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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Uma veste, um culto e um pouco de teologia – A assustadora ideia de um homossexual com poder


Por André Musskopf [publicado originalmente em http://andremusskopf.blogspot.com.br/2013/04/uma-veste-um-culto-e-um-pouco-de.html]


Uma das frases e cenas de que mais gosto no filme Milk – A voz da igualdade é quando ele (Milk) tem uma vitória na Câmara dos Conselheiros garantindo-lhe poder de negociação com o Prefeito. Pensativo, ele diz: “Um homossexual com poder... isso é assustador”. Isso não deixa de ser verdade para qualquer espaço de atuação, inclusive na Igreja. Há várias formas de se materializar o poder que alguém detém ou supõe-se que detenha. Embora não seja essa a sua função, não é incomum no senso comum ou mesmo em algumas teologias bastante questionáveis, atribuir-se poder a alguém, preferencialmente aos homens, quando em trajes especiais como albas, batinas, talares, camisas com gola clerical e outros modelos com nomes mais complicados e aparências ostentatórias. O terno e a gravata também entram nesse rol de “vestes de poder”, embora o argumento para usá-lo ao invés de vestes litúrgicas mais tradicionais seja comumente o de se vestir de maneira comum para justamente não reafirmar a diferença entre o ministro (autoridade) e a comunidade (leiga). Mas e quem é que, no meio do povo, usa terno e gravata em seu cotidiano? O fato é que, mesmo que concordemos que a roupa, ou no caso as vestes litúrgicas, não conferem nem representam um poder especial à pessoa no exercício de tarefas ministeriais, há um poder simbólico que não passa despercebido.

Isso fica mais evidente quando se trata supostamente de um “gay” e, ainda mais, “um militante da causa gay”. Um homossexual usando uma veste litúrgica e co-celebrando um culto... isso sim é assustador! – para algumas pessoas. É fato que para os mais em dia com as discussões teológicas sobre ordenação ao ministério eclesiástico, ministério geral de toda pessoa crente, culto cristão e outras questões relacionadas não há nenhum problema teológico ou dogmático em um “gay” ou mesmo um “militante da causa gay”, batizado e membro da Igreja co-celebrar um culto usando veste litúrgica semelhante aos/às demais celebrantes. Afinal, a veste litúrgica tem única e exclusivamente a função de identificar as pessoas responsáveis e ministrantes de uma celebração litúrgica, sem lhe conferir nem poder ou status especial diante da comunidade que compõe o corpo de Cristo, sem nenhuma distinção de mérito. Ainda assim, mais do que a ideia a imagem de algo dessa natureza tem aparentemente um poder simbólico sobre quem se depara com o fato de que algo assim pode acontecer.

Alguns/as podem dizer “é assim que deve ser”; “eu sinto a presença do Espírito Santo”; “é tão bom ver isso acontecer”; “esse é o seu lugar”; e outros/as podem dizer que “isso é um escândalo”; que “a Igreja não deveria permitir”; que “isso é uma falta de ética”; que é “como Renan Calheiros estar na Comissão de Ética: é regulamentarmente correto, porém eticamente equivocado” (será que diríamos o mesmo a respeito do Deputado Marco Feliciano na presidência Comissão de Direitos Humanos e Minorias?). E como nossa teologia não alcança para questionar a participação litúrgica de um gay (e militante) num culto cristão, poderíamos sair em busca de uma outra justificativa que dê algum alento para a assustadora imagem que essa realidade evoca – um homossexual com poder. Invoquemos a tão abusada (e necessária) ética e teremos uma racionalização teológica capaz de impedir o triunfo apocalíptico da aberração final de nosso bem religioso mais precioso. Será?

Meus senhores! Até nisso uma tal teologia não alcança. Se adentrarmos no campo da ética cristã, por exemplo, teremos que colocar as nossas cartas na mesa. O repetir de versículos bíblicos ou a invocação do tão caro princípio protestante sola Scriptura é apenas um mascaramento para a falta de traquejo no campo da ética teológica. Afinal, nenhuma ética cristã se sustentaria, começando pelas Escrituras Hebraicas ou mesmo apelando exclusivamente para o Testamento Cristão (antes ou depois do processo de canonização), sem o diálogo com os dois mil anos de cristianismo e, principalmente, com os desafios colocados a cada nova geração – ou seja, a experiência real e cotidiana de cristãos/ãs e suas experiências de fé. Talvez mesmo os/as luteranos/as mais ortodoxos/as não exatamente compreendam o que significa o princípio sola Scriptura no contexto da teologia luterana (para me manter nessa linha específica do pensamento teológico). Até mesmo aí teríamos que entrar no campo da história da interpretação do texto bíblico e utilizar as ferramentas disponíveis para a sua compreensão no contexto mais amplo das relações e formas de conhecimento contemporâneas. É... dá um certo trabalho. Mas falar de ética implica pelo menos nisso, assim dizem os currículos das instituições teológicas por aí. E ainda assim, seria necessário discutir em que consiste a falta de ética nesse caso específico – da expressão simbólica de um homossexual com poder co-celebrando um culto cristão.

Se tivermos acordo sobre o que implica a participação numa prática litúrgica (no caso um culto eucarístico) conforme descrito acima, a falta de ética não estaria na simples participação. Como no caso de Renan Calheiros, reconheceríamos a legitimidade regulamentar (talvez dogmática e doutrinária) dessa participação. A falta de ética estaria, então, em algo anterior, ou seja, no fato de ser “um gay”, “militante da causa gay”, a aceitar tomar parte em tal evento e considerando tais condições. Mais do que isso, a falta de ética talvez não estivesse nem no fato de “ser” um gay, mas muito mais no fato de ser um “militante da causa gay” - e mais uma vez estamos muito mais no campo do poder simbólico do que do poder efetivo, afinal, na prática, “um gay”, “militante da causa”, tem pouco ou nenhum poder efetivo numa estrutura institucional que nega a sua existência ao se negar a dialogar com e sobre a mesma, mesmo quando emite (e nisso concordaríamos) documentos teologicamente frágeis e politicamente irrelevantes.

Fiquemos, por ora, no campo do poder simbólico. O que há de anti-ético, do ponto de vista da ética teológica cristã em “ser gay” e “militar na causa gay”? Como discutido acima, no campo da discussão ética, seria necessário muito mais do que alguns versículos bíblicos para estabelecer um posicionamento conclusivo a esse respeito (como, aliás, nem muitas igrejas tem feito), sem discutir o tema do ponto de vista da história (inclusive da interpretação bíblica) e da realidade concreta de pessoas (inclusive batizadas e membros da Igreja) no atual momento histórico. Não me parece, do que tenho visto por aí, que exista algum posicionamento eticamente sustentável quanto ao caráter anti-ético de ser ou militar na causa gay (dentro ou fora da igreja), mas eu certamente estaria aberto a discutir essas questões. No caso específico do exercício do ministério ou de funções ministeriais (como é o caso de uma celebração litúrgica) talvez o mais assustador seja que um homossexual não se apresenta para dita ocasião vestindo um “talar rosa”, pois muitos/as já ouviram falar acerca de um livro que eu mesmo escrevi e onde discuto a questão de “homossexuais e o ministério na igreja”. Embora tenham ouvido falar, se guardam em seu imaginário e em suas fantasias a ideia de que um gay, militante, defendesse (pelo simples fato de ser gay e militante) o uso de um dito “talar rosa”, seguramente não leram o livro e muito menos estão em condições de fazer julgamentos pseudo-éticos sobre a participação de um homossexual, usando vestes litúrgicas, num culto cristão. Afinal, é muito mais assustador se um homossexual se apresenta para essa tarefa sem a marca de sua exclusão (o talar rosa), mas apenas como um de nós, pois assim, qualquer um de nós poderia ter a sua sexualidade questionada. E então, já nem é mais de ética que estamos falando.

Deve ser mesmo assustadora a imagem de um homossexual de vestes litúrgicas co-celebrando um culto para quem se agarra e defende as estruturas de poder (mesmo eclesiásticas) que continuam pervertendo o Evangelho de Jesus Cristo e a Palavra de Deus. De minha parte, agradeço a Deus pelas bênçãos e peço coragem e lucidez na caminhada. Pois mesmo quando me canso de fazer essas conversas tendo em vista a falta de capacidade reflexiva e crítica de alguns/as, ao fazê-lo, me relembro porque dediquei tanto da minha vida ao estudo da teologia e como é delicioso o trabalho teológico quando se deixa Deus atuar e nos surpreender.


Sobre o autor

André Musskopf é teólogo luterano. Bacharel, Mestre e Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Área de Concentração: Teologia Sistemática. Pesquisador nas áreas de: Estudos Feministas, Teorias de Gênero, Teoria Queer, Masculinidade, Homossexualidade e Diversidade Sexual, na sua relação com Religião e Teologia. Mora em São Leopoldo - RS.
Blog: http://andremusskopf.blogspot.com.br - Contato: asmusskopf@hotmail.com

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Opinião sobre Silas Malafaia no “De Frente com Gabi”


Por Rômulo Neiva


Achei por bem escrever sobre o assunto colocando meu ponto de vista, visto que todos nós gozamos das nossas faculdades mentais e temos o mínimo de instrução para, nos despindo de qualquer preconceito, poder examinar ambos os lados e tirarmos nossas próprias conclusões. Não com soberba, ódio e muito menos pregando a intolerância, mas com a plena certeza de que Deus nos deu um cérebro e inteligência o suficiente para usarmos, principalmente em casos como este, onde alguém se levanta para pregar a intolerância e o ódio, ao invés do evangelho de salvação e do amor de Cristo.

Vamos lá...

Eis o vídeo:



O vídeo por si só já mostra muita coisa, basta observar a expressão de ódio e intolerância quando o Sr. Silas Malafaia entra no assunto da homossexualidade, mas ainda assim gera perguntas e dúvidas de pessoas simples que querem viver uma vida de acordo com a vontade de Deus e estão cansadas de gente julgando e apontando o dedo devido à sua orientação sexual (orientação, não escolha como diz Silas, porque é irracional acreditar que uma pessoa escolha viver debaixo de preconceito e intolerância da sociedade e fanáticos religiosos).

Em primeiro lugar é necessário entender que a Bíblia começou a ser escrita há milênios e foi concluída ainda no primeiro século da Era Cristã. Não foi escrita em Português, foi escrita em hebraico com alguns trechos em aramaico (Antigo Testamento) e grego (Novo Testamento). O grego usado era o grego popular (grego coiné) e não o grego clássico, ou seja, possui trechos de difícil interpretação devido ao desuso de muitas palavras. A partir daí surgiram as traduções em diversas línguas, incluindo o nosso Português.

Em segundo lugar, vale também lembrar que o Sr. Silas Malafaia é envolvido com política e, segundo a Revista Forbes, o terceiro pastor mais rico do Brasil. Segundo a Forbes, a fortuna é avaliada em R$ 300.000.000,00 e segundo o próprio Silas, que disse ser inverídica essa informação, a sua fortuna seria de R$ 4.000.000,00. Independente de fortuna e envolvimento com a política, o que mais chama a atenção é sua veemência em acusar e condenar os homossexuais.

A pior mentira que existe é aquela que está embutida em uma verdade. Sim, muita coisa que ele diz é verdade e não queremos julgar a sua sinceridade em querer servir a Deus. O que estamos buscando aqui é, através da própria Bíblia, enxergar o quanto ele está sendo desonesto em interpretar determinados versículos a bel prazer e simplesmente ignorando outros tantos que sabemos que nenhuma igreja cristã hoje em dia segue.

Diz o Sr. Silas que ninguém nasce gay e que homossexualidade é um comportamento aprendido ou imposto. Diz também que 45% dos homossexuais foram abusados quando crianças e que os outros 54% escolheram ser. Diz também que não existe ordem cromossômica ou genética gay e somente ordem cromossômica de macho e fêmea.

Ora, quem é homossexual sabe muito bem que isso não é opção e muito menos uma escolha, visto que é difícil acreditar que alguém escolha sofrer agressões, preconceito e intolerância. Sabemos também através de nós mesmos e de amigos, quantas vezes passamos por situações ou uma fase da vida em que tentamos seguir por outro caminho, tentamos um relacionamento heterossexual e o quanto isso nos custou, justamente por ser perda de tempo.

Sabemos também que esses dados que ele passou são furados, porque milhares de crianças são abusadas diariamente e nem por isso se tornam homossexuais, muito pelo contrário, deram a volta por cima e seguem a sexualidade que sempre tiveram.

E, quanto à ordem cromossômica e gene, ninguém precisa avisá-lo que um homem não deixa de ser homem só porque é homossexual e nem uma mulher deixa de ser mulher porque é lésbica, apenas sente atração por pessoas do mesmo sexo, algo involuntário, não uma escolha, e a ciência até agora não tem nenhuma prova concreta sobre o assunto, nem dizendo que se nasce gay e nem dizendo o contrário.

Em vários momentos ele equipara homossexuais a bandidos e assassinos. É clara a desonestidade dele em relação a isso. A tentativa dele é levar a opinião pública em seu favor, pois Jesus mesmo disse que todo mandamento se resume em dois: Amar ao próximo como a si mesmo e amar a Deus sobre todas as coisas. Tudo se resume nisso. Um homossexual não está prejudicando ninguém por amar uma pessoa do mesmo sexo, mas sabemos muito bem que pedofilia, adultério, assassinato, etc., prejudica uma outra pessoa, e isso sim está fora dos propósitos de Deus.

O Sr. Silas Malafaia também disse que, na visão dele, é muito clara a condenação da Bíblia em relação à homossexualidade e que a Bíblia é para quem quiser crer e, que quem não quiser crer tem todo o direito.

Fica aqui uma pergunta então: se não somos obrigados a crer na bíblia, por que querem impor isso à sociedade impedindo que homossexuais tenham direito ao casamento e proteção?

Outra pergunta: que textos bíblicos são esses que ele tanto fala?

Já sabemos que não podemos interpretar a bíblia sem levar em consideração a língua em que foi escrita, época, autor, cultura da sociedade da época e pra quem aquele texto foi escrito.

Em Levítico, no Antigo Testamento, lemos: “Não te deitarás com homem como se fosse mulher, é abominação”, mas também diz no mesmo livro que é “abominação” comer animais do mar ou do rio sem barbatanas ou escamas. Por que a Igreja condena a homossexualidade mas não a ingestão de mariscos?

No Antigo Testamento também diz para apedrejar até a morte as crianças malcriadas, diz para a mulher no período de menstruação ficar separada do marido, diz para não comer carne de porco, etc... Porque eles usam um texto e simplesmente ignoram e não praticam outros?

Naquela época, quando a Bíblia diz para um homem não se deitar com outro como se fosse mulher, é bem claro que quando uma mulher estava em seu período de menstruação, alguns homens heterossexuais buscavam saciar seu prazer com outros homens que eram homossexuais, não porque eles também eram homossexuais, mas porque queriam se deitar com eles como se eles fossem mulheres para satisfazerem seus desejos. A condenação não está na homossexualidade e sim na promiscuidade e praticar algo que não era de sua natureza.

Quanto a Sodoma e Gomorra, não foram destruídas por causa da homossexualidade como costumam pregar. A Bíblia diz que o povo daquelas cidades abusava dos viajantes, independente de serem homens ou mulheres, simplesmente por prazer também. Não há condenação da homossexualidade e sim da inospitalidade (a hospitalidade era algo muito sagrado para os judeus) e por causa da promiscuidade.

Bom, vimos aqui que usam muito textos do Antigo Testamento para acusar os homossexuais, mas simplesmente ignoram outros textos que eles mesmos acreditam não valer para os nossos dias.

Vamos então ao Novo Testamento.

Trecho do livro de Romanos na versão da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada, onde é usada uma linguagem culta e que causa más interpretações (usada pelos evangélicos):

“Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça. Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; Estando cheios de toda a iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” Romanos 1:18-32 (Versão Almeida Corrigida e Revisada)

Agora vamos ver o mesmo trecho do livro de Romanos, só que na versão da Bíblia A Mensagem, onde é usada uma linguagem contemporânea e mais usual para os nossos dias. Diz as mesmas coisas, mas com outras palavras (também usada pelos evangélicos):

“Mas o furor divino é despertado pela falta de confiança do ser humano em Deus, pelos erros repetidos, pela mentiras acumuladas e pela manipulação da verdade. Mas a verdade essencial sobre Deus é muito clara. Abram os olhos e poderão vê-la! Se analisarem com cuidado o que Deus criou, serão capazes de ver o que os olhos deles não enxergam: o poder eterno, por exemplo, e o mistério do ser divino. Portanto, ninguém tem desculpa. Vejam o que aconteceu: a humanidade conhecia Deus perfeitamente, mas deixou de tratá-lo como Deus, recusando-se a adorá-lo, e foi reduzida a um tão terrível estado de insensatez e confusão que a vida humana perdeu o sentido. Eles fingem saber tudo, mas são ignorantes sobre a vida. Trocaram a glória de Deus, que sustenta o mundo, por imagens baratas vendidas na feira. Então Deus se pronunciou: “Se é isso que vocês querem, é o que terão”. Não demorou muito para que fossem viver num chiqueiro, enlameados, sujos por dentro e por fora. Tudo porque trocaram o Deus verdadeiro por um deus falso e passaram a adorar o deus que fizeram no lugar do Deus que os fez - o Deus a quem bendizemos e que nos abençoa. Loucura total! Então aconteceu o pior. Como se recusaram conhecer Deus, logo perderam a noção do que significa ser humano: mulheres não sabiam mais ser mulheres, homens não sabiam mais ser homens. Sexualmente confusos, abusaram um do outro e se degradaram, mulheres com mulheres, homens com homens - pura libertinagem, pois de modo algum isso pode ser amor. Mas eles pagaram caro por isso, e como pagaram: são vazios de Deus e do amor divino, perversos infelizes e sem amor humano. Uma vez que eles não se importaram em reconhecer Deus, Deus desistiu deles e os deixou por conta própria. A vida deles agora é uma confusão só, um mal que desce ladeira abaixo. Eles tomam à força o que é alheio, são ambiciosos e caluniadores. Cheios de inveja, violência, brigas e trapaças, fizeram da vida um inferno. Olhem para eles: são maliciosos, venenosos, críticos ferozes de Deus, brigões, arrogantes, gente vazia e insuportável! Mestres em criar meios de destruir vidas e revoltados contra os pais. Não passam de seres tolos, asquerosos, cruéis e intransigentes. Até parece que eles não sabem o que fazem, mas têm plena consciência de que estão cuspindo no rosto de Deus - e não se importam! Pior ainda, premiam quem faz as piores coisas com eficiência.” Romanos 1:18-32 (Versão A Mensagem)

Ambas as traduções acima são aceitas e usadas pelos evangélicos, mas há uma nítida clareza no segundo texto (versão A Mensagem), onde a tradução e linguagem é muito mais fiel ao original e mostra a verdadeira condenação do texto.

A condenação está na prática da idolatria, trocar a adoração a Deus pela adoração de criaturas. Qualquer pessoa que concluiu o primeiro grau sabe que naquela época, no império romano, as pessoas adoravam vários deuses e praticavam cultos que envolviam a prostituição. Eram pessoas heterossexuais que iam contra a natureza e praticavam a homossexualidade por adoração a outros deuses, essa prática é conhecida como prostituição ritualística e era comum e considerada normal naquela época. Não existe nenhuma condenação aos homossexuais e sim condenação à idolatria e à prática do sexo descontrolado, sem envolvimento de amor, a troca da natureza sexual por outra que não lhe condiz. Está muito claro isso, tanto é que logo em seguida há uma descrição de como são essas pessoas, e isso vale tanto para heterossexuais quanto para homossexuais.

Por isso não devemos interpretar a Bíblia ao pé da letra. Temos que levar em consideração época, língua, cultura e para quem foi escrita (Neste caso em particular, obviamente a carta foi escrita aos romanos).

Outro texto usado no Novo Testamento é o seguinte:

Trecho do livro de I Coríntios na versão da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada, onde é usada uma linguagem culta e que causa más interpretações (usada pelos evangélicos):

“Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.” 1Coríntios 6:9-10 (Versão Almeida Corrigida e Revisada)

Agora vamos ver o mesmo trecho do livro de I Coríntios só que na versão da Bíblia A Mensagem, onde é usada uma linguagem contemporânea e mais usual para os nossos dias. Diz as mesmas coisas, mas com outras palavras (também usada pelos evangélicos):

“Não percebem que esse não é o caminho de se viver? Os injustos, que não se preocupam com Deus, não farão parte de seu Reino. Quem usa e abusa das pessoas, do sexo, da terra e de tudo que nela existe não se qualifica como cidadão do Reino de Deus. Estou falando de libertinagem heterossexual, devassidão homossexual, idolatria, ganância e vícios destruidores.” 1Coríntios 6:9-10 (Versão A Mensagem)

Novamente a segunda tradução deixa muito mais claro o que se refere o texto. Não há condenação aos homossexuais e sim à promiscuidade e devassidão heterossexual e homossexual.

As palavras no original são "Malakoi" e "Arsenokoitai", ficando assim: “Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem “malakoi”, nem “arsenokoitai”, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus.”

Porém, como disse anteriormente, são palavras no grego coiné, grego popular, onde muitas palavras perderam seu sentido com o passar do tempo, significando respectivamente: mole ou “pele macia” e homem-cama.

Difícil entender né? Por isso usamos o contexto para usarmos uma palavra mais adequada em nossa língua. Mole ou “pele macia” naquela época eram homens covardes que agiam como mulheres para fugirem das responsabilidades, e não efeminados como alguns preferiram traduzir, e Homem-cama é relacionado a homens que se prostituíam e eram promíscuos, nada intimamente relacionado com a homossexualidade. Enfim, está relacionado com pessoas covardes e promíscuas (prostituição, pedofilia, pederastas, etc).

Muitos teólogos e igrejas hoje em dia reconhecem essa má interpretação dos textos originais e estão usando versões contemporâneas da Bíblia, justamente para não caírem nesse erro grotesco de condenarem os homossexuais onde a Bíblia não condena. Resultado disso tudo é a aceitação de homossexuais por partes da Igreja Anglicana, Luterana, Presbiteriana, Igrejas Inclusivas, entre outras...

Vimos acima que os evangélicos fanáticos usam versos do Novo Testamento para condenar os homossexuais, mas novamente vem aquela pergunta: por que eles usam uns versos para condenar os homossexuais e esquecem de outros versos com mandamentos claros referentes à igreja e que nenhuma delas praticam hoje em dia?

Exemplo:

“Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina”. I Cor. 14:34.

“Que a mulher aprenda em silêncio, com total submissão. A mulher não poderá ensinar nem dominar o homem.” I Timóteo 2:11-12

Ora, sabemos muito bem que existem pastoras em quase todas as igrejas, e nas igrejas que não tem pastoras tem diaconisas e líderes mulhres que pregam e ensinam.

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me.” Mateus 19:21

Opaaaaa, como assim? Tenho R$ 4.000.000,00 em dinheiro e bens, venderei tudo e darei aos pobres??? Ahhh não, melhor pular esse trecho da Bíblia. (Imagino que o Sr. Silas ao ler este trecho deve pensar assim).

Óbvio que determinados conceitos no Novo Testamento não servem para nossos dias. Devemos levar em consideração que as coisas mudam e que permanece apenas o respeito a Deus e ao próximo que devemos ter. Tudo na Bíblia é inspirador e digno de total confiança, o que não se pode é confundir algo que foi escrito para determinada época e cultura e querer viver isso hoje.

Enfim, seria necessário várias páginas para abordar o assunto mais a fundo, mas acredito que as coisas ditas acima são o suficiente para abrir nossas mentes e entendermos mais honestamente o assunto. Existe muito material disponível na internet e que são muito mais esclarecedores.

Espero com isso ter ajudado algumas pessoas e incentivado outras a pesquisarem melhor sobre o assunto e não somente ouvir de um pastor qualquer absurdo grotesco e sair por aí divulgando preconceito e intolerância sem ao menos pesquisar. Existem, sim, muitas pessoas inteligentes pregando o contrário, mas o fato é que a inteligência pode ser usada para o bem e para o mal, cabe a nós escolher um dos caminhos.

Não há erro nenhum em ser homossexual e ser cristão. O erro e ignorância está na cabeça de quem quer acobertar os próprios pecados acusando os outros. Não revide esses tipos de ofensas, a melhor resposta é ignorar e demonstrar amor.

"Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor." Romanos 13:9-10


Sobre o autor


Rômulo Neiva tem 30 anos e nasceu em Santo André – SP. Aos 17 anos converteu-se à Igreja Batista, a qual ainda frequenta, mas sem envolvimento em liderança. Cursou Teologia por 4 anos na Faculdade Teológica Batista e hoje defende e crê na Teologia Inclusiva. Se considera apenas um cristão que ama Teologia, mas que dispensa o título de teólogo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

2012 - o ano em que o mundo acabará. Mesmo!


Por Marcelo Moraes Caetano

Stanley Kubrick ficou famoso por “2001, uma odisseia no espaço”, seu filme antológico com um quê de apocalíptico, tântrico, alucinatório, profético.

O homem sempre teve afeição pela previsão do futuro. Todas as religiões, sem nenhuma exceção (das que eu conheço no mundo, naturalmente), possuem profetas, vates, leitores do futuro.

Os maias e os egípcios, segundo está na mais alta voga comentar agora, previram o fim do planeta Terra no ano 2012, com uma precisão – ao que consta – assustadoramente milimétrica, chegando a dizer, segundo os mais vorazes defensores do vaticínio maia-egípcio, além do ano 2012, também o mês, o dia, a hora e os segundos em que o armagedon teria lugar.

Profetas e profecias à parte, farei algo mais simples: ao invés de olhar para a frente e tentar dizer o futuro, olharei para trás, e profetizarei, no passado, o fim do mundo.

O mundo que todas as pessoas com pelo menos dez anos de idade viram já acabou, e veio acabando não num grande e abrupto apocalipse de dimensões dantescas, mas em sub-reptícias e homeopáticas hecatombes nossas de cada dia.

2001 – ei-lo de novo – foi o “marco zero” do povo americano, por exemplo. O atentado às torres gêmeas, no entanto, não foi, como alguns propalam, o início do fim, mas, inversamente, foi a comprovação da fragilidade do neo-império romano que vinha ruindo há décadas. A onipotência estadunidense, assim como outrora fora a do Senatus Populus Que Romanus, o SPQR, nome oficial do império de Júlio César, Calígula, Nero, Constantino et alii, tal onipotência, nos dois casos, “como tudo o que começa, um dia chega ao fim”, no famoso aforismo de Tales, da Escola de Mileto.

Esse é o conceito de “entropia”, segundo o qual, repito, “tudo aquilo que nasce deve morrer”. Não é diferente com as nações e os impérios. Sou professor de filosofia grega, filologia e gramática. Muitos alunos, nas universidades, me perguntam por que a grande Grécia Ático-Jônica, ou Grécia Clássica, acabou. Eu respondo sempre: por uma razão muito simples. Assim como ela nasceu, do mesmo modo teve de morrer. A entropia não é privilégio ou exclusividade dos corpos biológicos; ela também está presente nas corporações (a literatura de Administração me confirma), nas instituições, nos países, nos planetas, no próprio universo, se ele realmente teve um início, algo de que os astrofísicos ainda não têm muita certeza.

A crise do “2001”, o “11 de setembro”, não foi o início do fim, digo mais uma vez. E faço isso porque, se retrocedermos – não muito, não é preciso – veremos que a derrocada da economia estadunidense se deu quando um certo continente (Europa) resolveu unificar sua moeda (para atual desespero dos mais fracos, e até dos mais fortes, que se viram esmagados pelo desequilíbrio monetário); unificada a moeda, algo que nem assustou tanto a superpotência norte-americana, um certo Sadam Hussein resolveu vender petróleo para a Europa – até aí, nenhuma novidade -, mas – eis o início da vertiginosa queda americana – esse tal senhor Hussein vendeu o “precioso líquido”, o “ouro negro”, o “sangue do planeta” (e todos esses epítetos hilariantes do petróleo), enfim, Sadam decidiu-se a vender o petróleo para os europeus EM EURO!

Paralisia em Wall Street. Dois muros caíram. O muro de Berlim e o muro da “wall” (“parede” ou “muro”, em inglês) street... Comunismo e capitalismo, dois sistemas baseados em totalitarismos (um, do dinheiro; o outro, do Estado) caíram, “coincidentemente”, juntos em uníssono, entoando a mesma cantilena fúnebre.

A venda do petróleo em euro tornou a moeda norte-americana vulnerável porque comprovou o que o Fort Knox só nos fazia suspeitar: o dólar não tinha lastro. Era papel inócuo. Folhas ao vento.

Não foi por outra razão que Bush não pôde descansar, certamente pressionado pelos especuladores da economia da época, enquanto não teve, literalmente, a cabeça de Hussein, fingindo que estava procurando armas químicas, nucleares, de quasares, magnetares, pulsares, supernovas e outras tantas de mera ficção científica que, até hoje, não foram encontradas. Simplesmente porque não existiam. Procurá-las foi um pretexto para caçar a cabeça do homem que arrancou a maquiagem do dólar a marretadas.

Quero dizer algo muito simples, para cujo preâmbulo me vali da nação estadunidense: o mundo já acabou. O mundo como o conhecíamos em 2000 acabou completamente. É outro totalmente distinto.

Ainda nas plagas dos E.U.A., ora cantando as merecidas loas de um povo, afinal, com História de democracia e conquistas importantes, a chefia da Casa Branca ser exercida por um homem negro descendente de médio-orientais é uma façanha que nenhum Kubrick ousaria colocar em seus roteiros mirabolantes.

Além disso, vários líderes de grandes potências, como o Brasil e a Alemanha, são mulheres. Precisamos reconhecer que Tatcher foi uma precursora nesse quesito.

“O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão” – gritou Antônio Conselheiro na pena magistral do nosso Euclides da Cunha, em 1902, no seu épico “Os sertões”. Pois essa reviravolta já ocorreu.

Além dos negros e das mulheres, por tantos e tantos séculos ultrajados, outros grupos ganharam voz e vez. O povo do Oriente Médio repudiou seus ditadores e os tirou de cena. Os homossexuais no mundo inteiro vêm, pouco a pouco, rasgando livros fundamentalistas X, Y ou Z e fazendo valer seus direitos de cidadãos que se consubstanciam nos seus deveres de cidadãos. Voltamos, pois, à era napoleônica, à era da lei civil laica. Ela está gritando cada vez mais alto, e cada vez angariando mais pessoas de bom senso que não aceitam que um cidadão tenha sua vida íntima remexida como se o Estado, a igreja ou o que quer que seja possuísse o condão, a vara de Armida de cobrar impostos iguais, mas dar direitos diferentes.

Victor Hugo e Castro Alves sentiriam náuseas.

Napoleão falou, quando estava em Santa Helena: “De todos os meus feitos, o que mais será útil à humanidade será o meu código civil”. Por isso o código civil recebe o codinome de “código Napoleão”. O corso estava certo: é preciso dar aos cidadãos a força da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e não tratar pessoas de modo diferente pelo que elas fazem entre quatro paredes.

Sempre que se toca nesse assunto surge a antiga litania: "Mas e a liberdade de expressão?" Queridíssimos, Adolph Hitler teve liberdade de expressão, em nome do Estado, e evocando as forças do Asgard, para trucidar judeus, homossexuais, testemunhas de Jeová, ciganos e deficientes. Essa liberdade de expressão é legítima? Estava escrita na lei (as leis de Nuremberg), portanto era respaldada por um "direito" positivo ao gosto de Kelsen. Mas pergunto de novo: foi uma liberdade de expressão legítima? Queremos ou devemos repetir um erro tão grosseiro incorrendo na mesma exata estupidez de forjar uma pretensa liberdade de expressão que não passa de eufemismo para autoritarismo, insanidade, loucura e demência?

Bem, bem, bem, mas, para desespero das ortodoxias fundamentalistas e dementes supracitadas, o mundo já está enxergando isto: "gente é para brilhar", como canta o belo baiano Caetano Veloso. Os que são contra negros, mulheres ou homossexuais, por exemplo, são vistos, pela maioria da população global, como tiranossauros rex, como seres jurássicos, como subprodutos de uma comédia mal-ajambrada e de um simulacro de um dogma esmaecido pela ferrugem da estupidez.

Hoje, a maioria de nós não é mais manipulada pela mídia, impressa ou televisiva ou radiofônica. Temos acesso às informações VERDADEIRAS pelas redes sociais, pelos Wikileaks, sediada na forte Suécia – viva a Suécia do meu queridíssimo Carl Philip Edmund Bertil Bernadotte! Hoje, sabemos o que queremos saber. Se quisermos saber as verdades, sabê-las-emos. Hoje, não ficamos mais como navios a bel-prazer dos ventos que a mídia de outrora quisesse soprar. Hoje, fazemos nossos próprios Zéfiros, e sopramos para onde queremos. A mídia, inversamente do que acontecia há cerca de 10 anos, hoje se curva a nós, que de “espectadores” não temos muito a não ser o velho “título”. Somos agentes. Viemos, vimos, vencemos. Derrubamos a mídia com um belo “V”, de vingança, naturalmente...

Essas mudanças de que falei não são perfunctórias, superficiais. Pelo contrário: são profundas, se enraízam no cerne da questão de que o mundo que conhecíamos há 10 anos, o “marco zero”, o “2001” de Kubrick e de Bin Laden, aquele mundo acabou. O mundo acabou e muita gente não percebeu.

Os maias e os egípcios teriam dito que o mundo acabaria em 2012. Eles foram incrivelmente precisos, erraram por poucos anos. Talvez nem tenham errado. Com a mudança do calendário juliano para o gregoriano, muitas datas foram alteradas. Ademais, o ano lunar possui 13 meses, e não 12, e os maias se baseavam no ano lunar, então, seus cálculos são diferentes. Os egípcios usavam o calendário solar, de 12 meses exatos, de 30 dias exatamente cada um. Os hebreus, que nos legaram nosso atual calendário, usavam uma mescla dos dois calendários, o chamado calendário lunissolar, de 12 meses com 28, 30 ou 31 dias, e, a cada 4 anos, havendo a necessidade do ajuste de um mês com 29 dias (aliás, o povo hebreu também tem uma profecia na Torá: “A mil chegarás, de dois mil não passarás”).

Enfim, não passamos de 2000. O “2001”, tão emblemático, foi o fim do mundo, mas um fim lento...

Como gostamos de dar datas específicas aos acontecimentos, do mesmo modo que gostamos tanto de profetizar o futuro (e o passado...), que o dia 31 de dezembro de 2012 seja considerado como histórico. Que seja “2012: o ano em que o mundo acabou”. O mundo azinhavrado acabou. Jaz inerte e e incônscio.

O mundo novo que nós próprios fomos construindo (e tenho muito orgulho, modéstia à parte, da minha geração, que não teve vergonha de pintar a cara e derrubar onipotentes presidentes, igualar direitos), esse mundo que nós fizemos é um mundo novo. Não um “admirável mundo novo”, nem um “big brother” de “1984” de George Orwell. Embora seja um pouco disso também.

Mas entre perdas e ganhos, houve mais ganhos. Um mundo em que a mente e o raciocínio claro e justo estão finalmente vencendo o obscurantismo de livros velhos e mofados. Um mundo em que as pessoas estão vendo que o dinheiro é relativo e não compra as hipotecas estadunidenses especulativas e falaciosas, assim como não compra o que há de fundamental na vida: amizade, amor, fraternidade e ternura.

Um mundo em que as pessoas não têm vergonha de dizer “eu te amo”. Eu, pelo menos, escuto e falo essa frase diariamente, com pessoas diferentes envolvidas no meu diálogo. E creio que eu não seja o único. E creio, ainda, que quem não escuta e não fala não sabe o que está perdendo.

O mundo acabou. Viva o fim daquele mundo arranhado por milênios de descomunicação! Graças a nós! Viva o ser humano e todas as espécies benéficas que convivem conosco nesta nave-mãe que nos adotou e que singra o universo conosco numa linda odisseia no espaço!

Vivam os seres humanos que com brio e destemor fazem acabar o mundo das angústias e ausências de diálogos para fazer nascer a flor: do impossível chão.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Homossexualidade, Catolicismo e Liberdade

Por Marcelo Moraes Caetano


Sou católico por formação e por tendência, universalista e agregador por vocação, e, exatamente por isso, parece-me extremamente necessário apontar falhas nas folhas (o trocadilho dos significantes não é fortuito) da árvore que integra o rol da religiosidade humana.

Em recente leitura publicada em site católico, em texto homônimo ao título deste, escrito por Pe. Dr. Helio Luciano (em: http://www.catedralflorianopolis.com/site/noticia.php?cod=186), eu vi-me premido ao esclarecimento de inúmeras falácias, que pretendo enumerar gradativamente, apontando-lhes os pontos falhos.

Em primeiríssimo lugar, no segundo parágrafo, erra gravemente o articulista quando afirma: “Por outro lado, da parte dos que defendem a homossexualidade, não pode existir uma ditadura que condene de imediato as opiniões contrárias àquelas que eles defendem”. O fato é que homossexualidade não é uma “opinião”, não se trata de uma ideologia, mas de um elemento intrínseco à natureza da pessoa. Não se pode dizer que ser negro, indígena, mulher, por exemplo, sejam “opiniões” que a pessoa tem, porque, em vez disso, trata-se de maneiras como a natureza quis que o ser humano se manifestasse na diversidade, não no unitarismo. “Ditadura” seria, isso sim, querer obscurecer essas e outras manifestações da pluralidade no mundo.

Em segundo lugar, o senhor articulista pretende defender “racionalmente” que o comportamento homossexual é contrário ao “modo próprio de ser” (sic). E arremata: “Sem nenhuma intenção de ofender às pessoas que tenham essa tendência, parece-me claro que o que sentem é uma atração sexual – quase sempre reduzida apenas a essa dimensão. Acaso o amor não é mais que a mera sexualidade?” Antes de tudo, o uso da racionalidade para distinguir amor de atração sexual é, no mínimo, pândego, uma piada das mais jocosas de que se já teve notícia. Ora, o senhor doutor Helio, teólogo que é, deve saber (ou deveria) que há searas humanas para cujo discernimento a racionalidade não é, nem de longe, a fonte de melhor clareza. A fé, por exemplo, é suprarracional, e o amor, certamente, também o é. Como pode esse senhor achar-se conhecedor do que é e do que não é amor? O próprio Blaise Pascal tem um aforismo célebre: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Não lhe parece, senhor, um pouco de soberba excessiva arrogar para si o conhecimento “racional” do que é e do que não é amor? O senhor acha mesmo que julgará com “razão”, unicamente, um assunto do coração? Imagine quão hilariante seria se alguém tentasse descrever a fé única e exclusivamente por meio da “razão”.

Quando o senhor parte à tentativa de conceituação da homossexualidade tendo como premissa a atração sexual, então, está incorrendo no maior dos irracionalismos, pois, inclusive, há amor sem atração sexual, e isso, portanto, também ocorre no amor entre pessoas do mesmo sexo, que são pessoas como outras quaisquer, “sujeitas às mesmas alegrias, dores e gozos de todo e qualquer ser humano”, parafraseando Simone de Beauvoir a respeito da homossexualidade, em seu livro célebre “O segundo sexo”.

Continuando seu amontoado de falácias e sofismas, o doutor teólogo afirma que sua tese é correta baseada no seguinte “raciocínio”: “Uma prova do que disse antes, é que existem apenas 60 mil pessoas no Brasil que se “casaram” com pessoas do seu mesmo sexo. Não chega a 0,04% da população brasileira. Perdoem-me a ironia, mas existem mais pessoas com a “unha encravada” que casais homossexuais e nem por isso temos leis que defendam as pessoas com “unha encravada”.

Senhor, se há tão poucos casais homossexuais no Brasil, não será exatamente por causa da proibição e do preconceito? Não estará o senhor incorrendo (propositada ou inocentemente) na falácia primária da inversão da relação de causa e consequência? E, quanto a dizer que “não temos leis que defendam as pessoas com unha encravada” (sic), como não?! Acaso elas não têm direito, como em qualquer outra enfermidade, pelo menos constitucionalmente, pelo Artigo V da CRFB/88, a tratamento médico gratuito subsidiado inteiramente pelo Estado na figura do SUS?

Ademais, ainda que o número de homossexuais (ou de pessoas com unha encravada) seja pequeno, toda pessoa que tem os mesmos deveres de qualquer cidadão deve, por racionalidade, possuir os mesmos direitos. Há também uma minoria de índios no Brasil (em grande parte quase erradicada pela própria igreja católica), e nem por isso eles deixam de possuir direitos.

Uma democracia não se restringe ao direito das maiorias. Isso é o maior erro de quem supõe saber o que é democracia. A democracia deve possuir dispositivos para atender, também, as minorias. “É preciso tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida em que se desigualam”, lembrou Rui Barbosa, ao instaurar o Princípio da Proporcionalidade na Constituição Brasileira e no seu modus operandi de democracia JUSTA. Não há nada mais injusto do que tratar de maneira igual os desiguais. Isso diz respeito, inclusive, às minorias, que precisam, sim, ser contempladas. Democracia SÓ das maiorias tem outro nome: fascismo. Foi nessa esteira que já se quis erradicar índios, escravizar negros, promover o genocídio de judeus, mulheres, protestantes, candomblecistas etc.

Não é a primeira vez que a igreja, apocalipticamente, grita que o fim da família ocorrerá e que os legisladores são arautos de Sodoma e Gomorra. Quem estudar o movimento que houve quando da implantação do divórcio no Brasil o verá. E a família acabou? A instituição deixou de existir? Ou será que o divórcio deu às pessoas a liberdade e a possibilidade de reconstruírem suas vidas, não precisando se autoflagelar (e flagelar aos filhos e ao cônjuge) por um erro que, muitas vezes, foi cometido no calor da puberdade?

Quando o senhor afirma que 62% da população é contrária à união civil, eu faço duas perguntas: 1) segundo qual fonte? 2) 38% não é uma parcela muito significativa para ser desprezada? Se antes o senhor partia de 0,04% para alardear a “ilegitimidade” da união civil (o que já era falacioso, como se mostrou acima, pois até a mais mínima minoria tem direitos iguais se seus deveres lhe competem igualmente). Pergunto isso porque, numa democracia, qualquer fonte de informação que não seja o escrutínio – plebiscito, referendo, votação – é ilegítima. Qualquer órgão de pesquisa, mesmo oficial, que não sejam as urnas, não está apto a dizer a porcentagem da população que quer ou não quer algo. Só as urnas.

Ademais, parece haver um problema que está sendo pouco discutido, até pelas mentes realmente racionais: o Brasil, na própria Constituição, é uma república federativa. O que quer isso dizer? Que os estados e municípios têm autonomia de criar leis regionais. Será que esses seus duvidosos e/ou ilegítimos 62%, senhor teólogo, são uniformes em todo e qualquer estado brasileiro? Por que, então, o Brasil não propugna por um federativismo mais forte? Certamente há estados no Brasil em que a maioria absoluta da população será a favor da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Ademais, por que se deve ouvir apenas as religiões cristãs, se há, no Brasil, um Estado laico e, mesmo em termos religiosos, muitas outras religiões que não são contra a homossexualidade?

Sobre a alegada “inconstitucionalidade” que o senhor apregoa, é bom lembrar que na Constituição monárquica a escravidão era cláusula pétrea, e que, portanto, aboli-la foi, sim, um ato inconstitucional. Inconstitucionalíssimo! Mas legítimo, porque a escravidão é um vilipêndio à dignidade humana, assim como querer que homossexuais se restrinjam a guetos e esconderijos também o é. Vive-se em guetos quando não se pagam impostos: traficantes, bandidos vivem em gueto. Homossexuais têm direito à luz da sociedade, porque seus deveres idênticos aos de qualquer outra pessoa lhes dão as prerrogativas inerentes aos direitos que esses deveres geram. O Estado nazista, por seu turno, era completamente baseado em leis, e escritas, e nem por isso possuía legitimidade. Terei de citar, uma única e loquaz vez, a frase de Jesus: “A lei foi feita para o homem, não foi o homem que foi feito para a lei” – e curou em dia de sábado (o que era proibido), assim como outro profeta (creio que o Rei Davi) comeu, quando teve fome, dos pães do templo que eram resguardados para as proposições sacerdotais, descumprindo a lei escrita. Porque a lei foi feita para o homem, não foi o homem que foi feito para a lei.

Sobre o que o senhor fala de educação “pró-homossexual”, prefiro não emitir opinião, porque a sua própria afirmação se derruba a si mesma, tamanho o despautério que ela contém. Comentá-la seria até um atentado à racionalidade que o senhor procura esboçar. Seria como tentar “justificar” porque é preciso libertar os escravos. Victor Hugo, sobre isso, tem a famosa frase: “É preciso libertar porque é preciso libertar”. Não vou falar sobre a “educação pró-homossexual” que o senhor diz existir, porque o senhor precisaria (certamente sem sucesso) comprovar o que diz.

Por fim, sobre a “LIBERDADE!!!” (sic) que o senhor cita, com letras maiúsculas e três (três!!!) pontos de exclamação, como se gritar encobrisse a irracionalidade explícita, enfim, sobre a liberdade que o senhor cita querer ter em relação a expressar sua opinião, é bom lembrar que, em democracia, os seus direitos TERMINAM onde COMEÇAM o do outro. O senhor tem liberdade de “xingar” uma pessoa de negra, mas terá de arcar com essa liberdade. Ninguém vedará a sua boca, mas o direito à não-discriminação e ao não-preconceito, que assistem ao negro, e que também são direitos de LIBERDADE!!!, farão com que os ofendidos, direta ou indiretamente, exerçam seus direitos sobre o senhor, e lhe façam aprender a lição número 1 de democracia: a liberdade de expressão tem como limite o momento em que se torna incitação ao ódio, convite à discriminação.

Não é racional, nem democrático, querer infligir o gueto às partes da população que são minorias. Isso é irracional e despótico, para usar eufemismos.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Assim diz a Bíblia!


Por Toni Souza


Definitivamente, um dos temas mais polêmicos na contemporaneidade cristã é a Homossexualidade. Por isso, antes mesmo de escrever este, fui motivado pela curiosidade a consultar um dicionário bíblico com o propósito de obter informações referentes a este assunto e a Bíblia. E entre tantas coisas, dizia o verbete do dicionário:

Pessoa que se atrai sexualmente por pessoas de mesmo sexo. O comportamento homossexual é proibido nas Escrituras (Lv 20,13) e foi uma das principais causas do juízo divino contra Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) (YOUNGBLOOD, 2004, p 669 e 670).

Todo conceito traz consigo uma superficialidade, revelando-se em uma definição pobre e incapaz de comprovar uma inteireza. Observem que o significado a Homossexualidade é circunscrito numa atmosfera de negação e condenação, como se os homossexuais fossem “vítimas” de uma atração perigosa e funesta e condenatória.

Mas, “assim diz a Bíblia!” admitiram aqueles que não têm muita intimidade com as Escrituras. Porém, os fiéis cristãos não hesitariam em ‘engrossar o coro’ concordando com eles.

O fato é que apesar das constatações bíblicas carregarem uma névoa de verdade, há vários argumentos convergindo à Homossexualidade que dividem, inclusive, muitas denominações e pessoas religiosas. Isso, é claro, está muito relacionando a questão da interpretação dessas passagens.

Estudiosos da área afirmam que cerca de 15 textos bíblicos fundamentam essa discussão. O propósito aqui não é escrever um tratado de fé com todas suas páginas e citações, de modo, que valerá a pena recorrer à Bíblia para conferir as menções bíblicas na sua extensão e contexto. Cientes do objetivo deste artigo, façamos um passeio breve, por conseguinte, reflexivo por alguns recantos da Bíblia que são pertinentes a nossa conversa.

Comecemos pelo princípio de tudo: Gênesis. O livro da origem do mundo e da humanidade, oferece-nos duas narrações referentes ao mito da criação dos primeiros ancestrais de todos os povos que habitam o planeta (Gn 1,27-28 e 2,18-25). A partir desses trechos bíblicos, muitos discorreram sobre como deveriam se estabelecer às relações sexuais, afinal de contas, Deus havia criado Adão (HOMEM) para Eva (MULHER); logo, o diferente significaria ir de encontro aos desígnios de Deus.

A questão não é tão simples assim. Se formos estudar as demais mitologias, algumas até mais antigas do que a história mítica de Adão e Eva, como as africanas, de pronto perceberemos uma forte semelhança entre as mitologias. Algumas se assemelham por ter um deus supremo e criador ou pela cronologia temporal das demais criações e por fim, pela criação do homem que por estar cansado de viver sozinho ganha a companhia da mulher para ser uma idônea companheira e, fundidos “numa só carne”, pudessem cumprir a missão de serem fecundos e zelosos das coisas de Deus.

Deste modo, a união em casal de Adão e Eva representa o objetivo de multiplicar e exercer o domínio sobre a terra.

Prossigamos nossa viagem, ainda no mesmo livro dos Gênesis, mas por outros capítulos.

A história de Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) é sobremaneira uma das mais intrigantes da Bíblia, pois traz em seu bojo uma mensagem para a religião cristã, bem como a humanidade. Em contrapartida, muitos têm feito uma interpretação equivocada. No início dessa conversa, recorremos à definição bíblica que entrelaçava o sentido da palavra Homossexualidade com o pecado de Sodoma e Gomorra, ou seja, como um pecado sexual. Mas, qual seria o verdadeiro pecado cometido por essas duas cidades?!

Conforme a leitura dos textos, é notório que Sodoma e Gomorra vivam embriagadas pela soberba e mesquinhez. Deus, vendo aquilo, enviou anjos à cidade, chegando lá foram surpreendidos por homens. É conveniente explicar que o termo ‘homens’, nesse contexto, sugere uma amplitude, ou seja, os anjos foram abordados por toda a população, (homens, mulheres, crianças e idosos) “sem exceção”. Sodoma ao invés de acolher os estrangeiros, ameaçou os visitantes atentando contra eles com todo tipo de abuso:

“Mas, antes que se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim todo o povo de todo o lado, e chamaram Ló e lhe disseram: onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles”, (Gênesis 19:4-5).

Para não incorrermos em imprudente interpretação e conseguirmos produzir uma boa exegese, será necessário estudar a presença dessa história em outros livros da Bíblia, como por exemplo: Isaías, Ezequiel, Amós, Sofonias, Lamentações, Deuteronômio, Mateus e Lucas. Vejamos a versão de Ezequiel: “Eis em que consistia a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: na voracidade com que comia o seu pão, na despreocupação tranqüila com que ela e suas filhas usufruíam os seus bens, enquanto não davam nenhum amparo ao pobre e ao indigente” (16, 49).

De acordo com Ezequiel 16, 49 podemos concluir que o verdadeiro pecado de Sodoma e Gomorra foi a falta de hospitalidade para com o próximo, pois tinham riquezas e alimentos em abundância, conforto e bem-estar, mas apesar disso não foram capazes de ajudar os mais pobres e os indigentes, transgredindo a aliança com Deus.

Jesus, demonstrando ser conhecedor da história do pecado de Sodoma e Gomorra usa o exemplo dessas cidades para fazer recomendações no envio dos seus apóstolos para a evangelização. Jesus no Evangelho de Mateus (10,12-15) adverte:

“Ao entrares na casa, saudai-a. Se, porém, não o for, tornem para vós outros a vossa paz. Se alguém não voz receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sair daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no dia do juízo, do que para aquela cidade”.

A interpretação coerente dessas passagens bíblicas perpassa pela prática de acolher o estrangeiro. Em Romanos 12, 13 o significado de ‘hospitalidade’ é o “amor de estrangeiro”. Já no Antigo Testamento, Abraão foi um generoso hospedeiro quando convidava para a intimidade de sua casa; oferecia comida e lavava os pés dos estrangeiros.

Assim sendo, antes de sairmos pregando em nossos templos, igrejas e púlpitos que o pecado de Sodoma e Gomorra era um pecado sexual, logo a ‘sodomia’ (perversão sexual, coito anal[1], pederastia), lembrem-se: toda forma de exclusão seja por cor, classe social, sexo, idade e orientação sexual configura-se como um abuso à pessoa humana. Aquele e aquela que ainda não aprendeu a acolher o diferente está cometendo um pecado abominável conforme os filhos de Sodoma e Gomorra.


Observação:

[1] COITO ANAL: “[...] Em primeiro lugar, nem todos os homens gays expressam sua relação sexual desta maneira, e lésbicas evidentemente não o podem. Em segundo lugar, muitos casais heterossexuais na verdade também usam esta forma de intimidade.” (BRASH, 1998, p. 60).

Referências:

BRASH, Alan A. Encarando nossas diferenças: as igrejas e seus membros homossexuais. Tradução de Walter O. Schlupp. – São Leopoldo: Sinodal, 1998.

SISTO, Celso. Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Editora Paulus.

YOUNGBLOOD, Ronald F.; co-editores F. F. Bruce & R. K. Harrison. Dicionário ilustrado da Bíblia. Tradução Lucília Marques Pereira da Silva. São Paulo: Vida Nova, 2004.


Sobre o autor



Toni Souza é baiano. Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Uma breve explanação sobre a Lei, a Graça e a Homoafetividade

Por Anja Arcanja


“Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante.”
Levítico cap.18, verso 22. (Bíblia de estudo NVI)

Este verso é o mais usado pelos evangélicos (que se prendem a pequenos trechos de uma Lei que somos incapazes e inabilitados para cumprir) para acusar de pecado a homoafetividade, mas se esquecem de ler e citar todo o restante do texto, abrangendo os capítulos anteriores e posteriores. Qual foi a intensão de Deus ao passar estes estatutos e leis aos homens? O que significava este código de santidade passado ao povo judaico (povo escolhido por Deus para que fosse manifesta ao mundo a sua Salvação, a saber, Jesus Cristo)?

Este conjunto de leis e código de santidade para nada mais serviam a não ser para mostrar nossa total incapacidade e inabilidade em cumprir tal aliança firmada entre Deus e o povo escolhido, fazendo-se necessário, portanto, a Cruz, o sacrifício vicário de seu Filho Jesus. Estas leis e a aliança firmada com o povo judeu apontavam para Jesus, nada mais. E Jesus veio buscar e salvar ao que se havia perdido, ou seja, todos nós, pois “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. (Romanos 3:23). Deus vendo nossa condição de total incapacidade providenciou nele mesmo, nossa Salvação, derramando o sangue de seu único filho para a expiação de nossos pecados.

É por isto que hoje ouso dizer com a autoridade de quem foi alcançada pela graça e pelo sangue do cordeiro que, Deus ao olhar para seus eleitos, não vê suas atitudes, não vê sua orientação sexual, não vê nossas falhas e pecados, mas sim, vê apenas o precioso sangue de seu Filho, sangue este suficiente para que Deus não impute sobre mim e sobre os que Ele escolheu, a sua Justiça, mas sim seu beneplácito. “Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade por intermédio de Jesus Cristo”. (evangelho de João 1:17). Este é o grande evento da Bíblia, toda a Bíblia aponta para este fato: a Verdade que se revelou em Cristo Jesus, Ele é a verdade. E por intermédio de seu Sangue, nos foi dada a graça e a lei se cumpriu em Cristo Jesus. Não necessitamos, portanto, estarmos sujeitos à letra da lei para nos achegarmos a Deus, não mais precisamos de sacrifícios. “porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie”. (Efésios 2:8,9). Nada podemos ou precisamos fazer para merecer a graça, pois graça é favor imerecido. Onde antes havia pecado, segundo a lei, hoje superabundou a graça. Deus vê todos na mesma condição, seja homo, seja hétero. Mas o Sangue de Cristo nos purifica de todo pecado. Admitir que Deus abomina sua criação, é crer num Deus imperfeito quanto ao que criou! E em Deus não há sombra de imperfeição nem de pecado.

Anja_Arcanja
Colaboração: Priscila Anjo

“Se existe um deus que conspira contra a liberdade humana, ele é meu inimigo – e eu dele” (Gondim)


Sobre a autora


Anja Arcanja é escritora e poeta amadora e teóloga. Autora do blogue “O mundo da Anja” (http://omundodaanja.blogspot.com.br), que conta com diversas parcerias e articulistas, voltado a discutir religião, filosofia, teologia, ateísmo, homossexualidade, sexualidade humana, entre outros temas de relevância; e do blogue “Poemas e contos eróticos da Anja” (http://anjaarcanja.wordpress.com), um blogue de cunho erótico. Escreve ainda para os blogues “Confraria Teológica Logos & Mythos” e “Fragmentos Ativos”, além de ter textos publicados em vários blogues e sites.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Bíblia é Homofóbica? (Um anti-contra-argumento)

Por Paulo Stekel



Este artigo, a despeito de seu subtítulo, pretende ser um complemento e uma contribuição ao debate mais do que algum tipo de contestação aos dois artigos anteriores publicados neste blogue com o mesmo título (os quais recomendamos que se leia antes do nosso):




Um argumento pretende defender uma ideia lançando mão de algumas premissas iniciais. No caso em questão, consideramos como argumento a ideia de que a Bíblia é homofóbica.

Um contra-argumento ou retribuição é uma objeção a uma objeção, podendo ser usado para rebater uma objeção a uma premissa. Ele pode pretender lançar dúvida sobre a veracidade de uma ou mais premissas iniciais de um argumento, ou mostrar que os argumentos iniciais não se seguem a suas premissas de maneira válida, ou pode dar pouca atenção às premissas e simplesmente tentar demonstrar a verdade de uma conclusão incompatível com o que é estipulado no argumento inicial. No caso em questão, o contra-argumento é a ideia de que apenas partes da Bíblia são homofóbicas, enquanto outras parecem enaltecer a homo-afetividade (casos Davi-Jônatas, Rute-Noemi).

Com o que chamamos de anti-contra-argumento pretendemos lançar uma terceira ideia: a de que a Bíblia não é um texto coeso, de que entre o Antigo e o Novo Testamento há muitas contradições, de modo que querer defini-la no seu todo como sendo homofóbica ou não-homofóbica é esquecer que a homofobia depende mais da interpretação que se a dá HOJE.

Se se lhe dá uma interpretação literalista, conectada de modo radical a um momento histórico (o levítico-deuteronomista, por exemplo) e sem qualquer recontextualização para com o nosso tempo atual, isso pode ser entendido como uma interpretação homofóbica.

Por outro lado, se se lhe dá uma interpretação contextualizadora e moderna, que considera as mudanças históricas dentro do próprio texto bíblico (as mudanças de costumes e aplicação de leis entre o Antigo e o Novo Testamento, por exemplo) e as adaptações do homem ao longo do tempo, bem como os novos conceitos biológicos, sociais e tecnológicos, isso pode ser entendido como uma interpretação não-homofóbica e naturalmente inclusiva.

João Marinho no texto que abriu este debate deixou claro que mesmo após o surgimento da Teologia Inclusiva a homofobia dentro do texto bíblico não pode ser maquiada: “Mesmo com a teologia inclusiva e supostas passagens pró-homossexualidade, não devemos maquiar a homofobia e demais preconceitos de certos textos bíblicos. (…) Na verdade, a questão do embate entre as diferentes formas de teologia inclusiva e as vertentes mais conservadoras, para mim, é mais profunda do que escolher um lado ou outro.”

Com certeza. E, ao termos dividido acima a interpretação bíblica entre a literalista e a contextualizadora, não estamos falando, no caso da segunda, em Teologia Inclusiva. Estamos falando em uma interpretação naturalmente inclusiva. Qual a diferença? No caso da Teologia Inclusiva, frequentemente, sua consequência é a criação de “igrejas” alcunhadas de “inclusivas” que nem sequer são aceitas pela maioria dos grupos cristãos como sendo igrejas cristãs. Já, uma interpretação naturalmente inclusiva deveria estar disponível em todos os grupos cristãos, o que seria muito mais producente para a inclusão da pessoa LGBT que escolheu para sua vida religiosa o Cristianismo.

Provavelmente o surgimento das Igrejas Inclusivas tenha se dado pela resistência dos grupos cristãos existentes até então em se permitirem a uma interpretação contextualizadora como descrita acima. Para alguns, incluindo muitos gays cristãos, tais Igrejas Inclusivas são uma aberração dentro do Cristianismo, já que este deveria acolher a todos sem distinção, sem preconceito e sem demonização. Para outros, elas são algo legitimamente cristão, embora o texto de que se valem apresente dificuldades exegéticas consideráveis no caso do tema homossexualidade e homo-afetividade. Em nosso anti-contra-argumento dizemos que tais Igrejas são um mal necessário enquanto a inclusão do indivíduo LGBT precisa ser algo “negociável” com relação à maioria cristã.

Walter Silva, no segundo artigo desta polêmica, escreveu algo aparentemente óbvio, mas que não custa relembrar, dada a sua gravidade: “(…) questionar se a bíblia é homofóbica pode parecer mesmo uma grande ingenuidade, quando não uma pilhéria grotesca.”

É o que parece. E, muitos comentários recebidos pelos dois artigos até aqui evidenciam exatamente esta certeza: a de que a Bíblia é homofóbica.

Mas, João Marinho, ao citar Davi e Jônatas, já havia argumentado: “Agora, porém, assumamos que realmente tenha havido um relacionamento gay entre Davi e Jônatas, que a história contada seja essa – uma homofilia bíblica, em vez de seu oposto, a homofobia. Isso descartaria a existência da mesma homofobia na Bíblia?

Não é porque os livros de Samuel, Reis e Crônicas exaltam o relacionamento entre Davi e Jônatas e ambos trocaram declarações carinhosas que o Levítico e suas injunções a certas práticas homoeróticas deixam de existir.”

Realmente, não. Contudo, há uma polarização moderna evidente quando os teólogos inclusivos tendem a argumentar (conforme o artigo de João Marinho) que “a Bíblia não é, ou talvez não seja, toda homofóbica classicamente falando, como os cristãos conservadores tanto gostam de retratá-la” e os teólogos conservadores dizem que “a Bíblia não é nada homofóbica”.

Para João Marinho “o que é producente, portanto, é tomar a Bíblia pelo que ela é: um livro histórico-religioso, com um sem-número de contradições, inclusive com relação à homossexualidade”. Isso nos leva ao terceiro argumento: a Bíblia está desconectada de nossa realidade moderna exatamente por ser um livro histórico-religioso escrito ao longo de milhares de anos. Isso explica as inúmeras contradições que apresenta no tocante a vários assuntos.

Um dos argumentos mais usados pelos defensores de Levítico para atacar os homossexuais é o de que, segundo estes, não apenas o Antigo Testamento condena os atos homossexuais, mas também o Novo Testamento. As demais leis judaicas de Levítico e Deuteronômio que não aparecem no Novo Testamento teriam sido “abrandadas” pelo Cristianismo, como as proibições alimentares, por exemplo. Mas, como Coríntios ataca os gays, nada feito. Será? A posição inferior da mulher diante do marido, seu status de propriedade do homem, de que deve calar-se, etc, aparece em ambos os Testamentos da mesma forma que as críticas aos eunucos, efeminados e sodomitas. Contudo, qual cristão hoje imagina dizer para sua mulher manter-se calada numa conversa porque Deus assim manda na Bíblia? A misoginia foi “abrandada”, mas a homofobia não? Conveniências? Talvez. Mas, que muitos cristãos machistas gostariam de poder calar suas mulheres em público sob a autoridade bíblica, ah, isso sim!

O que fazer então? Continuar cristão gay em meio a homofóbicos, aderir a Igrejas Inclusivas ou deixar de ser cristão? João Marinho: “(...) não posso esperar que todos se tornem ateus apenas por serem LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), quando eu mesmo, por sinal, não sou.”

Não há necessidade de gays cristãos deixarem de ser cristãos. Por que? Porque todo e qualquer trecho bíblico sobre homossexualidade está sujeito a interpretações diversas. E, isso tem um motivo simples, mas crucial: na época bíblica ninguém tinha consciência de orientação sexual, de que uma delas é a homossexual, de que isso é natural e de que não pode ser mudada. Se tivessem tal consciência, as orientações LGBT estariam na conta do que foi criado por Deus e não estariam sujeitas às leis mosaicas e deuteronomistas, que são mais tentativas de regrar a vida privada dos israelitas e judeus que preceitos divinos universais. Em suma, não são pecado, mas interdições, a maioria delas, inclusive, dirigidas aos heterossexuais. E, interdições, não levam ao Inferno. Apenas o pecado não remido pelo arrependimento leva ao Inferno, segundo as crenças cristãs.

Como bem pontuou Walter Silva, na época bíblica nem sequer havia a consciência de existirem heterossexuais e homossexuais. Só se tratava do sexo como entre macho e fêmea. Não havia a diferenciação entre sexo biológico, gênero, identidade e orientação sexual. Para os antigos semitas tudo se resumia no macho-fêmea, e pretendiam que era assim também no reino animal. A Ciência moderna colapsou tal ideia ao descobrir animais andróginos, hermafroditas, e espécies que podem até mudar de sexo sob certas circunstâncias. Com que animais estas espécies se alojaram na Arca de Noé???

O que quero deixar claro com meu anti-contra-argumento é que, antes de alcunharmos o livro inteiro chamado “Bíblia” como homofóbico, devemos declarar que a Bíblia ignora tudo o que sabemos hoje sobre a sexualidade humana. Então, a Bíblia é ignorante quanto à pessoa LGBT e, por tal contraste com nossa realidade atual, figura como homofóbica. Além disso, no momento em que fanáticos preconceituosos desvirtuam os textos e traduzem termos antigos com palavras modernas – como quando se traduz “sodomita” por “homossexual” -, a ideia “mastigada” e falaciosa lançada para a maioria é a de que a Bíblia condena os gays.

Mas, como pode um texto que sequer concebe a existência de gays condená-los? Tudo no texto bíblico é escrito numa ótica homem e mulher, macho fêmea. Ele não concebe sexo entre homens além da noção de algo não-natural que deve ser interdito; não concebe o amor entre pessoas do mesmo sexo que não seja o amor paternal-filial-fraternal pois não acredita que tal amor seja possível em sua visão normativa homem-mulher; não concebe a união/casamento entre pessoas do mesmo sexo porque não percebe uma pessoa que mantém relações com outra do mesmo sexo como alguém que possa amar esta outra pessoa e desejar viver toda a vida com ela de modo equivalente a um homem e uma mulher.

Este argumento parece simples, mas tem implicações importantes já apresentadas por Walter Silva ao citar John Richard Boswell, autor do livro “Cristianismo, tolerância social e homossexualidade’’: "(…) Boswell foi celebrado ao expor uma interpretação revolucionária, argumentando que a igreja no início da sua trajetória e ao longo de uma parte do medievo, conviveu com a homossexualidade de forma pouco conflituosa, possibilitando inclusive o emergir de uma subcultura gay, expressando-se através de primorosos poemas e cartas eróticos de amor e amizade do mesmo sexo, escritos por bispos e clérigos cristãos.”

Isso demonstra o que dissemos sobre a ignorância bíblica a respeito da pessoa homossexual! Tal ignorância, na Idade Média, serviu para uma evidente tolerância da Igreja Católica para com pessoas com tendências ao amor pelo semelhante, o mesmo sexo, enquanto que a mesma ignorância hoje tem servido aos setores fundamentalistas que traduzem a seu gosto o texto bíblico para condenar os LGBTs. Se isso não fosse verdade, não teríamos várias Igrejas Cristãs protestantes que não se consideram “inclusivas” aceitando LGBTs entre seus fieis, ordenando sacerdotes gays e celebrando casamentos entre homossexuais. É o caso da Igreja Luterana nos EUA (no Brasil, infelizmente, não é bem assim), da Igreja Presbiteriana (também nos EUA), da Igreja Anglicana, da Igreja Episcopal dos Estados Unidos, de setores minoritários da Igreja Batista e Metodista, entre outras.

Walter Silva: “De modo contraditório os literalistas afirmam que Deus não reconheceu a categoria dos homossexuais (então qual o sentido de dizer que Deus não condena a pessoa gay?), que Deus criou somente o “macho’’ e a “fêmea’’; indivíduos gays, portanto são machos e fêmeas que se recusam a cumprir com os desígnios de sua natureza verdadeira (heterossexual).”

A questão é mais ampla: o Deus bíblico não cita “gays”, “homossexuais” ou “LGBTs” simplesmente porque desconhece sua existência. Mas, dirão os beatos, como pode Deus desconhecer o que hoje conhecemos? E, dirão os teólogos beatos, como poderia Deus reconhecer o que não existe e é uma doença, uma aberração e uma imoralidade? E, dirão os 10% da humanidade que Deus “desconhece” ou que pensa não existirem, se Deus nos desconhece ou se cala sobre nós porque não existimos, por que seus adeptos colocam na boca do Criador uma condenação que não faz sentido, dados os argumentos? Alguns setores protestantes norte-americanos entenderam isso (anglicanos, luteranos, etc.) e deixaram de adotar posturas anti-gays. Quando os cristãos brasileiros vão acordar? Quando deixarão de ouvir o vociferante e infernal discurso de Malafaia, Magno Malta, Marco Feliciano e legião, e passarão a incluir os LGBTs em suas vidas sem ódio, sem preconceito e sem demonização?

Quando dizemos que a Bíblia é homofóbica, estamos alimentando um discurso falso de que todo o cristão e de que todos os grupos cristãos são homofóbicos e contra os direitos gays.

Quando dizemos que a Bíblia não é homofóbica, pois ama o gay mas condena o ato homossexual, estamos alimentando a hipocrisia violenta daqueles cristãos que se aproveitam deste argumento para condenar os gays ao Inferno e para tentar impedi-los de conquistar direitos básicos.

Porém, quando dizemos, equilibrando as coisas:

1 – Que a Bíblia desconhece as noções modernas de sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero, heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade;

2 – Que a Bíblia condena comportamentos sob a perspectiva de que sejam efetuados por pessoas vistas dentro do padrão macho-fêmea, sem alternativa diferente;

3 – Que, mesmo a despeito de tais condenações, a Bíblia deve ser interpretada, contextualizada e tornada “viva” na modernidade, sem os arcaísmos embutidos;

Quando dizemos tudo isso, fica claro que não é a Bíblia que é homofóbica – por uma impossibilidade histórica de sê-la –, mas os que a adotam hoje para fazer uma interpretação arcaica, desconectada da vida humana, dos sentimentos humanos, da realidade interna do ser humano, trabalho este que tem sido feito pela Psicologia, mas no qual a Teologia moderna apenas engatinha.

Contudo, é certo que se a Bíblia não é homofóbica por ser antes ignorante da pessoa LGBT, também não é um livro inclusivo pelo mesmo motivo!

O Novo Testamento apresenta uma noção um pouco menos ignorante da existência de uma alternativa à visão do padrão macho-fêmea (baseado na imprecisa observação dos animais pelos antigos) e homem-mulher (baseado unicamente nos gêneros evidentes física e mentalmente) ao referir-se aos “eunucos de nascimento”, como brilhantemente esclareceu Walter Silva em seu artigo: “(…) a Bíblia repudia a afeminação não natural nos homens heterossexuais, o sexo homossexual com prostitutos sagrados e a disposição de alguns heterossexuais para a luxúria ocasional com o mesmo sexo.”

A tendência “feminina” em eunucos era conhecida e aceita, portanto. O que não era aceito – ou conhecido, já que se desconhecia também a noção de orientação sexual desconectada de tendências masculinas-femininas – era um homem não-feminino que se desse ao mesmo sexo, como se “feminino” fosse. Novamente, uma tentativa sutil de encaixar mesmo os eunucos no padrão macho-fêmea, homem-mulher. Sem contar que a mulher no ato sexual, na visão judaico-cristã, é considerada como “submetida” ao homem, e não em caráter de igualdade, como hoje em dia. Então, como se considerada o submetido como inferior, assim também eram considerados, como as mulheres, os eunucos, os homens femininos e os prostitutos sagrados. Nesta noção machista-patriarcal é inadmissível um homem não-feminino deitar-se com outro não-feminino...

Já naquela época bíblica, portanto, se percebe uma tentativa de conter o fator gay (ainda nem considerado existente como hoje) dentro de uma categoria aceitável (o eunuco de nascimento), em oposição à não aceitável (o prostituto sagrado).

Atualmente, quanto ao tema, vemos radicalismos de ambos os lados: do lado fundamentalista, uma tentativa de “eugenia social”; do lado de alguns LGBT que não gostam de religião, uma tentativa de desqualificar todo e qualquer valor da espiritualidade para a vida LGBT. Extremos nunca se entendem. Podem se tocar, mas nunca se entendem.

O que desejam os “patrulheiros da moral e dos bons costumes” de origem cristã? Estes “patrulheiros” desejam que os gays voltem aos guetos, que amem seus iguais às escondidas, sem postular direitos, casamento, adoção, benefícios iguais aos dos heterossexuais... Querem, assim, promover no Brasil uma verdadeira eugenia social dos homossexuais aos moldes da proposta nazista? Jamais o permitiremos!

Quando uso o argumento da eugenia social contra gays, muitos dizem que essa comparação é um absurdo. Mas, não é. A eugenia (termo cunhado em 1883 por Francis Galton), significa “bem nascido” e é o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente. Ou seja, melhoramento genético. Hitler se baseou nisso ao imaginar que o arianos loiros heterossexuais eram mais puros e superiores aos judeus, negros, ciganos, deficientes e homossexuais.

Aplicando isso à noção de eugenia social contra gays, ela significaria a discriminação de pessoas por categorias sexuais, por orientação sexual, levando apenas a uma relativa aceitação dos gays mais “comportados”, mais semelhantes aos padrões heterossexuais, que seriam melhor aceitos na sociedade, mas nunca completamente integrados, incluídos. Contudo, continuariam sendo considerados não-aptos para a reprodução, como se, afinal, todos os gays e lésbicas fossem estéreis!!! Segundo esta eugenia social, os melhores gays seriam os do armário, os caladinhos, os que aceitam a ofensa, a demonização e a violência, de modo a nem serem percebidos pela sociedade e não constituírem qualquer ameaça a “família cristã”. Ledo engano! Não se joga para debaixo do tapete cerca de 10% da humanidade (se não for mais!) como Hitler tentou fazer com os que ele considerava inferiores.

Para finalizar, a Bíblia deve ser lida e interpretada como um livro antigo, escrito por muitos autores ao longo de milhares de anos e que não trata de todos os assuntos que interessam à vida dos fieis com a riqueza de detalhes e nos termos modernos, como se gostaria. É um livro sagrado – como todos os demais, aliás – para ser estudado, esmiuçado, esquadrinhado, e não usado como arma contra outros seres humanos por pessoas que, em geral, não entendem o que está ali escrito.

A propósito, tenho visto pastores semi-analfabetos vomitando preconceitos como certezas teológicas enquanto ouço dúvidas profundas e pertinentes de teólogos com décadas de estudos. Para os primeiros, estes analfabetos de Deus que se consideram Seus intérpretes, deixo alguns trechos do Livro da Sabedoria, atribuído a Salomão:

“O Senhor de todos não fará exceção para ninguém, e não se deixará impor pela grandeza, porque, pequenos ou grandes, é ele que a todos criou, e de todos cuida igualmente; mas para os poderosos o julgamento será severo.

Resplandescente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na facilmente.
Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam.

Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.

Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve não terá mais cuidado.

Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos, porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la.

Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza.

Embora única, tudo pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas. Ela se derrama de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os intérpretes de Deus, porque Deus somente ama quem vive com a sabedoria!”

(Livro da Sabedoria, VI. 7-8, 12-17; VII. 24, 27-28)


Sobre o autor


Paulo Stekel é jornalista, escritor, músico, poliglota, especialista em religiões, tradições espirituais e línguas sagradas. Ativista LGBT focado na relação entre homofobia e religião, é o criador do Movimento Espiritualidade Inclusiva e possui quase uma centena de artigos sobre espiritualidade, orientação sexual, homofobia religiosa e espiritualidade inclusiva. Contatos: espiritualidadeinclusiva@gmail.com