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quarta-feira, 26 de março de 2014

Bíblia Sagrada, Pretensionismo e Homossexualidade

Por Victor Orellana


Ao analisar o vasto número de traduções da Bíblia na Língua Portuguesa e a crescente oposição do protestantismo fundamentalista militante em relação aos gays (me refiro principalmente aqueles que usam de seus cargos públicos para reforçar preconceitos, crimes de ódio, repressão às minorias sexuais, etc, etc) cresceu em mim o interesse de fazer um texto onde abordasse os famosos "versículos do terror". Bem, é notório como as igrejas fundamentalistas usam tais versículos, descolando-os de seu contexto bíblico e, inclusive, de seu contexto histórico também, diga-se de passagem, para utilizá-los como instrumento ideológico, com o objetivo de apagarem, se não, reduzirem pessoas perante a sociedade como "cidadãos de segunda classe", "categoria imoral" ou até mesmo "inumanos". A Igreja Batista de Westboro inclusive, sai em eventos públicos com cartazes nos EUA onde afirma taxativamente "Deus odeia gays", tomando ao pé da letra os textos de Levítico 18:22, onde diz "Não se deitará homem com homem (...), abominação é". No dicionário deles abominação é sinônimo de odiar, tsc tsc, um flagrante caso de pretensão quiçá no livro sagrado que foi traduzido. Será que a palavra moderna ou "equivalência dinâmica" para o original hebraico é "detestar", ou "odiar"? Evidente que não; então, temos aqui distorcedores da Palavra.

Apenas para adentrarmos ao tema, é bom lembrarmos que os cristãos não são unânimes em relação ao tratamento que a Bíblia Sagrada tem quanto a sua interpretação. Os católicos, por exemplo, vêem a Bíblia como um livro sagrado que precisa de pessoas especializadas com sofisticação teológica e autoridade eclesiástica para interpretá-la; os protestantes acreditam na doutrina do livre-exame da Bíblia onde, segundo eles, qualquer um é capaz de interpretá-la, mas para ambos os grupos, o livro é a Palavra de Deus.

Só que ambos os grupos não acreditam que seja um ditado de Deus descido dos céus, embora para grupos radicais de ambos os lados o livro seja tratado dessa forma, como algo "inerrante" a respeito de todos os temas onde possa adentrar. Será??

Óbvio que ao leitor não acostumado com os temas seria mais difícil entender as coisas se fôssemos descrevê-las com terminologias teológicas ou regras de exegese dos originais ou até mesmo de interpretação ou hermenêutica. Tentarei ser elucidativo sem adentrar em termos técnicos demasiados.

Para os eruditos católicos, o texto tem que ser traduzido literalmente, sendo necessário ao intérprete ter conhecimento necessário para poder entender o texto sem divorciá-lo do seu contexto e devido sentido. Não é à toa que as melhores traduções da Bíblia Sagrada são as católicas. Tomemos como exemplo o texto de Isaías 34:14 da Bíblia de Jerusalém (católica) que diz: "Os gatos selvagens conviverão ali com as hienas, os sátiros chamarão seus companheiros. Ali descansará Lilit, e achará um pouso para si". O texto alude a destruição de um povo e de como seria deixado em ruínas, etc. Pois bem, o texto usa de uma linguagem poética para descrever isso, aludindo inclusive a mitos comuns do povo hebreu, como sátiros e Lilit. Tais personagens poderiam ser reais ou míticos na mente do escritor do texto. Agora vejamos a tradução protestante João Ferreira de Almeira revista e corrigida: "E os cães bravos se encontrarão com os gatos bravos; e o sátiro clamará ao seu companheiro; e os animais noturnos ali pousarão e acharão lugar de repouso para si". Como vemos, houve um processo de naturalização do texto, já que os protestantes não são propensos a crerem em mitos no texto bíblico. Vejamos nas Bíblias mais modernas, como a Tradução Linguagem de Hoje, que diz: "Os gatos do mato e outros animais selvagens morarão ali; demônios chamarão uns aos outros, e ali a bruxa do deserto encontrará um lugar para descansar". A linguagem mítica e poética desaparece para dar lugar a uma naturalização e sobrenaturalização dos temas envolvidos, e na Nova Versão Internacional assim narra: "Criaturas do deserto se encontrarão com hienas, e bodes selvagens balirão uns para os outros, ali também descansarão as criaturas noturnas e acharão para si locais para descanso". Aqui tudo se torna naturalizado, e é uma mostra clara de como a Palavra de Deus através de suas traduções vai se adaptando ou acoplando ao nível cultural e informação do povo em sua maioria, ao senso comum.

Ou seja, para que o texto se torne mais compreensível ao leitor mediano, a forma (das escrituras) vai se afastando completamente do conteúdo original; daí nos perguntamos: onde está a fidelidade ao texto original nessas traduções??? Cadê a tão propalada equivalência dinâmica que tem que existir no processo de tradução deixando através de palavras modernas a aproximação maior ao sentido do texto original? Inexiste. As traduções modernas dessa forma vão se tornando quimeras adaptativas ao senso comum longe do original bíblico.

Outro exemplo que podemos citar dessa falsa equivalência dinâmica é o texto de II Reis 3:27: "Tomando então, seu filho primogênito, que devia suceder-lhe no trono, ofereceu-o em holocausto sobre a muralha. E houve uma grande cólera contra os israelitas, que se retiraram e voltaram para sua terra." Ora, é evidenciado aqui que, numa guerra entre os moabitas e israelitas, o rei de moabe sacrifica seu próprio filho, gerando uma ação direta de seu "Deus Camós", que se encoleriza contra os israelitas. Nas traduções mais pretensiosas, ou seja, que procuram adequar o texto à mentalidade moderna, essa crença no politeísmo tanto do povo de Israel como do escritor do texto desaparecem, para salvaguardar o monoteísmo israelita. Vejamos como João Ferreira de Almeida traduz o texto: "Então, tomou seu filho primogênito, que havia de reinar em seu lugar, e o ofereceu em holocausto sobre o muro; pelo que houve grande indignação em Israel; por isso retiraram-se dele e voltaram para sua terra". Aqui se perde o sentido original. A Linguagem de Hoje assim traduz: "Então pegou o seu filho mais velho, que iria ficar no lugar dele como rei, e o ofereceu em sacrifício ao deus de Moabe nas muralhas da cidade. Os israelitas ficaram apavorados e por isso saíram dali e voltaram para o seu país." Aqui desaparece qualquer ação direta do deus Camós e os israelitas ficam apavorados porque "acharam" que deveriam temer "alguma coisa", ou seja, o politeímo desaparece do relato do escritor e permanece somente na ação dos israelitas. Na Nova Versão Internacional: "Então pegou seu filho mais velho, que devia sucedê-lo como rei, e o sacrificou sobre o muro da cidade, isso trouxe grande ira contra Israel, de modo que eles se retiraram e voltaram para a sua própria terra". Ou seja, a ira provêm do contexto natural dos próprios moabitas contra Israel por causa da morte do herdeiro pelo rei.

Pretensionismo é quando, por conta da força do senso comum de alguém que é tradutor, traduz algo, fugindo da originalidade do texto para adaptá-lo à sua compreensão das coisas ou da realidade. Para melhor explicarmos, é quando a "nova forma" foge do "conteúdo original" para adaptar-se à "forma do tradutor", que por sua vez representa um senso comum de pessoas que pensam como ele em determinados assuntos.

A partir daí podemos perceber a má vontade em traduzir corretamente textos relacionados à homossexualidade, etc. Não que a Bíblia Sagrada aprove relações sexuais entre dois homens, porque isso não o faz, mas que as relações homossexuais que ela condena necessariamente não são aquilo que consentidamente se aceita hoje como uma relação entre dois adultos, consensual e conscienciosamente, plenamente aceita em países livres.

Vejam o "versículo do terror" muito usado pelos evangélicos fundamentalistas como está na Bíblia de Jerusalém: "Então não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais! Nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados, nem as pessoas de costumes infames, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os injuriosos herdarão o Reino de Deus" - I Coríntios 6:9. Os termos gregos são bem traduzidos aqui pois denotam hábitos libertinos dos gregos e romanos, como bem se sabe a respeito da cultura helênica, ou seja, mancebos escravizados para fim sexual e pederastas, adultos que apesar de casados, se divertiam como tais escravos.

Na tradução João Ferreira de Almeida assim traduz: "Não sabeis que os injustos não hão de herdar o Reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus".

A Linguagem de Hoje: "Com certeza vocês sabem que os maus não herdarão o Reino de Deus. Não se enganem, não herdarão o Reino de Deus os imorais, os que adoram ídolos, os adúlteros, os homossexuais, os ladrões, os avarentos, os bêbados, os difamadores, os marginais".

A Nova versão Internacional : "Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar, nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus".

Para quem não entendeu ainda, os homossexuais não são somente polêmicos, são revolucionários, e por serem assim eu já presenciei alguns que decidiram se anular para voltarem à pseudo-aceitação de suas famílias e de seus contextos sociais conservadores. É uma pena, mas eu os compreendo de todo coração. Somente os liberais puderam romper paradigmas, e dessa forma, mostrarem um novo horizonte nunca antes visto. Não será com lentes que os conservadores nos dão que conseguiremos enxergar essa liberdade, ou usando as próprias palavras de Jesus, "não se remenda pano novo com roupa velha". Reafirmar certo conservadorismo libertário ou neo-ortodoxia para mim é contraproducente. Cuidado com as mentalidades fundamentalistas, que vemos aparecerem por aí.

Afirmemos nossas vidas e existências, mesmo que "pretensas Palavras de Deus" nos digam o contrário, ou pretenciosos tradutores. Não precisamos dessas quimeras e nem de novas traduções que nada mais sabem ser que reflexos do senso comum da sociedade que tanto oprime e reprime os gays, e estes, muitas vezes se vêem sem coragem ou ânimo para exercerem o que de fato justifica suas vidas, que é a capacidade de amar e ser amados. Ou seja, cada um sabe viver a simplicidade da vida, não compliquemos.

Felicidade a todos.

Sobre o autor


Victor Orellana é Pastor e Mestre espiritual.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Opinião sobre Silas Malafaia no “De Frente com Gabi”


Por Rômulo Neiva


Achei por bem escrever sobre o assunto colocando meu ponto de vista, visto que todos nós gozamos das nossas faculdades mentais e temos o mínimo de instrução para, nos despindo de qualquer preconceito, poder examinar ambos os lados e tirarmos nossas próprias conclusões. Não com soberba, ódio e muito menos pregando a intolerância, mas com a plena certeza de que Deus nos deu um cérebro e inteligência o suficiente para usarmos, principalmente em casos como este, onde alguém se levanta para pregar a intolerância e o ódio, ao invés do evangelho de salvação e do amor de Cristo.

Vamos lá...

Eis o vídeo:



O vídeo por si só já mostra muita coisa, basta observar a expressão de ódio e intolerância quando o Sr. Silas Malafaia entra no assunto da homossexualidade, mas ainda assim gera perguntas e dúvidas de pessoas simples que querem viver uma vida de acordo com a vontade de Deus e estão cansadas de gente julgando e apontando o dedo devido à sua orientação sexual (orientação, não escolha como diz Silas, porque é irracional acreditar que uma pessoa escolha viver debaixo de preconceito e intolerância da sociedade e fanáticos religiosos).

Em primeiro lugar é necessário entender que a Bíblia começou a ser escrita há milênios e foi concluída ainda no primeiro século da Era Cristã. Não foi escrita em Português, foi escrita em hebraico com alguns trechos em aramaico (Antigo Testamento) e grego (Novo Testamento). O grego usado era o grego popular (grego coiné) e não o grego clássico, ou seja, possui trechos de difícil interpretação devido ao desuso de muitas palavras. A partir daí surgiram as traduções em diversas línguas, incluindo o nosso Português.

Em segundo lugar, vale também lembrar que o Sr. Silas Malafaia é envolvido com política e, segundo a Revista Forbes, o terceiro pastor mais rico do Brasil. Segundo a Forbes, a fortuna é avaliada em R$ 300.000.000,00 e segundo o próprio Silas, que disse ser inverídica essa informação, a sua fortuna seria de R$ 4.000.000,00. Independente de fortuna e envolvimento com a política, o que mais chama a atenção é sua veemência em acusar e condenar os homossexuais.

A pior mentira que existe é aquela que está embutida em uma verdade. Sim, muita coisa que ele diz é verdade e não queremos julgar a sua sinceridade em querer servir a Deus. O que estamos buscando aqui é, através da própria Bíblia, enxergar o quanto ele está sendo desonesto em interpretar determinados versículos a bel prazer e simplesmente ignorando outros tantos que sabemos que nenhuma igreja cristã hoje em dia segue.

Diz o Sr. Silas que ninguém nasce gay e que homossexualidade é um comportamento aprendido ou imposto. Diz também que 45% dos homossexuais foram abusados quando crianças e que os outros 54% escolheram ser. Diz também que não existe ordem cromossômica ou genética gay e somente ordem cromossômica de macho e fêmea.

Ora, quem é homossexual sabe muito bem que isso não é opção e muito menos uma escolha, visto que é difícil acreditar que alguém escolha sofrer agressões, preconceito e intolerância. Sabemos também através de nós mesmos e de amigos, quantas vezes passamos por situações ou uma fase da vida em que tentamos seguir por outro caminho, tentamos um relacionamento heterossexual e o quanto isso nos custou, justamente por ser perda de tempo.

Sabemos também que esses dados que ele passou são furados, porque milhares de crianças são abusadas diariamente e nem por isso se tornam homossexuais, muito pelo contrário, deram a volta por cima e seguem a sexualidade que sempre tiveram.

E, quanto à ordem cromossômica e gene, ninguém precisa avisá-lo que um homem não deixa de ser homem só porque é homossexual e nem uma mulher deixa de ser mulher porque é lésbica, apenas sente atração por pessoas do mesmo sexo, algo involuntário, não uma escolha, e a ciência até agora não tem nenhuma prova concreta sobre o assunto, nem dizendo que se nasce gay e nem dizendo o contrário.

Em vários momentos ele equipara homossexuais a bandidos e assassinos. É clara a desonestidade dele em relação a isso. A tentativa dele é levar a opinião pública em seu favor, pois Jesus mesmo disse que todo mandamento se resume em dois: Amar ao próximo como a si mesmo e amar a Deus sobre todas as coisas. Tudo se resume nisso. Um homossexual não está prejudicando ninguém por amar uma pessoa do mesmo sexo, mas sabemos muito bem que pedofilia, adultério, assassinato, etc., prejudica uma outra pessoa, e isso sim está fora dos propósitos de Deus.

O Sr. Silas Malafaia também disse que, na visão dele, é muito clara a condenação da Bíblia em relação à homossexualidade e que a Bíblia é para quem quiser crer e, que quem não quiser crer tem todo o direito.

Fica aqui uma pergunta então: se não somos obrigados a crer na bíblia, por que querem impor isso à sociedade impedindo que homossexuais tenham direito ao casamento e proteção?

Outra pergunta: que textos bíblicos são esses que ele tanto fala?

Já sabemos que não podemos interpretar a bíblia sem levar em consideração a língua em que foi escrita, época, autor, cultura da sociedade da época e pra quem aquele texto foi escrito.

Em Levítico, no Antigo Testamento, lemos: “Não te deitarás com homem como se fosse mulher, é abominação”, mas também diz no mesmo livro que é “abominação” comer animais do mar ou do rio sem barbatanas ou escamas. Por que a Igreja condena a homossexualidade mas não a ingestão de mariscos?

No Antigo Testamento também diz para apedrejar até a morte as crianças malcriadas, diz para a mulher no período de menstruação ficar separada do marido, diz para não comer carne de porco, etc... Porque eles usam um texto e simplesmente ignoram e não praticam outros?

Naquela época, quando a Bíblia diz para um homem não se deitar com outro como se fosse mulher, é bem claro que quando uma mulher estava em seu período de menstruação, alguns homens heterossexuais buscavam saciar seu prazer com outros homens que eram homossexuais, não porque eles também eram homossexuais, mas porque queriam se deitar com eles como se eles fossem mulheres para satisfazerem seus desejos. A condenação não está na homossexualidade e sim na promiscuidade e praticar algo que não era de sua natureza.

Quanto a Sodoma e Gomorra, não foram destruídas por causa da homossexualidade como costumam pregar. A Bíblia diz que o povo daquelas cidades abusava dos viajantes, independente de serem homens ou mulheres, simplesmente por prazer também. Não há condenação da homossexualidade e sim da inospitalidade (a hospitalidade era algo muito sagrado para os judeus) e por causa da promiscuidade.

Bom, vimos aqui que usam muito textos do Antigo Testamento para acusar os homossexuais, mas simplesmente ignoram outros textos que eles mesmos acreditam não valer para os nossos dias.

Vamos então ao Novo Testamento.

Trecho do livro de Romanos na versão da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada, onde é usada uma linguagem culta e que causa más interpretações (usada pelos evangélicos):

“Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça. Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; Estando cheios de toda a iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” Romanos 1:18-32 (Versão Almeida Corrigida e Revisada)

Agora vamos ver o mesmo trecho do livro de Romanos, só que na versão da Bíblia A Mensagem, onde é usada uma linguagem contemporânea e mais usual para os nossos dias. Diz as mesmas coisas, mas com outras palavras (também usada pelos evangélicos):

“Mas o furor divino é despertado pela falta de confiança do ser humano em Deus, pelos erros repetidos, pela mentiras acumuladas e pela manipulação da verdade. Mas a verdade essencial sobre Deus é muito clara. Abram os olhos e poderão vê-la! Se analisarem com cuidado o que Deus criou, serão capazes de ver o que os olhos deles não enxergam: o poder eterno, por exemplo, e o mistério do ser divino. Portanto, ninguém tem desculpa. Vejam o que aconteceu: a humanidade conhecia Deus perfeitamente, mas deixou de tratá-lo como Deus, recusando-se a adorá-lo, e foi reduzida a um tão terrível estado de insensatez e confusão que a vida humana perdeu o sentido. Eles fingem saber tudo, mas são ignorantes sobre a vida. Trocaram a glória de Deus, que sustenta o mundo, por imagens baratas vendidas na feira. Então Deus se pronunciou: “Se é isso que vocês querem, é o que terão”. Não demorou muito para que fossem viver num chiqueiro, enlameados, sujos por dentro e por fora. Tudo porque trocaram o Deus verdadeiro por um deus falso e passaram a adorar o deus que fizeram no lugar do Deus que os fez - o Deus a quem bendizemos e que nos abençoa. Loucura total! Então aconteceu o pior. Como se recusaram conhecer Deus, logo perderam a noção do que significa ser humano: mulheres não sabiam mais ser mulheres, homens não sabiam mais ser homens. Sexualmente confusos, abusaram um do outro e se degradaram, mulheres com mulheres, homens com homens - pura libertinagem, pois de modo algum isso pode ser amor. Mas eles pagaram caro por isso, e como pagaram: são vazios de Deus e do amor divino, perversos infelizes e sem amor humano. Uma vez que eles não se importaram em reconhecer Deus, Deus desistiu deles e os deixou por conta própria. A vida deles agora é uma confusão só, um mal que desce ladeira abaixo. Eles tomam à força o que é alheio, são ambiciosos e caluniadores. Cheios de inveja, violência, brigas e trapaças, fizeram da vida um inferno. Olhem para eles: são maliciosos, venenosos, críticos ferozes de Deus, brigões, arrogantes, gente vazia e insuportável! Mestres em criar meios de destruir vidas e revoltados contra os pais. Não passam de seres tolos, asquerosos, cruéis e intransigentes. Até parece que eles não sabem o que fazem, mas têm plena consciência de que estão cuspindo no rosto de Deus - e não se importam! Pior ainda, premiam quem faz as piores coisas com eficiência.” Romanos 1:18-32 (Versão A Mensagem)

Ambas as traduções acima são aceitas e usadas pelos evangélicos, mas há uma nítida clareza no segundo texto (versão A Mensagem), onde a tradução e linguagem é muito mais fiel ao original e mostra a verdadeira condenação do texto.

A condenação está na prática da idolatria, trocar a adoração a Deus pela adoração de criaturas. Qualquer pessoa que concluiu o primeiro grau sabe que naquela época, no império romano, as pessoas adoravam vários deuses e praticavam cultos que envolviam a prostituição. Eram pessoas heterossexuais que iam contra a natureza e praticavam a homossexualidade por adoração a outros deuses, essa prática é conhecida como prostituição ritualística e era comum e considerada normal naquela época. Não existe nenhuma condenação aos homossexuais e sim condenação à idolatria e à prática do sexo descontrolado, sem envolvimento de amor, a troca da natureza sexual por outra que não lhe condiz. Está muito claro isso, tanto é que logo em seguida há uma descrição de como são essas pessoas, e isso vale tanto para heterossexuais quanto para homossexuais.

Por isso não devemos interpretar a Bíblia ao pé da letra. Temos que levar em consideração época, língua, cultura e para quem foi escrita (Neste caso em particular, obviamente a carta foi escrita aos romanos).

Outro texto usado no Novo Testamento é o seguinte:

Trecho do livro de I Coríntios na versão da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada, onde é usada uma linguagem culta e que causa más interpretações (usada pelos evangélicos):

“Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.” 1Coríntios 6:9-10 (Versão Almeida Corrigida e Revisada)

Agora vamos ver o mesmo trecho do livro de I Coríntios só que na versão da Bíblia A Mensagem, onde é usada uma linguagem contemporânea e mais usual para os nossos dias. Diz as mesmas coisas, mas com outras palavras (também usada pelos evangélicos):

“Não percebem que esse não é o caminho de se viver? Os injustos, que não se preocupam com Deus, não farão parte de seu Reino. Quem usa e abusa das pessoas, do sexo, da terra e de tudo que nela existe não se qualifica como cidadão do Reino de Deus. Estou falando de libertinagem heterossexual, devassidão homossexual, idolatria, ganância e vícios destruidores.” 1Coríntios 6:9-10 (Versão A Mensagem)

Novamente a segunda tradução deixa muito mais claro o que se refere o texto. Não há condenação aos homossexuais e sim à promiscuidade e devassidão heterossexual e homossexual.

As palavras no original são "Malakoi" e "Arsenokoitai", ficando assim: “Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem “malakoi”, nem “arsenokoitai”, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus.”

Porém, como disse anteriormente, são palavras no grego coiné, grego popular, onde muitas palavras perderam seu sentido com o passar do tempo, significando respectivamente: mole ou “pele macia” e homem-cama.

Difícil entender né? Por isso usamos o contexto para usarmos uma palavra mais adequada em nossa língua. Mole ou “pele macia” naquela época eram homens covardes que agiam como mulheres para fugirem das responsabilidades, e não efeminados como alguns preferiram traduzir, e Homem-cama é relacionado a homens que se prostituíam e eram promíscuos, nada intimamente relacionado com a homossexualidade. Enfim, está relacionado com pessoas covardes e promíscuas (prostituição, pedofilia, pederastas, etc).

Muitos teólogos e igrejas hoje em dia reconhecem essa má interpretação dos textos originais e estão usando versões contemporâneas da Bíblia, justamente para não caírem nesse erro grotesco de condenarem os homossexuais onde a Bíblia não condena. Resultado disso tudo é a aceitação de homossexuais por partes da Igreja Anglicana, Luterana, Presbiteriana, Igrejas Inclusivas, entre outras...

Vimos acima que os evangélicos fanáticos usam versos do Novo Testamento para condenar os homossexuais, mas novamente vem aquela pergunta: por que eles usam uns versos para condenar os homossexuais e esquecem de outros versos com mandamentos claros referentes à igreja e que nenhuma delas praticam hoje em dia?

Exemplo:

“Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina”. I Cor. 14:34.

“Que a mulher aprenda em silêncio, com total submissão. A mulher não poderá ensinar nem dominar o homem.” I Timóteo 2:11-12

Ora, sabemos muito bem que existem pastoras em quase todas as igrejas, e nas igrejas que não tem pastoras tem diaconisas e líderes mulhres que pregam e ensinam.

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me.” Mateus 19:21

Opaaaaa, como assim? Tenho R$ 4.000.000,00 em dinheiro e bens, venderei tudo e darei aos pobres??? Ahhh não, melhor pular esse trecho da Bíblia. (Imagino que o Sr. Silas ao ler este trecho deve pensar assim).

Óbvio que determinados conceitos no Novo Testamento não servem para nossos dias. Devemos levar em consideração que as coisas mudam e que permanece apenas o respeito a Deus e ao próximo que devemos ter. Tudo na Bíblia é inspirador e digno de total confiança, o que não se pode é confundir algo que foi escrito para determinada época e cultura e querer viver isso hoje.

Enfim, seria necessário várias páginas para abordar o assunto mais a fundo, mas acredito que as coisas ditas acima são o suficiente para abrir nossas mentes e entendermos mais honestamente o assunto. Existe muito material disponível na internet e que são muito mais esclarecedores.

Espero com isso ter ajudado algumas pessoas e incentivado outras a pesquisarem melhor sobre o assunto e não somente ouvir de um pastor qualquer absurdo grotesco e sair por aí divulgando preconceito e intolerância sem ao menos pesquisar. Existem, sim, muitas pessoas inteligentes pregando o contrário, mas o fato é que a inteligência pode ser usada para o bem e para o mal, cabe a nós escolher um dos caminhos.

Não há erro nenhum em ser homossexual e ser cristão. O erro e ignorância está na cabeça de quem quer acobertar os próprios pecados acusando os outros. Não revide esses tipos de ofensas, a melhor resposta é ignorar e demonstrar amor.

"Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor." Romanos 13:9-10


Sobre o autor


Rômulo Neiva tem 30 anos e nasceu em Santo André – SP. Aos 17 anos converteu-se à Igreja Batista, a qual ainda frequenta, mas sem envolvimento em liderança. Cursou Teologia por 4 anos na Faculdade Teológica Batista e hoje defende e crê na Teologia Inclusiva. Se considera apenas um cristão que ama Teologia, mas que dispensa o título de teólogo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Assim diz a Bíblia!


Por Toni Souza


Definitivamente, um dos temas mais polêmicos na contemporaneidade cristã é a Homossexualidade. Por isso, antes mesmo de escrever este, fui motivado pela curiosidade a consultar um dicionário bíblico com o propósito de obter informações referentes a este assunto e a Bíblia. E entre tantas coisas, dizia o verbete do dicionário:

Pessoa que se atrai sexualmente por pessoas de mesmo sexo. O comportamento homossexual é proibido nas Escrituras (Lv 20,13) e foi uma das principais causas do juízo divino contra Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) (YOUNGBLOOD, 2004, p 669 e 670).

Todo conceito traz consigo uma superficialidade, revelando-se em uma definição pobre e incapaz de comprovar uma inteireza. Observem que o significado a Homossexualidade é circunscrito numa atmosfera de negação e condenação, como se os homossexuais fossem “vítimas” de uma atração perigosa e funesta e condenatória.

Mas, “assim diz a Bíblia!” admitiram aqueles que não têm muita intimidade com as Escrituras. Porém, os fiéis cristãos não hesitariam em ‘engrossar o coro’ concordando com eles.

O fato é que apesar das constatações bíblicas carregarem uma névoa de verdade, há vários argumentos convergindo à Homossexualidade que dividem, inclusive, muitas denominações e pessoas religiosas. Isso, é claro, está muito relacionando a questão da interpretação dessas passagens.

Estudiosos da área afirmam que cerca de 15 textos bíblicos fundamentam essa discussão. O propósito aqui não é escrever um tratado de fé com todas suas páginas e citações, de modo, que valerá a pena recorrer à Bíblia para conferir as menções bíblicas na sua extensão e contexto. Cientes do objetivo deste artigo, façamos um passeio breve, por conseguinte, reflexivo por alguns recantos da Bíblia que são pertinentes a nossa conversa.

Comecemos pelo princípio de tudo: Gênesis. O livro da origem do mundo e da humanidade, oferece-nos duas narrações referentes ao mito da criação dos primeiros ancestrais de todos os povos que habitam o planeta (Gn 1,27-28 e 2,18-25). A partir desses trechos bíblicos, muitos discorreram sobre como deveriam se estabelecer às relações sexuais, afinal de contas, Deus havia criado Adão (HOMEM) para Eva (MULHER); logo, o diferente significaria ir de encontro aos desígnios de Deus.

A questão não é tão simples assim. Se formos estudar as demais mitologias, algumas até mais antigas do que a história mítica de Adão e Eva, como as africanas, de pronto perceberemos uma forte semelhança entre as mitologias. Algumas se assemelham por ter um deus supremo e criador ou pela cronologia temporal das demais criações e por fim, pela criação do homem que por estar cansado de viver sozinho ganha a companhia da mulher para ser uma idônea companheira e, fundidos “numa só carne”, pudessem cumprir a missão de serem fecundos e zelosos das coisas de Deus.

Deste modo, a união em casal de Adão e Eva representa o objetivo de multiplicar e exercer o domínio sobre a terra.

Prossigamos nossa viagem, ainda no mesmo livro dos Gênesis, mas por outros capítulos.

A história de Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) é sobremaneira uma das mais intrigantes da Bíblia, pois traz em seu bojo uma mensagem para a religião cristã, bem como a humanidade. Em contrapartida, muitos têm feito uma interpretação equivocada. No início dessa conversa, recorremos à definição bíblica que entrelaçava o sentido da palavra Homossexualidade com o pecado de Sodoma e Gomorra, ou seja, como um pecado sexual. Mas, qual seria o verdadeiro pecado cometido por essas duas cidades?!

Conforme a leitura dos textos, é notório que Sodoma e Gomorra vivam embriagadas pela soberba e mesquinhez. Deus, vendo aquilo, enviou anjos à cidade, chegando lá foram surpreendidos por homens. É conveniente explicar que o termo ‘homens’, nesse contexto, sugere uma amplitude, ou seja, os anjos foram abordados por toda a população, (homens, mulheres, crianças e idosos) “sem exceção”. Sodoma ao invés de acolher os estrangeiros, ameaçou os visitantes atentando contra eles com todo tipo de abuso:

“Mas, antes que se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim todo o povo de todo o lado, e chamaram Ló e lhe disseram: onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles”, (Gênesis 19:4-5).

Para não incorrermos em imprudente interpretação e conseguirmos produzir uma boa exegese, será necessário estudar a presença dessa história em outros livros da Bíblia, como por exemplo: Isaías, Ezequiel, Amós, Sofonias, Lamentações, Deuteronômio, Mateus e Lucas. Vejamos a versão de Ezequiel: “Eis em que consistia a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: na voracidade com que comia o seu pão, na despreocupação tranqüila com que ela e suas filhas usufruíam os seus bens, enquanto não davam nenhum amparo ao pobre e ao indigente” (16, 49).

De acordo com Ezequiel 16, 49 podemos concluir que o verdadeiro pecado de Sodoma e Gomorra foi a falta de hospitalidade para com o próximo, pois tinham riquezas e alimentos em abundância, conforto e bem-estar, mas apesar disso não foram capazes de ajudar os mais pobres e os indigentes, transgredindo a aliança com Deus.

Jesus, demonstrando ser conhecedor da história do pecado de Sodoma e Gomorra usa o exemplo dessas cidades para fazer recomendações no envio dos seus apóstolos para a evangelização. Jesus no Evangelho de Mateus (10,12-15) adverte:

“Ao entrares na casa, saudai-a. Se, porém, não o for, tornem para vós outros a vossa paz. Se alguém não voz receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sair daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no dia do juízo, do que para aquela cidade”.

A interpretação coerente dessas passagens bíblicas perpassa pela prática de acolher o estrangeiro. Em Romanos 12, 13 o significado de ‘hospitalidade’ é o “amor de estrangeiro”. Já no Antigo Testamento, Abraão foi um generoso hospedeiro quando convidava para a intimidade de sua casa; oferecia comida e lavava os pés dos estrangeiros.

Assim sendo, antes de sairmos pregando em nossos templos, igrejas e púlpitos que o pecado de Sodoma e Gomorra era um pecado sexual, logo a ‘sodomia’ (perversão sexual, coito anal[1], pederastia), lembrem-se: toda forma de exclusão seja por cor, classe social, sexo, idade e orientação sexual configura-se como um abuso à pessoa humana. Aquele e aquela que ainda não aprendeu a acolher o diferente está cometendo um pecado abominável conforme os filhos de Sodoma e Gomorra.


Observação:

[1] COITO ANAL: “[...] Em primeiro lugar, nem todos os homens gays expressam sua relação sexual desta maneira, e lésbicas evidentemente não o podem. Em segundo lugar, muitos casais heterossexuais na verdade também usam esta forma de intimidade.” (BRASH, 1998, p. 60).

Referências:

BRASH, Alan A. Encarando nossas diferenças: as igrejas e seus membros homossexuais. Tradução de Walter O. Schlupp. – São Leopoldo: Sinodal, 1998.

SISTO, Celso. Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Editora Paulus.

YOUNGBLOOD, Ronald F.; co-editores F. F. Bruce & R. K. Harrison. Dicionário ilustrado da Bíblia. Tradução Lucília Marques Pereira da Silva. São Paulo: Vida Nova, 2004.


Sobre o autor



Toni Souza é baiano. Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Uma breve explanação sobre a Lei, a Graça e a Homoafetividade

Por Anja Arcanja


“Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante.”
Levítico cap.18, verso 22. (Bíblia de estudo NVI)

Este verso é o mais usado pelos evangélicos (que se prendem a pequenos trechos de uma Lei que somos incapazes e inabilitados para cumprir) para acusar de pecado a homoafetividade, mas se esquecem de ler e citar todo o restante do texto, abrangendo os capítulos anteriores e posteriores. Qual foi a intensão de Deus ao passar estes estatutos e leis aos homens? O que significava este código de santidade passado ao povo judaico (povo escolhido por Deus para que fosse manifesta ao mundo a sua Salvação, a saber, Jesus Cristo)?

Este conjunto de leis e código de santidade para nada mais serviam a não ser para mostrar nossa total incapacidade e inabilidade em cumprir tal aliança firmada entre Deus e o povo escolhido, fazendo-se necessário, portanto, a Cruz, o sacrifício vicário de seu Filho Jesus. Estas leis e a aliança firmada com o povo judeu apontavam para Jesus, nada mais. E Jesus veio buscar e salvar ao que se havia perdido, ou seja, todos nós, pois “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. (Romanos 3:23). Deus vendo nossa condição de total incapacidade providenciou nele mesmo, nossa Salvação, derramando o sangue de seu único filho para a expiação de nossos pecados.

É por isto que hoje ouso dizer com a autoridade de quem foi alcançada pela graça e pelo sangue do cordeiro que, Deus ao olhar para seus eleitos, não vê suas atitudes, não vê sua orientação sexual, não vê nossas falhas e pecados, mas sim, vê apenas o precioso sangue de seu Filho, sangue este suficiente para que Deus não impute sobre mim e sobre os que Ele escolheu, a sua Justiça, mas sim seu beneplácito. “Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade por intermédio de Jesus Cristo”. (evangelho de João 1:17). Este é o grande evento da Bíblia, toda a Bíblia aponta para este fato: a Verdade que se revelou em Cristo Jesus, Ele é a verdade. E por intermédio de seu Sangue, nos foi dada a graça e a lei se cumpriu em Cristo Jesus. Não necessitamos, portanto, estarmos sujeitos à letra da lei para nos achegarmos a Deus, não mais precisamos de sacrifícios. “porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie”. (Efésios 2:8,9). Nada podemos ou precisamos fazer para merecer a graça, pois graça é favor imerecido. Onde antes havia pecado, segundo a lei, hoje superabundou a graça. Deus vê todos na mesma condição, seja homo, seja hétero. Mas o Sangue de Cristo nos purifica de todo pecado. Admitir que Deus abomina sua criação, é crer num Deus imperfeito quanto ao que criou! E em Deus não há sombra de imperfeição nem de pecado.

Anja_Arcanja
Colaboração: Priscila Anjo

“Se existe um deus que conspira contra a liberdade humana, ele é meu inimigo – e eu dele” (Gondim)


Sobre a autora


Anja Arcanja é escritora e poeta amadora e teóloga. Autora do blogue “O mundo da Anja” (http://omundodaanja.blogspot.com.br), que conta com diversas parcerias e articulistas, voltado a discutir religião, filosofia, teologia, ateísmo, homossexualidade, sexualidade humana, entre outros temas de relevância; e do blogue “Poemas e contos eróticos da Anja” (http://anjaarcanja.wordpress.com), um blogue de cunho erótico. Escreve ainda para os blogues “Confraria Teológica Logos & Mythos” e “Fragmentos Ativos”, além de ter textos publicados em vários blogues e sites.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Catástrofe a prazo: o fundamentalismo evangélico aos poucos se instala no Brasil

Por Paulo Stekel (resposta a mais um absurdo artigo do Pastor/Deputado Marco Feliciano, intitulado “Catástrofe à vista” e postado em seu site: http://www.marcofeliciano.com.br/blog/?p=259)


Esta não é a primeira vez que faço a refutação de um texto absurdo do Pastor/Deputado Marco Feliciano. Em março de 2012 escrevi o artigo “Fundamentalistas querem expulsar os gays do Brasil” (leia em: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/03/fundamentalistas-querem-expulsar-os.html), uma refutação aos argumentos do referido Pastor/Deputado em um texto intitulado “Fascistas querem expulsar Deus do Brasil”.

Agora, instigado por alguns leitores indignados com o parlamentar evangélico fundamentalista, para contrapor o (mais uma vez mal revisado) texto intitulado “Catástrofe à vista”, uma paranoia evidente, escrevo o presente artigo, demonstrando qual é a verdadeira catástrofe que está se abatendo sobre o Brasil, e a prazo!

Para começar, Marco Feliciano não só não se alegra com a notícia de que, segundo o último censo do IBGE, a massa evangélica será a metade da população brasileira nos próximos dez anos, como atribui a veiculação da notícia a um propósito de: “alertar os ativistas cristofóbicos, evangélicofóbios, bibliofóbicos, eclesiofóbicos e afins, que, se eles não nos pressionarem, se não nos destruirem, se não nos humilharem, se não nos expor mais, eles perderão a oportunidade que estão tendo nestes dias de acabar com a nossa conquista”. (Os erros de revisão do texto original, ou antes a falta de revisão, foram mantidos.)

Isso é uma completa paranoia! Onde existe Cristofobia no Brasil? Estamos num país de maioria cristã onde mesmo muitos homossexuais professam o Cristianismo. Se ele está se referindo aos ateus, chamá-los de cristofóbicos é uma ignorância tamanha que dá vergonha alheia! Não vejo ateus e/ou homossexuais em momento algum tentando impedir quem quer que seja de professar suas crenças, mesmo porque defendem o Estado Laico, onde estes direitos são resguardados. Quem não tem resguardado direitos laicos neste país são exatamente os fundamentalistas cristãos, especialmente os incitados por algumas lideranças evangélicas agressivas, como Malafaia, Magno Malta, João Campos e o próprio Marco Feliciano.

Da mesma forma, falar em “evangelicofobia” é ridículo. Muitos gays são evangélicos, motivo pelo qual as Igrejas Inclusivas têm crescido tanto: não sendo aceitos em Igrejas Evangélicas tradicionais, que não fazem a lição de casa do “amor ao próximo”, gays cristãos criaram suas próprias denominações inclusivas, onde não se faz distinção ou acepção de pessoas por conta de sua orientação sexual.

E, “bibliofobia”? Quem é contra a Bíblia? Quem queima Bíblias ao milhares por tal “fobia”? No Brasil, ninguém! Não há “bibliofobia” de parte dos gays ou de qualquer outro grupo brasileiro não-evangélico. O que há é um debate em torno da prática religiosa discriminadora que tentar balizar-se em textos bíblicos lidos fora de um contexto geral, histórico e sem relação com a sociedade moderna. Criticar não é fobia enquanto não extrapola a crítica nem descamba para a violência, ao contrário do que infelizmente têm sofrido os homossexuais em nosso país por incitação de algumas lideranças evangélicas radicais que fecham os olhos para os direitos humanos mínimos dos LGBTs.

Quanto a uma suposta “eclesiofobia” (um ódio à Igreja), isso é mais que ridículo. Estamos num país laico que concede espaço a quem professa qualquer das religiões ou nenhuma (ateus e agnósticos). Se há pessoas que não gostam das “igrejas”, isso deve ser considerado sob a perspectiva geral, e não segundo sua orientação sexual, mesmo porque há gays cristãos até a alma! Ninguém quer “acabar” com os evangélicos, nem seria isso possível dentro de um Estado Laico.

Em seguida, Marco Feliciano destila mais um pouco de veneno ao insinuar de modo pérfido:

“Talvez por se achar mais espertos, mais unidos, mais preparados, mais centrados do que nós evangélicos, tais ativistas, tendo acesso a informação do nosso crescimento e possível ascensão , resolveram então semana passada enviar um documento ao Supremo Tribunal Federal, pedindo ao juizes que julguem o crime de HOMOFOBIA, parado no Senado Federal como o Pl. 122, cuja relatora é a Senadora Marta Suplicy, que, tem fugido da responsabilidade de colocar em votação este projeto, trazendo morosidade ao processo, dando argumentos para que os ativistas LGBTT tenham legitimidade em dizer ao STF que o CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO não tem competência para votar o Pl. 122.”

Ele se refere ao mandado de injunção elaborado pelo advogado LGBT Paulo Iotti, que elaborou e assinou o mesmo, em nome da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais) e sobre o qual se pode ler em: http://www.abglt.org.br/port/basecoluna.php?cod=228

Alguns trechos do material da ABGLT: “A violência e a discriminação contra pessoas LGBT em geral está aumentando absurdamente ano após ano. (…) A criminalização da homofobia e da transfobia, assim, mostra-se absolutamente necessária.

Contudo, o Congresso Nacional está assolado por uma bancada que, ao colocar suas convicções religiosas-fundamentalistas acima da Constituição (que consagra um Estado Laico, que não pode ser influenciado por motivações religiosas), opõe-se ferozmente tanto ao reconhecimento de direitos civis básicos à população LGBT quanto à criminalização da homofobia e da transfobia. (...)

Assim, essa situação de elevadíssima violência, ofensas e discriminações contra pessoas LGBT, que Paulo Iotti chama (parafraseando Hannah Arendt) de banalidade do mal homofóbico, demonstra que temos direitos fundamentais das pessoas LGBT já consagrados na Constituição e que demandam proteção pelo Supremo Tribunal Federal. Os direitos fundamentais à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, bem como o direito fundamental à segurança (art. 5º, caput) e à tolerância (art. 3º, inc. IV) da população LGBT estão inviabilizados nos dias de hoje, já que as pessoas LGBT estão com medo de serem reconhecidas como tais por medo de serem agredidas, ofendidas e/ou discriminadas por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero (pessoas LGBT têm medo de andarem na Avenida Paulista, a avenida mais cosmopolita da mais cosmopolita de nossas capitais). Aliás, até mesmo heterossexuais estão sofrendo os efeitos nefastos da homofobia – basta lembrar do caso de pai e filho que foram agredidos no ano passado e o pai perdeu parte da orelha porque foram confundidos com um casal homoafetivo pelo simples fato de estarem abraçados... esse é o nível absurdo a que chega a homofobia hoje: basta estar abraçado com outro homem que isto é visto por homofóbicos como algo “inadmissível” e “passível” de agressões...”

Exato! Por conta de não aprovação de uma lei anti-homofobia, até mesmo heterossexuais estão sofrendo cada dia mais com a violência praticada por ogros fanáticos nazi-machistas que, vendo homossexualidade em qualquer ato de carinho entre pessoas do mesmo sexo, e odiando a homossexualidade em si, descarregam toda a sua raiva e irracionalidade contra quem quer que possa “parecer” gay. Isso chegou ao limite do ódio já não-aceitável quando era dirigido apenas a homossexuais assumidos. Prova de uma paranoia crescente instigada por discursos inflamados de líderes religiosos como Malafaia, Magno Malta, Feliciano et caterva!

Interessante é quando Marco Feliciano lista os motivos pelos quais, no final, provavelmente, os ministros do STF seriam favoráveis à aprovação do projeto da lei anti-homofobia:

“(...) porque é modismo no mundo todo; porque é polêmico e dará muita mídia; porque os ministros do STF embora muito competentes sejam em sua maioria progressistas; porque a maioria dos ministros foi indicada pela ESQUERDA, que todos sabem , são a favor de quase tudo que não presta, haja vista que assistimos impotente a votação e aprovação da união estável homoafetiva bem como a votação e aprovação do aborto dos anencéfalos, e anotem, se algo não for feito urgentemente, a próxima será a criminalização da HOMOFOBIA.”

Proteger a vida de LGBTs é modismo? Pensei que cristãos concordassem com a proteção de vidas humanas. Me enganei??? Ou tal proteção bíblica só vale para cristãos heterossexuais? É o que parece...

Dizer que o STF vai aprovar a lei anti-homofobia por ser um projeto polêmico e que dará muita mídia é brincar com o Judiciário e acusá-lo de ser formado por membros sem personalidade ou compromisso com a Constituição. É também uma contradição de Marco Feliciano, logo após ter dito que os ministros do STF são “muito competentes”.

Quando Marco Feliciano diz que os ministros foram indicados em sua maioria pela “esquerda”, tenta dar a tudo um viés político-partidário, contrapondo-se claramente à tendência suprapartidária do Movimento LGBT, que não se contenta com promessas de partidos, sejam de esquerda, centro ou direita. O preconceito pelo qual passamos não nos deixa ser iludidos por discursos bonitos, mas ineficazes, na hora em que deveriam atuar de fato!

Segue-se uma exortação provando a tendência dos líderes evangélicos radicais a incitar a população contra os LGBT:

“(...) se não houver uma mobilização nacional dos que amam a liberdade de expressão, seremos amordaçados e punidos por não concordarmos com tais atitudes e comportamentos e perderemos o direito da livre expressão do pensamento conquistada e garantida pela declaração de direitos humanos, que mais parece uma bandeira ideológica das minorias proselitistas contra as maiorias por puro preconceito.”

Minorias proselitistas? Se são tão proselitistas, com tamanha capacidade de influenciar governo, STF, mídia, etc, como o senhor e os seus pregam, como continuam sendo “minorias”, Sr. Feliciano? Explique-nos esta matemática! Na verdade, seu argumento reflete o medo da liberdade de expressão ser estendida a todos neste país, incluindo os LGBT, que poderiam, por regulamentação legal e sem precisar entrar na justiça, casar, adotar filhos, ter direito a sucessão e proteção contra crimes motivados por orientação sexual, entre outros direitos atualmente negados.

Mobilização contra minorias proselitistas? Desde quando isso foi necessário em qualquer lugar do mundo? Nunca. Afinal, as opressoras são sempre as maiorias, como mostra a lógica e a História. As minorias não têm força para oprimir as maiorias. É um raciocínio tão básico que mais uma vez nos vem a vergonha alheia ao ter que apresentá-lo.

Mas, a maior “pérola diabólica” do artigo de Marco Feliciano está aqui:

“O real motivo de tanta fobia por nós sociedade e políticos que crêem em Deus, é que nossos princípios são obstaculos para a concretização da desconstrução da família , através de questões que para nós, são inaceitáveis como por exemplo aborto, legalização de todas as drogas, e a estimulação precoce da sexualidade e de crianças inocentes travestido de exercício de inteligência.

(…) Não basta ir à rua uma vez por ano em datas festivas , para cumprir uma obrigação de agenda ? É preciso treinar nosso povo. Temos equipamentos, inteligência e poder pra isso! Falta apenas uma atitude. UNIDADE.”

Nem gays, nem LGBTs, nem o Movimento LGBT, nem os proponentes do PLC 122 ou do ato de injunção, nem os Ministros do STF desejam a “desconstrução da família”. Ela não terminará pelo simples fato de se reconhecer direitos de uma minoria de 10% da população, pois os demais 90% continuarão vivendo como antes. Também não desejam a “estimulação precoce da sexualidade e de crianças inocentes travestido de exercício de inteligência”, pois o kit escolar anti-homofobia não quer estimular nada. Pelo contrário, quer evitar a homofobia precoce a ceifar a mente, os sentimentos, a auto-estima e a vida de crianças inocentes – agressoras e agredidas. Não são, portanto, exercícios de “inteligência”, mas de conscientização do valor da vida humana e de cidadania plena. Agora, quando o Senhor Feliciano diz que “é preciso treinar nosso povo”, e que há “equipamentos, inteligência e poder pra isso”, fico pensando a qual tipo de treinamento e equipamentos ele se refere... Ele subentende em seguida o uso da grande mídia evangélica para vociferar à la Malafaia contra os gays. O que se seguiria a isso? Como seria entendida tal ação? Como incitação a mais violência? Seria bom evitar elucubrações... Mas, não podemos dormir nesta hora.

Chegamos ao ponto em questão: a catástrofe a prazo que se começa a montar é uma ascensão evangélico-fundamentalista no parlamento brasileiro, com vistas a suspender os direitos legítimos dos LGBT e impedir a conquista de outros.

Devemos, todavia, separar o crescimento previsto e natural da população evangélica, em sua maioria não-fundamentalista, do crescimento de um fundamentalismo evangélico. Apenas este último é preocupante para os direitos dos LGBT, das mulheres e da liberdade de expressão (intelectual, sexual, religiosa), pois tenderia a barrar qualquer ação que não estivesse alinhada com um Cristianismo moralista e anti-laicista. Isso não podemos permitir no Brasil, e achamos que o Estado brasileiro anda deixando muitas brechas para este extremismo religioso. Por isso, achamos plenamente justo e necessário o mandado de injunção recentemente apresentado.

Aos poucos, a prazo, líderes como Feliciano, Malta e João Campos vão articulando um movimento fundamentalista aos moldes do que os protestantes mais radicais têm tentado fazer nos EUA, mas que tem sido combatido firmemente pelo governo de lá. E, aqui? Até onde os deixaremos chegar?

É bom deixar claro que o que estes indivíduos estão tentando fazer não tem nada DE e A VER com Cristianismo ou “Evangelismo”. É simples incitação da violência de um modo sutil contra uma minoria que nem sequer tem todos os meios cidadãos concedidos aos heterossexuais. É covardia, portanto. Os verdadeiros cristãos, católicos ou evangélicos, têm condições de perceber isso e unirem-se à nossa luta contra esse descalabro. Não se pode impôr a Bíblia (ainda mais a visão fundamentalista dela!) e rasgar a Constituição num país laico, embora haja quem o deseje!

Por fim, esta luta toda não tem nada a ver com a sobrevivência da família brasileira. Os gays nascem em famílias heterossexuais e continuarão nascendo em famílias heterossexuais, à razão de 10%, conforme demonstram as estatísticas. É um percentual insuficiente para colocar em risco qualquer sobrevivência (social, biológica, reprodutiva). E, como heterossexuais não podem ser convertidos em homossexuais – e nem é o que se deseja, valendo o contrário também, a humanidade continuará tendo 10% de LGBTs e 90% de heterossexuais. O casamento gay não vai mudar isso, a adoção gay também não, a aprovação do PLC 122 muito menos! Valer-se de pseudo-argumentos e sofismas para transformar 10% da população em algoz dos demais 90% não é apenas covarde, mas uma infantilidade e uma impossibilidade lógica. Contudo, se a população evangélica em dez anos for a metade da população brasileira, e for influenciada por fundamentalistas, pode vir a ser incitada contra a minoria LGBT, o que poderia constituir-se, nas palavras de Luiz Mott, em um verdadeiro “homocausto” em nossa pátria, mãe gentil!


Sobre o autor


Paulo Stekel é jornalista, escritor, músico, poliglota, especialista em religiões, tradições espirituais e línguas sagradas. Ativista LGBT focado na relação entre homofobia e religião, é o criador do Movimento Espiritualidade Inclusiva e possui quase uma centena de artigos sobre espiritualidade, orientação sexual, homofobia religiosa e espiritualidade inclusiva. Contatos: espiritualidadeinclusiva@gmail.com


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Confiram o artigo original de Marco Feliciano (com todos os seus erros ortográficos e de redação):

CATÁSTROFE À VISTA


A notícia do crescimento evangélico no Brasil veiculado na ultima semana, alegrou os ânimos dos fervorosos. A mídia divulgou maciçamente a notícia de que o ultimo censo feito pelo IBGE nos coloca em posição de destaque pelo crescimento e prevê, para os próximos 10 anos que seremos a metade da população brasileira.

Quando todos comemoram o feito, e assiste líderes evangélicos concedendo entrevistas pelo grande feito, enquanto as mídias sociais disparam a notícia, fico eu aqui, sorumbático, contemplativo, interiorizado…

Motivo? Não sabem o porquê real da divulgação maciça pela mídia?… Que, de longe, tem carinho por nós, que, sempre explora nossa imagem com escândalos, e nunca! Repito: Nunca se alegra com nossas conquistas.

A mídia tendenciosa que sempre nos expõe como loucos teocratas, como religiosos medievais, como fundamentalistas fanáticos, que, nos chamam de ladrões, usurpadores, charlatões, atrasados, mentecaptos, etc e tal.De uma hora pra outra, resolve ceder seu precioso tempo em divulgar que estamos crescendo?! Alavancando, conquistando e que seremos a metade do Brasil em 10 anos! Confesso, pra mim, isso é preocupante.

Digo isso porque entendo que essa divulgação não foi para aplaudir nosso crescimento! E sim, alertar os ativistas cristofóbicos, evangélicofóbios, bibliofóbicos, eclesiofóbicos e afins, que, se eles não nos pressionarem, se não nos destruirem, se não nos humilharem, se não nos expor mais, eles perderão a oportunidade que estão tendo nestes dias de acabar com a nossa conquista.

Talvez por se achar mais espertos, mais unidos, mais preparados, mais centrados do que nós evangélicos, tais ativistas , tendo acesso a informação do nosso crescimento e possível ascensão , resolveram então semana passada enviar um documento ao Supremo Tribunal Federal, pedindo ao juizes que julguem o crime de HOMOFOBIA, parado no Senado Federal como o Pl. 122, cuja relatora é a Senadora Marta Suplicy, que, tem fugido da responsabilidade de colocar em votação este projeto, trazendo morosidade ao processo, dando argumentos para que os ativistas LGBTT tenham legitimidade em dizer ao STF que o CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO não tem competência para votar o Pl. 122.

O STF tem vários processos parados há anos aguardando julgamento mas, pelo que entendo, e percebo, eis ai um assunto que os faria parar tudo o que estão fazendo no momento e agarrar com as várias mãos e acelerar o processo de julgamento, que com certeza, será favorável ao projeto.

Serão favoráveis porque é modismo no mundo todo; porque é polêmico e dará muita mídia; porque os ministros do STF embora muito competentes sejam em sua maioria progressistas; porque a maioria dos ministros foi indicada pela ESQUERDA, que todos sabem , são a favor de quase tudo que não presta, haja vista que assistimos impotente a votação e aprovação da união estável homoafetiva bem como a votação e aprovação do aborto dos anencéfalos, e anotem, se algo não for feito urgentemente, a próxima será a criminalização da HOMOFOBIA.

Nosso país não é homofóbico. Em 2010 dos 50 mil casos de assassinatos no Brasil, 260 foram considerados crimes de homofobia, e destes, 80% crimes cometidos por parceiros homossexuais. Eu sinto muito pela morte destas pessoas, mas daí, usar isto para justificar que uma parcela da sociedade seja tratada com privilégios? É inaceitável. Mas, repito se não houver uma mobilização nacional dos que amam a liberdade de expressão, seremos amordaçados e punidos por não concordarmos com tais atitudes e comportamentos e perderemos o direito da livre expressão do pensamento conquistada e garantida pela declaração de direitos humanos , que mais parece uma bandeira ideológica das minorias proselitistas contra as maiorias por puro preconceito.

O real motivo de tanta fobia por nós sociedade e políticos que crêem em Deus, é que nossos princípios são obstaculos para a concretização da desconstrução da família , através de questões que para nós, são inaceitáveis como por exemplo aborto, legalização de todas as drogas, e a estimulação precoce da sexualidade e de crianças inocentes travestido de exercício de inteligência.

O Colegiado parlamentar tem sido desrespeitado por tudo e por todos. Pelos erros e omissão de alguns, todos pagam.Há uma generalização doentia dos fatos errôneos passados na tentativa de desestabilizar e desacreditar o trabalho realizado por estes que são verdadeiros heróis enfrentando uma verdadeira batalha a favor da Família Brasileira. E me pergunto: Cadê a igreja? que assiste de longe, cobrando muito e agindo pouco, fechada em seus problemas internos . Somos 73 parlamentares evangélicos na Câmara Federal, e 3 no Senado Federal. Como podemos sozinhos segurar esta situação caótica que esta por vir?

Das dezenas de horas mensais televisivas utilizadas por evangélicos, apenas um dedica-se a informar, cobrar, brigar pela nossa causa, falo do Pr. Silas Malafaia. E os demais? Será que não percebem que todos nós iremos sofrer abruptamente por causa desta maldita lei?

Onde estão os pregadores pentencostais, neo-pentecostais, tradicionais evangélicos? Onde estão os pregadores da canção nova, do movimento carismático? Onde está os padres-pop-star? Onde estão os Famosos Cantores da música Gospel? Os grandes lideres denominacionais? Onde estão?

Não basta ir à rua uma vez por ano em datas festivas , para cumprir uma obrigação de agenda ? É preciso treinar nosso povo. Temos equipamentos, inteligência e poder pra isso! Falta apenas uma atitude. UNIDADE.

Temos editoras ,Jornais e Revistas, mídias sociais, emissoras de Radios, emissoras de TV. Podemos ensinar nosso povo a manter contato com os congressistas, juristas, através de atos públicos, manifestações pacificas, precisamos não somente gritar , mas agir para sermos ouvidos.

Vamos deixar de lado nossas pequenas diferenças, e nos unir em amor com o que realmente nos uni DEUS e seus princípios se,não pararmos de olhar para nosso‘umbigo-denominacional’, se não acordarmos hoje, agora, NÃO HAVERÁ O AMANHÃ .

Falo como um parlamentar desesperado. Que sofre na pele a perseguição que vem maciça através da mídia tendenciosa e irresponsável , dos simpatizantes, militantes e ativistas GLBTT, ateus, abortistas e afins.

Fico sufocado quando estou em uma comissão e o assunto é orientação sexual. Todos se calam. Não concordam, mas se calam, pois o assunto é vivenciado pelo nosso povo como tabu ..

Quando nossos parlamentares fazem qualquer trabalho defendendo nossas causas na Camara dos Deputados, a própria mídia da casa não da a mínima, mas basta qualquer um dos parlamentares que apóiam a causa GLBTT, eles são primeira capa, capa do meio, capa da frente, etc.

Fica aqui meu apelo mais uma vez, para que os grandes lideres evangélicos, católicos, enfim, cristãos, desta nação me ouçam, e se mobilizem, preparando seminários, conferencias, simpósios focados sobre o futuro do nosso país.

Aos evangélicos, fica aqui meu recado, NÃO SE ILUDAM COM O TAL CRESCIMENTO VENTILADO PELA MIDIA, por trás desta divulgação está a forma mais sórdida de avisarem os que são contra nós de que precisam nos parar e para isso apressarem a votação de leis que nos ferem, e pior, tentam, neste momento em que católicos e evangélicos lutam pelo mesmo ideal de família, sejam separados por uma luta de ego por quem cresce, quem diminui. Necessário é que ELE cresça!

Agradeço aos poucos, mas valentes, que sempre divulgam meus escritos. Agradeço a uma ala da CNBB que juntos aqui em Brasilia lutamos unidos pela causa da família brasileira.

Um abraço em Cristo.

 



Pr. Marco Feliciano

Deputado Federal

terça-feira, 3 de julho de 2012

Reviravolta! Grupo cristão internacional desiste de "cura" da homossexualidade

Por João Marinho (cfe. postado originalmente em http://acapa.virgula.uol.com.br/politica/reviravolta!-grupo-cristao-internacional-desiste-de-cura-da-homossexualidade/2/13/20072)


Por essa, psicólogos cristãos da estirpe de Marisa Lobo e evangélicos fundamentalistas não esperavam!

A Exodus International, uma das maiores e mais antigas organizações religiosas a pregarem a "cura" da homossexualidade, anunciou que o grupo deixou de oferecer "terapia reparativa" por intermédio de aconselhamentos e orações a quem possui orientação homossexual.

O anúncio foi feito pelo presidente da entidade, Alan Chambers (foto), na última quarta-feira (27) durante a 37ª Freedom Conference, que é realizada anualmente. Chambers afirmou que a "terapia reparativa" foi abandonada porque não há comprovação de ser eficaz e porque não faz parte da "mensagem bíblica". De agora em diante, quem ainda acreditar na "conversão" da homossexualidade em heterossexualidade poderá ministrar na organização, mas sem apoio oficial.

O presidente ainda afirmou que, daqui por diante, a Exodus proporá que as igrejas tentem atrair gays para suas atividades, em vez de formar grupos de "terapia reparativa". Segundo ele, o modelo vigente será mais focado no discipulado. Ao site The Christian Post, em reportagem publicada na sexta (29), Chambers disse que a "terapia reparativa" dá às pessoas expectativas que não não realistas: "É minha responsabilidade [...] compartilhar com as pessoas que, só porque você se torna um cristão, suas lutas não vão sempre embora".

Para piorar a situação dos que defendem a "cura da homossexualidade", o presidente, que é casado com uma mulher e pai de dois filhos, admitiu que não seria honesto fingir que, às vezes, não se sente tentado pelo mesmo sexo. Para ele, os cristãos precisam tratar a homossexualidade como qualquer outra tentação, da qual as pessoas não se livram completamente.

O encontro anual da Exodus terminou no último sábado (30) e contou com a participação de representantes de 39 estados norte-americanos e nove países. A entidade tem forte atuação na América Latina e já chegou a ministrar cursos no México, dois anos atrás, sobre o "processo de cura" e sobre "como se prevenir da homossexualidade". A página oficial da Exodus Latinoamérica continua sustentando a "libertação da homossexualidade". O grupo também possui uma representação no Brasil.


Sobre o autor



João Marinho é jornalista diplomado pela PUC-SP, turma de 2004. Atua há mais de 10 anos na elaboração de reportagens, entrevistas e artigos. É editor há mais de 5 anos, responsável por aproximadamente 20 títulos adultos, sendo os principais: Sexsites Extreme, Sex in the Box, Brasileirinhas, Sex Boys e Transites Especial.

Foi repórter da revista Geek e de outras revistas de conteúdo tecnológico, como Hacker, PC Brasil e Áudio e Vídeo Digital, e possui uma sólida produção na área de ciência e saúde, com destaque para reportagens elaboradas para a Revista do Coren-SP, site Mix Brasil, Athos GLS, site e revista A Capa e outros. Atuou como colaborador na reportagem do jornalista Clive Simmons sobre os sargentos Laci Marinho de Araújo e Fernando Alcântara de Figueiredo para a revista australiana DNA Magazine.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Bíblia é Homofóbica? (Um anti-contra-argumento)

Por Paulo Stekel



Este artigo, a despeito de seu subtítulo, pretende ser um complemento e uma contribuição ao debate mais do que algum tipo de contestação aos dois artigos anteriores publicados neste blogue com o mesmo título (os quais recomendamos que se leia antes do nosso):




Um argumento pretende defender uma ideia lançando mão de algumas premissas iniciais. No caso em questão, consideramos como argumento a ideia de que a Bíblia é homofóbica.

Um contra-argumento ou retribuição é uma objeção a uma objeção, podendo ser usado para rebater uma objeção a uma premissa. Ele pode pretender lançar dúvida sobre a veracidade de uma ou mais premissas iniciais de um argumento, ou mostrar que os argumentos iniciais não se seguem a suas premissas de maneira válida, ou pode dar pouca atenção às premissas e simplesmente tentar demonstrar a verdade de uma conclusão incompatível com o que é estipulado no argumento inicial. No caso em questão, o contra-argumento é a ideia de que apenas partes da Bíblia são homofóbicas, enquanto outras parecem enaltecer a homo-afetividade (casos Davi-Jônatas, Rute-Noemi).

Com o que chamamos de anti-contra-argumento pretendemos lançar uma terceira ideia: a de que a Bíblia não é um texto coeso, de que entre o Antigo e o Novo Testamento há muitas contradições, de modo que querer defini-la no seu todo como sendo homofóbica ou não-homofóbica é esquecer que a homofobia depende mais da interpretação que se a dá HOJE.

Se se lhe dá uma interpretação literalista, conectada de modo radical a um momento histórico (o levítico-deuteronomista, por exemplo) e sem qualquer recontextualização para com o nosso tempo atual, isso pode ser entendido como uma interpretação homofóbica.

Por outro lado, se se lhe dá uma interpretação contextualizadora e moderna, que considera as mudanças históricas dentro do próprio texto bíblico (as mudanças de costumes e aplicação de leis entre o Antigo e o Novo Testamento, por exemplo) e as adaptações do homem ao longo do tempo, bem como os novos conceitos biológicos, sociais e tecnológicos, isso pode ser entendido como uma interpretação não-homofóbica e naturalmente inclusiva.

João Marinho no texto que abriu este debate deixou claro que mesmo após o surgimento da Teologia Inclusiva a homofobia dentro do texto bíblico não pode ser maquiada: “Mesmo com a teologia inclusiva e supostas passagens pró-homossexualidade, não devemos maquiar a homofobia e demais preconceitos de certos textos bíblicos. (…) Na verdade, a questão do embate entre as diferentes formas de teologia inclusiva e as vertentes mais conservadoras, para mim, é mais profunda do que escolher um lado ou outro.”

Com certeza. E, ao termos dividido acima a interpretação bíblica entre a literalista e a contextualizadora, não estamos falando, no caso da segunda, em Teologia Inclusiva. Estamos falando em uma interpretação naturalmente inclusiva. Qual a diferença? No caso da Teologia Inclusiva, frequentemente, sua consequência é a criação de “igrejas” alcunhadas de “inclusivas” que nem sequer são aceitas pela maioria dos grupos cristãos como sendo igrejas cristãs. Já, uma interpretação naturalmente inclusiva deveria estar disponível em todos os grupos cristãos, o que seria muito mais producente para a inclusão da pessoa LGBT que escolheu para sua vida religiosa o Cristianismo.

Provavelmente o surgimento das Igrejas Inclusivas tenha se dado pela resistência dos grupos cristãos existentes até então em se permitirem a uma interpretação contextualizadora como descrita acima. Para alguns, incluindo muitos gays cristãos, tais Igrejas Inclusivas são uma aberração dentro do Cristianismo, já que este deveria acolher a todos sem distinção, sem preconceito e sem demonização. Para outros, elas são algo legitimamente cristão, embora o texto de que se valem apresente dificuldades exegéticas consideráveis no caso do tema homossexualidade e homo-afetividade. Em nosso anti-contra-argumento dizemos que tais Igrejas são um mal necessário enquanto a inclusão do indivíduo LGBT precisa ser algo “negociável” com relação à maioria cristã.

Walter Silva, no segundo artigo desta polêmica, escreveu algo aparentemente óbvio, mas que não custa relembrar, dada a sua gravidade: “(…) questionar se a bíblia é homofóbica pode parecer mesmo uma grande ingenuidade, quando não uma pilhéria grotesca.”

É o que parece. E, muitos comentários recebidos pelos dois artigos até aqui evidenciam exatamente esta certeza: a de que a Bíblia é homofóbica.

Mas, João Marinho, ao citar Davi e Jônatas, já havia argumentado: “Agora, porém, assumamos que realmente tenha havido um relacionamento gay entre Davi e Jônatas, que a história contada seja essa – uma homofilia bíblica, em vez de seu oposto, a homofobia. Isso descartaria a existência da mesma homofobia na Bíblia?

Não é porque os livros de Samuel, Reis e Crônicas exaltam o relacionamento entre Davi e Jônatas e ambos trocaram declarações carinhosas que o Levítico e suas injunções a certas práticas homoeróticas deixam de existir.”

Realmente, não. Contudo, há uma polarização moderna evidente quando os teólogos inclusivos tendem a argumentar (conforme o artigo de João Marinho) que “a Bíblia não é, ou talvez não seja, toda homofóbica classicamente falando, como os cristãos conservadores tanto gostam de retratá-la” e os teólogos conservadores dizem que “a Bíblia não é nada homofóbica”.

Para João Marinho “o que é producente, portanto, é tomar a Bíblia pelo que ela é: um livro histórico-religioso, com um sem-número de contradições, inclusive com relação à homossexualidade”. Isso nos leva ao terceiro argumento: a Bíblia está desconectada de nossa realidade moderna exatamente por ser um livro histórico-religioso escrito ao longo de milhares de anos. Isso explica as inúmeras contradições que apresenta no tocante a vários assuntos.

Um dos argumentos mais usados pelos defensores de Levítico para atacar os homossexuais é o de que, segundo estes, não apenas o Antigo Testamento condena os atos homossexuais, mas também o Novo Testamento. As demais leis judaicas de Levítico e Deuteronômio que não aparecem no Novo Testamento teriam sido “abrandadas” pelo Cristianismo, como as proibições alimentares, por exemplo. Mas, como Coríntios ataca os gays, nada feito. Será? A posição inferior da mulher diante do marido, seu status de propriedade do homem, de que deve calar-se, etc, aparece em ambos os Testamentos da mesma forma que as críticas aos eunucos, efeminados e sodomitas. Contudo, qual cristão hoje imagina dizer para sua mulher manter-se calada numa conversa porque Deus assim manda na Bíblia? A misoginia foi “abrandada”, mas a homofobia não? Conveniências? Talvez. Mas, que muitos cristãos machistas gostariam de poder calar suas mulheres em público sob a autoridade bíblica, ah, isso sim!

O que fazer então? Continuar cristão gay em meio a homofóbicos, aderir a Igrejas Inclusivas ou deixar de ser cristão? João Marinho: “(...) não posso esperar que todos se tornem ateus apenas por serem LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), quando eu mesmo, por sinal, não sou.”

Não há necessidade de gays cristãos deixarem de ser cristãos. Por que? Porque todo e qualquer trecho bíblico sobre homossexualidade está sujeito a interpretações diversas. E, isso tem um motivo simples, mas crucial: na época bíblica ninguém tinha consciência de orientação sexual, de que uma delas é a homossexual, de que isso é natural e de que não pode ser mudada. Se tivessem tal consciência, as orientações LGBT estariam na conta do que foi criado por Deus e não estariam sujeitas às leis mosaicas e deuteronomistas, que são mais tentativas de regrar a vida privada dos israelitas e judeus que preceitos divinos universais. Em suma, não são pecado, mas interdições, a maioria delas, inclusive, dirigidas aos heterossexuais. E, interdições, não levam ao Inferno. Apenas o pecado não remido pelo arrependimento leva ao Inferno, segundo as crenças cristãs.

Como bem pontuou Walter Silva, na época bíblica nem sequer havia a consciência de existirem heterossexuais e homossexuais. Só se tratava do sexo como entre macho e fêmea. Não havia a diferenciação entre sexo biológico, gênero, identidade e orientação sexual. Para os antigos semitas tudo se resumia no macho-fêmea, e pretendiam que era assim também no reino animal. A Ciência moderna colapsou tal ideia ao descobrir animais andróginos, hermafroditas, e espécies que podem até mudar de sexo sob certas circunstâncias. Com que animais estas espécies se alojaram na Arca de Noé???

O que quero deixar claro com meu anti-contra-argumento é que, antes de alcunharmos o livro inteiro chamado “Bíblia” como homofóbico, devemos declarar que a Bíblia ignora tudo o que sabemos hoje sobre a sexualidade humana. Então, a Bíblia é ignorante quanto à pessoa LGBT e, por tal contraste com nossa realidade atual, figura como homofóbica. Além disso, no momento em que fanáticos preconceituosos desvirtuam os textos e traduzem termos antigos com palavras modernas – como quando se traduz “sodomita” por “homossexual” -, a ideia “mastigada” e falaciosa lançada para a maioria é a de que a Bíblia condena os gays.

Mas, como pode um texto que sequer concebe a existência de gays condená-los? Tudo no texto bíblico é escrito numa ótica homem e mulher, macho fêmea. Ele não concebe sexo entre homens além da noção de algo não-natural que deve ser interdito; não concebe o amor entre pessoas do mesmo sexo que não seja o amor paternal-filial-fraternal pois não acredita que tal amor seja possível em sua visão normativa homem-mulher; não concebe a união/casamento entre pessoas do mesmo sexo porque não percebe uma pessoa que mantém relações com outra do mesmo sexo como alguém que possa amar esta outra pessoa e desejar viver toda a vida com ela de modo equivalente a um homem e uma mulher.

Este argumento parece simples, mas tem implicações importantes já apresentadas por Walter Silva ao citar John Richard Boswell, autor do livro “Cristianismo, tolerância social e homossexualidade’’: "(…) Boswell foi celebrado ao expor uma interpretação revolucionária, argumentando que a igreja no início da sua trajetória e ao longo de uma parte do medievo, conviveu com a homossexualidade de forma pouco conflituosa, possibilitando inclusive o emergir de uma subcultura gay, expressando-se através de primorosos poemas e cartas eróticos de amor e amizade do mesmo sexo, escritos por bispos e clérigos cristãos.”

Isso demonstra o que dissemos sobre a ignorância bíblica a respeito da pessoa homossexual! Tal ignorância, na Idade Média, serviu para uma evidente tolerância da Igreja Católica para com pessoas com tendências ao amor pelo semelhante, o mesmo sexo, enquanto que a mesma ignorância hoje tem servido aos setores fundamentalistas que traduzem a seu gosto o texto bíblico para condenar os LGBTs. Se isso não fosse verdade, não teríamos várias Igrejas Cristãs protestantes que não se consideram “inclusivas” aceitando LGBTs entre seus fieis, ordenando sacerdotes gays e celebrando casamentos entre homossexuais. É o caso da Igreja Luterana nos EUA (no Brasil, infelizmente, não é bem assim), da Igreja Presbiteriana (também nos EUA), da Igreja Anglicana, da Igreja Episcopal dos Estados Unidos, de setores minoritários da Igreja Batista e Metodista, entre outras.

Walter Silva: “De modo contraditório os literalistas afirmam que Deus não reconheceu a categoria dos homossexuais (então qual o sentido de dizer que Deus não condena a pessoa gay?), que Deus criou somente o “macho’’ e a “fêmea’’; indivíduos gays, portanto são machos e fêmeas que se recusam a cumprir com os desígnios de sua natureza verdadeira (heterossexual).”

A questão é mais ampla: o Deus bíblico não cita “gays”, “homossexuais” ou “LGBTs” simplesmente porque desconhece sua existência. Mas, dirão os beatos, como pode Deus desconhecer o que hoje conhecemos? E, dirão os teólogos beatos, como poderia Deus reconhecer o que não existe e é uma doença, uma aberração e uma imoralidade? E, dirão os 10% da humanidade que Deus “desconhece” ou que pensa não existirem, se Deus nos desconhece ou se cala sobre nós porque não existimos, por que seus adeptos colocam na boca do Criador uma condenação que não faz sentido, dados os argumentos? Alguns setores protestantes norte-americanos entenderam isso (anglicanos, luteranos, etc.) e deixaram de adotar posturas anti-gays. Quando os cristãos brasileiros vão acordar? Quando deixarão de ouvir o vociferante e infernal discurso de Malafaia, Magno Malta, Marco Feliciano e legião, e passarão a incluir os LGBTs em suas vidas sem ódio, sem preconceito e sem demonização?

Quando dizemos que a Bíblia é homofóbica, estamos alimentando um discurso falso de que todo o cristão e de que todos os grupos cristãos são homofóbicos e contra os direitos gays.

Quando dizemos que a Bíblia não é homofóbica, pois ama o gay mas condena o ato homossexual, estamos alimentando a hipocrisia violenta daqueles cristãos que se aproveitam deste argumento para condenar os gays ao Inferno e para tentar impedi-los de conquistar direitos básicos.

Porém, quando dizemos, equilibrando as coisas:

1 – Que a Bíblia desconhece as noções modernas de sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero, heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade;

2 – Que a Bíblia condena comportamentos sob a perspectiva de que sejam efetuados por pessoas vistas dentro do padrão macho-fêmea, sem alternativa diferente;

3 – Que, mesmo a despeito de tais condenações, a Bíblia deve ser interpretada, contextualizada e tornada “viva” na modernidade, sem os arcaísmos embutidos;

Quando dizemos tudo isso, fica claro que não é a Bíblia que é homofóbica – por uma impossibilidade histórica de sê-la –, mas os que a adotam hoje para fazer uma interpretação arcaica, desconectada da vida humana, dos sentimentos humanos, da realidade interna do ser humano, trabalho este que tem sido feito pela Psicologia, mas no qual a Teologia moderna apenas engatinha.

Contudo, é certo que se a Bíblia não é homofóbica por ser antes ignorante da pessoa LGBT, também não é um livro inclusivo pelo mesmo motivo!

O Novo Testamento apresenta uma noção um pouco menos ignorante da existência de uma alternativa à visão do padrão macho-fêmea (baseado na imprecisa observação dos animais pelos antigos) e homem-mulher (baseado unicamente nos gêneros evidentes física e mentalmente) ao referir-se aos “eunucos de nascimento”, como brilhantemente esclareceu Walter Silva em seu artigo: “(…) a Bíblia repudia a afeminação não natural nos homens heterossexuais, o sexo homossexual com prostitutos sagrados e a disposição de alguns heterossexuais para a luxúria ocasional com o mesmo sexo.”

A tendência “feminina” em eunucos era conhecida e aceita, portanto. O que não era aceito – ou conhecido, já que se desconhecia também a noção de orientação sexual desconectada de tendências masculinas-femininas – era um homem não-feminino que se desse ao mesmo sexo, como se “feminino” fosse. Novamente, uma tentativa sutil de encaixar mesmo os eunucos no padrão macho-fêmea, homem-mulher. Sem contar que a mulher no ato sexual, na visão judaico-cristã, é considerada como “submetida” ao homem, e não em caráter de igualdade, como hoje em dia. Então, como se considerada o submetido como inferior, assim também eram considerados, como as mulheres, os eunucos, os homens femininos e os prostitutos sagrados. Nesta noção machista-patriarcal é inadmissível um homem não-feminino deitar-se com outro não-feminino...

Já naquela época bíblica, portanto, se percebe uma tentativa de conter o fator gay (ainda nem considerado existente como hoje) dentro de uma categoria aceitável (o eunuco de nascimento), em oposição à não aceitável (o prostituto sagrado).

Atualmente, quanto ao tema, vemos radicalismos de ambos os lados: do lado fundamentalista, uma tentativa de “eugenia social”; do lado de alguns LGBT que não gostam de religião, uma tentativa de desqualificar todo e qualquer valor da espiritualidade para a vida LGBT. Extremos nunca se entendem. Podem se tocar, mas nunca se entendem.

O que desejam os “patrulheiros da moral e dos bons costumes” de origem cristã? Estes “patrulheiros” desejam que os gays voltem aos guetos, que amem seus iguais às escondidas, sem postular direitos, casamento, adoção, benefícios iguais aos dos heterossexuais... Querem, assim, promover no Brasil uma verdadeira eugenia social dos homossexuais aos moldes da proposta nazista? Jamais o permitiremos!

Quando uso o argumento da eugenia social contra gays, muitos dizem que essa comparação é um absurdo. Mas, não é. A eugenia (termo cunhado em 1883 por Francis Galton), significa “bem nascido” e é o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente. Ou seja, melhoramento genético. Hitler se baseou nisso ao imaginar que o arianos loiros heterossexuais eram mais puros e superiores aos judeus, negros, ciganos, deficientes e homossexuais.

Aplicando isso à noção de eugenia social contra gays, ela significaria a discriminação de pessoas por categorias sexuais, por orientação sexual, levando apenas a uma relativa aceitação dos gays mais “comportados”, mais semelhantes aos padrões heterossexuais, que seriam melhor aceitos na sociedade, mas nunca completamente integrados, incluídos. Contudo, continuariam sendo considerados não-aptos para a reprodução, como se, afinal, todos os gays e lésbicas fossem estéreis!!! Segundo esta eugenia social, os melhores gays seriam os do armário, os caladinhos, os que aceitam a ofensa, a demonização e a violência, de modo a nem serem percebidos pela sociedade e não constituírem qualquer ameaça a “família cristã”. Ledo engano! Não se joga para debaixo do tapete cerca de 10% da humanidade (se não for mais!) como Hitler tentou fazer com os que ele considerava inferiores.

Para finalizar, a Bíblia deve ser lida e interpretada como um livro antigo, escrito por muitos autores ao longo de milhares de anos e que não trata de todos os assuntos que interessam à vida dos fieis com a riqueza de detalhes e nos termos modernos, como se gostaria. É um livro sagrado – como todos os demais, aliás – para ser estudado, esmiuçado, esquadrinhado, e não usado como arma contra outros seres humanos por pessoas que, em geral, não entendem o que está ali escrito.

A propósito, tenho visto pastores semi-analfabetos vomitando preconceitos como certezas teológicas enquanto ouço dúvidas profundas e pertinentes de teólogos com décadas de estudos. Para os primeiros, estes analfabetos de Deus que se consideram Seus intérpretes, deixo alguns trechos do Livro da Sabedoria, atribuído a Salomão:

“O Senhor de todos não fará exceção para ninguém, e não se deixará impor pela grandeza, porque, pequenos ou grandes, é ele que a todos criou, e de todos cuida igualmente; mas para os poderosos o julgamento será severo.

Resplandescente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na facilmente.
Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam.

Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.

Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve não terá mais cuidado.

Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos, porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la.

Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza.

Embora única, tudo pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas. Ela se derrama de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os intérpretes de Deus, porque Deus somente ama quem vive com a sabedoria!”

(Livro da Sabedoria, VI. 7-8, 12-17; VII. 24, 27-28)


Sobre o autor


Paulo Stekel é jornalista, escritor, músico, poliglota, especialista em religiões, tradições espirituais e línguas sagradas. Ativista LGBT focado na relação entre homofobia e religião, é o criador do Movimento Espiritualidade Inclusiva e possui quase uma centena de artigos sobre espiritualidade, orientação sexual, homofobia religiosa e espiritualidade inclusiva. Contatos: espiritualidadeinclusiva@gmail.com