Mostrando postagens com marcador paulo stekel. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador paulo stekel. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de janeiro de 2014

Carta Aberta de afastamento do Movimento Free Tibet

Repostado cfe. original de: http://tibetelivrebrasil.blogspot.com.br/2014/01/cartaaberta-de-afastamento-do-movimento.html



Carta Aberta de afastamento do Movimento Free Tibet, no Brasil denominado “Tibete Livre – Brasil”, justificada a partir de um enfoque budista não-sectário

Paulo Stekel


Desde 1995, quando me converti ao Budismo, através do Budismo Vajraiana, já me considerava simplesmente um budista, independente de sectarismos. Ainda que tenha predileção pelo Mahaiana, estudo o teravada, o vajraiana e as novas escolas que estão se formando no Ocidente. Sou um budista, não um sectário. Inspirando-me no último ensinamento de Buda, suas palavras me servem de inspiração na busca do tornar-me mestre de mim mesmo. Também inspiro-me no movimento do Budismo Socialmente Engajado proposto pelo mestre Thich Nhat Hanh. Não sou um proselitista – o Budismo não é proselitista – , e busco conciliar minha busca espiritual budista com outras convicções, como a importância do Laicismo (para permitir a liberdade e a diversidade religiosa), dos Direitos Humanos, dos Direitos LGBT, da autonomia dos povos e da preservação ambiental. Nada disso contradiz o Budismo, até onde o estudei, e na opinião de muitos Mestres do Dharma.
Em 2008, após conversas com Gabriel Hartnell, da organização britânica Free Tibet Campaign (Londres), iniciei um movimento de apoio ao Tibete, que no Brasil se chamou “Tibete Livre – Brasil”. Alguns interessados na questão tibetana se associaram à ideia, mas o movimento no Brasil nunca obteve apoio realmente consistente, especialmente por parte de praticantes do Vajraiana, como também é conhecida a corrente tibetana do Budismo Mahayana. O motivo desta baixa adesão sempre me intrigou.

Em setembro de 2008 foi criado o blogue do movimento, que ainda está no ar, mas sem qualquer atualização desde 2011: http://tibetelivrebrasil.blogspot.com.br. Várias pessoas se tornaram colaboradoras dele, mas logo desistiram de continuar, evidenciando que algo a mais havia.

Na seção “Nossa Missão”, postada no blogue, estava escrito: “O Movimento Tibete Livre – Brasil luta pelo direito do povo tibetano de determinar seu próprio futuro. Nosso objetivo é clamar pelo fim da opressão chinesa no Tibete ocupado e pela garantia de respeito aos direitos humanos fundamentais dos tibetanos.”

Um dos responsáveis indiretos pelo desenvolvimento da postura que agora adoto em relação ao Movimento Free Tibet dentro de uma perspectiva budista não-sectária, é o Monge Joaquim Monteiro (Shaku Shoshin), do Budismo Shin, que ao conceder-me uma entrevista, em 2008, sabiamente abriu espaço para várias reflexões:

(…) Parece-me realmente que está em curso a formação de um Budismo especificamente ocidental. Como o Budismo se faz presente em muitas sociedades ocidentais de um caráter completamente diverso e praticamente todas as tradições budistas estão presentes no Ocidente acho difícil prever o rumo que esse “Budismo ocidental” em formação irá assumir. É mais fácil responder a respeito da formação de um “Budismo brasileiro”, pois não só participei diretamente de alguns períodos de sua formação como também estou engajado em suas atuais questões.

(…) Acredito que o desenvolvimento do “Budismo brasileiro” na sociedade do pós-guerra pode ser dividido grosseiramente em três períodos. O primeiro está centrado nas décadas de 60 e 70. Trata-se de um Budismo fortemente marcado pela mentalidade da contracultura e por uma perspectiva essencialmente individualista. (…)

O segundo se deu a partir dos meados da década de 90 através da introdução das diversas linhagens do Budismo tibetano em nosso país. Nesse período o Budismo começou a ter uma visibilidade social bem maior e sua influência se expandiu bastante para além das comunidades étnicas de origem oriental.

Acredito que o terceiro período, que agora vivenciamos, se constitua em uma avaliação crítica dos avanços e dos obstáculos presentes nos dois períodos anteriores. Com a expansão das comunidades budistas brasileiras e com sua crescente presença na sociedade não será possível evitar a questão da relação dessas comunidades com a sociedade brasileira. Acredito assim, que o essencial no momento é fortalecer a educação e o estudo sistemático do Budismo. Acredito também que só existirá um “Budismo brasileiro” no momento em que os budistas começarem a pensar a sociedade brasileira a partir das premissas da tradição budista.”

Durante o levante tibetano de março de 2008, o Monge Joaquim Monteiro foi um dos poucos praticantes budistas do Brasil a falar e escrever abertamente sobre a questão, condenando a repressão patrocinada pelo regime chinês. Mas, algo parece ter impedido que outros líderes budistas se manifestassem com a mesma veemência, e ele respondeu a isso em sua entrevista:

As posturas que assumi durante o levante tibetano foram derivadas em parte do estudo e da reflexão que venho desenvolvendo há mais de duas décadas sobre a questão tibetana e em parte de um sentimento de urgência que me fez perceber que estava enfrentando um momento de importância decisiva. Senti que era chegado o momento de passar à ação. No que diz respeito às lideranças budistas a que você se refere não posso dizer nada de conclusivo a respeito dos eventuais obstáculos que as impediram de agir. Com umas poucas exceções os líderes budistas brasileiros responderam à atual situação através de um silêncio para mim incompreensível. Não quero e não posso dar uma resposta conclusiva a respeito da postura dessas lideranças a que se refere, mas acredito que seu silêncio talvez seja uma expressão da mentalidade individualista que tem bloqueado tanto o estudo sistemático do Budismo em sua relação com a sociedade contemporânea quanto a formação de uma visão comunitária conducente à práxis social.”

Quando inquirido sobre a omissão (à época do levante) de boa parte dos líderes budistas, em especial a comunidade brasileira do Budismo Tibetano, constituindo-se isso num contrassenso, o Monge Joaquim respondeu:

Levantando uma hipótese a ser confirmada, essa postura dos budistas de tradição tibetana pode ser uma falha circunstancial da introdução dessa tradição ou pode ser a expressão de que o processo de introdução do Budismo tibetano no Brasil possui aspectos mais problemáticos do que geralmente se pensa. Tive até hoje muito pouco contato com os budistas de tradição tibetana no Brasil, mas percebi através desses contatos alguns pontos extremamente positivos e alguns aspectos possivelmente problemáticos. O que sinto como a contribuição mais consistente do Budismo tibetano em nosso meio é que ele conseguiu formar uma minoria de estudiosos sérios do pensamento budista em um nível jamais divisado em nosso país. No entanto, sinto que o senso comunitário centrado nas linhagens talvez tenha sérias dificuldades na passagem para a práxis social concreta. Todas essas são questões que gostaria de compartilhar em um eventual diálogo com os líderes das tradições tibetanas no Brasil.”

Este “senso comunitário centrado nas linhagens” se fez demonstrar em nossas atividades quando nos demos conta de que os membros das sangas tibetanas no Brasil eram orientados a não se envolver, nem a apoiar diretamente as ações do Free Tibet em nosso país. Após esta entrevista, e mais alguns fatos, perdemos apoios de vários ativistas pró-tibete sem um motivo aparente. Pareciam ter sido realmente orientados a se afastar...

Depois de muito insistir, consegui do Chagdud Gonpa Brasil uma resposta por e-mail sobre o motivo do pouco engajamento da sanga Niyngmapa na causa tibetana que parece comprovar o que digo. A resposta foi enviada pela secretária da Lama Chagdud Khadro e a torno pública pela primeira vez aqui:

(...) sobre a questão Tibetana. Abaixo vai o que a Khadro respondeu há pouco para alguém sobre esta questão (…).

Although your compassionate concern for the Tibetan people is deeply appreciated, we follow the tradition established in the time of the late Chagdud Rinpoche to help with private contributions to monasteries in Tibet and to limit our public expressions to prayers and ceremonies. [Embora sua preocupação compassiva pelo povo tibetano seja muito apreciada, seguimos a tradição estabelecida na época do falecido Chagdud Rinpoche de ajudar com contribuições privadas os mosteiros no Tibete e limitar nossas expressões públicas a orações e cerimônias.]

A última atualização do blogue do Movimento Tibete Livre – Brasil é de março de 2011. Nesta época, já fazia várias reflexões sobre a questão tibetana, o Dalai Lama e o Budismo Tibetano. Anunciei a alguns apoiadores que deixaria o movimento Free Tibet e que revelaria logo meus motivos, mas nestes quase três anos refleti um pouco mais e, para minha surpresa, descobri mais motivos para um afastamento definitivo. Por isso, escrevo agora esta carta pública de afastamento. E, a faço analisando os fatos sob uma perspectiva budista não-sectária.

A baixa resposta dos praticantes do Budismo Tibetano (e de budistas de outras linhagens) ao Movimento Free Tibet no Brasil me chamou a atenção. Isso começou a revelar os detalhes da política tibetana no exílio. A resposta do Chagdud Gonpa alertou-me para uma questão: os meandros da política tibetana antes e pós-Tibete anexado.

A gota d'água foi quando o secretário do Dalai Lama disse para um de nossos apoiadores em evento internacional que o ativismo do Dalai Lama em prol do Tibete era a “via pacífica” e que o Free Tibet era a outra via, insinuando que não seria pacífica. Por isso, não apoiavam com tanta ênfase o movimento e ainda pediam que as comunidades vajraianas não se engajassem oficialmente no mesmo. Para mim, isso soou como muita hipocrisia, uma vez que, no website oficial do Governo Tibetano no Exílio, entre as organizações que apoiam a liberdade para o Tibete ali listadas, constava o site da ONG Free Tibet Campaign. Ainda hoje, no novo site do Governo Tibetano (http://tibet.net), é possível achar várias referências positivas às ações da ONG inglesa Free Tibet Campaign (conferir em: http://tibet.net/?s=%22free+tibet+campaign%22&x=0&y=0). Como pode alguém dizer que não éramos a via pacífica e ainda assim incluir o site do movimento entre os links relacionados?

Quando, a partir de 1988, o Dalai Lama reconheceu a Bönpa como a quinta linhagem tibetana de ensinamentos vajraiana, isso evidenciou um preconceito existente anteriormente por parte dos mosteiros e do próprio governo tibetano. Essa linhagem não havia sido reconhecida no Tibete livre por questões político-religiosas. Mas, agora que a situação é outra, o reconhecimento dos Bönpos se tornou interessante para o Governo Tibetano no Exílio, pois os traz para a luta em prol do Tibete.

Poderíamos dizer que, ao fomentar uma visão não-sectária com relação às cinco linhagens tibetanas, o Dalai Lama se mostrava totalmente favorável à diversidade religiosa (budista ou não) e mesmo ao diálogo interreligioso. Mas, e a polêmica questão da prática do Protetor Dorje Shugden?

Dorje Shugden é uma deidade do vajraiana, especialmente da escola Gelugpa, onde é visto como um Protetor do Darma e a encarnação do Lama Dragpa Gyaltsen do Mosteiro de Drepung, um contemporâneo do 5º Dalai Lama (1617–1682). Shugden é um Protetor do Darma das tradições Sakya e Gelugpa, venerado por mais de trezentos anos. A controvérsia de Shugden surgiu no fim da década de 1970, quando o atual Dalai Lama começou a se pronunciar contra a prática, e foi intensificada deste 1996, quando ele publicou uma “proibição explícita”, reprimindo a prática dentro da comunidade de exilados tibetanos e considerando Shugden como um não-iluminado e um ser das trevas, um “espírito das forças negras”.

A proibição desta prática com veemência por parte do Dalai Lama (embora tenha sido apresentada como “conselho” - ver: http://tibet.net/2008/06/05/his-holiness-the-dalai-lamas-advice-concerning-dolgyal/) e a posterior discriminação e violência dos tibetanos no exílio para com seus praticantes, lamas, leigos e até crianças, é algo inadmissível num mundo democrático, laico e que busca a paz, quanto mais para budistas que possuem a não-violência como uma de suas práticas basilares. O próprio governo tibetano no exílio se posicionou oficialmente, favorecendo a opinião do Dalai Lama: http://tibet.net/2007/07/10/statement-by-the-cta-on-shugdendholgyal-followers-from-tibet/.

O Lama Geshe Rabten, se pronunciou a respeito: “O Dalai Lama permanece o líder temporal dos tibetanos no exílio, mas, não é mais o líder espiritual indiscutível.” Outros alegam que tal “discriminação de deidade” é ilegal de acordo com a Constituição do Tibete, a Constituição da Índia e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A origem da prática de Dorje Shugden está envolvida em uma disputa política no período do 5º Dalai Lama. Portanto, não há motivos religiosos para a prática ser proibida, mas tão somente motivos políticos, controvérsias de poder – algo temporal e impermanente, ao qual não se deve dar tanta ênfase. Parece que o Dalai Lama e seu staff não admitem qualquer contrariedade e isso não é nada democrático. Ele só abdicou recentemente de suas tarefas como líder da nação tibetana por sentir a pressão da juventude nascida no exílio, uma juventude que vê as coisas sob outro viés, mais moderno e abrangente. Mas, sua proibição da prática de Shugden continua de pé.

Na verdade, a despeito da controvérsia sobre o Tibete ser totalmente independente da China antes da invasão ou não, o fato é que sua anexação foi facilitada por seu governo ser muito frágil e não ter promovido em centenas de anos nenhuma melhoria social considerável para a imensa maioria miserável da população. Esta falha foi muito bem aproveitada pela China comunista na hora de justificar sua invasão. Contudo, isso não justifica a violação dos direitos humanos e a morte de quase um terço da população tibetana. E, o que o Dalai Lama e seu staff conseguiram até hoje fazer pelos tibetanos oprimidos? Quase nada, a não ser um exílio que transfere o governo inerte de antes para o norte da Índia. Agora, o Dalai Lama diz ter abandonado a ideia de independência em prol de uma autonomia do Tibete. Acho que ele deveria ir mais longe. O que me proponho a apoiar é um Tibete independente ou autônomo, mas que seja totalmente laico e governado pelo próprio povo tibetano, não pelos lamas nem pelos chineses. Assim, o Budismo no Tibete voltaria a ter o status original: o de prática religiosa sem ligação direta com a política, onde cada linhagem teria a plena liberdade para se desenvolver e se expandir.

Atualmente, a própria comunidade tibetana pelo mundo se anda dividida por causa de decisões arbitrárias como: a decisão unilateral do Dalai Lama de desistir do objetivo de independência do Tibete, sem consulta ao governo ou ao povo tibetano, o maior interessado; sua incapacidade de cumprir o compromisso declarado de democratizar o governo tibetano; sua aquiescência à censura da imprensa e à repressão da liberdade de expressão; a supressão impiedosa da liberdade de religião através da proibição da prática de Shugden unicamente por razões políticas.

Contudo, o que mais deve estranhar a qualquer um que defenda o Estado Laico no tocante à questão tibetana é que a própria natureza e função do Dalai Lama no governo tibetano o transforma num sistema teocrático feudal - com sua mistura endêmica de religião e política, a sua tradução de idéias religiosas nas políticas de governo, a sua profunda confusão sobre os papéis de líder religioso e
chefe de Estado, e sua visão retrógrada da posição do Dalai Lama como o “Deus-Rei” ou “Buda Vivo” do Tibete.

Se o Governo Tibetano no Exílio se considera um governo democrático e laico, então a proibição da prática de Shugden além dos muros dos mosteiros gelugpas é uma afronta à liberdade religiosa. A proibição da prática não pode extrapolar o ambiente religioso dos mosteiros e aparecer no website oficial do Governo Tibetano, pois isso significa que o Governo apoia a proibição, sepultando qualquer imparcialidade laica. Não há um peso e duas medidas. Se o Governo Tibetano no Exílio não se considera um governo laico, então, também não é democrático e não podemos apoiá-lo de modo algum. A constituição tibetana no exílio foi retirada do atual site oficial do governo tibetano, mas pode ser acessada aqui: http://www.servat.unibe.ch/icl/t100000_.html. Ali, fica claro que a constituição tibetana prevê liberdade religiosa e diz estar de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com as disposições da ONU. Além disso, considera que o futuro Tibete livre seria uma República Democrática Federal.

Agora que o Dalai Lama abdicou de suas funções como líder político e ficou apenas com as funções religiosas, a constituição tibetana sofreu alterações, mas tais alterações a deixam ainda menos laica (ver: http://www.thetibetpost.com/en/news/international/1728-new-changes-to-the-constitution-of-tibet-after-his-holiness-decision-). O caminho a ser seguido deveria ser outro, o do completo laicismo.

Para onde foi todo o dinheiro do “Free Tibet” europeu? Por décadas, grupos de apoio e organizações em todo o Ocidente foram angariando fundos para o Movimento “Free Tibet”. A partir de doações de governos para a promoção de bottoms, adesivos, bolsas e bonés; através da organização de concertos, jantares e exposições; e através de qualquer outro dispositivo de angariação de fundos que se possa imaginar, essas organizações continuam a levantar grande quantidade de dinheiro para o que a maioria dos benfeitores ocidentais acredita ser o objetivo: um Tibete livre, independente. Mas, não é mais isso que o Dalai Lama busca...

Além disso, é esperado de todos os tibetanos, onde quer que vivam, que paguem uma “taxa de independência” para o governo tibetano no exílio. O registro desses pagamentos é mantido no “Livro Verde” (Green Book) que cada tibetano carrega consigo. Este livro, uma espécie de passaporte-adesão ao governo no exílio, é essencial para os tibetanos na Índia que queiram uma autorização para viagens ao exterior, e os que não pagam perdem benefícios e serviços, e muitas vezes são condenados ao ostracismo, arriscando a perseguição e o exílio de sua própria comunidade. O governo tibetano também recebe grandes doações de outras fontes, incluindo governos nacionais, particulares de muitos países, instituições filantrópicas, empresas e muitos outros tipos de organizações.

Os recursos arrecadados a partir da “taxa de independência” e de todas estas outras atividades de angariação de fundos não são utilizados para o apoio ou alívio da comunidade tibetana. A maioria dos fundos para o alívio de refugiados, para o órfão, a educação, os cuidados médicos e os hospitais, são obtidos diretamente do governo indiano, a partir das principais agências humanitárias em todo o mundo, os governos ocidentais e fundos de caridade privados. Então, para que serve esta taxa? O texto oficial no website do Governo Tibetano no Exílio diz: “O pagamento da contribuição voluntária é uma condição para ganhar o direito de voto nas eleições parlamentares.” Se é voluntário, como pode ser condição para algo? E, o conceito budista de doação, que tem sua máxima expressão em Dana Paramita, a Perfeição da Generosidade?

Então, pergunto: Como pode o Dalai Lama defender os direitos humanos e a liberdade religiosa, enquanto se envolve em violação sistemática dos mesmos no tocante à prática de Dorje Shugden?

Como pode ele defender governos, valores e princípios democráticos, ao operar no exílio o mesmo tipo de teocracia autocrática do antigo Tibete?

Como pode continuar cobrando a “taxa de independência” e recebendo doações via “Free Tibet”, já tendo abandonado unilateralmente a idéia de independência do Tibete há anos?

Outra atitude do Dalai Lama que me desagradou enormemente tem relação com suas declarações a respeito da homossexualidade. Como gay (e budista) convicto, não posso concordar com elas.

No artigo “O Buda Gay”, que escrevi em 2012 (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/08/o-buda-gay-um-estudo-amplo-sobre-visao.html) apresentei as declarações contraditórias do Dalai Lama:

Numa entrevista de 1994, ele afirmou: "Se alguém vem a mim e pergunta se a homossexualidade é boa ou não, vou perguntar: 'Qual é a opinião do seu companheiro?' Se ambos concordam, então eu acho que eu diria 'se dois machos ou duas fêmeas concordam voluntariamente em ter satisfação mútua sem implicação de prejudicar outros, então é bom'." No entanto, em seu livro de 1996, Além do Dogma, ele afirma: "Um ato sexual é considerado adequado quando os casais usam os órgãos destinados à relação sexual e nada mais... a homossexualidade, seja entre homens ou entre mulheres, não é imprópria em si mesma. O que é impróprio é o uso de órgãos já definidos como impróprios para o contato sexual."

O Dalai Lama declarou que antes, esteve incerto sobre se uma relação de mesmo sexo não-abusiva e de acordo mútuo seria aceitável dentro dos princípios gerais do Budismo. Ao ter dificuldades em imaginar os mecanismos de sexo homossexual, dizendo que a natureza tinha arranjado órgãos masculinos e femininos "de tal maneira que é muito apropriado... órgãos do mesmo sexo não podem funcionar bem", o Dalai Lama tem dito repetidamente aos grupos LGBT que ele não pode reescrever os textos. O mesmo dizem padres e pastores cristãos fundamentalistas sobre os textos bíblicos.

Em 1999, numa entrevista com Alice Thompson, ele declarou de modo enfático: "Eles querem que eu tolere a homossexualidade. Mas, eu sou um budista e, para um budista, um relacionamento entre dois homens é errado. Algumas condutas sexuais no casamento também são erradas.", falando sobre masturbação e sexo oral. Também disse que "Se uma pessoa não tem fé, é uma questão diferente"... "Se dois homens realmente se amam e não são religiosos, então, está OK para mim." Um discurso moderno de exclusão? Afinal, o que o Dalai Lama deixa claro é que, se os LGBTs querem ser como são, mas não forem religiosos budistas, tudo OK. O alento é que ele não representa a palavra de todos os budistas – mestres, monges e leigos – no mundo.

(…) Certa vez, o monge budista Theravada Ajahn Brahmavamso escreveu para o Jornal West Australian, respondendo a um artigo publicado ali, em que o Dalai Lama foi citado como tendo dito que a homossexualidade era imoral. Eis o que ele escreveu ao jornal:

"Caro senhor/senhora, o Dalai Lama estava fora de sintonia quando disse (de acordo com o seu artigo no West, 15 de abril, página 7) 'se você é um budista, a homossexualidade é errada. Ponto final.' O Dalai Lama não é o 'papa' do Budismo e, encantador como ele muitas vezes é, às vezes ele erra. (...)

A grande maioria dos budistas em todo o mundo moderno são inspirados a aprender que o Buda certamente não discriminou a homossexualidade. Os ensinamentos fundamentais do Budismo original mostram claramente que não é se a pessoa é heterossexual, homossexual ou celibatária que é boa ou ruim, mas é como uma pessoa usa a sua orientação sexual que contribui para bom ou mau karma.

Portanto, o fato é que o Buda, e, portanto, o Budismo, abraça gays e lésbicas e transexuais com equidade e respeito. Por muito tempo o fanatismo religioso tem causado sofrimento a grupos minoritários em nossa sociedade. Todas as religiões devem ser mais amorosas. Ponto final!" - Ajahn Brahm

Vários mestres do Budismo Tibetano têm se manifestado favoráveis à questão homossexual, o que é mais uma prova de que a declaração do Dalai Lama é apenas a sua opinião, não um decreto.

Concluindo, os motivos que me levaram a um afastamento do Movimento Free Tibet e, agora, a anunciar meu desligamento em caráter definitivo, iniciando um ativismo em prol dos direitos humanos do povo tibetano na esfera laica, são:

  • Sou um laicista e prefiro uma democracia laica para o Tibete, seja ele independente, região autônoma ou seja lá o que for. Não concordo com uma “teocracia budista”, se me permitem o termo, assim como não concordo com teocracias cristãs, islâmicas, judaicas, etc. Ainda neste item, sendo politicamente laico, discordo da proibição da prática de Dorje Shugden pelo Dalai Lama por motivos claramente políticos. Não sou praticante de Dorje Shugden, mas me solidarizo com seus adeptos, assim como me solidarizaria com os adeptos de qualquer culto pacífico que sofresse discriminação.
  • A afronta aos direitos humanos dos tibetanos pelo governo da China desde a anexação do Tibete é, realmente, muito grave, mas a postura não-laica do Dalai Lama e seu staff tem contribuído para piorar a situação, que fica parecendo uma querela de poder, quando na verdade, envolve a morte de milhares de pessoas miseráveis, desassistidas (por ambos os lados) e inocentes.
  • O preconceito homofóbico apresentado pelo Dalai Lama em suas declarações contraditórias. Contraditórias porque tentam colocar panos quentes na polêmica e acabam por causar mais confusão. Isso realça a discriminação e incita o preconceito, o que não é budista.

Dito isto, me desligo definitivamente do movimento global conhecido por “Free Tibet”, apoiador do Dalai Lama e de sua visão política que continua a fomentar uma “teocracia budista (?)”, e continuo defendendo os direitos humanos do povo tibetano de forma laica, sem viés religioso, mas com ênfase na preservação da vida humana, da cultura, da religião e da língua tibetanas. O blogue do “Tibete Livre – Brasil” será encerrado, mas não excluído. E, dito isto, continuo budista!

Sarva Mangalam! (Haja benefício para todos os seres!)

Canoas, 21 de Janeiro de 2014.

Paulo Stekel

(Escritor, jornalista, músico, ex-coordenador geral do Movimento Tibete Livre – Brasil, coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

….................................................................................

ENGLISH VERSION

Open Letter of renouncement to the "Free Tibet Movement", in Brazil called "Tibete Livre – Brasil"


Paulo Stekel


Since 1995, when I converted to Buddhism, via Vajrayana, I've considered myself a simply Buddhist, regardless of any sectarianism. Though I have a predilection for Mahayana, I study Theravada, Vajrayana and the new schools that are appearing in the West. I am a Buddhist, not a sectarian. With reference to the ultimate teaching of the Buddha, his words serve me as an inspiration in search for the goal to make me a master of myself. I also base myself on Socially Engaged Buddhism movement proposed by Master Thich Nhat Hanh.
I am not a proselytist - Buddhism is not proselytist - and I search to reconcile my Buddhist spiritual quest with other convictions, such as the importance of Laicism (to allow freedom and religious diversity), Human Rights, LGBT Rights, the autonomy of the peoples and environmental preservation. None of it contradicts Buddhism, far as I have studied, and also in the opinion of many Masters of Dharma.

In 2008, after talks with Gabriel Hartnell, from the British NGO “Free Tibet Campaign” (London), I started a movement in support of Tibet in Brazil called "Tibete Livre - Brasil". Certain stakeholders in the Tibet issue associated themselves with this idea, but the movement in Brazil never really got consistent support, especially from practitioners of Vajrayana, the Tibetan development of Mahayana Buddhism. The reason for this low support has always intrigued me.

In September 2008, the blog of the movement, which is still on, was created but is no update since 2011: http://tibetelivrebrasil.blogspot.com.br. Several people became his collaborators, but soon dropped out to continue, showing that there was something more.

In the "Our Mission" section posted on the blog, was written: "The Movement 'Tibete Livre - Brasil' fights for the right of the Tibetan people to determine their own future. Our goal is to call for an end of Chinese oppression in occupied Tibet and to ensure respect for the fundamental human rights of Tibetans."

One of the indirect individuals responsible for developing posture I now adopt regarding Free Tibet Movement within a non-sectarian Buddhist perspective, is the Brazilian Monk Joaquim Monteiro (Shaku Shoshin), from Shin Buddhism, which when has given me an interview in 2008 wisely opened up space for some reflection:

"(...) It seems to me that is actually under way the formation of a specifically Western Buddhism. As Buddhism is present in many western societies a completely different and almost all Buddhist traditions are present in the West character, I find it hard to predict the direction that "Western Buddhism" in formation will take. It is easier to answer regarding the formation of a "Brazilian Buddhism" because I not only participated directly in some periods of their formation as I am also engaged in their current issues.

(...) I believe that the development of the "Brazilian Buddhism" in postwar society can be divided roughly into three periods. The first is focused in the 60s and 70s. This is a Buddhism strongly influenced by the counterculture mentality and an essentially individualistic perspective. (...)

The second took place from the mid 90s through the introduction of various lineages of Tibetan Buddhism in our country. During this period Buddhism began to have a much greater social visibility and its influence was expanded well beyond the ethnic communities of Eastern origin (...)

I believe that the third period, which we experience now, it constitutes a critical review of the advances and obstacles present in the two previous periods. With the expansion of Brazilian Buddhist communities and their growing presence in society, you can not avoid the question of the relationship of these communities with Brazilian society. I believe therefore, that essential at the moment is to strengthen education and systematic study of Buddhism. I also believe that there will only be a 'Brazilian Buddhism' at the time the Buddhists start thinking Brazilian society from the premises of the Buddhist tradition."

During the Tibetan uprising of March 2008, the Monk Joaquim Monteiro was one of the few Buddhists in Brazil to speak and write openly about the issue, condemning the repression sponsored by the Chinese regime. But something seems to have prevented other Buddhist leaders to manifest with the same vehemence, and he answered to it during his interview:

"The positions I took during the Tibetan uprising were derived in part from study and reflection I have been developing for more than two decades on the Tibetan issue and partly in a sense of urgency that made me realize that I was experiencing a moment of decisive importance. I felt that the moment had come to take action. With regard to the Buddhist leaders you refer to, I can not say anything conclusive about the possible obstacles that prevented them from acting. With a few exceptions Brazilian Buddhist leaders responded to the current situation through a silence to me incomprehensible. I do not want and can not give a conclusive answer regarding the attitude of the leaders referred to, but I believe their silence is perhaps an expression of individualistic mentality that has blocked both the systematic study of Buddhism in its relation to contemporary society as formation of a community vision conducive to social praxis." 
When asked about the failure (at the time of the uprising) of most of the Buddhist leaders, in particular the Brazilian community of Tibetan Buddhism, something so nonsense, Monk Joaquim said:

"Raising a hypothesis to be confirmed, this posture of the Buddhists of Tibetan tradition can be a circumstantial failure of the introduction of this tradition or it may be expressing that the process of introduction of Tibetan Buddhism in Brazil is more problematic than is generally thought. I've had to date very little contact with the Buddhist Tibetan tradition in Brazil, but I realized through these contacts some extremely good points and some potentially problematic aspects. What I feel like the more consistent contribution of Tibetan Buddhism in our environment is that it was able to form a minority of serious scholars of Buddhist thought on a level never sighted in our country. However, I feel a sense of community centered on lineages may have serious difficulties in the transition to the concrete social praxis. All these are questions I would like to share in a possible dialogue with the leaders of the Tibetan traditions in Brazil."

This "sense of community centered on lineages" has turned out to be demonstrated in our activities when we realized that members of Tibetan sanghas in Brazil were instructed to not engage, or to directly not support the actions of the Free Tibet in our country. After this interview, and a few more facts, we lost the support of several pro-Tibet activists for no apparent reason. They seemed to have been really oriented to move away...

After insistent questioning, I received from Chagdud Gonpa Brazil a response by e-mail about why little engagement of Niyngmapa Sangha in the Tibetan cause that seems to prove what I say. The reply was sent to me by the secretary of Lama Chagdud Khadro and I'll show it publicly here, for the first time:

"(...) On the Tibet issue. Below is what Khadro just replied to someone about this issue (...).

Although your compassionate concern for the Tibetan people is deeply appreciated, we follow the tradition established in the time of the late Chagdud Rinpoche to help with private contributions to monasteries in Tibet and to limit our public expressions to prayers and ceremonies.”

The last update of Free Tibet Movement – Brazil's blog is of March 2011. At this time, I've made several reflections on the Tibetan issue, Dalai Lama and Tibetan Buddhism. Announced to some supporters that I would leave the Free Tibet Movement and soon I would reveal my reasons, but these almost three years I reflected a little more, and to my surprise I've found more reasons for final renouncement. So now I write this public letter of renouncement. And I do this by analyzing the facts in a non-sectarian Buddhist perspective.

The low response of practitioners of Tibetan Buddhism (and other Buddhist lineages) to the Free Tibet Movement in Brazil struck me. This began to reveal details of Tibetan politics in exile. The answer of Chagdud Gonpa prompted me to a question: the intricacies of Tibetan politics before and after Tibet annexed to China.

The final straw was when the Dalai Lama's secretary said to one of our supporters at an international event that Dalai Lama's activism in support of Tibet was the "peaceful path" and the Free Tibet was the other path, implying that it no would be peaceful. Therefore, they do not strongly support the movement and still demand that vajraiana communities officially not to engage themselves in it.

It sounded to me like a lot of hypocrisy, since, on the official website of the Tibetan Government in Exile, among the various organizations listed there that support freedom for Tibet, appeared the website of the NGO Free Tibet Campaign. Today within the new website of the Tibetan Government (http://tibet.net), you can find several positive references to the actions of the British NGO Free Tibet Campaign (check in: http://tibet.net/?s =% 22free+tibet+campaign%22&x=0&y=0). How can anyone may say we were not the peacefull path and still include the website of the movement in the related links?

When, after 1988, the Dalai Lama recognized the Bönpa as the fifth Tibetan Vajrayana lineage of teachings, it showed a bias existing previously in the monasteries and Tibetan government. This lineage had not been recognized in the original Tibet due to political and religious issues. But now that the situation is different, the recognition of Bonpos became interesting for the Tibetan Government in Exile, as it brings them to the struggle for Tibet.

We could say that, by encouraging a non-sectarian vision with regard to five Tibetan lineages, the Dalai Lama could be totally favorable to religious diversity (Buddhist or not) and even inter-religious dialogue. But what about the controversial issue of the practice of the Protector Dorje Shugden?

Dorje Shugden is a deity of Vajrayana, especially of the Gelugpa school, where he is seen as a Dharma Protector and the incarnation of Lama Dragpa Gyaltsen of Drepung Monastery, a contemporary of the 5th Dalai Lama (1617-1682). Shugden is a Dharma Protector of the Sakya and Gelugpa, venerated for over three hundred years. The Shugden controversy arose in the late 1970s, when the current Dalai Lama started to speak out against the practice, and this was intensified in 1996, when he published an "explicit ban", suppressing the practice within the Tibetan exile community and considering Shugden as a non-illuminated and a being of darkness, a "spirit of the dark forces."

The vehement prohibition of the practice by the Dalai Lama (although it was presented as "advice" - see: http://tibet.net/2008/06/05/his-holiness-the-dalai-lamas-advice-concerningdolgyal-/) - and subsequent discrimination and violence by Tibetans in exile to their practitioners, lamas, laypeople and even children, is something unacceptable in a democratic and secular world who seeks peace, let alone to Buddhists who have non-violence as one of its basic practices. The Tibetan government in exile officially positioned itself, favoring the opinion of the Dalai Lama: http://tibet.net/2007/07/10/statement-by-the-cta-on-shugdendholgyal-followers-from-tibet/.

The Lama Geshe Rabten made the following observations: "The Dalai Lama remains the temporal leader of Tibetans in exile, but is no longer undisputed Their spiritual guide." Others claim that such "discrimination against the deity" is illegal according to the Tibetan Constitution, the Indian Constitution and the Universal Declaration of Human rights.

The origin of the Dorje Shugden's practice is involved in a political dispute in the period of the 5th Dalai Lama. So there is no religious reasons for the practice to be banned, but only political reasons, power controversies - something temporal and impermanent, at which should not be given much emphasis. It seems that the Dalai Lama and his staff do not tolerate any opposition and that's nothing democratic. He only recently has abdicated your tasks as leader of the Tibetan nation because he felt the pressure of youth born in exile, a youth that looks things from another perspective, most modern and comprehensive. But the ban on Shugden practice still stands.

In fact, despite the controversy over Tibet be totally independent from China before the invasion or not, the fact is that its annexation was facilitated by their government be very fragile and not have promoted in hundreds of years, significant social improvement for the vast majority of miserable people. This failure was very well used by Communist China in time to justify the invasion. However, this does not justify the violation of human rights and the death of nearly a third of the Tibetan population. And what the Dalai Lama and his staff were able to do today for the oppressed Tibetans? Virtually nothing, except an exile that transfers inert government prior to northern India.

Now, the Dalai Lama said to have abandoned the idea of independence in favor of autonomy for Tibet. I think he should go further. What I propose to support is an independent or autonomous Tibet, but totally secular and governed by the Tibetan people, not by Lamas or the Chinese government. Thus, Buddhism in Tibet would return to the original status: religious practice without direct connection to the policy, where each lineage would have the full freedom to develop and expand itself.

Currently, the Tibetan community around the world goes divided because of arbitrary decisions: the unilateral decision of the Dalai Lama of giving up the goal of independence for Tibet without consulting the government or the Tibetan people, the biggest stakeholder; his inability to meet the declared commitment to democratize the Tibetan government; his acquiescence to censorship of the press and the repression of freedom of expression, the ruthless suppression of freedom of religion by prohibiting the Shugden's practice just for political reasons.

However, what else should surprise any one who defends the Lay State regarding the Tibetan issue is that the very nature and function of the Dalai Lama in the Tibetan government transforms it into a feudal theocratic system - with its endemic mixing of religion and politics, its influence of religious ideas in government policies, its deep confusion about the roles of religious leader and head of state, and its retrograde view of the position of the Dalai Lama as the "God-King" or "Living Buddha" in Tibet.

If the Tibetan Government in Exile is considered a democratic and laic government, then, the ban on Shugden's practice beyond the walls of the Gelugpa monasteries is an affront to religious freedom. The prohibition of the practice can not extrapolate the religious atmosphere of the monasteries and to appear on the official website of the Tibetan Government, because that means the Government supports the ban, burying any laic impartiality. There are two measures and a weight. If the Tibetan Government in Exile is not considered a secular government, then, is not democratic and we can not support it in any way. The Tibetan in Exile Constitution was removed from the current official website of the Tibetan government, but can be accessed here: http://www.servat.unibe.ch/icl/t100000_.html. Here, it remains clear that the Tibetan constitution provides freedom for religious and stands according to the Universal Declaration of Human Rights and the provisions of the UN. Furthermore, it considers that the future free Tibet would be a Federal Democratic Republic.

Now that the Dalai Lama has abdicated his duties as a political leader and remained with religious functions only, the Tibetan Constitution was changed, but these changes even makes it less laic (see: http://www.thetibetpost.com/en/news/international/1728-new-changes-to-the-constitution-of-tibet-after-his-holiness-decision-). The path to follow should be other, the complete laicism.

Where was it all the money applied in the European "Free Tibet"? For decades, support groups and organizations throughout the West raised money for the Movement "Free Tibet". From donations from governments to promote bottoms, stickers, bags and caps, by organizing concerts, dinners and exhibitions, and through any other fundraising device imaginable, these organizations continue to raise large amounts of money for what most Western benefactors believed to be the goal: a free and independent Tibet. But is not that what the Dalai Lama seeks...

Moreover, it is expected of all Tibetans, wherever they live, to pay a "tax of independence" for the Tibetan government in exile. The record of these payments is kept in the "Green Book" that brings every Tibetan. This book, a kind of passport-membership to government in exile, is essential for Tibetans in India who want an authorization to travel abroad, and those who not pay, they lose benefits and services, and are often ostracized, risking persecution and exile from his own community. The Tibetan government also receives large donations from other sources, including national, private governments of many countries, charities, companies and many other types of organizations.

The funds raised from the "tax of independence" and all these other fundraising activities are not used for the support or relief of the Tibetan community. The majority of funds for the relief of refugees, for the fatherless, education, health care and hospitals, are obtained directly from the Indian government, from the main humanitarian agencies around the world, Western governments, and private charity funds. So, what is this tax? The official text on the website of the Tibetan Government in Exile says: "Payment of the voluntary contribution is a condition to gain the right to vote in parliamentary elections." But if it is voluntary, how it may to conditionate something? And the Buddhist concept of giving, which has its maximum expression in Dana Paramita, the Perfection of Generosity?

So I ask: How can the Dalai Lama defend human rights and religious freedom, while engaging himself in systematic violation of them regarding the practice of Dorje Shugden?

How can he defend governments, democratic values and principles, operating in exile the same kind of autocratic theocracy of ancient Tibet?

How he can continue to charge the "tax of independence" and receiving donations via "Free Tibet", if he has unilaterally abandoned the idea of Tibetan independence years ago?

Another attitude from Dalai Lama which displeased me greatly relates to his statements on homosexuality. As a gay (and Buddhist) convinced, I can not agree with them.

In the article "The Gay Buddha", which I wrote in 2012 (see:


"In a 1994 interview, he said: “If anyone comes to me and asks whether homosexuality is good or not, I'll ask: 'What is your companion's opinion?' If both agree, then I think I would say 'if two males or two females voluntarily agree to have mutual satisfaction without implication of harming others, then it is good.'” However, in his book 'Beyond Dogma' (1996), he states, “A sexual act is deemed proper when the couples use the organs intended for sexual intercourse and nothing else ... homosexuality, whether between men or between women, not is improper in itself. What is improper is the use of organs already defined as inappropriate for sexual contact.”

The Dalai Lama said that before he was unclear about whether a relationship even non-abusive sex and mutual agreement would be acceptable within the general principles of Buddhism. When having difficulty in imagining the mechanisms of homosexual sex, saying that nature had arranged male and female organs "in a way that is very suitable... same-sex organs can not function well", the Dalai Lama has repeatedly said to the LGBT groups he can not rewrite the texts. The same thing say fundamentalist priests and Christian pastors on biblical texts.

In 1999, in an interview with Alice Thompson, he declared emphatically: "They want me to tolerate homosexuality. But, I'm a Buddhist and, to a Buddhist, a relationship between two men is wrong. Some sexual behaviors in marriage also are wrong.", talking about masturbation and oral sex. He also said that "If a person has no faith, is a different matter"... "If two men really love each other and are not religious, then, is OK with me." A modern discourse of exclusion? After all, what the Dalai Lama makes clear is that if LGBT people want to be as they are, but are not Buddhist religious, all OK. The encouragement is that it is not the word of all Buddhists - teachers, monks and lay people - in the world.

(...) Once the Theravada Buddhist monk Ajahn Brahmavamso wrote for the West Australian newspaper, responding to an article published there, where the Dalai Lama was quoted as saying that homosexuality was immoral. Here's what he wrote to the newspaper:

Dear Sir/Madam,

The Dalai Lama was out of line when he said (according to your article in the West, April 15, Page 7) “if you are a Buddhist, homosexuality is wrong. Full stop.” The Dalai Lama is not the ‘Pope’ of Buddhism and, charming as he often is, he sometimes gets it wrong. (...)

The greater majority of Buddhists throughout the modern world are inspired to learn that the Buddha certainly did not discriminate against homosexuality. The core teachings of original Buddhism clearly show that it is not whether one is heterosexual, homosexual or celibate that is
good or bad, but it is how a person uses their sexual orientation that makes for good or bad karma. (...)

So the fact is that the Buddha, and therefore Buddhism, embraces gays and lesbians and transsexuals with equity and respect. Too long has religious bigotry caused suffering to minority groups in our society. All religions should be more loving. Full stop!
Ajahn Brahm"

Several masters of Tibetan Buddhism have been speaking favorably to the homosexual issue, which is further evidence that the statement of the Dalai Lama is just an opinion, not a decree. 
In conclusion, the reasons that lead me to move away from Free Tibet Movement and now to announce my disconnection definitively, starting an activism on behalf of human rights of the Tibetan people in the secular sphere, are:

  • I'm a laicist and I prefer a secular democracy for Tibet - independent, autonomous region or whatever it is. I do not agree with a "Buddhist theocracy", if you allow me to use this term, as I do not agree with Christian, Islamic, Jewish theocracies, etc.. Also in this item, being politically laic, I disagree with the ban on the practice of Dorje Shugden by the Dalai Lama for clearly political reasons. I'm not a practitioner of Dorje Shugden, but I sympathize with their adherents, as I symphatize with the supporters of any peaceful worship suffering discrimination.
  • The insult to the Tibetan human rights by the Chinese government since the annexation of Tibet is really very serious, but non-laic attitude of the Dalai Lama and his staff contributes to worsen the situation, which looks like a quarrel of power, when in fact, involves the death of thousands of miserable, neglected (for both sides) and innocent people.
  • The homophobic prejudice presented by the Dalai Lama in his contradictory statements. Contradictory because they try to put on warm cloths the controversy and eventually cause more confusion. This highlights the discrimination and encourages prejudice, which is not Buddhist.

Having said that, I am definitely leaving the global movement known as "Free Tibet", supporter of the Dalai Lama and his political vision which continues to promoting "Buddhist theocracy" (?), and I keep defending the human rights of the Tibetan people in a laic way, without religious bias, but with emphasis on the preservation of human life, culture, religion and Tibetan language. The blog of "Free Tibet - Brazil" will be closed, but not deleted. And with that, I still buddhist!

Sarva Mangalam! (Let there be benefit to all beings!)

Canoas, January 21, 2014.

Paulo Stekel

(Author, journalist, musician, ex-coordinator of the Free Tibet Movement - Brazil, coordinator of Movement “Espiritualidade Inclusiva” [Inclusive Spirituality])

terça-feira, 21 de maio de 2013

Ciclo de Cinema "Diversidade Sexual e Religião" em Porto Alegre - RS

Por Espiritualidade Inclusiva



Como atividade da III Semana Acadêmica Integrada da Saúde e os Movimentos Sociais, ocorrerá entre os dias 21 de maio e 04 de junho o Ciclo de Cinema "Diversidade Sexual e Religião", que será realizado no Auditório da Escola de Enfermagem da UFRGS. Entre os debatedores, estará o Coordenador Geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva, o jornalista Paulo Stekel.

Organização: NUPSEX, da UFRGS.

Agende-se para assistir aos três filmes que serão apresentados e debatidos no ciclo:

21/05 - 18:30
"Prayers for Bobby" (Orações para Bobby)
Debatedor: Paulo Stekel (Coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

28/05 - 18:30
"Eyes Wide Open"
Debatedor: Daniel B. Kveller

04/06 - 18:30
"A Jihad for Love"
Debatedor: Daniel Caye

Local: Auditório da Escola de Enfermagem da UFRGS, Rua São Manoel, 963 - Santa Cecília - Porto Alegre - RS

Vídeos com trechos da "Audiência Pública sobre o PLC 122 com o Senador Paulo Paim" em Canoas - RS

Por Espiritualidade Inclusiva


Na tarde do dia 18 de maio de 2013, foi realizada na Câmara Municipal de Canoas - RS, uma "Audiência Pública com o Senador Paulo Paim", tendo como pauta "O PLC 122: pela criminalização da homofobia". Cerca de 200 pessoas se fizeram presentes, entre representantes de ONGs de ativismo LGBT, afro-umbandistas, representantes do movimento negro e pessoas envolvidas com o tema Direitos Humanos.

O evento foi uma realização conjunta do Gabinete do Senador Paulo Paim e do Gabinete do Vereador Paulinho de Odé (PT - Canoas), com apoio do Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas, ONG Parceiros da Diversidade, ONG LOVE e Coordenadoria de Políticas de Diversidades de Canoas.  Até o momento esta foi a única Audiência Pública com o atual relator do PLC 122 no Estado do Rio Grande do Sul e Canoas foi a primeira cidade a apresentar uma minuta coletiva de projeto de lei em mãos do senador.

O Movimento Espiritualidade Inclusiva se fez presente, através do Coordenador Geral Paulo Stekel, que representando o Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas, entregou em mãos do Senador Paim a "Minuta de Canoas" (leia ou baixe a minuta aqui), contendo as sugestões consensuais de todos os envolvidos no tema em Canoas para o texto final que o Senador pretende colocar em votação até o final de 2013.

Nosso apoiador Kenai Alves registrou em vídeo cerca de uma hora e meia dos momentos mais importantes para a reflexão sobre o tema. Dividimos tudo em quatro partes. Confiram:

 Parte 1

 

http://www.youtube.com/watch?v=-N9aswy5LWU - Nesta parte: Abertura com apresentação de Fabielli Kimberly; fala do Vereador Paulinho de Odé (presidente da mesa); fala de Everton Alfonsin (presidente da FAUERS - Federação Afro-Umbandista e Espiritualista do RS).

 Parte 2

 

http://www.youtube.com/watch?v=vJYxqOrDaBU - Nesta parte: Falas de Paulo Stekel, coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva, representando o Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas e entregando ao Senador Paim a Minuta de Canoas como contribuição ao novo texto do PLC 122; Delegada Sabrina Defenti; Roselaine Silva, representando o Conselho Nacional LGBT e a LBL - Liga Brasileira de Lésbicas; Rogério Ambieda (Coordenador de Diversidades de Canoas - RS); Fábulo Nascimento da Rosa (Coordenador Estadual de Diversidade Sexual).

 Parte 3

 

http://www.youtube.com/watch?v=l3YOiCkgKiE - Nesta parte: Fala do Deputado Nelsinho Metalúrgico (PT - RS) e do Senador Paulo Paim, atual relator do PLC 122.

 Parte 4

 

http://www.youtube.com/watch?v=nH8Vu0vt5mE - Nesta parte: Falas do público - entre eles, Ana Naiara Malavolta (LBL e Fórum Gaúcho pelas Liberdades Laicas), Zumba Toledo, além de Marina Reidel e Roselaine Silva (ambas do Conselho Nacional LGBT); apresentação final de Fabielli Kimberly; fala final do senador Paim.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Bom ou o Ótimo: Qual PLC 122 queremos?


Por Paulo Stekel (coordenador geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

Paulo Stekel, 42 anos, natural de Santa Maria (RS), reside atualmente em Canoas (RS). Músico, jornalista, prof. de línguas sagradas e especialista em escritas antigas, de origem católica, se converteu ao Budismo em 1995. Assinou declaração de união estável (2007) em cartório de Porto Alegre (RS), com o companheiro com o qual vive há quase 12 anos. É ativista em assuntos relacionados à espiritualidade e Direitos LGBT, sendo administrador do blogue e coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva, ambos lançados em dez/2011. Autor de mais de mais de 50 artigos sobre a relação entre Espiritualidade, Sexualidade e Diversidade.


Introdução

No dia 25 de março de 2013, o Senador Paulo Paim fez um discurso no Senado Federal intitulado “Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia”. Na qualidade de relator do Projeto de Lei da Câmara 122, conhecido por muitos como o Projeto da Lei Anti-homofobia, Paim deu um tom muito claro, positivo e favorável à aprovação de um projeto que realmente contemple as necessidades da comunidade LGBT brasileira.

Lemos o discurso, fizemos algumas considerações, o debatemos com colegas de ativismo LGBT e, na quinta-feira (28 de março), em audiência com o próprio Senador Paim, em Canoas – RS, juntamente com diversos defensores dos Direitos Humanos, pudemos esclarecer alguns pontos do referido discurso. As respostas que obtivemos diretamente do relator foram plenamente satisfatórias, fazendo-nos ver que temos até o momento o melhor relator que o PLC 122 poderia ter: um homem comprometido com os movimentos sociais (afrodescendentes, aposentados, deficientes, etc.) desde o início de sua militância política e, antes de tudo, um conciliador. Um relator radical seria, com certeza, um tiro no pé. O radicalismo muitas vezes tem norteado o debate e se faz necessário um relator que saiba colocar o debate em seu devido lugar: a violência contra minorias, uma delas, a LGBT.

Em nossa conversa, o Senador Paim deixou bem claro que três conceitos o nortearão como relator na definição do texto final do PLC 122: o ódio, a violência e a intolerância. Lhe respondemos que nós, os LGBT, queremos exatamente a coibição destas três formas de preconceito contra nossa minoria. Não queremos mais do que isso, não queremos fechar templos religiosos, não queremos trancafiar pastores e não queremos queimar a Bíblia. Só queremos os mesmos direitos de todos os demais cidadãos e a proteção contra atentados à nossa integridade física e moral. A alegria dele ao ouvir isso foi inspiradora. Não falamos por TODOS os LGBT, mas por experiência e conhecimento de como funcionam as coisas, falamos pela maioria sensata.

O tom da relatoria

O Senador Paim deixou claro, e concordamos com ele, que é preferível a aprovação de um projeto “bom” para todos – de forma que possamos nos resguardar do ódio, da violência e da intolerância –, à aprovação de um projeto “ótimo”, o que, dadas as forças democráticas em jogo, é geralmente muito difícil ou mesmo impossível de se conquistar num primeiro momento. Paim disse que prefere colocar em votação o “bom”, por ser mais fácil aprovar e um primeiro passo para irmos adiante. Faz sentido. Sabemos que as forças radicais deste país não querem nem mesmo a aprovação do “bom”, mas isso não vem ao caso, pois o debate vai aumentar a cada dia e vamos continuar lutando e defendendo nossas necessidades cidadãs.

Há radicalismos em todos os lados nesta questão. Há radicalismos fundamentalistas, ideológicos, político-partidários... Nada disso contribui, de fato, para o debate, apenas acirra os ânimos. Na construção de um texto final adequado que contemple os três pontos a ser enfrentados, conforme citados por Paim – ódio, violência e intolerância – nenhum radicalismo é adequado, mas, sim, o consenso e a contribuição de todos os interessados, garantindo a legitimidade do que venha a ser aprovado. Em geral, os mais radicais, de que lado venham, são as pessoas que menos conhecem o próprio PLC 122, como bem frisou Paim em nossa conversa. A maioria nem sequer leu o projeto, não sabe o que ele propõe, e usa de argumentos desviantes, para ganhar atenção e forçar a opinião pública. Neste artigo, nossa principal função é esclarecer os diversos formadores de opinião, sejam LGBT ou não.

O que o PLC 122 diz em sua redação atual

Um percentual considerável de pessoas envolvidas no debate em questão não sabe minimamente o que o PLC 122 propõe. Não vamos transcrever o projeto todo, mas, apresentando-o em seus pontos cruciais, ele diz o seguinte (grifamos os trechos que interessam à comunidade LGBT):

Projeto de Lei da Câmara Nº 122, de 2006 (nº 5.003/2001, na Câmara dos Deputados)

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (NR)

(…) Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:
“Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.” (NR)
“Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
“Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.” (NR)
(...)Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:
“Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
“Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
(...)Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:
“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:
I – reclamação do ofendido ou ofendida;
II – ato ou ofício de autoridade competente;
III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”
“Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.
§ 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.
§ 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta anti-discriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil.”
Art. 10. O § 3º do do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 140. …......................................................................................................................
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.” (NR) (...)

O texto original (2001) era menor e menos amplo que o atual, de 2006. O que o Senador Paim, relator do Projeto, se propõe agora, é ampliar o debate, dando voz a todos os setores da sociedade, favoráveis ou contrários. O relatório que ele produzirá – segundo ele mesmo – será feito a partir de muitos argumentos, mas sempre pautado pelo debate internacional em curso, de modo que sirva para o combate à homofobia, que é o que queremos. Isso está muito claro no discurso a que nos referimos no início deste texto, e o qual comentaremos trecho a trecho a seguir (os grifos são nossos).

O discurso do relator

Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia.”

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,

A Constituição da República contém, no conjunto de suas diretrizes para a construção do Brasil que sonhamos, indiscutível vetor civilizatório, que nos propõe a convivência social harmoniosa, coesa, tolerante e hospitaleira.

Não há lugar, no País livre e democrático que desejamos construir, para a aceitação da discriminação e da intolerância, de qualquer matiz.

Não aceitamos, no Brasil, a discriminação racial ou decorrente das orientações sexuais dos indivíduos. Por esta razão, estamos debatendo o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que criminaliza a homofobia.

Comentário: Aqui, já se pode perceber o tom nitidamente anti-discriminatório que norteará o relatório a ser produzido para o PLC 122. Ao citar a discriminação racial imediatamente antes da discriminação por orientação sexual, o relator deixa evidente a similitude existente nas naturezas de ambas as formas de discriminação: a intolerância com o outro por causa de sua pressuposta “diferença” (racial, étnica, sexual, etc) e não encaixamento num status quo e modus vivendi arbitrária ou culturalmente determinado pela parcela dominante da sociedade (a branca e heterossexual, neste caso). Baseado nesta noção óbvia, a via de equiparação do crime de homofobia ao de racismo não nos parece inadequada nem impossível de ser levada adiante. Em ambos os casos, a odiosa não aceitação do outro por sua “diferença” é o mote para atos violentos prejudiciais à dignidade do indivíduo – física e/ou moralmente.

Senhoras e Senhores Senadores,

Os debates que dizem respeito à diversidade sexual passam por questões de conteúdo moral e religioso.

Em uma sociedade plural e democrática, todas as correntes filosóficas; teológicas; ideológicas; todo e qualquer grupo de pressão merece expressar sua visão no espaço público.

A convivência pacífica nas ruas e bairros da cidade impõe ao Estado igualdade no tratamento a crentes e descrentes; a ateus, agnósticos ou àqueles que acreditam no Criador do Universo.

Comentário: Este trecho evidencia a importância do Estado Laico na promoção e manutenção da paz na nação. Caso contrário, qualquer corrente citada poderia interferir de modo majoritário na vida da sociedade, obrigando correntes opostas a seguir regras aviltantes conforme a natureza de suas crenças. Mas, não é assim. Num Estado Laico as diferentes crenças têm seu direito à existência e expressão garantidos, ressalvadas as formas previstas em lei que redundem em prejuízo à vida (ex. apologia ao nazismo), à dignidade (ex. racismo) ou à auto-estima de qualquer dos gêneros (ex. preconceito contra a mulher), conforme definido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Contudo, realmente o debate acerca da diversidade sexual “passa” no mundo todo por questões morais e religiosas. Mas, sob o ponto de vista de um Estado Laico, tais questões morais e religiosas jamais poderiam impedir a livre expressão sexual ou de gênero a cidadãos que possuem “moralmente” os mesmos direitos, sob pena de um preconceito “aos moldes” do racismo escravagista do qual o Brasil, aliás, foi o último a se afastar. O seremos também no que concerne à homofobia? Lutaremos para que assim não seja!

Se pegarmos a Constituição da República, do inesquecível dia 05 de outubro de 1988, veremos, no caput do art.5º, um entre os mais importantes vetores da Carta, que regula nossa vida coletiva.

A Constituição Brasileira promove a dignidade da pessoa humana, e o seu art. 5º estabelece que, em nosso democrático País (abro aspas), “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada, nos termos seguintes” (fecho aspas).

Em seguida, o art. 5º oferta à sociedade brasileira seu longo e admirável catálogo de Direitos Fundamentais, distribuídos em nada menos que 78 incisos que se destinam, pela força de nosso pensar e agir coletivos, a viabilizar a mais completa emancipação, tanto material quanto espiritual, do povo brasileiro.

Vislumbramos, portanto, a convivência mais harmônica e respeitosa dos membros da sociedade brasileira, muito embora reconhecendo que a razão de ser da Política, o seu suporte e seu núcleo residem, exatamente, na administração dos conflitos em sociedades complexas, na certeza de que no transcurso infindável do tempo, o debate nos preserve, minimamente, o direito à própria expressão.

Comentário: Quando a Constituição Federal garante a “dignidade da pessoa humana sem distinção de qualquer natureza”, não deveríamos nem ter que estar postulando através de um Projeto de Lei que a dignidade da pessoa humana LGBT seja respeitada sem distinção de qualquer natureza. Mas, uma Constituição democrática não é um texto perfeito, nem parado no tempo, e nem consegue contemplar todas as noções sociais ou as demandas de setores da sociedade igualitariamente. Obviamente, deve ser adequada, e é exatamente isso o que queremos com a aprovação do PLC 122.

O mesmo vale para as demandas dos idosos e dos deficientes físicos, como citados no Art. 10º do projeto atual e aos quais nós, os LGBT, somos totalmente solidários. Mesmo porque, em nosso Brasil, o preconceito se sobrepõe ao preconceito. Temos o gay negro, o gay negro idoso, o gay negro idoso e deficiente físico, a mulher negra idosa e deficiente física... enfim, os estratos de preconceito se sobrepõem como escaras de chibatas recorrentes ao longo de uma vida inteira... É preciso corrigir isso o mais rápido possível, sob risco de regarmos a semente de uma nação preconceituosa que não queremos para os que virão depois de nós.

Se algum espaço houver, na prática de uma Política que se queira maiúscula, em qualquer sociedade avançada, é preciso compreender que a intolerância legalmente albergada e aceita, não é compatível com a democracia. A democracia não tem como tolerar a própria intolerância.

Em uma discussão no âmbito físico e espiritual do espaço público, de relevância para a coletividade, parece politicamente inegociável que a livre expressão represente a condição de base para a garantia da liberdade humana.

O ser humano, dotado de consciência e razão, nasce livre em sua essência mais profunda.

Desprovido de liberdade, calado em seu direito mais sagrado de tomar a palavra na rua ou na praça, terá morrido, espiritualmente, para a vida social e até mesmo privada.

Comentário: Realmente, quando a intolerância é aceita ou deixada livre em uma nação plural, a semente do ódio e do levante se instala, pois o ser humano tem um limite no sofrimento que lhe pode ser imposto. O descontentamento dos povos, etnias e minorias oprimidas tem um limite histórico bem conhecido, especialmente nos últimos séculos. Já estamos ouvindo falar em uma “Primavera Gay” no Brasil, um levante ideológico LGBT para pressionar mudanças na lei inspirado nos moldes da “Primavera Árabe”. Será que precisamos deixar as coisas chegarem a este ponto, quando bastaria reconhecer o que a própria Constituição Federal franqueia a todos os cidadãos brasileiros? Pois, a aprovação do PLC 122 seria este reconhecimento.

A quem interessa manter o status atual de preconceito homofóbico desenfreado em nosso país? A fundamentalistas religiosos? A neonazistas? A conservadores? Como podem invocar motivos religiosos para cometer ou incitar crimes num país laico? Como podem incitar ou cometer assassinatos contra pessoas unicamente por sua orientação sexual num país que não criminaliza orientações diversas da heterossexual? Como podem relacionar os direitos das orientações não-heterossexuais ao “fim da família tradicional” num mundo em que o padrão pai-mãe já foi quebrado há décadas? Podem porque a lei ainda não os coíbe! Nós, LGBT, ainda estamos num verdadeiro “limbo jurídico” que depende da boa vontade de magistrados quando o assunto é nossa segurança, dignidade, direito à vida e mesmo benefícios sociais franqueados a quaisquer outros cidadãos. Isso é inaceitável sob todos os pontos de vista!

Senhoras e Senhores Senadores,

O púlpito deste plenário, no Senado da República, representa nada menos que o espaço democrático da livre expressão das unidades federativas e, consequentemente, de cada uma de suas gentes, e esta prerrogativa historicamente construída deve se reproduzir em todos os aspectos da vida coletiva.

Em nossa visão, ao Estado laico cumpre a tarefa de a todos ouvir, indistintamente, sem se deixar dominar por esta ou aquela visão de mundo; sem que se admita a errônea cristalização, no ordenamento jurídico, de concepções ultrapassadas que, visando uniformizar mulheres e homens não uniformizáveis, culminem na supressão do direito inalienável das minorias.

Ao representante público, portanto, pouco importa os termos com que uma determinada confissão religiosa ou filosófica, ou de setores da sociedade, encaram fenômenos demasiado humanos, como a homossexualidade ou a diferenciação de cor dos indivíduos.

Quero pontuar novamente que, em uma sociedade que se pretenda democrática, a vontade geral só poderia admitir a intolerância, nos estritos marcos legais, contra a própria intolerância.

Comentário: Este trecho é maravilhoso! O Estado Laico deve ouvir a todos, sem distinções, mas, ao mesmo tempo, não deve se deixar influenciar a ponto de cometer injustiças. A imparcialidade laica aqui está clara tanto quanto, mais uma vez neste discurso, a natureza da (homos)sexualidade e da cor dos indivíduos, sob o ponto de vista da igualdade e do direito à existência, bem como de expressão, por extensão.

Entre os dispositivos de coerção social aplicados ao longo da História – por vezes justa ou injustamente – cremos que os únicos incontestavelmente niveladores da igualdade são, nas palavras do relator, os que admitem a intolerância apenas “contra a própria intolerância”. Intolerar a intolerância, quando partindo do Estado, é tutelar a liberdade, garantindo sua expressão plena e igualitária, algo que a intolerância perniciosa extrai do sujeito humano de modo vil e cruel assim que se manifesta.

Acreditamos ser nosso dever e nossa salvação combater as compreensões de mundo que vislumbrem a uniformização dos seres humanos a partir de réguas, critérios e particularidades que lhes sejam próprios.

A infeliz experiência de autoritarismos e totalitarismos, em países supostamente avançados, como a Itália, o Japão e, principalmente, a Alemanha da primeira metade do século 20, mostram claramente que a felicidade humana deve ser veiculada pelo debate livre, que nos conduza à aceitação das mais variadas formas de vida, na certeza de que o pluralismo social vem a ser nossa maior riqueza.

Comentário: Esta é a grande luta enfrentada pelas mulheres, depois pelos afrodescendentes e, agora, pelos LGBT. A uniformização de toda uma sociedade a partir de noções particulares ou originadas em setores dela atenta contra a dignidade geral. A História está repleta de exemplos. A loucura de um único homem ao qual se permitiu descuidadamente uma ascensão sem avaliação criteriosa de consequências – Hitler – quase determinou a sobrevivência de uma etnia inteira – a judaica. Quando a ajuda chegou, os mortos já eram da ordem de milhões...

E, no caso da homofobia? Qual deverá ser o “teto” na estatística de assassinatos para que a sociedade brasileira se dê conta do “homocausto” (holocausto gay) que está sendo promovido em nosso país, nas palavras do decano do movimento LGBT brasileiro, Luiz Mott? Não estamos mais dispostos a aceitar a morte de mais nenhum LGBT por conta de homofobia, porque o valor de QUALQUER vida humana é o mesmo! Nossa solução? A aprovação do PLC 122.

Por isso, em face do renitente preconceito de raça ao afrodescendente ou da intolerância aos gays, às lésbicas, aos bissexuais e aos transgêneros, reiteramos, no Senado da República, o direito de todos e de cada um à dignidade da própria existência; o direito de todos e de cada um ao exercício cotidiano de sua liberdade de ser e à livre escolha no que diz respeito à vida privada.

Consideramos desumana toda e qualquer forma de intolerância que resulte na ofensa moral ou física a quem quer que seja e temos trabalhado diariamente, no Senado, pela construção de um País francamente acolhedor a todos os seres humanos, indistintamente.

Comentário: Terceiro trecho que equipara argumentos pró-lei anti-racismo a uma necessidade de mesma defesa no caso dos LGBT, combatendo preconceito, a ofensa moral, promovendo o direito à dignidade, à liberdade de ser e à livre escolha na vida privada. Creio que, indo por este caminho, aprovaremos o PLC 122 e teremos uma implantação semelhante à da lei anti-racismo: um processo gradual, suave e sem o absurdo alardeado por seus opositores – o que também aconteceu à época do debate sobre a lei anti-racismo –, ou seja, de um risco de denuncismo e prisões em massa ou por qualquer motivo que não a homofobia em si. Quem pensa assim, não entende nada de Direito Criminal, nem dos procedimentos de uma delegacia, que precisa da denúncia, da averiguação das provas e testemunhas, e só então pode levar adiante o procedimento, considerando ainda a possibilidade de falso testemunho. A aprovação do PLC 122 não vai colocar todos os não-LGBT sob suspeição de homofobia. Pelo contrário, vai garantir a expressão em todos os setores de uma diversidade já vista em nichos da sociedade não norteados pelo preconceito.

Senhoras e Senhores Senadores,

Considero importante relembrar, no âmbito da religiosidade, que, na obra máxima da cristandade, a Bíblia sagrada, o admirável Paulo manifesta sua perplexidade ante as contradições da existência humana, reconhecíveis em cada um de nós.

Diz o apóstolo de Cristo: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”.

Vou tomar emprestadas as poéticas palavras de Paulo para me reportar à quantidade de barbárie cotidiana em nosso País, em que uma mulher é fisicamente agredida a cada cinco minutos; ou no mundo, em que crianças de todos os continentes são alvo diário da violência de adultos brutalizados, e sofrem com a exploração, abusos e doenças, ou enfrentam, em sua mais linda idade, a necessidade de deixar seus lares por conta de conflitos armados; sob governos que não lhes garantem educação básica.

Exatamente porque, no mundo em que vivemos, mulheres e homens não fazem o bem que desejam fazer, mas apenas o mal que não querem, cerca de 218 milhões de menores submetem-se, diariamente, ao inaceitável trabalho infantil e entre elas, 300 mil atuam na condição de crianças-soldado.

Impõe-se a todos nós, portanto, trabalhar pela inversão da máxima do apóstolo Paulo, tanto mais porque o mundo em que vivemos parece estar gravemente adoentado.

Nele, as almas perdidas frequentemente governam e tiranizam, submetendo a seu jugo populações inteiras, por anos ou décadas.

No Brasil, acredito que a lenta e paciente organização de nossa democracia irá nos conduzir à gradativa neutralização da intolerância.

Comentários: As almas perdidas realmente parecem ganhar cada vez mais e mais terreno, e aqueles que vivem pregando o bem que se deveria fazer – os religiosos – muitas vezes são os primeiros a colocar o seu preconceito baseado em ideias arcaicas acima do bem que deveriam defender e fazer. Os exemplos estão às avessas e tem cabido aos oprimidos lembrar aos líderes as suas obrigações para com a Humanidade...

Não faz muito tempo nós vivíamos concepções de mundo mesquinhas e antigas, que tiranizavam africanos e afrodescendentes e que negavam às mulheres o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar.

Nós seguimos apostando no aprofundamento dos níveis de educação como antídoto à brutalização de nossa vida social.

No País que desejamos, todas as escolhas lícitas e não ofensivas ao direito do próximo merecerão de todos o máximo respeito, e do Estado a natural acolhida.

Comentário: Afrodescendentes e mulheres já gozam de (relativos) direitos e reconhecimento de suas naturezas junto à sociedade brasileira, mas dos LGBT poderíamos dizer, repetindo as palavras do relator, que ainda somos observados sob a vista de concepções de mundo mesquinhas e antigas, que nos tiranizam e nos negam o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar... ops, nem mesmo do próprio lar, pois a alienação familiar é frequentemente causa de uma das formas mais cruéis de homofobia, a que tem levado muitos jovens LGBT ao suicídio ou a uma vida à margem.

O Poder Judiciário brasileiro, por exemplo, tem caminhado neste sentido, reconhecendo a casais homossexuais a licitude da vida comum partilhada, inclusive no que se refere às repercussões patrimoniais de sua opção.

Comentário: Com certeza, o Judiciário anda décadas à frente do Legislativo no reconhecimento dos direitos das minorias. O aumento considerável no número de decisões favoráveis a casais homossexuais deve servir como recado a nossos parlamentares – o de que a sociedade brasileira não está tão despreparada como querem nos fazer crer os fundamentalistas no tocante a um novo modelo de família que não seja constituído exclusivamente pelo padrão pai-mãe heterossexual. O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF e a reavaliação do que constitui núcleo familiar estão adiante da coibição dos crimes de homofobia, o que é um flagrante contra-senso; podemos nos unir diante de um cartório por entendimento legal, mas não podemos nos defender do preconceito violento através de uma lei que nos inclua. Discrepâncias fomentadas pela morosidade de nosso Legislativo em ouvir as vozes da sociedade oprimida e dar-lhes devida proteção legal...

Ao Estado laico cumpre reconhecer, nas centenas de milhares de ativistas políticos reunidos, anualmente, nos desfiles públicos em favor dos direitos dos homossexuais, em todo o Brasil, a indiscutível existência de um grupo de pressão, tão legítimo e válido quanto os defensores dos interesses de empresários, de trabalhadores, de donas de casa; tão aceitável quanto os cidadãos que promovem os Direitos Humanos e, dentre estes, os defensores dos direitos dos afrodescendentes; os promotores dos direitos dos portadores de necessidades especiais; entre inúmeros outros exemplos.

Quero com essa menção reiterar que, em uma sociedade plural, todos os lícitos interesses do cidadão pagador de impostos merecem acolhida e reconhecimento pelo Estado, que pondera interesses na realização do conceito de bem comum.

Comentário: Ainda que as inúmeras Paradas Livres (ou Paradas Gays) realizadas Brasil afora possam ser objeto de crítica de todos os lados, na verdade, o que elas causam é um mal-estar no estômago dos preconceituosos, a quem o mais odioso é ver minorias se expressando livremente e buscando seu espaço de direito no Estado Laico. O resto, é moralismo e hipocrisia para desviar a atenção do maior objetivo do movimento LGBT: a conquista de direitos igualitários. Não direitos especiais, mas igualitários. Quem nos acusa de buscar direitos especiais, acima dos demais cidadãos deveria ver o quão contraditório é o que diz. Se não temos nem sequer direitos igualitários, como poderíamos postular algo especial? De forma alguma! Este NUNCA foi e NUNCA será o objetivo do ativismo LGBT. Somos, sim, um grupo de pressão, como muitos que desembarcam em Brasília todos os dias com os mais variados interesses; e, somos, como os demais, pagadores de impostos.

Senhoras e Senhores Senadores,

Tenho a grata satisfação de atuar, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, como relator do Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 206, que criminaliza a homofobia.

Na condição de relator, tenho a intenção de dar amplitude ao debate, pela abertura do espaço democrático de nossa Comissão às vozes da sociedade, contrárias ou favoráveis à proposta em debate.

Por meio de audiências públicas, pretendo produzir um relatório equilibrado e em consenso com o debate internacional em curso, que contemple todos os interesses em jogo, ao mesmo tempo em que sirva para o combate à homofobia, ao ódio e à violência gratuita que campeia no Brasil.

A premissa com que pretendo nortear o debate é a premissa maior de que todos somos, a despeito de nossa cultura, de nossa opção religiosa ou orientação sexual, contrários à homofobia, na medida em que a liberdade humana está na base dos Direitos Humanos.

Comentário: Este trecho é o mais claro do discurso do relator, pois dá o tom de sua relatoria. A amplitude do debate é importante para a legitimidade do processo. Por vezes, será acirrado, mas a democracia o permite, nos limites da lei.

As audiências públicas já estão em curso e devem se intensificar nos próximos meses. Todas as forças – favoráveis e contrárias – já se movimentam para fazer valer suas ideias. Eis a hora da sociedade brasileira se posicionar e dizer se é conivente com o preconceito violento que ceifa vidas humanas por conta de sua orientação sexual ou se é uma sociedade de paz, fraterna, que busca o amor ao próximo e que não aceita o ódio, a violência e o assassinato em circunstância alguma.

Um país em que alguns cidadãos não possuem a mesma liberdade dos demais, estando sujeitos a diversas formas de violência quando decidem expressá-la abertamente, não é um país totalmente livre, pois seu próprio preconceito, velado ou às claras, o mantém preso ética e moralmente numa escuridão espiritual cruel.

Senhoras e Senhores Senadores,

Vemos no debate humano, desde tempos imemoriais, a voz audível de intelectuais humanistas, que fazem engrandecer e avançar, geração após geração, o valor inegociável da liberdade humana.

Pensadores como Elie Wiesel, nascido na Transilvânia e de confissão judaica, tendo perdido, aos 15 anos, a mãe, o pai e uma irmã nos campos nazistas de extermínio, afirmou o seguinte: (abro aspas) “Eu jurei nunca ficar em silêncio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação. Devemos sempre tomar partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado” (fecho aspas).

Ainda que profundamente marcado por sua vivência infeliz de aniquilamento e ódio, Elie Wiesel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1986, costumava relembrar que “O oposto do amor não é ódio, mas indiferença”, e logrou trabalhar por um mundo melhor, mais livre e mais aberto à aceitação das diferenças.

Comentário: Isso nos permite concluir que neutralidade e indiferença, quando se trata de confrontar opressões, são mais cruéis do que se pensa, pois passam uma procuração subliminar ao opressor para que ele continue agindo impunemente. Quando fundamentalistas se recusam a debater o PLC 122 ou mesmo a propor uma redação mínima que defenda os oprimidos (e, nunca propuseram uma redação mínima que nos contemple) e pregam que não somos objeto de direito protetivo, mas que deveríamos “fazer nossas coisas” no escuro de nossos quartos, longe de seus olhos, isso é, nitidamente, opressão da pior espécie, além de falta de uma espiritualidade que contradiz o que pregam.

Nunca tivemos embates religiosos violentos no Brasil. Nunca tivemos levantes sociais sérios por aqui. Nunca entramos em guerra com outro país desde a formação da República. Vamos, agora, criar a semente de um embate entre religiosos fundamentalistas e movimentos sociais porque o Estado Laico está sob ameaça devido a interferências impensadas em qualquer país sério? Nenhum cidadão consciente e de bem deseja isso!

Senhoras e Senhores Senadores,

O tempo presente nos incita à ação coletiva em defesa das liberdades.

Neste ano de 2013, em que a Igreja Católica escolheu seu novo Papa, que terá por desafio a bem-vinda renovação valorativa do cristianismo no mundo, vale relembrar que a octogenária Rainha Elizabeth Segundo, da Inglaterra, assinou nova Declaração de Direitos Humanos contrária à discriminação de homossexuais, apoiada por 54 Estados.

Comentário: Pois bem, se a octogenária Rainha da Inglaterra, a quem poderíamos facilmente julgar a fina flor do conservadorismo europeu, reconheceu os direitos dos homossexuais, como podemos nós, que pertencemos ao Novo Mundo, promessa de renovação do planeta, demorar tanto tempo para aprovar mecanismos legais de defesa dos oprimidos? Estamos muito atrasados e não há mais tempo a perder!

O Brasil generoso, aberto, democrático, conciliador e plural haverá de reforçar, em todo o mundo, os melhores exemplos de tolerância e de hospitalidade, primando pelas garantias inerentes à liberdade humana, uma vez que, nas palavras do sociólogo português Boaventura Souza Santos, (abro aspas) “temos o direito de ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (fecho aspas).

As minorias no Brasil sempre reiteram que, dadas as condições humanas, “ser diferente é normal”, e o que pretendemos, no Senado da República, é fomentar e garantir o direito inalienável de que cada concidadão nosso busque, de maneira lícita e que mais lhe aprouver, a própria felicidade, que orienta a trajetória pessoal de cada indivíduo no mundo.

Era o que tinha a dizer,
Sala das Sessões, 22 de março de 2013.

Senador Paulo Paim.

Comentário: A nossa busca por Felicidade, no momento, passa pela garantia de nossa própria integridade física, não contemplada plenamente na lei brasileira, do ponto de vista jurídico. Mais do que “diferentes” nós, LGBT, somos “diversos” e, em nossa diversidade, devemos ser reconhecidos como naturalmente existentes e não um produto artificial de qualquer ordenamento comportamental consciente ou mutável por (auto)flagelação. Não podemos ser curados porque não somos doentes; não podemos ser mudados porque não escolhemos ser como somos; não podemos ser escondidos porque estamos sob o mesmo sol e pisando no mesmo solo da Pátria, Mãe Gentil! Lutaremos até o fim pelos nossos direitos inalienáveis já reconhecidos internacionalmente, não esmoreceremos nunca, e seremos, sim, um grupo de pressão cada vez mais forte, pois a fraqueza nos tem matado em maior número a cada dia sob os olhares “neutros” e “indiferentes” daqueles que deveriam nos defender pelo simples fato de sermos seres humanos...

À guisa de conclusão

De tudo o que analisamos acerca do discurso do relator Paim vislumbramos uma conclusão óbvia e inspiradora: a aprovação do PLC 122 não será o fim, mas apenas o começo de um processo de valorização da dignidade e da identidade LGBT no Brasil, além de um exemplo e recado para o resto do mundo: nós existimos e temos os mesmos direitos de todos!

A impressão que o Senador Paim nos causou foi muito positiva, de modo que realmente temos esperança de que ele está e continuará do lado dos oprimidos – como já o demonstrou em seu histórico impecável. Ainda que pese sua neutralidade como relator, para poder promover um debate plural, podemos considerá-lo nosso aliado e alguém mais que interessado e comprometido com o bem comum, a segurança, a integridade e a dignidade de todos nós, os LGBT.

A parte que compete a ele é ser o relator. A nossa parte é contribuir com o debate de modo intenso e participativo, para que a redação final contemple nossas necessidades. Como sugere o título deste artigo, o PLC 122 que queremos pode ser o “ótimo”, mas assim, certamente não será aceito por muitas forças contrárias. O PLC 122 “bom”, que contemple o enquadramento legal do ódio, violência e intolerância aos LGBT, certamente será aprovado pois, em caso contrário, será o fim da democracia livre chamada BRASIL! Contudo, como o texto final do Projeto ainda não foi produzido, no momento não podemos dizer, de fato, qual seria o texto “ótimo” e qual seria o texto “bom”. Cabe-nos fazer a lição de casa, posicionando-nos e contribuindo para a construção deste texto. Mãos à obra!