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terça-feira, 13 de março de 2012

[Editorial] Gays, ateus e laicistas nas mãos dos “salvos de Cristo”?

Por Espiritualidade Inclusiva


Hoje, 13 de março de 2012, nosso blogue Espiritualidade Inclusiva completa três meses. O trabalho está cada vez mais intenso e com reconhecimento da comunidade LGBT brasileira, especialmente aquela parcela afinidade com o discurso espiritual inclusivo. Os ateus também têm apreciado nosso trabalho, por causa de nossa defesa do Estado Laico. As estatísticas atualizadas mostram o que já conquistamos: 63 postagens de diversos autores, mais de 10 mil visualizações de página e cada vez mais comentários, inclusive de fundamentalistas enfurecidos!

Até o momento, a postagem mais lida é o artigo “[Notícia] "A Homofobia me machuca” ou mais uma história real de homofobia familiar fundamentalista no Brasil”, que comoveu muitas pessoas no blogue e no Facebook por envolver um rapaz vítima de homofobia doméstica causada por seu irmão pastor pentecostal. Atualmente ele está seguro e sob os cuidados de uma ONG LGBT de Minas Gerais.

O segundo artigo mais lido até agora é “A visão espírita da união estável segundo Divaldo Pereira Franco”, que continua causando polêmica entre espíritas e não-espíritas.

O terceiro artigo mais lido é “Destruindo sofismas cristãos”, de Andrea Foltz, que caiu no gosto de muitos pelos argumentos fortes e consistentes para rebater a demonização dos gays feita pelos religiosos teístas fundamentalistas.

As atividades que promovemos ou apoiamos durante este período incluem:

- Apoio à Campanha pelo Estado Laico, através de uma petição lançada pela Lésbicas Feministas LBL - Região Sul (RS). Entendemos que, ao apoiar o Estado Laico, estamos defendendo o direito de todos quanto a terem suas crenças ou nenhuma: religiosos, ateus, agnósticos.

- Palestra do Movimento Espiritualidade Inclusiva na Marcha das Mulheres em Eldorado do Sul – RS, ministrada por Paulo Stekel por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

- Apoio a jovens LGBT (e adultos também), que nos procuram por email ou redes sociais pedindo orientação sobre seu processo de “sair do armário”, considerando que sofrem “homofobia religiosa” dentro de casa. Este não era nosso objetivo inicial, mas a gravidade desta tendência ocorrendo dentro das famílias em nosso Brasil acabou levando-nos a esta tarefa.

Aproveitamos este editorial para ratificar que nosso Movimento Espiritualidade Inclusiva não privilegia nenhuma religião ou crença em particular. Como partimos do apoio ao Estado Laico e da defesa dos Direitos Humanos LGBT, criticamos todas as atitudes preconceituosas vindas de qualquer ambiente religioso/espiritual, e enaltecemos todas as atitudes inclusivas vindas destes meios. Somos universalistas no respeito a todas as crenças e mesmo a não-crenças, como no caso de ateus e agnósticos, mas não somos um movimento religioso, não representamos nenhuma religião e não fazemos qualquer pregação. Todo o nosso discurso é em favor da inclusão, dos direitos humanos e do estado laico. Fora isso, cada um decide o caminho espiritual que deseja seguir, ou nenhum.

A necessidade desta declaração vem em um momento em que os demônios da vez, eleitos pelos fundamentalistas neo-pentecostais brasileiros, são os gays, os ateus e os defensores do laicismo de Estado. São todos colocados no mesmo rol e de modo completamente pejorativo. O Estado Laico está sob ameaça grave e cabe a todos nós, LGBTs ou não, ateus ou religiosos, defendermos o direito constitucional de não vermos uma religião tendo privilégios em detrimento das demais; uma religião dando “pitacos” em matéria legislativa utilizando como argumentos dogmas bíblicos que nem deveriam ser considerados num Estado Laico.

Estes fundamentalistas se consideram a nata de Deus, os “salvos de Cristo”, os únicos corretos, verdadeiros e com fé, mas não percebem o quanto se valem de falácias, mentiras, subterfúgios, ameaças e incitação ao ódio para chegar ao termo de seus objetivos, o que afronta claramente os próprios textos sagrados que dizem defender. Hipocrisia é a tônica do fundamentalismo no mundo inteiro, mas aqui ele atinge sua perfeição! Não podemos deixar isso continuar. Vamos nos opor a isso sempre que pudermos com os mais sólidos argumentos constitucionais, de direitos humanos e do bom senso geral, para evitar que mais vidas sejam ceifadas pelas ações de assassinos psicopatas que são influenciados pelo discurso de ódio de pastores e líderes religiosos espúrios que deveriam é estar atrás das grades, não no púlpito das igrejas.

Continuamos abertos a críticas, sugestões, artigos e notícias de colaboração, dicas e depoimentos de quem queira passar aos leitores do blogue suas experiências com a religião e a espiritualidade. O formato do blogue não é fechado e podemos melhorá-lo ou modificá-lo sempre que for útil e necessário. Aos poucos estão chegando alguns relatos interessantes que virarão artigos em breve. Há uma multiplicidade de experiências que precisam chegar ao grande público, para nortear nossas ações em prol da inclusão e da diversidade.

A propósito, recebemos de Luiz Mott uma dezena de artigos seus para irmos publicando aos poucos em nosso blogue. São estudos maravilhosos que resgatam a história milenar do preconceito contra os gays no Brasil, América Latina e em outras partes do mundo, sempre com implicações religiosas. Aguardem!

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ateus e Materialistas são muito diferentes - tão diferentes quanto religiões (cristã, muçulmana, hindu, budista...)

Por Marcelo Moraes Caetano (publicado originalmente em http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com/2012/02/ateus-e-materialistas-sao-muito.html)


Numa discussão em aula universitária que eu dava sobre religiosidade e filosofia, uma aluna me indagou, com a mordacidade, sarcasmo, sentimento de superioridade e altivez que costumam acompanhar os fanáticos:

−“Engraçado, tem muito ateu que, na hora de um aperto, chama por Deus.”

Eu respondi:

−“Engraçado, e tem muito crente que, na hora de um infarto, chama o médico”.

Depois do pasmo inicial, resolvi esclarecer, à turma (que, afinal, possuía gente esclarecida) a falácia dessa minha aluna, e a consequente falácia presente, até, na minha resposta.

“Agora vamos ao discernimento?”, perguntei eu. Ao que a turma prontamente se comprometeu a ouvir. (“Discernir é sinônimo de inteligência para Sócrates”, lembrei eu aos alunos, trazendo à discussão o primeiro pensador do Ocidente que se preocupou com a questão que abaixo se esboçará, centenas de anos antes do nascimento de Jesus.).

É fundamental esclarecer a certas almas que “ateus” são totalmente diferentes de “agnósticos”, “céticos”, “materialistas”, que, por sua vez, são diferentes de “gnósticos”, de “espiritualistas”, de “teístas”, de “fideístas”, de “crentes”, de "transcendentalistas", de "imanentistas" etc. Não se pode (ou não se deve, para quem quer a luz e não a penumbra) colocar “tudo num saco só”.

Por isso mesmo, pode haver, sim, combinações dessas posturas filosóficas, que, muitas vezes (não todas), não são sequer excludentes. Einstein, para mim, por exemplo, era um homem espiritualista, gnóstico, porém cético, porque a Razão vinha em primeiro lugar, e imanentista, porque, para ele, a imanência da inteligência superior acompanhava a razão no âmago do homem; não era preciso olhar para fora para achá-la. Já Kardec, outro exemplo, seguiu uma religião (cristã), porém era igualmente cético, porque só aceitava o cristianismo na medida em que ele se esclarecia pela razão, e transcendentalista, pois achava que as verdades cristãs estavam presentes num mundo espiritual fora e além do homem. E os exemplos se proliferariam infinitamente.

Até “religião”, aliás, é muito diferente de “religiosidade”. Há, inclusive, uma religião, o Budismo, que é a religião que tem maior número de seguidores no mundo, que não acredita em Deus nem em Deuses. Mas para os, digamos, simples de inteligência, parcimoniosos das capacidades cognitivas, de interpretação maniqueista-subjetivista, é tudo “uma coisa só”: de preferência o “demo”.

Só uma distinção, porque não quero transformar um blog numa aula profunda de filosofia, apenas superficial (rs), e quero deixar claro que só escrevi este artiguete a pedido de alguns alunos, instigados que foram pelo senso crítico (graças a Deus! rsrs):

1) o “ateu” é aquele que não acredita, prioritariamente, em Deus, ou Deuses, em Deidades, ou Divindades, seja Jeová, Alá, Santa Rita, Xangô, Brahma, Hare Krishna, Zeus, Vênus. Daí que seu “oposto” é o “teísta”, o “fideísta” ou o “crente”, e não necessariamente o “religioso”, o “gnóstico”, o “espiritualista”. Etc. Etc. Etc.

2) O “agnóstico”, por seu turno, é seguidor da filosofia de Kant, e, com ele, afirma que “NÃO se pode comprovar, PELO MERO USO DA RAZÃO (ESTE é o ponto dos agnósticos), que Deus exista, NEM TAMPOUCO que NÃO exista”, donde se conclui que o agnóstico simplesmente não admite, pela racionalidade, a existência de Deus, porquanto não comprovável com aquela faculdade racional, mas tampouco a inexistência de Deus, porquanto tampouco comprovável pela mesma faculdade.

Então, voltando ao caso que deu ensejo a essa busca fundamental de discernimento, quando aquela pessoa fala de “muitos ateus que chamam por Deus” (e, detalhe: "muitos" não são todos; ademais, pergunto onde ela fez essa pesquisa, e o que exatamente ela chama de "muitos" no espaço amostral alpha da questão...?), enfim, "muitos ateus" que chamam por Deus numa situação difícil (e pode, sim, havê-los, sem contradição nenhuma, desde que I) estabeleçamos o que é "muitos"; II) percebamos que o "chamar por Deus" pode constituir um "chamado" instintivo, inconsciente, e o ateísmo é uma postura mental, consciente; e sabemos que pode haver, em certos momentos, sobreposição das estruturas psíquicas do ser humano; III) ateísmo não exclui completamente a presença de Deus, mas sim a sua existência transcendental e IV) o que será que significa "Deus" nesse "chamado"?), essa pessoa que critica "muitos ateus que chamam por Deus" (rimou à moda inversa de Mario Quintana hoho), pessoa porventura bem-intencionada (oh essa minha mania de ser utópico!), não deve saber que ela está colocando “num mesmo saco” uma miríade de posições espirituais/materiais diferentes para cacete!

Esse ateu que chama por Deus no aperto não poderia ser, isso sim, um materialista, um transcendentalista, porque, em tese, seria como imaginar um cristão que, na hora do aperto, clamasse por Hare Krishna ou por Oxalá, ou um Hindu que, na hora do sufoco, orasse à alta clemência de Jeová.

Agora eu pergunto: até isso (a situação desses chamados "sincréticos" descritos acima) é IM-possível?

Não!

Porque julgar um grupo (mesmo “religioso”) pela ação de “muitos” (palavra usada pela nossa amiguinha) é burrice no sentido socrático, porque não discerne. Ela teria que ser, no mínimo, ontológica, e ter julgado todos os indivíduos daquele grupo para afirmar que é uma característica subjacente a eles todos. (Mas, muito antes, como premissa maior, saber o que é um ateu, algo que sequer sabia.)

Parte precisamente desse tipo de falácia a mesma burrice de dizer que os negros (todos) são assim ou assado, os homossexuais (todos) são assim ou assado, as mulheres (todas) são assim ou assado, os teístas (todos) são assim, os (ateus) todos são assado... Etc.

Aqui me parece necessária uma intervenção metalinguística.

É importante que fique claro que as ideologias, sejam quais forem, devem ser respeitadas. Eu não posso desrespeitar a alguém que, no seu íntimo, por razões subjetivas ou de recalque ou seja lá o que for, não goste, por exemplo, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos estadunidenses, dos judeus, dos nazistas, dos brasileiros... Indo mais profundamente, creio que, no futuro, aprenderemos, até!!! a nos expressar com ideologias distintas sem que isso interfira em nossa capacidade de conviver pacificamente numa sociedade.

Outra utopia? Sim, mas utopia não é o que não se pode alcançar (ao contrário do que muita gente pensa - "pensa"?), e sim o que deve idealmente se procurar para que se atinja a harmonia geral.

Liberdade de expressão sempre! O que é inadmissível é o desrespeito, e a falácia, num pseudo-argumento dentro dessa liberdade de expressão que eu tanto defendo, é, dentre outros, um enorme desrespeito.

Então, esse parêntese dialético: precisamos expor, sem falácias (please!) nossas ideologias, contrastá-las, mas sem que isso signifique, necessariamente, que queremos impô-las a quem há por bem outras ideologias alheias à nossa.

Momento chegará em que a legalidade e a liberdade se encontrarão, reproduzindo palavras de uma entrevista que Élisabeth Roudinesco me deu em Paris. Nesse momento, eu poderei me expressar livremente sem ser punido pela lei, porque, antes de saber que tenho liberdade de expressão, saberei que tenho que respeitar as outras liberdades de expressão. E, pois, a lei não precisará intermediar minha relação com outrem, nesse quesito. Será a união da legalidade e da liberdade.

Há distinção entre meu mundo de ideias, que pode até ser imutável, por "n" fatorial razões, e a tentativa fascista de imposição do meu mundo de ideias. Hoje, infelizmente, ainda se crê que a mera discussão de ideias antitéticas e dialéticas gera, necessariamente, conflito pessoal-social. Digo eu: só o gera em pessoas muito pouco esclarecidas e que não fazem a menor ideia da diferença entre espírito científico-crítico e senso comum-subjetivista.

Chomsky e Piaget nunca se digladiaram em congressos porque o primeiro acredita no inatismo e o segundo no construtivismo. Após discussões figadais, saíam para almoçar juntos... Chomsky me disse, numa entrevista que me deu, que Piaget foi um dos maiores pensadores da atualidade.

Nietzsche mesmo, em seu antieclesialismo, grita: "Bendita a Igreja! O que seria dos livre-pensadores se não fosse a Igreja?"

O ser humano é subjetivo, isso é até tautológico. É como dizer: o sujeito é subjetivo (rs). Mas o subjetiv-ISMO é praticamente uma doutrina teológica que crê que a liberdade de expressão ("express yourself", nas palavras de Nietzche-Madonna) gera inequivocamente conflito, balbúrdia e choque de "interesses" (! ui).

Publiquei um artigo na coluna "Papo sério" da revista G-Magazine, edição de aniversário, chamado "Luz no gueto", que procurava, por aí, responder à ontogênese do preconceito homofóbico. Era um pouco diferente, porque, lá, eu partia de uma distinção (como dito, "onto"-gênese) materialista, empirista, mais do que filosófica, o que faço aqui. Em breve publicarei neste blog o artigo "Luz no gueto", porque ainda acredito na sua eficácia (rs) e sou crente (rs) de que, hoje, ele terá uma repercussão até mais profunda nas consciências e almas (oh!) brasileiras, que, bem ou mal, abriram-se às discussões mais racionais, objetivistas e menos subjetivistas, religiosas; passaram mais do foro íntimo da religião para o status quo coletivo e racional do Estado e do bem-estar necessário à civilização.

Entenderam, agora, de onde nascem, basicamente, os preconceitos? Láááááá da falta de discernimento entre, basicamente, materialismo e espiritualismo. Lááááááá da noite dos tempos. Láááááááá da busca pelo poder de poder dizer o que é o certo e o errado (esta a tese que defendo na G-Magazine aludida.). Lááááááááá na inefável vontade de pertencer ao "grupo vencedor" e tripudiar sobre os grupos cuja posição de gueto evidencia e − mais! - comprova o establishment do "grupo vencedor".

Não discernir é o que cria preconceitos.

E NÃO CONHECER é o que cria NÃO DISCERNIR...

E etc. e tal...

Sobre o autor


Marcelo Moraes Caetano é escritor, professor titular da Laureate International Universities, da Universidade de Freiburg e professor pesquisador do CNPq-UERJ. Membro da APPERJ, da União Brasileira de Escritores (SP), do PEN Club (RJ-Londres), da Académie des Arts-Sciences et Lettres (Paris), editor da revista de cultura ALIÁS, colunista da Revista da Cultura (SP, RS, Brasília,PE, Campinas). Pianista clássico (com primeiros lugares no Brasil e no exterior), membro da Orquestra Sinfônica de Viena, tradutor de inglês, francês, alemão, latim e grego, professor de português, grego e literatura brasileira, portuguesa e africana (bacharel pela UERJ e licenciado pela UNESA, especialista pela UFF, Mestre pela PUC-rio e Doutor por Coimbra). Possui 18 livros publicados: gramático ("Gramática para o vestibular", Editora Elite, "Gramática Reflexiva da Língua Portuguesa" (Editora Ferreira), lexicógrafo ("Instâncias do sentido o dicionário e a gramática - múltiplas interconexões semiológicas" -Editora Academia Brasileira de Filologia), crítico literário ("Literatura Brasileira", Editora Elite, "Caminhos do texto", Editora Ferreira), com diversas premiações nacionais e internacionais. Blogue: http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com