolerância à homossexualidade inteiramente baseada em textos bíblicos interpretados fora de seu sentido histórico é evidente.

Como já deixa claro o título deste artigo, a intolerância ao fator gay vai desde uma simples ingenuidade ou desconhecimento do assunto, até o fundamentalismo mais violento e assassino, patrocinado por grupos religiosos de argumentos hipócritas típicos de quem não se sente seguro com o diferente, o diverso.

Ainda que eu mesmo não tenha passado por este tipo de coisa, conheço gente que amargou tais “terapias de reorientação” baseadas em argumentos bíblicos. Afinal, há gays filhos de pastor evangélico, filhos de católicos, espíritas e muçulmanos… Eu aposto nestes filhos como a “força de libertação” do público LGBT para a próxima geração. Os filhos gays de funtamentalistas religiosos passam por pressões inimagináveis! Saberão mudar os rumos de suas vidas, das de seus filhos (sim, pois terão ou adotarão filhos!) e de seus netos, nas próximas décadas. E, ao contrário do que pregam os arautos do apocalipse, o mundo não vai acabar porque os gays tenham obtido direitos de cidadania plenos como qualquer heterossexual.
Na Antiguidade, a homossexualidade era uma via de expressão sexual considerada normal, sem que isso acarretasse problemas à sociedade organizada ou tenha impedido que as pessoas continuassem se reproduzindo. Ao contrário do que se pensa, não era apenas na Grécia e Roma (lembram do filme “Alexandre”?) que essa tolerância existia. Os povos semitas da Palestina também eram tolerantes antes do advento do judaísmo pós-exílico de Esdras. Na religião mosaica anterior às leis deuteronômicas (as que proibiam a homossexualidade), parece que relações homossexuais eram toleradas, como mostram os indícios da história de Davi e Jônatas e uma referência suspeita no Livro de Ester. O Cristianismo, especialmente no período da Inquisição, veio reforçar o preconceito judaico à homossexualidade e o Islamismo sepultou qualquer tolerância sob a égide de uma lei (a sharia) que põe na boca de Deus o direito ao apedrejamento, enforcamento e assassinato de seres humanos por conta da orientação sexual que nasceu com estes, ou seja, para quem acredita, que foi legada pelo próprio Deus!

Acho tremendamente lamentável religiosos fundamentalistas sempre “escolherem” para onde irão direcionar o seu preconceito, ao invés de seguirem a risca TUDO o que pregam suas religiões. São especialistas em hipocrisia e “interpretações acomodatícias”, como se diz em Teologia, algo que os políticos também aprenderam muito bem como fazer. Citar trechos bíblicos ou de outros livros sagrados de forma solta, sem considerar o contexto e o momento histórico, é de uma ignorância tal que, se não se trata de ingenuidade e desconhecimento do todo, se trata de caso pensado com o objetivo de manobrar outros fiéis fundamentalistas para uma cruzada anti-gay patética e vil. Nos EUA tal tipo de cruzada é comum e violenta (Pentecostais e Mórmons são os mais intolerantes). No Brasil, se não fizermos algo, teremos os mesmos problemas.

Mas, frente a isso, o que fazer? Mantendo-nos estritamente dentro da lei e do que diz a Constituição, devemos exigir do Estado a sua laicidade e não conxavos com grupos religiosos para angariar votos em eleições ou votações na Câmara e no Senado, prejudicando e atrasando as conquistas da comunidade LGBT, como temos visto em nosso país. Afinal, a pérfida “bancada evangélica” engrossa a voz sempre que um projeto que venha a beneficiar a comunidade LGBT está por ser votado, mesmo que tal comunidade seja apenas uma das beneficiadas. Assim, intentando evitar o benefício de uns, acaba-se por prejudicar a todos. Deus aprova isso? Mas, quem disse que tais criaturas estão preocupadas com isso? Sequer acreditam no que pregam??? O “deus” deles é o dinheiro e o tráfico de influências…

Assim como, no filme “Save Me”, fica claro que não é possível uma “cura” da homossexualidade (sim, isso é spoiler; desculpem! rsrs.), na vida real também tal cura é uma impossibilidade lógica. Ninguém pode ser curado de “amor”. Se o fator gay nasce conosco, assim como o fator heterossexual, nada há que se possa fazer, a não ser levar o fator gay na conta dos desígnios da natureza, tentando-se compreendê-lo, deixando-o se expressar, interagir e existir no meio da maioria heterossexual como algo natural, ainda que percentualmente menor em número de indivíduos.
Quando pus a palavra “ingenuidade” no título do artigo, quis me referir a algumas pessoas que conheci: gente simples, criada dentro do que se chama “heteronormatividade”, e que não compreende como a homossexualidade se expressa. Mas, estas pessoas, em sua maioria, uma vez esclarecidas, passam a aceitar o diferente sem qualquer problema. Quanto aos fundamentalistas, (quem já não ouviu?) preferem um filho drogado ou ladrão a homossexual! Séculos de machismo, patriarcado e heteronormatividade só podiam dar nisso…

Em geral, as mulheres heterossexuais tendem para a ingenuidade, e os homens para uma homofobia mais agressiva. Imagino que as mulheres estejam mais abertas ao entendimento por conta dos milênios de preconceito que passaram nas mãos dos homens. No mundo cristão elas tiveram direito a uma alma não faz muito tempo, no mundo indiano ainda são consideradas “meio-ser” por gurus vedantinos, no mundo islâmico são tratadas praticamente como “juridicamente incapazes” e propriedade do marido (e de todos os homens da família, na falta deste).

E, quanto aos gays? Em geral são considerados uma aberração por pessoas de todas as eras que chegaram a estados de “santidade”, “perfeição” e até “iluminação”… Em geral, as religiões instituídas foram feitas para homens heterossexuais. Mulheres e gays são considerados como categoria inferior, as mulheres como “acessórios” ou “agentes reprodutores” e os gays como… nada. Cabe-nos mudar isso, abrindo-nos para o mundo, mostrando nossas capacidades, para que se veja que não somos mais nem menos que qualquer outro ser humano em qualquer nível, e que o fator gay é apenas uma parte de nós, não nosso todo…