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sexta-feira, 16 de março de 2012

Amor, Bíblia e gays

Por Toni Souza


Fiquei pensando sobre qual assunto abordar nessa estreia, afinal são tantos os temas que nos interessam, e sei que nosso gosto é apurado e, de certa forma, exigente! Pensei... E julguei pertinente, conversaremos sobre o AMOR!

Frustrei?!

Mas vamos seguir. De certo, poderemos encontrar algo que nos faça refletir.

O Amor é cantado por muitas vozes, traduzido em palavras por tantas mãos e sentido por tantos corações. E aqueles sonetos de Vinícius? Eles contam-nos de um amor tão bom.

O Amor que nos exorta e nos convida a oferecer ao próximo, cordialidades em sinal de fraternidade (Rm 12, 10). O Amor que é Phileo, expressão grega que significa “afeição e sentimento profundo”. Mas, que também é Ágapei, vocábulo mais característico do cristianismo e é traduzido por AMOR e aparece em vários contextos nas Escrituras. Ágape fala-nos da essência amorosa de Deus como capaz de amar o mundo a tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16).

E o que dizer do Amor do Cântico dos Cânticos? Aquele Amor que é visgo e aproxima duas pessoas sedentas pela sedução da conquista. É o Amor encharcado por paixões inebriantes, exaltando o erótico no Amor como um presente que Deus concede ao ser humano: “como são ternos teus carinhos, minha irmã e minha noiva! Tuas carícias são mais deliciosas que o vinho; teus perfumes, mais aromáticos que todos os bálsamos” (Ct 4,10).

E, ao final, a noiva derrama-se em reconhecimento: “porque é forte o amor como a morte… Águas torrenciais não conseguirão apagar o amor, nem rios poderão afogá-lo. Se alguém quisesse comprar o amor com todos os tesouros da sua casa, receberia somente desprezo” (Ct 8,6s). Pois, um Amor assim, suplanta nossa compreensão (Ef 3,19). Um Amor como esse é eterno (Jr 31,3), livre (Os 14,4) e duradouro (Jo 13,1).

Nessa altura, talvez vocês estejam se perguntando: Qual a relevância dessa conversa para nós os gays?

Bem. Quando eu escrevia um outro artigo de título: Homossexualidade: espiritualidade em encarar as diferenças (http://www.tonisouza.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=2235593), eu lancei mão de um comentário simples, porém, extraordinário do Teólogo Leonardo Boff e que eu faço questão de repetir aqui; e ele dizia: “Se a relação for de amor, é algo tão profundo que tem a ver com Deus”. Assim falou Boff, em oposição ao papa João Paulo II, que apregoava sua não aceitação para o casamento homossexual.

Pois bem, é tão comum nos encontrarmos com pessoas que se profissionalizam em jogar com os sentimentos alheios, de brincar com as emoções sem se importar com o que cada pessoa traz dentro de si. Ignorando o aspecto sagrado do sentimento.

E onde está a relação profunda e de Amor?

Encontra-se numa sala de bate-papo qualquer, em que os frequentadores se apresentam com nomes fakes ou se expondo em prateleiras ávidas por sexo, nada além do sexo? Encontra-se o Amor nas esquinas escuras à espera de um carro, de um anônimo pra logo depois se deitar numa cama impessoal só para um sexo banal, rápido e barato?

O que há? Não suportamos a ideia de sermos apontados como promíscuos. Estamos cansados de deparar-nos com o receio nos olhos de nossas famílias, quando revelamos nossa homossexualidade. Pois, no fundo eles temem que nos lancemos a uma vida sem limites, regras e respeito próprio.

O que há entre nós? Será a necessidade de se auto-afirmar, de se sentir importante, desejado, quisto? Qual o sentido em ter músculos torneados, carnes esculturais, formosura.... Pra quê? Se o que impera, muitas vezes, é o vazio na cabeça. Cadê o conteúdo, a honestidade, o papo-sério e construtivo?
Valorizo o bom do amor! Pois, o corpo se desfaz, é efêmero. É tão importante que se transforma em pó, mísero pó!

Não custa respeitar-se mutuamente!

Portanto, independente do rótulo homo ou hétero, temos todos a dignidade de filhos de Deus, somos chamados à comunhão com Ele e com o próximo, somos também destinatários da graça divina. 
E ainda falando do Amor, vale a pena ressaltar o grifo do também Teólogo Frei Betto que nos fala: “Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Primeira Carta de João (4,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

E por aqui eu fico, entendendo que toda forma de amor é licita. Seja na união de um homem com uma mulher; entre duas mulheres ou entre dois homens, pois se existir AMOR, Deus aí estará!

Amemo-nos!


Sobre o autor


Toni Souza é baiano. Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido. Site: http://www.tonisouza.prosaeverso.net - Contato: tonnysouza@gmail.com

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Os Gays e a Bíblia

Por Frei Betto (artigo postado originalmente em http://www.freibetto.org/index.php/artigos/85-os-gays-e-a-biblia)

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homo-afetivos.

No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”...).

Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).

No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homo-afetivos.

Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.

São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.

A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?

Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subentendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.

Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homo-afetivos de direitos civis e religiosos?

Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.


Sobre o autor
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.