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terça-feira, 22 de maio de 2012

[Notícia] Famoso psiquiatra pede desculpas por estudo sobre "cura" para LGBTs

Por Benedict Carey (jornalista do The New York Times. Tradução: George El Khouri Andolfato – link original http://mundo.gay1.com.br/2012/05/famoso-psiquiatra-pede-desculpas-por.html)

(Dr. Robert L. Spitzer)

O fato foi simplesmente que ele fez tudo errado, e ao final de uma longa e revolucionária carreira, não importava com quanta frequência estivesse certo, o quão poderoso tinha sido ou o que isso significaria para seu legado.

O Dr. Robert L. Spitzer, considerado por alguns como o pai da psiquiatria moderna, que completa 80 anos nesta semana, acordou recentemente às 4 horas da madrugada ciente de que tinha que fazer algo que não é natural para ele.

Ele se esforçou e andou cambaleando no escuro. Sua mesa parecia impossivelmente distante; Spitzer sofre de mal de Parkinson e tem dificuldade para caminhar, se sentar e até mesmo manter sua cabeça ereta.

A palavra que ele às vezes usa para descrever essas limitações –patéticas– é a mesma que empregou por décadas como um machado, para atacar ideias tolas, teorias vazias e estudos sem valor.

Agora, ali estava ele diante de seu computador, pronto para se retratar de um estudo que realizou, uma investigação mal concebida de 2003 que apoiava o uso da chamada terapia reparativa para “cura” da homossexualidade, voltada para pessoas fortemente motivadas a mudar.

O que dizer? A questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo estava sacudindo novamente a política nacional. O Legislativo da Califórnia estava debatendo um projeto de lei proibindo a terapia como sendo perigosa. Um jornalista de revista que se submeteu à terapia na adolescência, o visitou recentemente em sua casa, para explicar quão miseravelmente desorientadora foi a experiência.

E ele soube posteriormente que um relatório da Organização Mundial de Saúde, divulgado na quinta-feira (17), considera a terapia “uma séria ameaça à saúde e bem-estar –até mesmo à vida– das pessoas afetadas”.

Os dedos de Spitzer tremiam sobre as teclas, não confiáveis, como se sufocassem com as palavras. E então estava feito: uma breve carta a ser publicada neste mês, na mesma revista onde o estudo original apareceu.

“Eu acredito que devo desculpas à comunidade gay”, conclui o texto.

Perturbador da paz

A ideia de estudar a terapia reparadora foi toda de Spitzer, dizem aqueles que o conhecem, um esforço de uma ortodoxia que ele mesmo ajudou a estabelecer.

No final dos anos 90 como hoje, o establishment psiquiátrico considerava a terapia sem valor. Poucos terapeutas consideravam a homossexualidade uma desordem.

Nem sempre foi assim. Até os anos 70, o manual de diagnóstico do campo classificava a homossexualidade como uma doença, a chamando de “transtorno de personalidade sociopática”. Muitos terapeutas ofereciam tratamento, incluindo os analistas freudianos que dominavam o campo na época.

Ativistas LGBTs fizeram objeção furiosamente e, em 1970, um ano após os protestos de Stonewall para impedir as batidas policiais em um bar de Nova York, um grupo de manifestantes dos direitos LGBT confrontou um encontro de terapeutas comportamentais em Nova York para discutir o assunto. O encontro foi encerrado, mas não antes de um jovem professor da Universidade de Columbia sentar-se com os manifestantes para ouvir seus argumentos.

“Eu sempre fui atraído por controvérsia e o que eu ouvi fazia sentido”, disse Spitzer, em uma entrevista em sua casa na semana passada. “E eu comecei a pensar, bem, se é uma desordem mental, então o que a faz assim?”

Ele comparou a homossexualidade com outras condições definidas como transtornos, tais como depressão e dependência de álcool, e viu imediatamente que as últimas causavam angústia acentuada e dano, enquanto a homossexualidade frequentemente não.

Ele também viu uma oportunidade de fazer algo a respeito. Spitzer era na época membro de um comitê da Associação Americana de Psiquiatria, que estava ajudando a atualizar o manual de diagnóstico da área, e organizou prontamente um simpósio para discutir o lugar da homossexualidade.

A iniciativa provocou uma série de debates amargos, colocando Spitzer contra dois importantes psiquiatras influentes que não cediam. No final, a associação psiquiátrica ficou ao lado de Spitzer em 1973, decidindo remover a homossexualidade de seu manual e substituí-la pela alternativa dele, “transtorno de orientação sexual”, para identificar as pessoas cuja orientação sexual, lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual ou hétero, lhes causava angústia.

Apesar da linguagem arcana, a homossexualidade não era mais um “transtorno”. Spitzer conseguiu um avanço nos direitos civis em tempo recorde.

“Eu não diria que Robert Spitzer se tornou um nome popular entre o movimento LGBT mais amplo, mas a retirada da homossexualidade foi amplamente celebrada como uma vitória”, disse Ronald Bayer, do Centro para História e Ética da Saúde Pública, em Columbia. “‘Não Mais Doente’ foi a manchete em alguns jornais gays.”

Em parte como resultado, Spitzer se encarregou da tarefa de atualizar o manual de diagnóstico. Juntamente com uma colega, a dra. Janet Williams, atualmente sua esposa, ele deu início ao trabalho. A um ponto ainda não amplamente apreciado, seu pensamento sobre essa única questão –a homossexualidade– provocou uma reconsideração mais ampla sobre o que é doença mental, sobre onde traçar a linha entre normal e não.

O novo manual, um calhamaço de 567 páginas lançado em 1980, se transformou em um best seller improvável, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. Ele estabeleceu instantaneamente o padrão para futuros manuais psiquiátricos e elevou seu principal arquiteto, então próximo dos 50 anos, ao pináculo de seu campo.

Ele era o protetor do livro, parte diretor, parte embaixador e parte clérigo intratável, rosnando ao telefone para cientistas, jornalistas e autores de políticas que considerava equivocados. Ele assumiu o papel como se tivesse nascido para ele, disseram colegas, ajudando a trazer ordem para um canto historicamente caótico da ciência.

Mas o poder tem seu próprio tipo de confinamento. Spitzer ainda podia perturbar a paz, mas não mais pelos flancos, como um rebelde. Agora ele era o establishment. E no final dos anos 90, disseram amigos, ele permanecia tão inquieto como sempre, ávido em contestar as suposições comuns.

Foi quando se deparou com outro grupo de manifestantes, no encontro anual da associação psiquiátrica em 1999: os autodescritos ex-gays. Como os manifestantes LGBTs em 1973, eles também se sentiam ultrajados por a psiquiatria estar negando a experiência deles –e qualquer terapia que pudesse ajudar.

A terapia reparativa

A terapia reparativa, às vezes chamada de terapia de “conversão” ou “reorientação sexual”, é enraizada na ideia de Freud de que as pessoas nascem bissexuais e podem se mover ao longo de um contínuo de um extremo ao outro. Alguns terapeutas nunca abandonaram a teoria e um dos principais rivais de Spitzer no debate de 1973, o dr. Charles W. Socarides, fundou uma organização chamada Associação Nacional para Pesquisa e Terapia da Homossexualidade (Narth, na sigla em inglês), no sul da Califórnia, para promovê-la.

Em 1998, a Narth formou alianças com grupos de defesa socialmente conservadores e juntos eles iniciaram uma campanha agressiva, publicando anúncios de página inteira em grandes jornais para divulgar histórias de sucesso.

“Pessoas com uma visão de mundo compartilhada basicamente se uniram e criaram seu próprio grupo de especialistas, para oferecer visões alternativas de políticas”, disse o dr. Jack Drescher, psiquiatra em Nova York e coeditor de “Ex-Gay Research: Analyzing the Spitzer Study and Its Relation to Science, Religion, Politics, and Culture”.

Para Spitzer, a pergunta científica no mínimo valia a pena ser feita: qual era o efeito da terapia, se é que havia algum? Estudos anteriores tinham sido tendenciosos e inconclusivos.

“As pessoas me diziam na época: ‘Bob, você vai arruinar sua carreira, não faça isso’”, disse Spitzer. “Mas eu não me sentia vulnerável.”

Ele recrutou 200 homens e mulheres, dos centros que realizavam a terapia, incluindo o Exodus International, com sede na Flórida, e da Narth. Ele entrevistou cada um profundamente por telefone, perguntando sobre seus impulsos sexuais, sentimentos, comportamentos antes e depois da terapia, classificando as respostas em uma escala.

Spitzer então comparou os resultados de seu questionário, antes e depois da terapia. “A maioria dos participantes relatou mudança de uma orientação predominante ou exclusivamente homossexual antes da terapia, para uma orientação predominante ou exclusivamente heterossexual no ano passado”, concluiu seu estudo.

O estudo –apresentado em um encontro de psiquiatria em 2001, antes da publicação– tornou-se imediatamente uma sensação e grupos de ex-gays o apontaram como evidência sólida de seu caso. Afinal aquele era Spitzer, o homem que sozinho removeu a homossexualidade do manual de transtornos mentais. Ninguém poderia acusá-lo de tendencioso.

Mas líderes LGBTs o acusaram de traição e tinham suas razões.

O estudo apresentava problemas sérios. Ele se baseava no que as pessoas se lembravam de sentir anos antes –uma lembrança às vezes vaga. Ele incluía alguns defensores ex-gays, que eram politicamente ativos. E não testava uma terapia em particular; apenas metade dos participantes se tratou com terapeutas, enquanto outros trabalharam com conselheiros pastorais ou em grupos independentes de estudos da Bíblia.

Vários colegas tentaram impedir o estudo e pediram para que ele não o publicasse, disse Spitzer.

Mas altamente empenhado após todo o trabalho, ele recorreu a um amigo e ex-colaborador, o dr. Kenneth J. Zucker, psicólogo-chefe do Centro para Vício e Saúde Mental, em Toronto, e editor do “Archives of Sexual Behavior”, outra revista influente.

“Eu conhecia o Bob e a qualidade do seu trabalho, e concordei em publicá-lo”, disse Zucker em uma entrevista na semana passada.

O artigo não passou pelo habitual processo de revisão por pares, no qual especialistas anônimos avaliam o artigo antes da publicação.

“Mas eu lhe disse que o faria apenas se também publicasse os comentários de resposta de outros cientistas para acompanhar o estudo", disse Zucker.

Esses comentários, com poucas exceções, foram impiedosos. Um citou o Código de Nuremberg de ética para condenar o estudo não apenas como falho, mas também moralmente errado.

“Nós tememos as repercussões desse estudo, incluindo o aumento do sofrimento, do preconceito e da discriminação”, concluiu um grupo de 15 pesquisadores do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, do qual Spitzer era afiliado.

Spitzer não deixou implícito no estudo que ser homossexual era uma opção, ou que era possível para qualquer um que quisesse mudar fazê-lo com terapia. Mas isso não impediu grupos socialmente conservadores de citarem o estudo em apoio a esses pontos, segundo Wayne Besen, diretor executivo da Truth Wins Out, uma organização sem fins lucrativos que combate o preconceito contra LGBTs.

Em uma ocasião, um político da Finlândia apresentou o estudo no Parlamento para argumentar contra as uniões civis, segundo Drescher.

“Precisa ser dito que quando este estudo foi mal utilizado para fins políticos, para dizer que os gays deviam ser curados –como ocorreu muitas vezes. Bob respondia imediatamente, para corrigir as percepções equivocadas”, disse Drescher, que é gay.

Mas Spitzer não conseguiu controlar a forma como seu estudo era interpretado por cada um e não conseguiu apagar o maior erro científico de todos, claramente atacado em muitos dos comentários: simplesmente perguntar para as pessoas se elas mudaram não é evidência de mudança real. As pessoas mentem, para si mesmas e para os outros. Elas mudam continuamente suas histórias, para atender suas necessidades e humores.

Resumindo, segundo quase qualquer medição, o estudo fracassou no teste do rigor científico que o próprio Spitzer foi tão importante em exigir por muitos anos.

“Ao ler esses comentários, eu sabia que era um problema, um grande problema, e um que eu não podia responder”, disse Spitzer. “Como você sabe que alguém realmente mudou?”

Reconhecimento

Foram necessários 11 anos para ele reconhecer publicamente.

Inicialmente ele se agarrou à ideia de que o estudo era exploratório, uma tentativa de levar os cientistas a pensarem duas vezes antes de descartar uma terapia de cara. Então ele se refugiou na posição de que o estudo se concentrava menos na eficácia da terapia e mais em como as pessoas tratadas com ele descreviam mudanças na orientação sexual.

“Não é um pergunta muito interessante”, ele disse. “Mas por muito tempo eu pensei que talvez não tivesse que enfrentar o problema maior, sobre a medição da mudança.”

Após se aposentar em 2003, ele permaneceu ativo em muitas frentes, mas o estudo da terapia reparativa permaneceu um elemento importante das guerras culturais e um arrependimento pessoal que não o deixava em paz. Os sintomas de Parkinson pioraram no ano passado, o esgotando física e mentalmente, tornando ainda mais difícil para ele lutar contra as dores do remorso.

E, em um dia em março, Spitzer recebeu um visitante. Gabriel Arana, um jornalista da revista “The American Prospect”, entrevistou Spitzer sobre o estudo sobre terapia reparativa. Aquela não era uma entrevista qualquer; Arana se submeteu à terapia reparativa na adolescência e o terapeuta dele recrutou o jovem para o estudo de Spitzer (Arana não participou).

“Eu perguntei a ele sobre todos os seus críticos e ele disse: ‘Eu acho que eles estão certos’”, disse Arana, que escreveu sobre suas próprias experiências no mês passado. Arana disse que a terapia reparativa acabou adiando sua autoaceitação e lhe induziu a pensamentos de suicídio. “Mas na época que fui recrutado para o estudo de Spitzer, eu era considerado uma história de sucesso. Eu teria dito que estava fazendo progressos.”

Aquilo foi o que faltava. O estudo que na época parecia uma mera nota de rodapé em uma grande vida estava se transformando em um capítulo. E precisava de um final apropriado –uma forte correção, diretamente por seu autor, não por um jornalista ou colega.

Um esboço da carta já vazou online e foi divulgado.

“Você sabe, é o único arrependimento que tenho; o único profissional”, disse Spitzer sobre o estudo, perto do final de uma longa entrevista. “E eu acho que, na história da psiquiatria, eu não creio que tenha visto um cientista escrever uma carta dizendo que os dados estavam lá, mas foram interpretados erroneamente. Que tenha admitido isso e pedido desculpas aos seus leitores.”

Ele desviou o olhar e então voltou de novo, com seus olhos grandes cheios de emoção. “Isso é alguma coisa, você não acha?”

segunda-feira, 14 de maio de 2012

[Tradução] A Bíblia na verdade diz “com varão de tua família não te deitarás”

Por Ocio Gay (entrevista publicada originalmente em espanhol em http://www.ociogay.com/2012/05/03/la-biblia-en-realidad-dice-con-varon-de-tu-familia-no-te-acostaras e traduzida por Paulo Stekel)

(O polêmico e irreverente teólogo dinamarquês Renato Lings)

Nós conversamos com o tradutor e teólogo Renato Lings, autor de "Bíblia e Homossexualidade".

Com seu tom calmo e grande senso de humor, o autor dinamarquês explica durante sua visita a Madri que, depois de muitos anos de estudo, "A Bíblia" é para ele uma amiga, não uma fonte de medo, como muitos querem considerar. Doutor em teologia, tradutor de hebraico, grego e espanhol, Lings tem feito do estudo de textos sagrados com relação à homossexualidade uma de suas principais ocupações. Acaba de publicar “Bíblia e homossexualidade - erraram os tradutores?”, onde resume que os problemas da Igreja com os homossexuais são realmente uma questão de um "Lost in Translation" medieval.

- A partir da disseminação gradual do Cristianismo pelo Império Romano vem a necessidade de disponibilizar a totalidade dos escritos bíblicos em latim. Em resposta a essa demanda aparece a Vulgata em cerca de 400 d. C. É esta a origem dos males da homossexualidade para a Igreja?

- A Vulgata é importante sob vários pontos de vista: primeiro, porque a tradução é executada por um personagem muito importante para a Igreja Romana, Jerônimo, e em segundo lugar porque é a primeira versão que tem todos os livros da Bíblia em latim. Em grande parte, revisa as traduções existentes, mas também traduziu outras partes. Ele pensou que seria fácil traduzir da Septuaginta, que é a tradução para o grego antigo, mas percebeu que já naquele tempo teve muitos erros e não podia ser confiável, motivo pelo qual estudou hebraico e assim traduziu o Antigo Testamento também. Isso exigiu um grande esforço. Dito isto, convém notar que, devido à uniformidade que estava adquirindo a Igreja Romana, esta foi se impondo como a única versão da "Bíblia", ou seja, até que finalmente se tornou a verdade. Esta versão deu cor aos capítulos mais controversos.

Conforme avançava a Igreja, esta foi se fechando mais no latim e se perdeu completamente o grego e o hebraico, a ponto de, na Idade Média, o latim ter se tornado a língua de Jesus Cristo. Isso é problemático por várias razões, mas principalmente porque durante a Idade Média entre as correntes teológicas havia muita tendência ao ascetismo, à renúncia de prazeres carnais, estabelecendo-se assim os vícios, incluindo a sodomia.

- Na verdade, você aponta que a “sodomia” não aparece como termo até o século XI.

- De fato. Antes havia o vício da sodomia, mas não havia uma definição única do que isso significava. Havia uma variedade de definições, mas tinha a ver com a vida sexual das pessoas, já que em ambientes eclesiásticos ao fazer o voto de castidade não havia espaço para as relações sexuais.

Então rolou como uma bola de neve o perigo que são as relações homoeróticas, pois as heterossexuais não são mais um problema ao se entrar no mosteiro. Muitos interpretaram, então, o desejo homoerótico que sentiam como sendo uma inspiração demoníaca, pois, não entendiam que depois de entregar corpo e alma a Deus lhes surgiriam fantasias eróticas e sonhos com parceiros da comunidade.

- Outra das análises mais abrangentes que você faz no livro é sobre a famosa frase do Levítico: "Com varão não te deitarás" que na verdade é "com varão não terás repousos [lit. “jazer para relações sexuais”] de mulheres."

- Eu tenho minhas dúvidas, por várias razões. Praticamente toda a literatura que está incluída no que chamamos de "Antigo Testamento", que eu prefiro chamar de "A Bíblia hebraica", tem um alto nível de refinamento literário. Eu não acho que esses textos correspondem a mentes retrógradas em questões de antropologia. Por isso, é curioso que, no caso de "Levítico" há tantos séculos haja um debate sobre o que significa. A proibição de relações homoeróticas com base neste livro não aparece até o século IV D.C.; antes não há nenhum registro de que tenha sido interpretado nesse sentido, pelo menos no Cristianismo, porque no Judaísmo há todavia mais literatura sobre o assunto.

Como pode um versículo de uma linha e meia gerar tanto debate? Alguns acreditam que se fala da penetração anal, e dentro dessa tendência, há divergências, pois existem alguns que acreditam que o que é proibido é o contato do sêmen com fezes, outros dizem que se trata de proteger a procriação e evitar qualquer dispersão de sêmen em outro vaso que não seja a vagina. Uma terceira teoria diz que o que é censurado é a parte ativa da relação homoerótica, isto é, não deves penetrar a outro homem analmente. A quarta, porém, acredita que se refere à parte passiva: você não deve se comportar como uma mulher na frente de um homem deixando-se penetrar.

Eu sugiro uma quinta interpretação que não tem nada a ver com a penetração anal, e que já foi sugerida por David Stewart: a do incesto. Praticamente todo o capítulo em que isto está escrito, o 18, fala do incesto entre homem e mulher. Ele acha que esta proibição também se estende entre dois homens da mesma família. Mas, como é um texto altamente sofisticado continua a gerar debate. Eu tive que ir até o capítulo 20 para perceber que este versículo reaparece junto com outros que proíbem o incesto, com a pena de morte incluída. Acho interessante este achado porque também existe na tradição hitita uma proibição incestuosa deste tipo, expressa sem rodeios. Como existem muitos paralelos entre as passagens da "Bíblia", com outras tradições antigas do Oriente Médio, eu duvido que haja um povo tão radicalmente separados dos outros.

Há outra razão para pensar que o incesto, da segunda parte ("repousos de mulher") é difícil de interpretar, porque ele usa um vocabulário elaborado. A primeira parte diz: "com varão não te deitarás", não "com um homem" e isso é importante porque não se trata de dois sinônimos. "Varão" também inclui os jovens que não chegam a "homens", e os idosos. A segunda é fundamental, e grande parte da Igreja decidiu que queria dizer "com nenhum". E eu me pergunto, se todo o capítulo é destinado à família porque esta parte não? Também sempre se refere a "varões israelitas", não a todos do mundo. E também especifica "mulher", não "fêmea". David Stewart, de quem sigo a pista, define que a palavra "repousos" só aparece uma vez mais nesta parte da Bíblia hebraica e no segundo caso, está no livro de "Gênesis", onde Jacó fala para seu filho mais velho Ruben, que cometeu um ato de incesto com uma das esposas deste. Ele diz "Foste até os repousos de teu pai", o que reforça a minha teoria do incesto porque o "repouso" no singular ocorre com mais freqüência.

- Também “Sodoma” surge sob outro prisma depois de sua análise.

- Lhe dediquei sete anos, apesar de que só tem um capítulo e meio. Eu me sinto muito em paz porque eu o trabalhei de cima para baixo e de fora para dentro. Todos os profetas do Antigo Testamento, que eram testemunhas oculares que falavam hebraico e estão imersos na sua cultura, utilizam "Sodoma e Gomorra" como uma metáfora.

- Se algo fica depois de se ler o livro é a sensação de que se tem interpretado os textos sagrados a partir da literalidade absoluta, mesmo quando se fala em metáforas.

- Somos muito mais fundamentalistas que os antigos; nós tomamos a "Bíblia" ao pé da letra, enquanto que eles sabiam como interpretar os símbolos. Produziam um discurso altamente desenvolvido no literário e no teológico. Bem, os profetas usam o mito de Sodoma e Gomorra em contextos de injustiça social, se referem à raiva que sentem quando os poderosos maltratam os pobres, especialmente Isaías e Ezequiel (que critica por meio disso a idolatria dos israelitas que se lançam a adorar outros deuses). Não se referem a questões sexuais. Isso me deu a dica de que algo não sabíamos sobre esse texto, e continuamos prisioneiros da tradição medieval. É mais convincente a investigação a partir da perspectiva dos profetas, porque é mais fiel ao contexto original.

- "Para a pessoa cristã o essencial é seguir a Cristo e não ser influenciada pelas pressões do ambiente social" você afirma, baseando-se em São Paulo: "Busco eu agora persuadir os homens ou a Deus? Se, todavia, tentasse agradar aos homens já não seria servo de Cristo". Isto tem sido completamente esquecido, e mais, às vezes a igreja é quem exerce a pressão social.
- Até mesmo, às vezes, forçando a seguir a igreja mais do que a Cristo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

[Tradução] O que é homossexualidade? O Uno e o Múltiplo

Por Toby Johnson (Fonte: http://tobyjohnson.com/theoneandthemany.html)


A Homossexualidade, é claro, é uma orientação psicológica para a vida. Foi apenas a partir do desenvolvimento da sofisticada consciência psicológica do "inconsciente" (datada da época de Sigmund Freud) que pudemos pensar em termos de algo como uma orientação psico-sexual da personalidade. Nesse sentido, a homossexualidade é algo relativamente novo. Sempre houve pessoas que fizeram sexo homossexual, mas antes dos tempos modernos, elas não tiveram um sentido de si mesmas como homossexuais.

A homossexualidade é uma categoria de consciência e uma manifestação da consciência ciente de si mesma. Tanto praticamente quanto metaforicamente a homossexualidade é auto-reflexiva. Trata-se da unidade do cosmos, ao invés da dualidade. A heterossexualidade manifesta a dualidade. (heterossexuais são muitas vezes "inconscientes" de ser heterossexuais, porque experimentam seus sentimentos sexuais como normais, automáticos e invariáveis.)

Sendo uma "orientação psicológica" a homossexualidade é uma dinâmica neurológica – como ser canhoto, por exemplo. Com efeito, a incidência de canhotismo e homossexualidade é aproximadamente a mesma, entre 3% e 10% da população geral. Similar também à orientação sexual, a categoria da lateralidade inclui indivíduos ambidestros, assim como a categoria sexual inclui bissexuais. É possível a pessoas ambidestras evitar o uso de sua mão esquerda como dominante, assim como é possível a bissexuais evitar suas atrações homossexuais. Pessoas ambidestras que tenha renunciado ao lado canhoto e bissexuais que renunciaram à homossexualidade parecem ter mudado sua orientação. Canhotos que não são ambidestros e  homossexuais que não são bissexuais não mudam sua orientação.

Há um maravilhoso artigo na web de Chandler Burr sobre os paralelos entre orientação sexual e lateralidade intitulado: “The Only Question That Matters: Do People Choose Their Sexual Orientation?” (A única questão que importa: as pessoas escolhem sua orientação sexual?)

Como a orientação homossexual existe em tudo, isso nos diz algo sobre a metafísica do universo e a natureza da consciência. A Filosofia Hermética e o pensamento metafísico considera o universo em termos de "o Uno e o Múltiplo". "De um vêm dois, e de dois vêm muitos" é uma fórmula tradicional.
Aqui está uma explicação simples aforística de orientação sexual no estilo da antiga terminologia hermética:

O Um se divide em Muitos
a fim de experimentar os muitos como o Uno.

A atração heterossexual manifesta o prazer,
a experiência múltipla em sua variedade.
A União heterossexual propaga o múltiplo,
do Dois fazendo muitos mais.

A atração homossexual manifesta o prazer,
nisso o Uno experimenta a Unidade.
O amor homossexual testemunha o desejo do Um de retornar a si mesmo e
de experimentar a multiplicidade de Muitos
como um reflexo do Self do Uno.

Complemento: O que Jesus disse sobre os Direitos Gays (Fonte: http://tobyjohnson.com/jesusongayrights.html)

O que Jesus disse sobre os direitos dos homossexuais é bastante simples:

"Faça aos outros o que gostaria que fizessem para você."

E, novamente, "Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos e irmãs, é a mim que fazeis."

Não há dúvidas de que Jesus teria estado ao "nosso lado" no debate dos direitos dos homossexuais e não do lado daqueles que afirmam ser seus seguidores e proclamar os seus "valores morais", clamando por leis contra a dignidade e os direitos civis dos gays.

Eles não querem que isso seja feito a eles. Na verdade, eles estão frequentemente gritando que há uma perseguição sutil dos cristãos nos EUA. Eles não gostam disso.

Seguindo as instruções de Jesus, então, eles não deveriam querer qualquer tipo de perseguição a quaisquer pessoas, incluindo gays e lésbicas, porque eles não querem se perseguidos.


Sobre o autor

Toby Johnson, PhD, é autor de oito livros: três livros de não-ficção que aplicam a sabedoria de seu professor e "velho sábio", Joseph Campbell aos modernos problemas sociais e religiosos cotidianos, três romances do gênero gay que dramatizam temas espirituais no âmago da identidade gay, e dois livros sobre a espiritualidade de homens gay e a experiência mística da homossexualidade.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

[Tradução] A Noite Escura da Alma

Por Toby Johnson – acesse o site do autor: http://tobyjohnson.com

A noite escura da alma refere-se a uma espécie de estado afetivo, também chamado de aridez, que se diz preceder a experiência mística direta. Refere-se à noção de que você tem que passar por uma certa quantidade de sofrimento antes que você possa perceber a alegria e o prazer.

A noite escura é caracterizada pela insatisfação e tédio com relação à maneira como as pessoas “normais” vivem suas vidas “normais”. Subjacente a essa insatisfação existe uma "fome espiritual" de algo além do que o mundo oferece. Isso é interpretado como a experiência de união com Deus. Enquanto esta imagem se aplica a todas as pessoas, tem aplicação particularmente apropriada para a experiência de homens gays, especialmente gays espiritualmente conscientes.

Há uma certa sabedoria implícita no ser gay, um sentido de compreender uma dimensão oculta da realidade que a maioria das pessoas não parece perceber onde está. Aprendemos isso no início da vida. No começo, é apenas em referência a si mesmo. Ou seja, sentimos, muitas vezes incipiente, que há algo sobre nós mesmos que temos que manter em segredo, algo que só nós (e Deus) podemos saber. Podemos desenvolver uma visão mágica ou religiosa do mundo a partir deste sentido de secretude ou sacralidade.

Como homens gays mais velhos, podemos vir a compreender que o que tínhamos entendido como a "dimensão secreta" era, de fato, a dimensão homossexual, e que tem havido outros antes de nós que já viveram uma vida em segredo e "escuridão" como companheiros homossexuais. Tornamo-nos fascinados com a inclinação homossexual que nós - e nossos semelhantes - podemos ver ao longo da história e cultura. Queremos saber quem era gay no passado, quais estrelas de cinema, quais políticos e celebridades, quais instrutores espirituais compartilharam nosso segredo (muitas vezes em sua própria "escuridão").

As pessoas homossexuais – talvez de modo demasiado arrogante – que chamam de “corretas” (inglês straight, referindo-se a heterossexuais) as pessoas ditas “normais”, podem não perceber esta dimensão escondida em tudo. Não há, afinal, nenhuma razão para estes virem a desconfiar que  são ensinados por seus pais, professores, padres, etc, que alguns podem chamar de: "as autoridades" - pelo menos, nenhuma razão sentida em sua carne. Claro que, como eles desenvolvem e aprofundam as suas próprias vidas psicológicas e espirituais, são suscetíveis de perceber que há uma dimensão secreta. Isto é, afinal, a descoberta de todos os chamados "místicos". Uma parte importante da contribuição gay pode ser justamente a revelação da dimensão oculta da vida.

A noite escura é um passo comum ao alguém se apresentar como gay. Ou seja, os gays muitas vezes experimentam confusão, depressão e perda de identidade social assim que percebem sua orientação homossexual.

Primeiro, talvez, sintamos que algo está faltando na heterossexualidade; ansiamos por algo mais. Então, quando percebemos o que é que desejamos, podemos nos sentir humilhados ou traídos, ou pelo menos podemos sentir que isso é algo que devemos manter em segredo.

Mais tarde, muitas vezes através de um momento de mudança de vida intensamente emocional, chegamos a compreender o que a homossexualidade realmente é. Então, a culpa e os equívocos são transformados, e sentimos alívio e alegria. Passamos pela noite escura através da forma de purgação, e descobrimos um mundo novo e um novo auto-conceito.

A noite escura é uma imagem de um poema de São João da Cruz, um místico espanhol do século XVI. Para quem vê pelo prisma gay, este poema é um relato de um encontro sexual anônimo que resulta em uma experiência mística.

Ele conta como João foge à noite disfarçado e vai para um lugar ermo, fora dos muros da cidade e lá conhece um homem, faz amor com ele, então, percebe que este é o Cristo fazendo amor com ele e ele acaba por desmaiar. Ele acorda e encontra a si mesmo e seu Amado deitado em um campo de lírios, uma alusão a um dos mais bonitos ditos de Jesus: Olhai para os lírios do campo, eles não labutam nem fiam, mas até mesmo o Rei Salomão, em toda a sua glória, não era adornado como uma deles.

Nós, os gays, passamos por essa escuridão como uma parte necessária de ser quem somos. E, assim, potencialmente vemos a mensagem mística por trás da religião. Nós potencialmente descobrimos do que São João da Cruz estava falando: em cada homem que encontramos, especialmente aqueles com quem fazemos sexo ou por quem nos apaixonamos, podemos ver Cristo. Na verdade, isto é o que "Cristo" significa: a divindade real da vida encarnada humana, aqui e agora. Como Jesus disse: "O que fizerdes ao menor dos meus irmãos, a mim farás." E também: "O Reino de Deus está espalhado por toda a face da Terra, e os homens não o vêem." O segredo é abrirmos nossos olhos.

Esta não é a sabedoria dos valores familiares que está compreensivelmente preocupada com a manutenção do status quo, segurando a certeza, protegendo o ninho para o bem das crianças. Mas, precisamente porque, como gays, não nos encaixamos no status quo, não experimentamos a certeza e a justiça, é que, potencialmente, temos à nossa disposição a visão mística da noite escura. Podemos abrir nossos olhos e ver na escuridão.

A Noite Escura*
Por São João da Cruz (1542-1591)

(1578)

1. Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh, ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

2. Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

3. Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

4. Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

5. Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

6. Em meu peito florido
Que, inteiro para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

7. Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

8. Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.

* A partir de As Obras Completas de São João da Cruz, trad. Kieran Kavanaugh, OCD, e Otilio Rodriguez, TOC, rev. ed., Washington, DC: ICS Publicações, 1991.


Sobre Toby Johnson

Toby Johnson, PhD, é autor de oito livros: três livros de não-ficção que aplicam a sabedoria de seu professor e "velho sábio", Joseph Campbell aos modernos problemas sociais e religiosos cotidianos, três romances do gênero gay que dramatizam temas espirituais no âmago da identidade gay, e dois livros sobre a espiritualidade de homens gay e a experiência mística da homossexualidade.

sábado, 14 de janeiro de 2012

[Tradução] Uma religião muito “queer”*

(Por Toby Johnson** – acesse o site do autor: http://tobyjohnson.com)

* Nota do Tradutor - Em Inglês, o termo “queer” é usado para referir-se aos gays. Significa “estranho” ou “esquisito”. Apesar de seu uso pejorativo – a ponto de ser por vezes traduzido por “bicha” – Toby Johnson não o usa com conotação pejorativa, mas inclusiva.
** Tradução de Paulo Stekel

Uma religião queer não pode significar algo como fazer as bichas serem religiosas, ou seja, fazer-nos voltar para a igreja/sinagoga/templo/mesquita, etc, para acreditarmos nos mitos populares e aceitarmos a autoridade de líderes religiosos.

Uma religião queer deve significar o reconhecimento da multiplicidade de vozes e perspectivas em todo o mundo, o elevar-se acima da religião de origem para observá-la como mais uma tradição entre muitas.

Para muitos de nós tal tradição tem sido o Cristianismo, e, nesse sentido, com uma maior e mais elevada perspectiva, - o que é chamado de "espiritualidade" - permite uma resposta simples sobre a história da Igreja e a opressão baseada na Bíblia: é tudo mito de qualquer maneira, tome o que é significativo para você e deixe o resto para trás.

Isso é religião queer: deve-se compreendê-la, não "acreditar" nela. Ela liberta você da religião enquanto mostra o que ela realmente era, inicialmente, e assim "despertando" você para a natureza da consciência e a natureza de "Deus", como uma dica sobre quem você realmente é como entidade consciente inquirindo sobre a natureza de sua existência.

O cerne das tradições mitológicas é aumentar a visão das pessoas acima das preocupações cotidianas e egoístas e inspirar compaixão. O objetivo da religião não é estar certa, mas ser amorosa e gentil. Se a Bíblia diz que os homossexuais devem ser apedrejados, é evidência de uma bíblia ultrapassada e inadequada para abordar questões da vida contemporânea.

Você não precisa explicar "textos de horror", aqueles versículos da Bíblia que são citados fora do contexto, para justificar a condenação da homossexualidade como algo inevitável, porque é "a vontade de Deus." Você pode simplesmente rasgar as páginas do livro.

Na verdade, você pode achar que seria mais simples salvar apenas uma página, como uma regra de ouro de Jesus sobre isso e jogar fora todo o resto. Isso é provavelmente o que o próprio Jesus teria feito.

A mensagem a ser aprendida a partir da observação das atitudes anti-gays e do comportamento das igrejas cristãs é que é hora de seguir em frente. Vamos jogar fora o bebê com a água do banho, porque na verdade a água está suja, o bebê morreu e o corpo está em putrefação, merecendo um enterro respeitoso.

Não é suficiente para o Cristianismo Queer seguir buscando os significados originais, ou descobrir que Jesus teria sido pró-gay, ou se ele tinha as palavras para falar sobre tais questões - embora, naturalmente, isso seja verdade. A Cristandade é mais uma voz no diálogo sobre o significado espiritual - e ela tem um sotaque muito antiquado.

Você próprio precisa estranhar a religião. Todos nós, gays e heterossexuais, precisamos de um novo paradigma espiritual que faça sentido no mundo moderno e fale com uma voz moderna e esclarecedora. Isso, eu acho, é o que é "espiritualidade gay", é a direção para onde a raça humana está evoluindo.

O "novo mito" é o conto do que a religião e o mito têm sido na história da evolução da consciência. Podemos entender que estas coisas têm sido metáforas sobre a consciência.

Esta constatação é a seguinte: 1) um mito de ordem superior, 2) uma “queerização” real - no sentido de despojar - da religião e das noções tradicionais de autoridade religiosa, e 3), ironicamente, a salvação da religião como uma forma de alta cultura, arte.

Se a religião e o mito estão em concorrência com a ciência para descrever o mundo material externo, a religião necessariamente perderá. Se a nova compreensão da religião e do mito é a ferramenta científica para descrever as estruturas da consciência profunda no interior, no mundo "espiritual", então a religião e a ciência trabalham lado a lado, em prol da evolução e expansão da consciência.

Pois, tudo isto é fundamentalmente a respeito do Universo despertando para si. De um modo paralelo e profundamente significativo, eu acho que ser queer é despertar para si mesmo. Ninguém se identifica como gay ou “bicha” sem ter despertado de alguma forma, isto é, sem ter compreendido os indícios que suas vidas dão sobre sua própria experiência interior da consciência.

Ser queer, ser gay dá-nos o suporte notório para a compreensão e o movimento em direção ao novo mito que é a vanguarda da evolução da consciência. É ser um com o universo em evolução, sendo um com o Big Bang, sendo um com "Deus".

O caminho para a religião queer é ser Deus.


Sobre Toby Johnson

Toby Johnson, PhD, é autor de oito livros: três livros de não-ficção que aplicam a sabedoria de seu professor e "velho sábio", Joseph Campbell aos modernos problemas sociais e religiosos cotidianos, três romances do gênero gay que dramatizam temas espirituais no âmago da identidade gay, e dois livros sobre a espiritualidade de homens gay e a experiência mística da homossexualidade.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

[Tradução] Espiritualidade Gay - Identidade Gay e a transformação da consciência humana

Espiritualidade Gay
Identidade Gay e a transformação da consciência humana

A questão do porque os gays estão aqui!


(Tradução de partes da Introdução do livro "Gay Spirituality", de Toby Johnson - White crane Institute, 2000 - tradução de Paulo Stekel)

Existe um esclarecimento que acompanha o ser gay, uma compreensão do real significado e mensagem da religião. Nem todos os gays aproveitam-se deste esclarecimento. Alguns estão fechados a isto por atrações momentâneas da carne e pelo glamour de uma vida gay liberada. Alguns estão cegados pela culpa e confusão inseridas neles por uma sociedade homofóbica. E, alguns estão cegados pela desinformação perpetuada pela religião institucionalizada. No entanto, este esclarecimento espiritual está aqui para nós, se abrirmos nossos olhos.

A percepção dos gays vem, em parte, do fato de verem o mundo da perspectiva de um estranho. Ela advém também de se trazer um diferente e menos polarizado conjunto de suposições ao processo de se observar o mundo. E ela vem, para a maioria de nós, de eles não serem pais, portanto, não chegando ao ponto de criar prole ou manter as expectativas futuras de suas vidas. As várias formas do que é chamado "espiritualidade gay" nascem - e são facilitadas - a partir desta postura de percepção.

Uma vez que os gays estão condicionados a sair dos pressupostos da sociedade para verem a sexualidade de um modo mais expansivo, nós somos abençoados - e, por vezes, amaldiçoados - com esta visão de vanguarda. Se pudermos tratar desta visão satisfatoriamente, podemos cuidar de cada um na compreensão da real mensagem da religião.

De fato, é através de nossos questionamentos que os religiosos estão sendo testados na real mensagem de suas fés: Eles devem obedecer o mandamento de amar seu próximo ou devem ceder ao preconceito e à homofobia? A mentalidade religiosa pode acompanhar a mudança cultural?

É no que diz respeito a estes questionamentos que as Igrejas têm se afastado. Apelando para a homofobia, baseada em uma visão fora de moda da natureza humana - em vez de ajudar a curá-la para o bem de TODOS - elas demonstram sua falha no cumprimento dos ensinamentos básicos que proclamam sobre amor e compaixão, exemplificam a inabilidade para lidar com o mundo moderno, e demonstram (para nós, ao menos) que não estão sendo levados pela Orientação Divina.

O mundo mudou

A religião popular não faz mais qualquer sentido. Os mitos tradicionais descreviam o universo como um disco pequeno, não muito maior que a bacia do Mediterrâneo e com cerca de 4 mil anos, flutuando no centro de um firmamento aquoso, comandado por deidades personificadas com traços distintivamente humanos. A observação científica nos mostra um universo que se estende bilhões de anos-luz no espaço-tempo em expansão. Não há firmamento de águas, e os deuses míticos não poderiam ter começado a sondar o cosmos moderno. E nós só o estamos observando com instrumentos sofisticados há poucas décadas. Nós apenas começamos a ver que ele realmente é.

Os velhos mitos não abordam muitas das questões que impulsionam a consciência moderna: superpopulação, poluição, dinamismo ecológico, o bem-estar dos oceanos e florestas, armas de destruição em massa, exploração do espaço, câncer, televisão, automóveis, biotecnologia, computadores, globalização, evolução, liberdade, democracia, sofisticação psicológica, igualdade racial e, claro, orientação sexual.

Espera-se que a religião seja o condutor da sabedoria. Seus mitos se imagina serem descrições - metafóricas e simbólicas - de como a consciência opera. Mas, as operações da consciência se tornaram muito mais complexas para serem faladas pelos velhos mitos. Algumas coisas - coisas antes importantes, como sacrifício humano e pureza ritualística - nem sequer nos interessam hoje em dia.

O modo de reabilitar os aspectos positivos da religião - às vezes citados por religiosos revolucionários contemporâneos como "espiritualidade" - consiste em ascender a uma perspectiva mais elevada a partir da qual se compreenda a sabedoria escondida sob os mitos religiosos.

A consciência gay e o real significado da religião

Nos últimos 100 anos um novo modo de expressar e entender a identidade sexual se desenvolveu entre os seres humanos. Agora usamos palavras como "homossexual" e "heterossexual". Enquanto as pessoas obviamente tinham sexo homossexual no passado e formavam círculos de amizade e panelinhas sociais com outras pessoas como elas, até recentemente apenas alguns raros identificaram-se assim, ou experimentaram esse fato como uma fonte de traços de personalidade distintivos e positivos. Isso é algo novo. Isso nos conduz a uma nova perspectiva de vida.

A consciência gay está treinada desde a tenra idade para ver a vida de uma perspectiva de distância crítica. Os gays são hábeis em ver a mais, e além, e no exterior. Podemos tirar isso como modelo para o restante da humanidade sobre como entender a real sabedoria da religião.

Homossexualidade e religião são inextricavelmente entrelaçadas. A principal objeção à homossexualidade entre as correntes de pensamento nos EUA continua a ser a tradição religiosa e as prescrições bíblicas. Todavia, muitos homossexuais naturalmente incorporam os traços de sensibilidade e gentileza que a religião pretende ensinar. Os homens gays geralmente levam uma vida santa e moralmente exemplar. Apesar dos exemplos em contraposição que possam ser oferecidos, há uma bondade e virtude inerente à vida dos gays, além de uma demonstração de espiritualidade real que em muitos de nós resolve o problema de se dar sentido à religião no mundo moderno.

O conflito entre os ensinamentos da Igreja e a realidade dos sentimentos gays pode criar uma crise espiritual que leva os homossexuais a reavaliarem a religião e o significado de suas vidas. Esta crise espiritual conduz algumas pessoas a rejeitarem suas sensações religiosas/espirituais, muitas vezes fora da indignação com a cegueira e estupidez da religião convencional. Enquanto isso pode ser um ato de integridade espiritual, pode custar a estas pessoas uma parte importante da vida. Afinal de contas, a espiritualidade pode oferecer uma visão de esperança e sentido em um mundo que às vezes parecer estar em um miasma sem esperança de dor e sofrimento. No seu melhor, a espiritualidade concede visão e amor pela vida. Isso amplia nossa perspectiva. Isso nos sensibiliza para a beleza e a vitalidade - as mesmas coisas em que os gays se sobressaem.

Muitos gays, contudo, não rejeitam nem sua religiosidade - eles são bons, gentis e honestos em seu interesse nas coisas espirituais - nem sua homossexualidade e satisfação na sua vida gay.

O homem gay como um adepto espiritual

O estereótipo do homem gay é só isso - um estereótipo, não mais real do que qualquer outro. Ele se aplica somente a alguns homens gays. Outros homens gays podem sentir que nem mesmo entendem o que significa o estereótipo/arquétipo. Tudo ok. Articular e promover o arquétipo espiritual gay cria a profecia auto-realizável de que assim é como os homens gays são. Nesse sentido, a noção cria o que tenta descrever.

Todo o possível

Esta oportuna atitude de solução de problemas é baseada no modelo da psicoterapia gay. Central para esta orientação gay, ou centrada nos gays, a disciplina é a crença de que a maioria dos problemas que os homossexuais enfrentam está enraizada em "homofobia internalizada". Transformando o modo como pensamos a respeito de nossa homossexualidade, permitimo-nos descobrir que a culpa e a vergonha que sentimos são uma sombra que pertence ao conjunto da sociedade. Isso nos permite ver que os homossexuais são os bodes expiatórios para a vergonha e os pecados secretos da cultura. Descobrir que somos fundamentalmente inocentes nos permite superar a deformação de caráter, a auto-flagelação, as atitudes erradas que geram muitos de nossos problemas pessoais. Isso permite à personalidade gay saudável e adaptativa brilhar através disso.

Isto é o que a religião deveria estar fazendo - tanto para homossexuais que estão descobrindo sua verdadeira identidade quanto para heterossexuais que estão atormentados com ansiedades por causa de sua própria orientação sexual -, mas não faz. A religião tradicional, em geral, não está ajudando as pessoas a lidar com a realidade moderna. Isto é em parte o motivo da psicologia estar tomando para si uma função que a religião teria que preencher.

A música "Everything Possible" (Todo o possível), composta pelo cantor e pastor Unitário-Universalista não-gay Fred Small e popularizada pelo grupo gay de canto à capela, The Flirtations, expressa lindamente esta crença de que o amor e a aceitação da homossexualidade poderia mudar positivamente a vida das pessoas. A música é uma canção de ninar, e se cantada pelos pais para suas crianças visivelmente gays, poderia mudar seu mundo - e, talvez, o mundo de todos.

Veja o vídeo e escute a música:

http://www.youtube.com/watch?v=kIQikcYOm5w

You can be anybody that you want to be
You can love whomever you will.
You can travel any country where your heart leads
and know I will love you still.


You can live by yourself,
You can gather friends around,
You can choose one special one.


And the only measure of your words and your deeds
Will be the love you leave behind when you're gone.


Some girls grow up strong and bold,
Some boys are quiet and kind.
Some race on ahead, some follow behind.
Some grow in their own space and time.
Some women love women and some men love men.
Some raise children, and some never do.


You can dream all the day,
never reaching the end
of everything possible for you.


Don't be rattled by names,
By taunts or games,
but seek out spirits true.


If you give your friends the best part of yourself,
they will give the same back to you...


And the only measure of your words and your deeds
Will be the love you leave behind when you're gone.

("Everything Possible" Copyright 1993 letra e música de Fred Small)


Tradução:

Você pode ser qualquer pessoa que desejar ser
Você pode amar quem você quiser.
Você pode viajar a qualquer país onde o seu coração levar
e sei que vou te amar ainda.

Você pode viver por si mesmo,
Você pode reunir amigos à volta,
Você pode escolher uma pessoa especial.

E a única medida de suas palavras e seus atos
Será o amor que você deixar para trás quando você tiver ido.

Algumas meninas crescem fortes e corajosas,
Alguns meninos são calmos e gentis.
Alguns correm na frente, alguns seguem para trás.
Alguns crescem em seu próprio espaço e tempo.
Algumas mulheres amam mulheres e alguns homens amam homens.
Algumas criam filhos, e alguns nunca o fazem.

Você pode sonhar o dia todo,
nunca chegar ao fim
de todo o possível para você.

Não ser abalado por nomes,
Por insultos ou jogos,
mas procure espíritos de verdade.

Se você der a seus amigos a melhor parte de si mesmo,
eles vão dar o mesmo de volta a você ...

E a única medida de suas palavras e seus atos
Será o amor que você deixar para trás quando você tiver ido.

(Tradução de Paulo Stekel)