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segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Bom ou o Ótimo: Qual PLC 122 queremos?


Por Paulo Stekel (coordenador geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

Paulo Stekel, 42 anos, natural de Santa Maria (RS), reside atualmente em Canoas (RS). Músico, jornalista, prof. de línguas sagradas e especialista em escritas antigas, de origem católica, se converteu ao Budismo em 1995. Assinou declaração de união estável (2007) em cartório de Porto Alegre (RS), com o companheiro com o qual vive há quase 12 anos. É ativista em assuntos relacionados à espiritualidade e Direitos LGBT, sendo administrador do blogue e coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva, ambos lançados em dez/2011. Autor de mais de mais de 50 artigos sobre a relação entre Espiritualidade, Sexualidade e Diversidade.


Introdução

No dia 25 de março de 2013, o Senador Paulo Paim fez um discurso no Senado Federal intitulado “Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia”. Na qualidade de relator do Projeto de Lei da Câmara 122, conhecido por muitos como o Projeto da Lei Anti-homofobia, Paim deu um tom muito claro, positivo e favorável à aprovação de um projeto que realmente contemple as necessidades da comunidade LGBT brasileira.

Lemos o discurso, fizemos algumas considerações, o debatemos com colegas de ativismo LGBT e, na quinta-feira (28 de março), em audiência com o próprio Senador Paim, em Canoas – RS, juntamente com diversos defensores dos Direitos Humanos, pudemos esclarecer alguns pontos do referido discurso. As respostas que obtivemos diretamente do relator foram plenamente satisfatórias, fazendo-nos ver que temos até o momento o melhor relator que o PLC 122 poderia ter: um homem comprometido com os movimentos sociais (afrodescendentes, aposentados, deficientes, etc.) desde o início de sua militância política e, antes de tudo, um conciliador. Um relator radical seria, com certeza, um tiro no pé. O radicalismo muitas vezes tem norteado o debate e se faz necessário um relator que saiba colocar o debate em seu devido lugar: a violência contra minorias, uma delas, a LGBT.

Em nossa conversa, o Senador Paim deixou bem claro que três conceitos o nortearão como relator na definição do texto final do PLC 122: o ódio, a violência e a intolerância. Lhe respondemos que nós, os LGBT, queremos exatamente a coibição destas três formas de preconceito contra nossa minoria. Não queremos mais do que isso, não queremos fechar templos religiosos, não queremos trancafiar pastores e não queremos queimar a Bíblia. Só queremos os mesmos direitos de todos os demais cidadãos e a proteção contra atentados à nossa integridade física e moral. A alegria dele ao ouvir isso foi inspiradora. Não falamos por TODOS os LGBT, mas por experiência e conhecimento de como funcionam as coisas, falamos pela maioria sensata.

O tom da relatoria

O Senador Paim deixou claro, e concordamos com ele, que é preferível a aprovação de um projeto “bom” para todos – de forma que possamos nos resguardar do ódio, da violência e da intolerância –, à aprovação de um projeto “ótimo”, o que, dadas as forças democráticas em jogo, é geralmente muito difícil ou mesmo impossível de se conquistar num primeiro momento. Paim disse que prefere colocar em votação o “bom”, por ser mais fácil aprovar e um primeiro passo para irmos adiante. Faz sentido. Sabemos que as forças radicais deste país não querem nem mesmo a aprovação do “bom”, mas isso não vem ao caso, pois o debate vai aumentar a cada dia e vamos continuar lutando e defendendo nossas necessidades cidadãs.

Há radicalismos em todos os lados nesta questão. Há radicalismos fundamentalistas, ideológicos, político-partidários... Nada disso contribui, de fato, para o debate, apenas acirra os ânimos. Na construção de um texto final adequado que contemple os três pontos a ser enfrentados, conforme citados por Paim – ódio, violência e intolerância – nenhum radicalismo é adequado, mas, sim, o consenso e a contribuição de todos os interessados, garantindo a legitimidade do que venha a ser aprovado. Em geral, os mais radicais, de que lado venham, são as pessoas que menos conhecem o próprio PLC 122, como bem frisou Paim em nossa conversa. A maioria nem sequer leu o projeto, não sabe o que ele propõe, e usa de argumentos desviantes, para ganhar atenção e forçar a opinião pública. Neste artigo, nossa principal função é esclarecer os diversos formadores de opinião, sejam LGBT ou não.

O que o PLC 122 diz em sua redação atual

Um percentual considerável de pessoas envolvidas no debate em questão não sabe minimamente o que o PLC 122 propõe. Não vamos transcrever o projeto todo, mas, apresentando-o em seus pontos cruciais, ele diz o seguinte (grifamos os trechos que interessam à comunidade LGBT):

Projeto de Lei da Câmara Nº 122, de 2006 (nº 5.003/2001, na Câmara dos Deputados)

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (NR)

(…) Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:
“Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.” (NR)
“Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
“Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.” (NR)
(...)Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:
“Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
“Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
(...)Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:
“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:
I – reclamação do ofendido ou ofendida;
II – ato ou ofício de autoridade competente;
III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”
“Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.
§ 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.
§ 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta anti-discriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil.”
Art. 10. O § 3º do do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 140. …......................................................................................................................
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.” (NR) (...)

O texto original (2001) era menor e menos amplo que o atual, de 2006. O que o Senador Paim, relator do Projeto, se propõe agora, é ampliar o debate, dando voz a todos os setores da sociedade, favoráveis ou contrários. O relatório que ele produzirá – segundo ele mesmo – será feito a partir de muitos argumentos, mas sempre pautado pelo debate internacional em curso, de modo que sirva para o combate à homofobia, que é o que queremos. Isso está muito claro no discurso a que nos referimos no início deste texto, e o qual comentaremos trecho a trecho a seguir (os grifos são nossos).

O discurso do relator

Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia.”

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,

A Constituição da República contém, no conjunto de suas diretrizes para a construção do Brasil que sonhamos, indiscutível vetor civilizatório, que nos propõe a convivência social harmoniosa, coesa, tolerante e hospitaleira.

Não há lugar, no País livre e democrático que desejamos construir, para a aceitação da discriminação e da intolerância, de qualquer matiz.

Não aceitamos, no Brasil, a discriminação racial ou decorrente das orientações sexuais dos indivíduos. Por esta razão, estamos debatendo o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que criminaliza a homofobia.

Comentário: Aqui, já se pode perceber o tom nitidamente anti-discriminatório que norteará o relatório a ser produzido para o PLC 122. Ao citar a discriminação racial imediatamente antes da discriminação por orientação sexual, o relator deixa evidente a similitude existente nas naturezas de ambas as formas de discriminação: a intolerância com o outro por causa de sua pressuposta “diferença” (racial, étnica, sexual, etc) e não encaixamento num status quo e modus vivendi arbitrária ou culturalmente determinado pela parcela dominante da sociedade (a branca e heterossexual, neste caso). Baseado nesta noção óbvia, a via de equiparação do crime de homofobia ao de racismo não nos parece inadequada nem impossível de ser levada adiante. Em ambos os casos, a odiosa não aceitação do outro por sua “diferença” é o mote para atos violentos prejudiciais à dignidade do indivíduo – física e/ou moralmente.

Senhoras e Senhores Senadores,

Os debates que dizem respeito à diversidade sexual passam por questões de conteúdo moral e religioso.

Em uma sociedade plural e democrática, todas as correntes filosóficas; teológicas; ideológicas; todo e qualquer grupo de pressão merece expressar sua visão no espaço público.

A convivência pacífica nas ruas e bairros da cidade impõe ao Estado igualdade no tratamento a crentes e descrentes; a ateus, agnósticos ou àqueles que acreditam no Criador do Universo.

Comentário: Este trecho evidencia a importância do Estado Laico na promoção e manutenção da paz na nação. Caso contrário, qualquer corrente citada poderia interferir de modo majoritário na vida da sociedade, obrigando correntes opostas a seguir regras aviltantes conforme a natureza de suas crenças. Mas, não é assim. Num Estado Laico as diferentes crenças têm seu direito à existência e expressão garantidos, ressalvadas as formas previstas em lei que redundem em prejuízo à vida (ex. apologia ao nazismo), à dignidade (ex. racismo) ou à auto-estima de qualquer dos gêneros (ex. preconceito contra a mulher), conforme definido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Contudo, realmente o debate acerca da diversidade sexual “passa” no mundo todo por questões morais e religiosas. Mas, sob o ponto de vista de um Estado Laico, tais questões morais e religiosas jamais poderiam impedir a livre expressão sexual ou de gênero a cidadãos que possuem “moralmente” os mesmos direitos, sob pena de um preconceito “aos moldes” do racismo escravagista do qual o Brasil, aliás, foi o último a se afastar. O seremos também no que concerne à homofobia? Lutaremos para que assim não seja!

Se pegarmos a Constituição da República, do inesquecível dia 05 de outubro de 1988, veremos, no caput do art.5º, um entre os mais importantes vetores da Carta, que regula nossa vida coletiva.

A Constituição Brasileira promove a dignidade da pessoa humana, e o seu art. 5º estabelece que, em nosso democrático País (abro aspas), “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada, nos termos seguintes” (fecho aspas).

Em seguida, o art. 5º oferta à sociedade brasileira seu longo e admirável catálogo de Direitos Fundamentais, distribuídos em nada menos que 78 incisos que se destinam, pela força de nosso pensar e agir coletivos, a viabilizar a mais completa emancipação, tanto material quanto espiritual, do povo brasileiro.

Vislumbramos, portanto, a convivência mais harmônica e respeitosa dos membros da sociedade brasileira, muito embora reconhecendo que a razão de ser da Política, o seu suporte e seu núcleo residem, exatamente, na administração dos conflitos em sociedades complexas, na certeza de que no transcurso infindável do tempo, o debate nos preserve, minimamente, o direito à própria expressão.

Comentário: Quando a Constituição Federal garante a “dignidade da pessoa humana sem distinção de qualquer natureza”, não deveríamos nem ter que estar postulando através de um Projeto de Lei que a dignidade da pessoa humana LGBT seja respeitada sem distinção de qualquer natureza. Mas, uma Constituição democrática não é um texto perfeito, nem parado no tempo, e nem consegue contemplar todas as noções sociais ou as demandas de setores da sociedade igualitariamente. Obviamente, deve ser adequada, e é exatamente isso o que queremos com a aprovação do PLC 122.

O mesmo vale para as demandas dos idosos e dos deficientes físicos, como citados no Art. 10º do projeto atual e aos quais nós, os LGBT, somos totalmente solidários. Mesmo porque, em nosso Brasil, o preconceito se sobrepõe ao preconceito. Temos o gay negro, o gay negro idoso, o gay negro idoso e deficiente físico, a mulher negra idosa e deficiente física... enfim, os estratos de preconceito se sobrepõem como escaras de chibatas recorrentes ao longo de uma vida inteira... É preciso corrigir isso o mais rápido possível, sob risco de regarmos a semente de uma nação preconceituosa que não queremos para os que virão depois de nós.

Se algum espaço houver, na prática de uma Política que se queira maiúscula, em qualquer sociedade avançada, é preciso compreender que a intolerância legalmente albergada e aceita, não é compatível com a democracia. A democracia não tem como tolerar a própria intolerância.

Em uma discussão no âmbito físico e espiritual do espaço público, de relevância para a coletividade, parece politicamente inegociável que a livre expressão represente a condição de base para a garantia da liberdade humana.

O ser humano, dotado de consciência e razão, nasce livre em sua essência mais profunda.

Desprovido de liberdade, calado em seu direito mais sagrado de tomar a palavra na rua ou na praça, terá morrido, espiritualmente, para a vida social e até mesmo privada.

Comentário: Realmente, quando a intolerância é aceita ou deixada livre em uma nação plural, a semente do ódio e do levante se instala, pois o ser humano tem um limite no sofrimento que lhe pode ser imposto. O descontentamento dos povos, etnias e minorias oprimidas tem um limite histórico bem conhecido, especialmente nos últimos séculos. Já estamos ouvindo falar em uma “Primavera Gay” no Brasil, um levante ideológico LGBT para pressionar mudanças na lei inspirado nos moldes da “Primavera Árabe”. Será que precisamos deixar as coisas chegarem a este ponto, quando bastaria reconhecer o que a própria Constituição Federal franqueia a todos os cidadãos brasileiros? Pois, a aprovação do PLC 122 seria este reconhecimento.

A quem interessa manter o status atual de preconceito homofóbico desenfreado em nosso país? A fundamentalistas religiosos? A neonazistas? A conservadores? Como podem invocar motivos religiosos para cometer ou incitar crimes num país laico? Como podem incitar ou cometer assassinatos contra pessoas unicamente por sua orientação sexual num país que não criminaliza orientações diversas da heterossexual? Como podem relacionar os direitos das orientações não-heterossexuais ao “fim da família tradicional” num mundo em que o padrão pai-mãe já foi quebrado há décadas? Podem porque a lei ainda não os coíbe! Nós, LGBT, ainda estamos num verdadeiro “limbo jurídico” que depende da boa vontade de magistrados quando o assunto é nossa segurança, dignidade, direito à vida e mesmo benefícios sociais franqueados a quaisquer outros cidadãos. Isso é inaceitável sob todos os pontos de vista!

Senhoras e Senhores Senadores,

O púlpito deste plenário, no Senado da República, representa nada menos que o espaço democrático da livre expressão das unidades federativas e, consequentemente, de cada uma de suas gentes, e esta prerrogativa historicamente construída deve se reproduzir em todos os aspectos da vida coletiva.

Em nossa visão, ao Estado laico cumpre a tarefa de a todos ouvir, indistintamente, sem se deixar dominar por esta ou aquela visão de mundo; sem que se admita a errônea cristalização, no ordenamento jurídico, de concepções ultrapassadas que, visando uniformizar mulheres e homens não uniformizáveis, culminem na supressão do direito inalienável das minorias.

Ao representante público, portanto, pouco importa os termos com que uma determinada confissão religiosa ou filosófica, ou de setores da sociedade, encaram fenômenos demasiado humanos, como a homossexualidade ou a diferenciação de cor dos indivíduos.

Quero pontuar novamente que, em uma sociedade que se pretenda democrática, a vontade geral só poderia admitir a intolerância, nos estritos marcos legais, contra a própria intolerância.

Comentário: Este trecho é maravilhoso! O Estado Laico deve ouvir a todos, sem distinções, mas, ao mesmo tempo, não deve se deixar influenciar a ponto de cometer injustiças. A imparcialidade laica aqui está clara tanto quanto, mais uma vez neste discurso, a natureza da (homos)sexualidade e da cor dos indivíduos, sob o ponto de vista da igualdade e do direito à existência, bem como de expressão, por extensão.

Entre os dispositivos de coerção social aplicados ao longo da História – por vezes justa ou injustamente – cremos que os únicos incontestavelmente niveladores da igualdade são, nas palavras do relator, os que admitem a intolerância apenas “contra a própria intolerância”. Intolerar a intolerância, quando partindo do Estado, é tutelar a liberdade, garantindo sua expressão plena e igualitária, algo que a intolerância perniciosa extrai do sujeito humano de modo vil e cruel assim que se manifesta.

Acreditamos ser nosso dever e nossa salvação combater as compreensões de mundo que vislumbrem a uniformização dos seres humanos a partir de réguas, critérios e particularidades que lhes sejam próprios.

A infeliz experiência de autoritarismos e totalitarismos, em países supostamente avançados, como a Itália, o Japão e, principalmente, a Alemanha da primeira metade do século 20, mostram claramente que a felicidade humana deve ser veiculada pelo debate livre, que nos conduza à aceitação das mais variadas formas de vida, na certeza de que o pluralismo social vem a ser nossa maior riqueza.

Comentário: Esta é a grande luta enfrentada pelas mulheres, depois pelos afrodescendentes e, agora, pelos LGBT. A uniformização de toda uma sociedade a partir de noções particulares ou originadas em setores dela atenta contra a dignidade geral. A História está repleta de exemplos. A loucura de um único homem ao qual se permitiu descuidadamente uma ascensão sem avaliação criteriosa de consequências – Hitler – quase determinou a sobrevivência de uma etnia inteira – a judaica. Quando a ajuda chegou, os mortos já eram da ordem de milhões...

E, no caso da homofobia? Qual deverá ser o “teto” na estatística de assassinatos para que a sociedade brasileira se dê conta do “homocausto” (holocausto gay) que está sendo promovido em nosso país, nas palavras do decano do movimento LGBT brasileiro, Luiz Mott? Não estamos mais dispostos a aceitar a morte de mais nenhum LGBT por conta de homofobia, porque o valor de QUALQUER vida humana é o mesmo! Nossa solução? A aprovação do PLC 122.

Por isso, em face do renitente preconceito de raça ao afrodescendente ou da intolerância aos gays, às lésbicas, aos bissexuais e aos transgêneros, reiteramos, no Senado da República, o direito de todos e de cada um à dignidade da própria existência; o direito de todos e de cada um ao exercício cotidiano de sua liberdade de ser e à livre escolha no que diz respeito à vida privada.

Consideramos desumana toda e qualquer forma de intolerância que resulte na ofensa moral ou física a quem quer que seja e temos trabalhado diariamente, no Senado, pela construção de um País francamente acolhedor a todos os seres humanos, indistintamente.

Comentário: Terceiro trecho que equipara argumentos pró-lei anti-racismo a uma necessidade de mesma defesa no caso dos LGBT, combatendo preconceito, a ofensa moral, promovendo o direito à dignidade, à liberdade de ser e à livre escolha na vida privada. Creio que, indo por este caminho, aprovaremos o PLC 122 e teremos uma implantação semelhante à da lei anti-racismo: um processo gradual, suave e sem o absurdo alardeado por seus opositores – o que também aconteceu à época do debate sobre a lei anti-racismo –, ou seja, de um risco de denuncismo e prisões em massa ou por qualquer motivo que não a homofobia em si. Quem pensa assim, não entende nada de Direito Criminal, nem dos procedimentos de uma delegacia, que precisa da denúncia, da averiguação das provas e testemunhas, e só então pode levar adiante o procedimento, considerando ainda a possibilidade de falso testemunho. A aprovação do PLC 122 não vai colocar todos os não-LGBT sob suspeição de homofobia. Pelo contrário, vai garantir a expressão em todos os setores de uma diversidade já vista em nichos da sociedade não norteados pelo preconceito.

Senhoras e Senhores Senadores,

Considero importante relembrar, no âmbito da religiosidade, que, na obra máxima da cristandade, a Bíblia sagrada, o admirável Paulo manifesta sua perplexidade ante as contradições da existência humana, reconhecíveis em cada um de nós.

Diz o apóstolo de Cristo: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”.

Vou tomar emprestadas as poéticas palavras de Paulo para me reportar à quantidade de barbárie cotidiana em nosso País, em que uma mulher é fisicamente agredida a cada cinco minutos; ou no mundo, em que crianças de todos os continentes são alvo diário da violência de adultos brutalizados, e sofrem com a exploração, abusos e doenças, ou enfrentam, em sua mais linda idade, a necessidade de deixar seus lares por conta de conflitos armados; sob governos que não lhes garantem educação básica.

Exatamente porque, no mundo em que vivemos, mulheres e homens não fazem o bem que desejam fazer, mas apenas o mal que não querem, cerca de 218 milhões de menores submetem-se, diariamente, ao inaceitável trabalho infantil e entre elas, 300 mil atuam na condição de crianças-soldado.

Impõe-se a todos nós, portanto, trabalhar pela inversão da máxima do apóstolo Paulo, tanto mais porque o mundo em que vivemos parece estar gravemente adoentado.

Nele, as almas perdidas frequentemente governam e tiranizam, submetendo a seu jugo populações inteiras, por anos ou décadas.

No Brasil, acredito que a lenta e paciente organização de nossa democracia irá nos conduzir à gradativa neutralização da intolerância.

Comentários: As almas perdidas realmente parecem ganhar cada vez mais e mais terreno, e aqueles que vivem pregando o bem que se deveria fazer – os religiosos – muitas vezes são os primeiros a colocar o seu preconceito baseado em ideias arcaicas acima do bem que deveriam defender e fazer. Os exemplos estão às avessas e tem cabido aos oprimidos lembrar aos líderes as suas obrigações para com a Humanidade...

Não faz muito tempo nós vivíamos concepções de mundo mesquinhas e antigas, que tiranizavam africanos e afrodescendentes e que negavam às mulheres o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar.

Nós seguimos apostando no aprofundamento dos níveis de educação como antídoto à brutalização de nossa vida social.

No País que desejamos, todas as escolhas lícitas e não ofensivas ao direito do próximo merecerão de todos o máximo respeito, e do Estado a natural acolhida.

Comentário: Afrodescendentes e mulheres já gozam de (relativos) direitos e reconhecimento de suas naturezas junto à sociedade brasileira, mas dos LGBT poderíamos dizer, repetindo as palavras do relator, que ainda somos observados sob a vista de concepções de mundo mesquinhas e antigas, que nos tiranizam e nos negam o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar... ops, nem mesmo do próprio lar, pois a alienação familiar é frequentemente causa de uma das formas mais cruéis de homofobia, a que tem levado muitos jovens LGBT ao suicídio ou a uma vida à margem.

O Poder Judiciário brasileiro, por exemplo, tem caminhado neste sentido, reconhecendo a casais homossexuais a licitude da vida comum partilhada, inclusive no que se refere às repercussões patrimoniais de sua opção.

Comentário: Com certeza, o Judiciário anda décadas à frente do Legislativo no reconhecimento dos direitos das minorias. O aumento considerável no número de decisões favoráveis a casais homossexuais deve servir como recado a nossos parlamentares – o de que a sociedade brasileira não está tão despreparada como querem nos fazer crer os fundamentalistas no tocante a um novo modelo de família que não seja constituído exclusivamente pelo padrão pai-mãe heterossexual. O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF e a reavaliação do que constitui núcleo familiar estão adiante da coibição dos crimes de homofobia, o que é um flagrante contra-senso; podemos nos unir diante de um cartório por entendimento legal, mas não podemos nos defender do preconceito violento através de uma lei que nos inclua. Discrepâncias fomentadas pela morosidade de nosso Legislativo em ouvir as vozes da sociedade oprimida e dar-lhes devida proteção legal...

Ao Estado laico cumpre reconhecer, nas centenas de milhares de ativistas políticos reunidos, anualmente, nos desfiles públicos em favor dos direitos dos homossexuais, em todo o Brasil, a indiscutível existência de um grupo de pressão, tão legítimo e válido quanto os defensores dos interesses de empresários, de trabalhadores, de donas de casa; tão aceitável quanto os cidadãos que promovem os Direitos Humanos e, dentre estes, os defensores dos direitos dos afrodescendentes; os promotores dos direitos dos portadores de necessidades especiais; entre inúmeros outros exemplos.

Quero com essa menção reiterar que, em uma sociedade plural, todos os lícitos interesses do cidadão pagador de impostos merecem acolhida e reconhecimento pelo Estado, que pondera interesses na realização do conceito de bem comum.

Comentário: Ainda que as inúmeras Paradas Livres (ou Paradas Gays) realizadas Brasil afora possam ser objeto de crítica de todos os lados, na verdade, o que elas causam é um mal-estar no estômago dos preconceituosos, a quem o mais odioso é ver minorias se expressando livremente e buscando seu espaço de direito no Estado Laico. O resto, é moralismo e hipocrisia para desviar a atenção do maior objetivo do movimento LGBT: a conquista de direitos igualitários. Não direitos especiais, mas igualitários. Quem nos acusa de buscar direitos especiais, acima dos demais cidadãos deveria ver o quão contraditório é o que diz. Se não temos nem sequer direitos igualitários, como poderíamos postular algo especial? De forma alguma! Este NUNCA foi e NUNCA será o objetivo do ativismo LGBT. Somos, sim, um grupo de pressão, como muitos que desembarcam em Brasília todos os dias com os mais variados interesses; e, somos, como os demais, pagadores de impostos.

Senhoras e Senhores Senadores,

Tenho a grata satisfação de atuar, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, como relator do Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 206, que criminaliza a homofobia.

Na condição de relator, tenho a intenção de dar amplitude ao debate, pela abertura do espaço democrático de nossa Comissão às vozes da sociedade, contrárias ou favoráveis à proposta em debate.

Por meio de audiências públicas, pretendo produzir um relatório equilibrado e em consenso com o debate internacional em curso, que contemple todos os interesses em jogo, ao mesmo tempo em que sirva para o combate à homofobia, ao ódio e à violência gratuita que campeia no Brasil.

A premissa com que pretendo nortear o debate é a premissa maior de que todos somos, a despeito de nossa cultura, de nossa opção religiosa ou orientação sexual, contrários à homofobia, na medida em que a liberdade humana está na base dos Direitos Humanos.

Comentário: Este trecho é o mais claro do discurso do relator, pois dá o tom de sua relatoria. A amplitude do debate é importante para a legitimidade do processo. Por vezes, será acirrado, mas a democracia o permite, nos limites da lei.

As audiências públicas já estão em curso e devem se intensificar nos próximos meses. Todas as forças – favoráveis e contrárias – já se movimentam para fazer valer suas ideias. Eis a hora da sociedade brasileira se posicionar e dizer se é conivente com o preconceito violento que ceifa vidas humanas por conta de sua orientação sexual ou se é uma sociedade de paz, fraterna, que busca o amor ao próximo e que não aceita o ódio, a violência e o assassinato em circunstância alguma.

Um país em que alguns cidadãos não possuem a mesma liberdade dos demais, estando sujeitos a diversas formas de violência quando decidem expressá-la abertamente, não é um país totalmente livre, pois seu próprio preconceito, velado ou às claras, o mantém preso ética e moralmente numa escuridão espiritual cruel.

Senhoras e Senhores Senadores,

Vemos no debate humano, desde tempos imemoriais, a voz audível de intelectuais humanistas, que fazem engrandecer e avançar, geração após geração, o valor inegociável da liberdade humana.

Pensadores como Elie Wiesel, nascido na Transilvânia e de confissão judaica, tendo perdido, aos 15 anos, a mãe, o pai e uma irmã nos campos nazistas de extermínio, afirmou o seguinte: (abro aspas) “Eu jurei nunca ficar em silêncio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação. Devemos sempre tomar partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado” (fecho aspas).

Ainda que profundamente marcado por sua vivência infeliz de aniquilamento e ódio, Elie Wiesel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1986, costumava relembrar que “O oposto do amor não é ódio, mas indiferença”, e logrou trabalhar por um mundo melhor, mais livre e mais aberto à aceitação das diferenças.

Comentário: Isso nos permite concluir que neutralidade e indiferença, quando se trata de confrontar opressões, são mais cruéis do que se pensa, pois passam uma procuração subliminar ao opressor para que ele continue agindo impunemente. Quando fundamentalistas se recusam a debater o PLC 122 ou mesmo a propor uma redação mínima que defenda os oprimidos (e, nunca propuseram uma redação mínima que nos contemple) e pregam que não somos objeto de direito protetivo, mas que deveríamos “fazer nossas coisas” no escuro de nossos quartos, longe de seus olhos, isso é, nitidamente, opressão da pior espécie, além de falta de uma espiritualidade que contradiz o que pregam.

Nunca tivemos embates religiosos violentos no Brasil. Nunca tivemos levantes sociais sérios por aqui. Nunca entramos em guerra com outro país desde a formação da República. Vamos, agora, criar a semente de um embate entre religiosos fundamentalistas e movimentos sociais porque o Estado Laico está sob ameaça devido a interferências impensadas em qualquer país sério? Nenhum cidadão consciente e de bem deseja isso!

Senhoras e Senhores Senadores,

O tempo presente nos incita à ação coletiva em defesa das liberdades.

Neste ano de 2013, em que a Igreja Católica escolheu seu novo Papa, que terá por desafio a bem-vinda renovação valorativa do cristianismo no mundo, vale relembrar que a octogenária Rainha Elizabeth Segundo, da Inglaterra, assinou nova Declaração de Direitos Humanos contrária à discriminação de homossexuais, apoiada por 54 Estados.

Comentário: Pois bem, se a octogenária Rainha da Inglaterra, a quem poderíamos facilmente julgar a fina flor do conservadorismo europeu, reconheceu os direitos dos homossexuais, como podemos nós, que pertencemos ao Novo Mundo, promessa de renovação do planeta, demorar tanto tempo para aprovar mecanismos legais de defesa dos oprimidos? Estamos muito atrasados e não há mais tempo a perder!

O Brasil generoso, aberto, democrático, conciliador e plural haverá de reforçar, em todo o mundo, os melhores exemplos de tolerância e de hospitalidade, primando pelas garantias inerentes à liberdade humana, uma vez que, nas palavras do sociólogo português Boaventura Souza Santos, (abro aspas) “temos o direito de ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (fecho aspas).

As minorias no Brasil sempre reiteram que, dadas as condições humanas, “ser diferente é normal”, e o que pretendemos, no Senado da República, é fomentar e garantir o direito inalienável de que cada concidadão nosso busque, de maneira lícita e que mais lhe aprouver, a própria felicidade, que orienta a trajetória pessoal de cada indivíduo no mundo.

Era o que tinha a dizer,
Sala das Sessões, 22 de março de 2013.

Senador Paulo Paim.

Comentário: A nossa busca por Felicidade, no momento, passa pela garantia de nossa própria integridade física, não contemplada plenamente na lei brasileira, do ponto de vista jurídico. Mais do que “diferentes” nós, LGBT, somos “diversos” e, em nossa diversidade, devemos ser reconhecidos como naturalmente existentes e não um produto artificial de qualquer ordenamento comportamental consciente ou mutável por (auto)flagelação. Não podemos ser curados porque não somos doentes; não podemos ser mudados porque não escolhemos ser como somos; não podemos ser escondidos porque estamos sob o mesmo sol e pisando no mesmo solo da Pátria, Mãe Gentil! Lutaremos até o fim pelos nossos direitos inalienáveis já reconhecidos internacionalmente, não esmoreceremos nunca, e seremos, sim, um grupo de pressão cada vez mais forte, pois a fraqueza nos tem matado em maior número a cada dia sob os olhares “neutros” e “indiferentes” daqueles que deveriam nos defender pelo simples fato de sermos seres humanos...

À guisa de conclusão

De tudo o que analisamos acerca do discurso do relator Paim vislumbramos uma conclusão óbvia e inspiradora: a aprovação do PLC 122 não será o fim, mas apenas o começo de um processo de valorização da dignidade e da identidade LGBT no Brasil, além de um exemplo e recado para o resto do mundo: nós existimos e temos os mesmos direitos de todos!

A impressão que o Senador Paim nos causou foi muito positiva, de modo que realmente temos esperança de que ele está e continuará do lado dos oprimidos – como já o demonstrou em seu histórico impecável. Ainda que pese sua neutralidade como relator, para poder promover um debate plural, podemos considerá-lo nosso aliado e alguém mais que interessado e comprometido com o bem comum, a segurança, a integridade e a dignidade de todos nós, os LGBT.

A parte que compete a ele é ser o relator. A nossa parte é contribuir com o debate de modo intenso e participativo, para que a redação final contemple nossas necessidades. Como sugere o título deste artigo, o PLC 122 que queremos pode ser o “ótimo”, mas assim, certamente não será aceito por muitas forças contrárias. O PLC 122 “bom”, que contemple o enquadramento legal do ódio, violência e intolerância aos LGBT, certamente será aprovado pois, em caso contrário, será o fim da democracia livre chamada BRASIL! Contudo, como o texto final do Projeto ainda não foi produzido, no momento não podemos dizer, de fato, qual seria o texto “ótimo” e qual seria o texto “bom”. Cabe-nos fazer a lição de casa, posicionando-nos e contribuindo para a construção deste texto. Mãos à obra!


segunda-feira, 9 de abril de 2012

[Notícia] Chile aprova lei anti-homofobia. E o Brasil?

Por Marcelo Cia (diretamente de MIXBRASIL - http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/cia/2012/04/05/chile-aprova-lei-anti-homofobia-e-o-brasil.html)


Bastou UM assassinato de homossexual para os deputados chilenos aprovarem lei que criminaliza a homofobia no país. No Brasil são mais de 200 por ano, e nada acontece. Por que? Vamos aos fatos.

Vizinhos

A Câmara dos Deputados do Chile aprovou nesta quarta-feira, dia 4 de abril, a maioria dos artigos de uma lei que pune a discriminação por orientação sexual ou religiosa. O texto é tipo o do PLC 122, que tramita no Brasil há quase uma década. A aprovação da lei pelos deputados chilenos foi uma resposta à morte, na semana passada, de um jovem homossexual atacado por neonazistas. Daniel Zamudio, de 24 anos, era o nome do moço. Ele morreu depois de agonizar por três semanas no hospital. O crime abalou o país todo, não só a comunidade gay.

O texto aprovado diz que "se entende por discriminação arbitrária toda distinção, exclusão ou restrição sem justificativa razoável efetuada por agentes do Estado ou particulares que cause privação, perturbação ou ameaça ao exercício legítimo dos direitos fundamentais" por "motivos de raça ou etnia, nacionalidade, situação socioeconômica, idioma, ideologia ou orientação política, religião ou credo, participação em organizações gremiais, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, estado civil, idade, filiação, aparência pessoal e doença ou incapacidade".

E aqui?

Você lembra do moço assassinado durante a Parada gay de 2009 por neonazistas? Lembra do Edson Neris, também assassinado em São Paulo no ano de 2000 por neonazistas? Enquanto agressões como essas acontecem na Paulista e no Rio de Janeiro, tantos outros crimes subnotificados acontecem pelo Brasil e nenhum deles conseguiu sensibilizar os deputados nem a opinião pública a respeito dessa violência toda. O Brasil é, tradicionalmente, um país que pouco protesta. É um povo resignado. E isso inclui a população gay. Fazemos pouco, protestamos pouco. Adoramos uma festa mas detestamos política. Não conseguimos eleger políticos, ficamos calados quando vemos uma discriminação. O "antes ele do que eu" impera. Somos todos um pouco calados. Somos todos um pouco culpados. Até quando?


Nota de Espiritualidade Inclusiva


Para entender quem foi Daniel Zamudio e como foi brutalmente agredido, morrendo em consequência dos ferimentos, leia nossa postagem:

http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/03/noticia-luto-morreu-daniel-zamudio-o.html
Ao aprovar a lei anti-discriminação, o Chile deu um exemplo que o Brasil deveria dar há muito tempo. Contudo, aqui esbarramos em obstáculos muito mais sérios que os do Chile. E, não estamos falando da patrulha fundamentalista católico-protestante, não! Esta, existe em todo o mundo Ocidental! Estamos falando do grau de corrupção política, da filosofia do "toma-lá-dá-cá", da barganha, do desvio, do leilão de votos e de apoios para aprovações legislativas, atitudes estas, sim, as verdadeiras responsáveis pelo atraso e indas e vindas na aprovação do PLC 122. Não fosse a ganância de nossos políticos pelos desvios de milhões, muitos deles inclusive realizados por políticos da chamada bancada evangélica, cuja maioria enfrenta processos por corrupção, os direitos humanos da comunidade LGBT brasileira já estariam garantidos e não seriam objeto de uma discussão diabólica incitada por dementes como Silas Malafaia, Magno Malta e o bobo da côrte, Jair Bolsonaro!

Quantos "Zamudios" brasileiros teremos que ter para que algo semelhante ao que se fez no Chile em tempo recorde venha a ser aprovado por aqui? E, como diz Luiz Mott (e não nos cansamos de repetir), o homocausto continua, sem qualquer barreira ou atitude do Estado. A quem podemos recorrer, então? A Deus não mais podemos, porque os que se autodeclaram seus portavozes dizem que não nos é franqueado reclamar-Lhe direitos que são impedidos por versículos bíblicos... Só nos resta reclamar em instâncias internacionais, o que será uma vergonha para o Brasil, que será visto como uma Uganda latina, em escala menor (ou não!)...

quinta-feira, 8 de março de 2012

[Evento] Trocando ideias com o Movimento LGBT

Por Espiritualidade Inclusiva

(Luiza Nagib Eluf, Procuradora de Justiça)

Nota do editor do blogue, Paulo Stekel - A pedido de nossa amiga Rita Moreira (escritora, redatora e videomaker – confira em http://ritascmoreira.blogspot.com), divulgamos aqui o seguinte evento em São Paulo, que julgamos da máxima importância para toda a Comunidade LGBT:

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A Procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf (foto) quer trocar ideias com lideranças e militantes do movimento LGBT.

Local: Teatro Oficina, Rua Jaceguai, nº 520, Bela Vista, próximo ao metrô Liberdade, em São Paulo (SP).

Dia e horário: Domingo, 18 de março, 17h


Luiza Nagib Eluf, que você talvez conheça dos artigos que publica há anos nos jornais O Estado de SP e Folha de SP, é Procuradora de Justiça no Ministério Público de São Paulo e atualmente integra a Comissão de Reforma do Código Penal onde defende, entre outros temas (como a legalização do aborto), a criação de lei específica contra os crimes de homofobia.

Luiza Nagib Eluf defende nossa causa!


Venha conhecê-la pessoalmente e trazer seus pontos de vista.


SUA PARTICIPAÇÃO SERÁ DA MAIOR IMPORTÂNCIA!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Os Gays e a Bíblia

Por Frei Betto (artigo postado originalmente em http://www.freibetto.org/index.php/artigos/85-os-gays-e-a-biblia)

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homo-afetivos.

No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”...).

Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).

No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homo-afetivos.

Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.

São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.

A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?

Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subentendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.

Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homo-afetivos de direitos civis e religiosos?

Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.


Sobre o autor
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Gays: cidadãos de segunda classe num Estado laico?

Por Paulo Stekel (artigo postado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2010/10/24/gays-cidadaos-de-segunda-classe-num-estado-laico/)

Vivemos num Estado laico? Então, por que a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), em seu Preâmbulo diz “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, (…) e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, (…) promulgamos, SOB A PROTEÇÃO DE DEUS, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”?

Ora, se o Estado é laico, significa que não há uma “religião do Estado”. Então, qual o motivo de se invocar a proteção de Deus? Por que não invocar também a proteção de Buda, de Alá, de Krishna ou Oxalá?
O Estado laico ou secular tem como uma de suas principais características a separação entre Igreja e Estado, mantendo-se este último completamente neutro no que tange a temas religiosos de qualquer religião, é bom frisar. Mesmo assim, o Estado laico tende a promover, através de leis e programas, a convivência pacífica entre os credos, fomentando atividades em prol da tolerância e combatendo a discriminação religiosa. Mas deve, também, sob pena de comprometer sua laicidade, combater ações de grupos religiosos que venham a interferir na vida de todos cidadãos por conta de suas crenças. Não é o que temos visto neste período de eleições no Brasil, especialmente no segundo turno das eleições presidenciais.
Grupos religiosos fundamentalistas, vulgarmente chamados de “evangélicos”, há muito tentam interferir nas decisões políticas e na aprovação de leis em nosso país sempre que estas estejam em desacordo com suas crenças. Não vamos nem entrar no mérito destas crenças, se estão alinhadas com os tempos ou se são ainda resquícios de um pensamento medieval e atrasado. Cada um crê no que quiser! O problema reside no fato de tais crenças serem defendidas a ferro e fogo e praticamente impostas de forma sutil a todos os cidadãos através de um “lobby fundamentalista” crescente. Assim, o debate de leis em favor da liberdade de decisão das mulheres quanto ao aborto e aquelas em favor dos direitos de minorias como o “povo de santo” (praticantes de religiões afrobrasileiras) e os homossexuais acabam virando mote para batalhas apocalípticas na mídia, regadas a sórdidos argumentos de “ameaça à família”, “permissão de práticas diabólicas”, “institucionalização da pedofilia” e “conversão à iniqüidade”, propagados principalmente por pastores pentecostais “podres de ricos” (não há como definir melhor!) – e não falo em riqueza espiritual – objetivando unir os evangélicos nesta “cruzada contra o Diabo”, bem como confundir os brasileiros de outras religiões.

O pior de tudo, misto de lástima, vergonha e constrangimento para todos os cidadãos brasileiros, é termos que assistir os argumentos patéticos dos dois candidatos a presidente no segundo turno: nenhum comprometimento real e explícito com a laicidade do estado, com os direitos dos homossexuais, com o combate à homofobia que vem especialmente de DENTRO das Igrejas fundamentalistas e, pelo contrário, termos que ver às claras todos os tipos de conchavos com pastores demagogos, visitas a eventos cristãos (incluindo católicos) com uma “devoção” de cortar o coração (eu prefiro chamar isso de “curtir com a cara de Deus”) saída sabe-se lá de onde… A vergonha é tanta e tão explícita que nem as ONGs LGBT, geralmente “cabresteadas” por suas ligações partidárias (quase) veladas (pois, só não as percebe quem não quer), tiveram como evitar de se pronunciar em cartas abertas, condenando o ataque aos direitos LGBT e ao laicismo do Estado.

Alguém que aceite o argumento de que a aprovação da união civil gay e a aprovação da lei contra a homofobia vá “acabar com a família” e colocar na cadeia qualquer um que pense diferente da comunidade gay é um sinal de ignorância ou de má fé. Pior, isso pode acabar mal e incitar ações violentas em algum grau nos momentos cruciais das aprovações de ambas as leis, por parte dos dois lados. Se argumentos como “fim da família” e “onda de prisões perpetradas por uma patrulha gay” (argumentos patéticos não têm limites neste Brasil) fossem verdadeiros, isso já teria ocorrido em todos os países que aprovaram a união civil gay e leis contra a homofobia. Todos sabemos que nada disso ocorreu na Suécia, na Holanda, nem em nenhum outro. A Argentina, décadas à frente do Brasil nestas questões, também não corre esse risco.
É interessante ambos os candidatos fecharem “convênios” com líderes religiosos homofóbicos, quando o artigo 19 da Constituição diz: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou MANTER COM ELES OU SEUS REPRESENTANTES RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA OU ALIANÇA, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse PÚBLICO.” Interesse público, não eleitoreiro!!! Este artigo constitucional é o que define nosso Estado como laico.

A grande verdade é que os fundamentalistas religiosos em todo o mundo, sejam no Brasil, EUA ou nas repúblicas islâmicas, cada um com um grau maior ou menor de violência, consideram os gays como cidadãos de segunda classe, aberrações da natureza (Deus não os teria criado?) e não merecedores de quaisquer direitos de expressão. Para eles, os gays não podem se reunir, se organizar, se casar entre si, ter direito a herança, adotar crianças, emprego digno em casas e empresas de cristãos e sequer reclamar quando são xingados por quem não lhes aceite como nasceram. Os mais radicais querem eliminar os gays “à moda Hitler” (aliás, muitos gays morreram nos campos de concentração e foram hostilizados por nazistas e judeus!), enquanto os que se consideram mais “amorosos” querem “curar” os gays de algo que não é uma doença. Ou seja, querem uma lavagem cerebral para manter as aparências. Esse é o pensamento (já não mais velado) de Malafaia, Macedo, Dadeus Grings e muitos outros fundamentalistas por aí. Estamos nos aproximando de um conflito fora de época com as forças fundamentalistas e homofóbicas neste país? Será um “stonewall” atrasado? Esperamos que não se chegue a tanto, mas uma coisa podemos “profetizar”: a comunidade gay brasileira conquistou muito mais visibilidade e vários direitos civis nestes últimos vinte anos para assistir calada a uma eventual política de retrocesso propagada por religiosos medievos aliados a políticos inescrupulosos e sem apreço pela vida humana. Contra uma “bancada evangélica” temos já uma nascente “bancada gay”, que foi muito reforçada nestas recentes eleições pela aprovação no pleito de vários candidatos homossexuais e muitos outros que podemos chamar de “simpatizantes”, geralmente deputados ligados aos direitos humanos.

Os últimos cidadãos considerados de segunda classe que tivemos no Brasil foram os escravos negros, que conseguiram o reconhecimento legal de sua igualdade em 1888, cem anos antes de nossa atual Constituição. Antes disso, a Igreja apoiava o escravagismo e os Jesuítas se calavam sobre o assunto para não abalar o delicado status político do Século XIX. Afinal, o própria Bíblia cita os escravos e em nenhum momento condena o escravagismo. Por que os pastores não revelam isso a seus fiéis? Se, hoje não existem mais escravos não será porque a consciência da humanidade se transformou? Os religiosos não se adaptaram a isso também? Por que com os gays isso será diferente quando o preconceito acabar? Contudo, reflita-se, com o fim da escravidão acabou o preconceito contra os negros?…

Não somos cidadãos de segunda classe e não precisamos de uma Isabel para nossa alforria porque os tempos são outros. Podemos nos organizar e exigir que a lei seja igual para todos. Podemos exigir respeito e segurança. Podemos exigir tratamento digno e humano. Podemos, devemos e vamos exigir todos os direitos facultados aos seres humanos, cidadãos e contribuintes de uma nação livre, laica e soberana. Guardem estas palavras todos aqueles que estão acostumados a demonizar os gays para esconder a sua própria hipocrisia religiosa que não tem escrúpulos na hora de colocar na boca de Deus todos os impropérios contra a vida humana e a liberdade. Guardem estas palavras também aqueles acostumados a usar os gays como massa de manobra eleitoral, prometendo muito mais do que realmente estão dispostos a fazer por uma comunidade que, ainda que minoria, é sabidamente culta, politicamente decidida, com boa escolaridade, tem suas próprias opiniões e não se vende por ninharias ou “bolsas”, nem por sorrisos marqueteiros no horário eleitoral. Se isso é ser cidadão de segunda classe… não é à toa que países como Suécia e Holanda têm tão elevada qualidade de vida…