Mostrando postagens com marcador stekel. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador stekel. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 27 de março de 2013

Se preparem para a PRIMAVERA GAY!



Se preparem para a PRIMAVERA GAY!!!!

Se a situação de preconceito, homofobia e ascensão do fundamentalismo evangélico continuar sendo sustentada por quem deveria nos defender, muito em breve viveremos no Brasil uma legítima PRIMAVERA GAY, com protestos generalizados, atos de repúdio, obstrução de comissões viciadas e reverberação de tudo isso em nível internacional. Não podemos mais esperar por respostas lentas enquanto nossos irmãos LGBT morrem em quantidade cada vez maior a cada dia! Se observarmos bem, esta PRIMAVERA GAY já está sendo gestada naturalmente no meio da comunidade LGBT e das pessoas heterossexuais que defendem os direitos humanos de TODOS. É a hora de todos nós nos posicionarmos diante do descalabro e do perigo de vida que estamos sofrendo diariamente, e que está aumentando à medida que protestamos nas ruas contra um pastor vendilhão que agora está como raposa cuidando das galinhas na CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara dos Deputados. POSICIONEM-SE!!!!!

Paulo Stekel (coordenador geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

sábado, 2 de março de 2013

[Entrevista com Stekel] Religião e Homossexualidade: por uma espiritualidade inclusiva!

Por Espiritualidade Inclusiva


Acaba de ser publicada em Um Outro Olhar, site sobre o universo LGBT com ênfase em temática lésbica, uma entrevista muito interessante, esclarecedora, profunda e, de certo modo, polêmica com Paulo Stekel, Coordenador Geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva.

Trecho da entrevista:


UOO - As religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo, islamismo) estão entre as grandes inimigas dos direitos homossexuais no mundo contemporâneo. Acredita que o preconceito contra os homossexuais é inerente a essas doutrinas ou tudo não passa de questão de interpretação dos textos ditos sagrados? 
PS: A interpretação dos textos sagrados acaba por ser, no final das contas, a práxis da religião viva, ou seja, da religião enquanto fenômeno histórico seguindo na linha do tempo. Isso é mais importante do que pensar que o preconceito é inerente. E essa interpretação, como a própria História demonstra, vai mudando ao longo do tempo. Em umas religiões, a interpretação avança mais rapidamente em direção a uma justiça social conectada com a modernidade; em outra, claudica e capengueia lentamente. É o caso, ao meu ver, das religiões abraâmicas, mas não em seu todo, pois as correntes de que são constituídas não possuem todas a mesma interpretação. Desta forma, em linhas gerais, o Judaísmo se furta a falar claramente no assunto e, desta forma, suas ações diretas contra LGBTs são menos intensas; o islamismo tende a falar abertamente contra LGBTs e seu modo intenso, quando conectado à lei islâmica (a sharia), acaba por justificar ações criminosas contra a vida de pessoas unicamente por causa de sua orientação sexual; o Cristianismo é mais leve no tocante a ações violentas contra LGBTs, mas isso não o livra de ser considerado um promotor da violência através da incitação causada pelo discurso homofóbico de alguns de seus líderes.


Leia a entrevista completa acessando:

http://www.umoutroolhar.com.br/2013/03/religiao-e-homossexualidade-por-uma.html



Um Outro Olhar é um site sobre o universo LGBT, com destaque para a temática lesbiana. Sua história remonta às primeiras organizações lésbicas brasileiras, como o Grupo de Ação Lésbica-Feminista (GALF) e a Rede de Informação Um Outro Olhar (RIUOO), tendo sido publicação impressa de ambas primeiro como boletim, depois como revista (de 1989 a 2003). Desde 2004, passa a ser uma magazine virtual, o que se estende até hoje. Os principais subtemas do UOO são ativismo, cultura, direitos, história LGBT, política e saúde.


Para entrar em contato com o UOO, escreva para uoo@umoutroolhar.com.br

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Auto-aceitação - Sobre Guetos, Homofobia Internalizada, Heterossexualidade Presumida e o Sair do Armário


Por Paulo Stekel


Um dia, apoiamos a escravidão... Na Antiguidade, ela era socialmente aceita e os escravos eram de todas as raças, todos os povos, homens, mulheres e crianças. A Bíblia é tão conivente com a escravidão que possui inúmeras regras para o tratamento dos servos. Outros livros sagrados, como o Corão, seguiram a mesma linha. Quando nos damos conta de que há menos de 130 anos ainda havia escravos negros no Brasil, o mal-estar toma conta de nosso espírito...

Um dia, negamos às mulheres direitos mínimos... Desde a Antiguidade, as mulheres eram consideradas servas de seus maridos, propriedades deles, não tinham direito a voz, nem alma... Enfim, não tinham vida nem dignidade. Mais uma vez, a Bíblia e outros livros sagrados foram coniventes, perpetrando uma milenar misoginia religiosa que negou às mulheres a condição de seres humanos completos – algumas seitas indianas vixnuítas consideram a mulher um “meio ser”... Quando nos damos conta de que há menos de 100 anos as mulheres sequer podiam votar, nos envergonhamos...

Um dia, negamos aos gays, lésbicas, bissexuais e todos os “tipos” considerados “anormais”, “inadequados”, “pervertidos” ou “estranhos”, como os travestis e transexuais, qualquer liberdade (como antes, se negou aos escravos), qualquer dignidade e qualquer plenitude cidadã (como antes, se negou às mulheres)... Opa! Um dia? Não! Ainda se lhes nega muito disso, em maior ou menor grau, em todas as absolutas centenas de nações do mundo!

Os LGBT vivem, por conta desta negação de plenitude cidadã, em verdadeiros guetos sociais, à margem da liberdade de expressão, da alegria de viver, de trabalhar, de amar... Por conta do preconceito que todos SABEM que sofrerão, a homofobia internalizada se amplia e, cruel e paradoxalmente, muitos se fazem de algozes de seus iguais, amedrontados pela ideia de serem descobertos e, então, virarem a vítima da vez... Afinal, nos dias de hoje, quem não tem sua heterossexualidade presumida facilmente, é considerado um gay em potencial e, antes mesmo de qualquer confirmação, pode ver seu rosto estilhaçado por lâmpadas de neon, porretes e cusparadas indignadas de hipócritas fiscais do alheio...

Diante deste quadro, fica a pergunta crucial: Qual é a forma mais segura de sair do armário e de construir sua própria identidade sexual num mundo hipócrita que, ainda que não tolere manifestações abertas, vive uma sexualidade fora da própria norma que dita a todo o momento, como nós muito bem sabemos?

O grande problema da sociedade não são os atos, mas a revelação dos atos... Ao sair do armário, um gay sai do ato para sua revelação, e isso afronta a hipocrisia da sociedade. A prova disso é quando pastores evangélicos dizem que não são contra gays terem direitos, desde que façam seu sexo às escondidas, sem pleitearem visibilidade como um bloco em separado. Ou seja, pretendem que tudo continue ocorrendo, mas em segredo, hipocritamente, e sem dignidade... Ao exigir direitos, afrontamos a hipocrisia, o segredo e a inferioridade cidadã, onde não queremos nos encaixar, pois nascemos sob o mesmo sol... “Categorizações” não podem nos definir. Há os gays caricatos, os não-caricatos, os efeminados, os masculinizados, os assexuados, não importa. Por mais categorias que inventemos, elas nunca definirão a totalidade do que é ser LGBT! Mesmo a definição LGBT (e outras similares) é provisória e pode, um dia, quando discriminar um ser humano por sua orientação sexual for considerado abominável, vir a ser abolida. Mas, no momento, ela é útil e necessária. Mas, eu sei que eu não sou um LGBT(TTTXYZ...)! Eu sou simplesmente um SER HUMANO!

Também não sou homossexual, heterossexual ou bissexual, pois um ser humano não pode ser definido apenas por um aspecto de sua vida, o sexual. Há que diferenciar-se, por exemplo, as expressões “homossexualidade” e “homoafetividade”. Da mesma forma, seria adequado pensar-se em “heteroafetividade” mais que em “heterossexualidade”. Por que? Porque o que realmente determina a orientação sexual não é o gênero da outra pessoa com a qual se mantem relações sexuais, mas sim, existindo ou não o ato sexual, o gênero da outra pessoa pela qual se desenvolve um afeto mais profundo, o qual pode incluir aspectos sexuais. Em prisões, por exemplo, relações homossexuais são comuns, o que não significa que os envolvidos sejam gays. Na verdade, nestas situações, os envolvidos se dão a atos homossexuais, mas não estão orientados homoafetivamente. Ao contrário, um homem casado com uma mulher apenas para conformar-se às regras heteronormativas, mas que nutre uma afetividade toda orientada para indivíduos do mesmo sexo, uma homoafetividade que ele sufoca para que não chegue às vias de fato, é, indubitavelmente, gay. Uma pessoa que vivencia tal conflito pode facilmente cair na tendência da heterossexualidade presumida e agir violentamente contra gays por conta de sua homofobia internalizada.

A grande questão é: se o preconceito geral da sociedade heteronormativa com o diferente fosse menor ou inexistente, será que as coisas seriam melhores para quem padece de angústias e conflitos por causa de sua orientação sexual?

Ainda que cada caso seja um caso e nenhum ser humano vivencie sua sexualidade de forma igual a outro, creio que as coisas seriam melhores, sim. Afinal, se a aceitação fosse maior, o ambiente social seria mais amistoso aos gays e isso teria consequências diretas em sua saúde psicológica. Se gays pudessem se assumir sem constrangimentos; se não perdessem seus empregos por se assumirem; se pudessem se comportar como casais em público do mesmo modo que heterossexuais; se pudessem adotar crianças passando pelos mesmos critérios de habilitação de heterossexuais; se tivessem direito à união civil (popularmente chamada “casamento gay”) como qualquer casal não-gay; se tivessem seus direitos à integridade física, moral e psicológica garantidos quando são agredidos por serem gays; se pudessem tudo isso, então todo o sofrimento por serem “diferentes” da norma diminuiria.

Mas, antes de tudo, a auto-aceitação... Devemos aceitar ser quem somos, por mais que tenhamos dificuldade em colocar-nos dentro de uma categoria qualquer, pois, se não nos aceitarmos, o preconceito começará a partir de dentro de nós mesmos e contaminará o nosso entorno, voltando como o preconceito velado ou explícito que vemos todos os dias. Conhecer-se a si mesmo, aceitar-se como se é e agir sem medo são os passos-chave para a conquista da dignidade.

Ao manifestar o desejo de escrever este artigo, ainda no ano passado, pedi que alguns amigos da comunidade LGBT enviassem depoimentos sobre sua auto-aceitação e o sair do armário. Escolhi trechos de quatro deles para embasar os argumentos a seguir, mesclados com o meu próprio depoimento ao longo dos demais.

Depoimento 1: Maurilio

Desde pequenino eu já sentia uma atração por meninos, quando brincava com meus primos e amiguinhos da escola. (…) queria ficar perto dos meninos. Mas, como eu via meus pais falarem mal dos gays e lésbicas, eu sempre tive medo de ser um também. (…) Até que decidi entrar na Igreja pra ver se isso era coisa do demônio. (…) Fui durante 3 anos coroinha, e nada adiantou. Continuei sendo gay, mas não me assumia pra ninguém. Tinha medo de ser expulso de casa. (...) Tinha uns 9 anos e já era mais ou menos a ovelha negra da família, porque eu era bem afeminado (…) E, era uma coisa tão normal pra mim! Meus pais brigavam comigo por eu ser assim, mas eles também acreditavam que aquilo era coisa de criança e uma fase que iria passar. (…) Numa cidadezinha do Pernambuco onde nasci não tinha muitos gays ou pessoas assim. Quando um se assumia era uma coisa bombástica. A cidade inteira ficava comentando.

(…) Meu pai decidiu vir morar em São Paulo pra ver se amenizava os comentários sobre mim, e também pra tentar uma vida melhor. (…) Chegando aqui em São Paulo meu pai me falou que não era pra mim ficar andando com viado nem fazer amizade com essa gente, senão os bandidos iriam me matar. Eu, com muito medo, nem saía de casa. Mas, resolvi me assumir pros meus pais. (…) Meu pai logo falou: 'Vixe Maria! Vai pro inferno! Não quero isso aqui na minha casa, não!' Minha mãe, muito passiva, falou que não poderia fazer nada, pois ele sustentava a família. (…) Ele não me colocou pra fora de casa ainda, mas parou de falar comigo e de vez em quando soltava um 'patada', me esculachava, e isso ia doendo muito. Me sentia tão mal... Mas, tinha que continuar ali na casa dele, porque era o único lugar que eu tinha pra ficar.

Passaram-se umas duas semanas e a família começou a me criticar, a ir na minha casa só pra falar mal de mim pro meu pais, colocar mais lenha na fogueira. Desse dia em diante meu pai e meu irmão mais velho de 19 anos começaram a me bater todos os dias. Um olhar pro meu pai ou irmão já era motivo de briga. (…) Eu apanhava feito um saco de pancadas. Meu pai me batia com pau, jogava pedra, cinto, chinelo, fios de energia, enfim, tudo o que via pela frente. Me batia pra ver se eu virava homem. Mas, não teve jeito, continuei o mesmo. Daí, ele resolveu me colocar pra fora de casa. Dormi por várias vezes na rua. (…) Até que minha mãe mandou eu voltar pra casa novamente... Voltei pra casa.

Em uma balada na zona leste conheci um cara que me encantou, que me deu carinho, atenção, amor, sei lá. Foi uma coisa muito boa. Ele me tratou muito bem, fez as coisas que ninguém nunca tinha feito por mim. Então, começamos a namorar. Passaram-se uns 2 meses e resolvi contar pra minha mãe sobre o namoro com esse cara. (…) Mais uma vez meu pai, ao saber que eu estava namorando um homem, me colocou pra fora de casa e queimou minhas roupas. Não aguentei e fui morar com esse cara que estou até hoje, que me fez ver que eu nasci assim, que me ama do jeito que eu sou, que me disse que homossexualidade não é coisa do demônio, que eu também sou filho de Deus e sou digno de amor e carinho.

Desde então, ele tem me ajudado muito, e minha auto-aceitação começa daqui. Hoje eu bato no peito e tenho orgulho de dizer 'Eu sou gay'. (…) Hoje eu sou uma pessoa muito feliz e aliviado, pois sou assumido. Eu amo ser gay e, se fosse pra escolher, eu nasceria gay de novo!”

Comentário: O que aconteceu na vida de Maurilio tem acontecido na vida de centenas, milhares de gays pelo Brasil afora. Aqui no RS, onde moro, conheço vários casos de jovens postos para fora de casa ao assumirem sua homossexualidade. Homossexualidade, aliás, já percebida pela família e, enquanto escondida, tolerada, mas assim que expressada abertamente, odiada ao extremo. Meu histórico não é violento com o deste rapaz do Nordeste, mas passei por situações de preconceito sutil de parte do meu pai na infância e início da adolescência. A diferença é que comecei a trabalhar cedo, a me sustentar, e aos 17 anos já morava sozinho. A partir de então, pela filosofia de meu pai, ao sustentar-me, não lhe devia mais qualquer tipo de satisfação de minha vida, de modo que nunca foi “necessário” assumir-me para ele. Ele nunca foi um moralista – nem o poderia, com tantas mulheres que teve além de minha mãe – e disso aproveitei-me para evitar ali qualquer conflito desnecessário. Construí minha identidade a partir de minhas próprias experiências, de minha observação da vida e dos seres humanos, de minha espiritualidade e, principalmente, dos desejos, sentimentos e sensações mais íntimos, e isso tudo sem sentimento de culpa, sem hipocrisias, sem autoflagelação... Mas, sei que com muitos outros é diferente. Gays que sofrem mais preconceito saem da escola sem completar o estudo fundamental, possuem baixa auto-estima, vivem em subempregos, são presas da prostituição, das DSTs e das drogas, e raramente conseguem vislumbrar um futuro digno. Escapar a este quadro é realmente uma dádiva...

Depoimento 2: André

Tenho 35 anos, e me descobri gay desde criança. Com 04 anos de idade me lembro de sentir atração por um vizinho da mesma idade. Eu inventava brincadeiras com ele só pra ficar ao seu lado e tentava beijá-lo. Até que um dia fui surpreendido pela mãe do garoto que me recriminou, e fiquei um longo tempo com esse sentimento de que estava fazendo algo de errado.

Por volta dos 13 anos de idade, esse sentimento homossexual ressurgiu em um momento em que fui assediado por um conhecido de minha mãe. (…) A partir de então, percebi que eu não sentia atração pelo sexo feminino e comecei a ler sobre o assunto e a comprar clandestinamente revistas de temática gay pra me entender melhor. Também fui identificando entre meus amigos os que tinham a minha preferência sexual, e foram muitos.

A minha aceitação veio naturalmente, mas eu tinha vergonha de me assumir gay perante a família e alguns amigos. Só com 25 anos, quando conheci meu atual companheiro, foi que assumi minha sexualidade perante todos. O amor entre nós é muito forte até hoje, e foi o que me fez tomar coragem diante do preconceito dos outros. Sofri preconceito velado de minha mãe e escancarado do meu irmão.

Mas, ainda assim, persisti na minha condição e enfrentei tudo em nome do meu amor. Não me arrependi em nenhum momento, e conheci pessoas durante essa jornada que me encorajaram a tomar essa decisão.”

Comentário: Este depoimento tem algo em comum com meu histórico, pois também me assumi para os demais apenas com 25 anos. Mas, a primeira vez que senti atração inegável por alguém do mesmo sexo, tinha 19 anos. Digo isso, porque tivera outras experiências na adolescência, por volta dos 13 ou 14 anos e até antes, mas estavam mais relacionadas a curiosidades de meninos do que a sentimentos mais profundos ou orientação sexual. Mesmo porque meus dois irmãos tiveram as mesmas experiências e nenhum deles é gay. Contudo, aos 19 anos, ao ver um amigo seminu, a sensação que tive não me deixou mais dúvidas: os homens me atraíam mais que as mulheres. Mesmo assim, casei-me com uma mulher aos 26 anos, mas a experiência durou somente um ano e meio. Ela tivera relações com uma menina mais velha quando era pré-adolescente, e isso serviu para que tivesse certeza de que lhe interessavam os homens, e não as mulheres. Mas, era uma pessoa sem preconceitos, o que facilitou bastante o processo de separação, de modo que somos amigos até hoje.

Depoimento 3: Daniel

Meu nome é Daniel, tenho 21 anos, e moro com meus pais em Canoas – RS. Me assumi ao completar 18 anos, exatamente no dia do meu aniversário, com a intenção de que fosse algo que eu jamais esquecesse. Foi mais ou menos assim: eu e minha mãe terminamos de almoçar, sentei
junto a ela que estava a ainda na mesa, e disse: 'Mãe, quero lhe dizer uma coisa!' Ela, sem entender, disse: 'Fala!' Eu, engasgado: '...Eu não sou hétero...' (usei um termo que me senti aliviado em falar, sabendo que ela não entendera claramente) 'Eu sou bissexual... Fico com homem e com mulher.' Nesse momento de extremo nervosismo me senti largando uma pedra que eu carregava todos os dias. Ela se manteve calada, depois disse: 'Tu vais continuar sendo meu filho... Eu te amo...'

Eu pensei que não tinha sido tão ruim assim, mas foi apenas o começo de um longo tempo de luta por respeito e direito pelo qual eu luto até hoje. Pois, no decorrer dos dias, respirar era motivo de briga e discussão, e isso praticamente durou uns 7 meses ou mais! Neste mês completa 3 anos que me assumi para minha mãe, que ainda diz NÃO ACEITAR, mas respeita. E, é algo que eu trabalho todos os dias com ela, o respeito.”

Comentário: Os jovens gays estão se assumindo para a família cada vez mais cedo. Em minha época – eu já tenho 42 anos, gente! – os gays se assumiam lá pelos 25 ou 30 anos. Agora, alguns estão se assumindo aos 15 ou 16 anos, como já vi diversas vezes. Isso reflete a precocidade geral da sociedade. Os adolescentes – héteros ou gays – começam a namorar cada vez mais novos. É natural, portanto, que venham a se assumir precocemente. E, isso é bom? Creio que sim. Isso inicia o processo de auto-aceitação mais cedo também. Quanto mais pessoas de bem com sua sexualidade tivermos, mais “almas” ganhamos para a aceitação da diversidade sexual, se é que me entendem. Quando contei para minha mãe, ela disse já saber sobre minha sexualidade e, num primeiro momento, isso não acarretou problema algum. Mas, à medida que ela foi se tornando evangélica, o preconceito começou a minar sua mente, mas ela manteve seus pensamentos medievais em segredo. Quando um de meus irmãos morreu, a verdade veio à tona: Malafaia a havia contaminado com seu discurso fétido e diabólico! Apenas uma “terapia de choque” poderia corrigir isso. Por sorte, o restante da família materna não padece de homofobia, de modo que esse pessoal foi o responsável pela “terapia” da qual ela necessitava para sair da Idade Média e acordar no Século XXI... No momento, está sob observação...

Depoimento 4: Walter

Aconteceu quando tinha oito anos; estava ficando escuro e eu no meio daquelas crianças na rua. Um menino da minha idade se aproximou e segurou a minha mão. Foi um gesto de afeto espontâneo e natural entre crianças e foi também o momento em que eu senti uma onda de calor, aconchego e amor incomparáveis; aquilo foi mais gostoso que o toque da minha mãe, mais gostoso que chocolate e iogurte de morango, mais gostoso que o toque das meninas. Ele apertou suavemente minha mão na dele; e segurou transmitindo máscula sensação de proteção.

(…) Não houve, portanto, um trauma, um abuso ou a ausência de algo e de alguém; eu tive pai, dois irmãos, mãe, tios, primos, tias, avós, inúmeros modelos masculinos e possibilidades de integração e identificação heterossexual.

Entretanto, naquela época eu não sabia nada sobre homossexualidade; nordestino, criado em famílias de antigas linhagens patriarcais e católicas, morando em um município onde a televisão a cores era novidade das casas mais abastadas, eu só vi homossexuais em programas de humor, e
entendia mais ou menos que aquele personagem era um tipo de bufão ou palhaço de circo.

Foi a religião que me apresentou a primeira definição de homossexualidade; infelizmente para mim a definição distorcida. Lembro bem que as palavras da Bíblia 'de fora estarão os afeminados e os homens que se deitam com homens' me deixou viva e dolorosa impressão na alma. Eu ia para o inferno e nem sabia exatamente por que.

E lembro-me do terror de ter de esconder dos meus pais que eu era um criminoso igual a um assassino; um viado, um proscrito e alguém sem honra e sem lugar em parte alguma. A sensação de não pertencer a nada sempre recorrente; eu não era mulher e, portanto, não podia sentir atração por homens. Por outro lado, eu não era homem, porque não sentia atração por mulher.

Percorri então a minha Via Crucis; aos doze anos já tinha sinais de depressão, aos dezesseis pensava seriamente em me matar. Deixei a escola, parei de tomar banho, me tranquei dentro de casa. Chorava horas a fio no quarto ou chorava no quintal, entre as árvores e o jardim. Meus pais primeiro se zangaram depois se alarmaram depois se acostumaram.

Não tive coragem de contar sobre minha homossexualidade nem para a psicóloga que eles me arrumaram; não confiava a ninguém aquele segredo monstruoso. Eu tinha vergonha de mim, e tinha nojo. E queria ser igual aos outros garotos.

Foi a psicóloga, porém, que me ajudou inadvertidamente; às vezes ela me dava algumas revistas e livros para ler e numa dessas revistas eu vi uma matéria sobre homossexualidade. O singelo artigo me pareceu extraordinário e me atingiu de forma impactante e inesquecível; dizia que sentir atração pelo mesmo sexo não era doença, nem algo negativo, que homossexuais eram pessoas comuns e que não existia tratamento porque não havia o que curar.

Fui buscar mais informações sobre o assunto; nesse período um boato sobre um ídolo da televisão e dos cinemas, Keanu Reeves, me deixou boquiaberto. Keanu era homossexual e eu queria ser igual a ele.

Lentamente, pois, mais de modo constante, outras salvíticas histórias chegaram até mim viajando através de livros, revistas, seriados e filmes, e no geral pintando uma imagem simpática dos homossexuais, diferentemente dos anos anteriores.

Um sopro de esperança começou a me curar e de dentro da escuridão e desespero da ausência de identidade, eu nasci de novo; uma gestação demorada no ventre dos meus sonhos homoeróticos.

Primeiro surgiu a aspiração cândida do romance com alguém do mesmo sexo; depois o desejo sexual aflorou sem culpa e eu tive meu primeiro orgasmo desprovido de arrependimento. Eu suspirei de alívio; eu era normal, saudável, bonito, estava no lugar certo, eu pertencia a algo.

Decidi então contar para as pessoas que eu era gay. Foi a coisa mais difícil que já fiz, mas depois de fazê-la, abri uma porta que nunca mais se fechou; eu me tornei outro homem, eu pisei firme no
chão, eu ergui os olhos para encarar as pessoas, eu me tornei senhor de mim mesmo, eu digo quem eu sou, as cartas são minhas, ganhando ou perdendo.

Estou recuperando quase tudo que a homofobia cultural, institucional e individual me roubou na vida; há ocasiões em que parece que várias etapas do caminho se cruzam e se confundem por causa do tempo perdido. Sou homem adulto, e também sou menino.

O arrependimento é inútil para mim agora; só me serve o que tenho e o que eu sou neste momento. E o que eu tenho é orgulho, e o que sou é um homem gay."

Comentário: Ah, como este depoimento inspira! Walter Silva – sim, ele não só permitiu, como fez questão da revelação de seu nome – tem, em minha opinião, um dos melhores textos sobre orientação sexual no Brasil. Ele, paraibano, eu, gaúcho, temos em Keanu Reeves um mesmo referencial – também tenho um referencial no falecido River Phoenix, colega de Reeves no filme “Garotos de Programa” (My Own Private Idaho), de 1991. Foi conversando sobre Reeves e Phoenix, este último encontrado morto em 1993 e apenas dois dias mais velho que eu (Phoenix nasceu em 23 de agosto de 1970, e eu no dia 25 de agosto do mesmo ano), que em 1993 iniciou-se meu processo de sair do armário. O objeto de meu amor naquela época também estava a descobrir-se, mas, infelizmente, até sua morte trágica em um acidente de carro, em 2011, não conseguira escancarar o armário... Mas, ensinou-me muito sobre o que é amar alguém do mesmo sexo sem sequer dizer uma palavra sobre o assunto e sem convencionar rótulos... e sem consumar fisicamente este amor... A ausência de tudo isso não conseguia abafar a realidade que ali se percebia... e que as almas entendiam em seus próprios termos... Ele, não conseguia se imaginar assumindo algo que já estava muito claro. Eu, não conseguia imaginar criar um gueto para algo que queria compartilhar com o mundo. Venceu, no mundo relativo, a homofobia paterna. No mundo absoluto, reinou o amor, gritando aos corações que nem a morte pode abafá-lo... O amor é como o elétron, segundo a Física Quântica: deixa marcas eternas por onde passa... Hoje, tais marcas me servem muito bem e as transformei em pilares de sabedoria, compaixão e sinceridade para comigo mesmo.

Então, agora posso dizer: Sou gay e não tenho vergonha de assumir isso para ninguém. E, você, tem coragem de assumir isso também? Ou se mantém num gueto social, simulando uma heterossexualidade que não convence a ninguém? Ou prefere ceder à homofobia internalizada, um modo grosseiro e falho de abafar em si o que vê manifestado em outros? Ou prefere deixar o armário trancafiado a sete chaves, seguindo pela vida infeliz, sem dignidade, sem poder expressar-se em plenitude e, pior de tudo, sem poder amar com toda a sua alma? Desculpe, mas amor e alma são sinônimos. Se você não consegue expressar um, não possui o outro. É um “carma” que impõe a si mesmo, mas que ninguém lhe imputou. Incomoda-lhe a auto-afirmação dos demais? Seja corajoso como eles, então! Afinal, ao incomodar-se com a auto-aceitação alheia, algo lhe atingiu indelevelmente. Você é quem deve decidir se isso será libertador ou uma prisão...

Sair do armário, assumir-se, deve ser produto de muita elaboração mas, principalmente, de um estado de sinceridade tal consigo mesmo que todos os sentimentos, sensações e desejos sejam devidamente expressados, sem obscurecimentos moralistas, escapistas ou enganosos. Não se trata de escolher uma sigla para sua sexualidade, ou algum modelo didático daqueles defendidos por organizações pró-LGBT, mas antes, de saber o que nos atrai de fato. Não há limitações no amor. Ele não depende de siglas. O amor não é uma regra moral, nem mesmo ética. É alma, é vida e mantenedor de vida. Ele deve melhorar nossa auto-estima, não rebaixá-la. Converse com as pessoas na base do amor mais profundo, e seu ativismo será extremamente perigoso para a homofobia reinante, abrindo horizontes, libertando escravos e permitindo gozos... Abaixo a clandestinidade, viva a revelação! Quem deve se acostumar com sua essência são os outros; a você, cabe expressá-la e ser feliz!


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

[Editorial] Ser Gay: o peso da discriminação


Por Paulo Stekel


Nestes últimos meses, em especial em novembro e dezembro, estive um tanto afastado das atividades do Movimento Espiritualidade Inclusiva e, mais ainda, das atualizações do blogue. O motivo foi familiar, já que perdi um irmão muito querido em uma tragédia. Depois disso, alguns ajustes foram necessários, o que me tomou mais tempo, sem contar a assimilação do que ocorreu. A morte, por mais que saibamos ser a única coisa certa após o nascimento, sempre desestabiliza a todos nós em alguma medida.

A propósito, a homofobia – discreta ou declarada – também tem a propriedade de desestabilizar qualquer um, por mais firme que alguém esteja em sua identidade e dignidade. Vejo isso a todo o tempo com meus amigos e amigas da comunidade LGBT, e mesmo na própria pele pude sentir isso ultimamente...

O processo do “ser gay” passa por várias fases: o descobrir-se, o aceitar-se, o identificar-se e o sentir-se digno, apesar do preconceito da sociedade. Cada pessoa LGBT passa por estas fases de um modo muito particular, e muita gente nunca chega à última.

A descoberta tem a ver com comparações de si mesmo e de seus desejos e sensações com os de outras pessoas do mesmo sexo. A aceitação tem a ver com um não poder mais negar a si mesmo que algo diferente da maioria acontece. A identificação com outros semelhantes ajuda a gerar a identidade “gay”, não padronizada, mas peculiar, ainda que LGBT na essência. A dignidade, por fim, tem a ver com o entendimento de que se é um ser humano como qualquer outro, não se justificando aceitar qualquer tipo de discriminação.

Passei por mais um teste desta última fase nas últimas semanas. Percebi a sutileza guardada pela homofobia familiar, instigada por doutrinas diabólicas de fundamentalistas evangélicos. O mais interessante é que, em todos os casos, o indivíduo gay é considerado impuro, sujo, pecaminoso, mas seu dinheiro é aceito de muito bom grado... Hipocrisia infernal! Nas famílias, em geral, por saber-se naturalmente o quanto os filhos gays cuidam de seus pais com responsabilidade, muitos se aproveitam disso e, nas horas mais graves, somem-se os filhos heterossexuais e restam apenas os gays para garantir a dignidade aos pais. Dignidade, aliás, que a estes filhos mesmos é negada... Não há nada de divino nesta relação de interesse. Por isso, a abomino e a desmantelo colocando todos os pingos nos “is” e exigindo minha dignidade por direito. Parece estar funcionando... mas ainda resta o peso da discriminação, que podemos sentir nas palavras não ditas e nos desvios calculados...

--------------------------------------------------

No dia 13 de dezembro nosso blogue completou seu primeiro ano, bem como o próprio Movimento Espiritualidade Inclusiva. Fizemos muita coisa neste tempo. Vamos a uma pequena retrospectiva:

Em janeiro, tivemos duas atividades inseridas no Fórum Social Temático, uma em Porto Alegre e outra em Canoas, no RS (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/01/evento-palestra-sobre-espiritualidade.html).

Em fevereiro, fomos os primeiros a noticiar um caso de homofobia em Minas Gerais, e nosso artigo foi reproduzido por várias mídias LGBT de lá (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/02/homofobia-me-machuca-ou-mais-uma.html).

Em março, o Movimento Espiritualidade Inclusiva participou da 1ª Marcha das Mulheres em Eldorado do Sul – RS (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/03/evento-palestra-de-espiritualidade.html).

Em maio, o Movimento Espiritualidade Inclusiva entrou em processo de instalação de coordenadorias estaduais e municipais; participou como debatedor no Cine LGBT na 28ª Feira do Livro de Canoas – RS; foi recebido pelo representante da Coordenadoria Estadual de Diversidade Sexual, uma coordenadoria recente ligada à Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos e criada pelo atual governo gaúcho (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/05/noticia-movimento-espiritualidade.html).


Em agosto, o jornalista e coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva, Paulo Stekel, debateu o tema “Saúde Espiritual da Pessoa LGBT através da Inclusão”, dentro da 8ª Semana do Orgulho de Ser, no auditório da Faculdade Santo Agostinho (Teresina – Piauí) – ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/08/saude-espiritual-religiao-e-cidadania.html.

Em setembro, foi criado o Grupo de Encontro em Porto Alegre – RS (ver: http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/09/evento-participe-do-primeiro-grupo-de.html).

Em dezembro, o Movimento foi uma das três entidades da sociedade civil envolvidas na organização da 4ª Parada Livre de Canoas.

Em 2013, queremos continuar ampliando o número de Grupos de Encontro e o ativismo pró-LGBT, especialmente através de ações de enfrentamento da homofobia religiosa, que parece ter aumentado consideravelmente em 2012.

Um de nossos objetivos para o próximo ano é o lançamento de um livro sobre Espiritualidade Inclusiva, aliás, o primeiro sobre o assunto em Língua Portuguesa. Aguardem!

Outro objetivo importante, é a realização do 1° Seminário de Espiritualidade Inclusiva, que ocorrerá provavelmente em Porto Alegre – RS, mas ainda sem data definida.

Então, só nos resta dizer que estamos de volta e... Feliz Ano Novo a todos e a todas!!!!


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os gays de Ahmadinejad


Por Paulo Stekel



Não há gays no Irã!” Esta teria sido a frase dita pelo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em setembro de 2007, nos EUA, e que desde então tem causado tanto protesto por parte do Movimento LGBT e pelos defensores dos Direitos Humanos. Mas, o que exatamente ele disse na ocasião? Ele disse (ver fonte): “No Irã, nós não temos homossexuais COMO em seu país. No Irã, nós não temos este fenômeno; eu nem sei quem lhes disse que o temos.”

Leiamos as palavras originais (ver fonte): “In Iran we don't have homosexuals like in your country. In Iran we do not have this phenomenon, I don't know who has told you that we have it.”

Fica claro que Ahmadinejad quis dizer que no Irã não há homossexuais “da mesma maneira” (like) que no Ocidente. Ele se referia a toda a visibilidade LGBT ocidental, ao orgulho e à dignidade da pessoa gay, do “ser gay”, algo que, definitivamente, o Irã não possui. Em certa medida, ele disse a verdade: não há gays visíveis, pleiteando direitos e se reunindo em grupos porque são todos assassinados por seu regime totalitário! Assim, os gays lá existentes – e, existem, sim! - estão todos acuados, trancafiados no armário, com medo da morte. Estes são os gays de Ahmadinejad: uma comunidade inteira sem reconhecimento, sem existência, sem cidadania, sem direitos, sem expressão, sem felicidade, mesmo sendo cerca de 10% da sociedade iraniana – neste país de 75 milhões de habitantes, os LGBT são cerca de 7,5 milhões.

Ahmadinejad é conhecido por sua negação do Holocausto judeu, mas promove um verdadeiro holocausto gay – um “homocausto”, nas palavras de Luiz Mott – em seu país. E, bem aos olhos da ONU e das organizações internacionais de defesa dos Direitos Humanos. A coisa é muito mais séria do que se imagina! Fora isso, ele ainda afirma mentirosamente que há direitos humanos no Irã, que seu povo é muito feliz e livre para expressar o que pensa. Balela! O mesmo discurso de outra ditadura, a Chinesa, para ludibriar os organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos.

Mas, ninguém mais se engana! Salvo alguns poucos marxistas-leninistas dinossauros de uma época utópica que ainda defendem regimes como o da China, Cuba e Irã (todos profundamente homofóbicos), a maior parte da humanidade esclarecida percebe a manipulação e a mentira destes regimes. O que há nestes países é ditadura com todas as letras, e os LGBT ali não têm voz nem vez! Não se trata de uma crítica ao Comunismo ou ao Islamismo, mas o reconhecimento de que nestes países nem sequer o regime é comunista ou republicanismo islamita. São governos corruptos e assassinos. O Capitalismo não é melhor, pois a corrupção também é evidente em muitas democracias capitalistas. Não estamos tratando de preferência política, mas de defesa da vida, de defesa da dignidade humana e de direitos LGBT.

Aliás, há poucos dias, em Nova Iorque, durante uma entrevista para a CNN, Ahmadinejad voltou a ser polêmico ao dizer que apoiar gays é coisa de capitalistas de linha dura, que não se importam com os autênticos valores humanos (ver fonte). “Autênticos valores humanos”? Por acaso, nós, gays, não somos seres humanos? Não temos valores? E, valores autênticos? Quanto discurso nazistoide embasado numa visão religiosa medieval e cruel contra as minorias, mulheres e os de fora da fé (os “infieis”)! E, associar apoio à causa LGBT ao Capitalismo é de uma boçalidade sem tamanho. É fazer dos gays um joguete para atingir o regime capitalista ocidental sem se importar com a dignidade das pessoas. É isso que ensina o Islamismo? Tenho certeza de que a imensa maioria da comunidade islâmica brasileira discorda! Tenho todo o respeito pelas religiões em geral, e pelo Islamismo em particular, mas não posso concordar de forma alguma com a redução da dignidade e do valor da vida humana por conta das diversas orientações sexuais possíveis, algo natural, não anormal, já que 10 a 20% da humanidade manifesta desde a terna idade comportamentos não-heteronormativos. Se a quase totalidade dos livros sagrados não percebeu essa naturalidade, devemos aceitar passivamente ou devemos contra-argumentar, buscando a correção do erro, lutando pelo que temos defendido através do Movimento Espiritualidade Inclusiva – a Inclusão?

Ahmadinejad chamou a homossexualidade de comportamento “muito desagradável” e proibido por “todos os profetas de todas as religiões e todas as fés”. Sim, ser gay sempre é muito desagradável para pessoas que guardam preconceitos hediondos. Mas, ele está errado! Nem todas as religiões proibiram as relações homossexuais. As religiões de matriz africana tratam a questão com bastante naturalidade; as diversas escolas budistas, ainda que apresentem situações pontuais de preconceito, não possuem proibições à sexualidade LGBT; as práticas neo-pagãs são mais abertas ao assunto. E, mesmo que todas as religiões proibissem a homossexualidade, não significaria que estivessem corretas. Apenas evidenciaria que a ignorância é geral no meio religioso.

No final, a grande batalha a ser vencida é a conquista do reconhecimento da naturalidade das diversas orientações sexuais possíveis para um ser humano, de modo que isso interfira definitivamente na obtenção da cidadania plena, do direito igualitário e da inclusão no meio religioso-espiritual.

Na mesma entrevista à CNN, Ahmadinejad ridicularizou os políticos que apoiam os LGBT “apenas para ganhar quatro ou cinco votos a mais”. Também os ridicularizamos, mas com outras intenções, pois sabemos que muitos políticos no mundo ocidental – e, no Brasil, há centenas deles – passam anos atacando gays ou se eximindo de apoiá-los, mas em períodos eleitorais surgem do nada como baluartes dos direitos LGBT e da diversidade. Isso, realmente, é deplorável. Devemos aprender a identificá-los, denunciá-los, não votar neles e defenestrá-los de uma vez por todas da política através da mais poderosa arma que temos: o voto!

Para Ahmadinejad, as pessoas “viram homossexuais” e não nascem assim. Não é o que a experiência tem demonstrado. Ora, 100% dos gays e lésbicas nascem de um homem e de uma mulher. A maioria esmagadora destes pais é heterossexual e educa seus filhos com suas referências heterossexuais. Nenhum pai heterossexual educa seu filho para ser homossexual. Então, como 10% da humanidade é homossexual? Todos nós já vimos crianças de tenríssima idade apresentando sinais de uma sexualidade diversa da heterossexual, com uma orientação diferente da maioria dos seus iguais de gênero. E, isso não é incentivado pelos pais heterossexuais. Pelo contrário, frequentemente isso é motivo de agressividade parental para com o filho LGBT.

O que acontece no mundo islâmico, em maior ou menor grau, é um patrulhamento moral intenso das mulheres, das crianças e das pessoas que pareçam não encaixar-se no modelo “santo” pregado pelas escrituras. Isso, em muitos casos, acaba oprimindo as mulheres, inferiorizando-as e causando enorme depressão e infelicidade, por causa do medo constante da falsa acusação de adultério que possa redundar em apedrejamento. As crianças são tratadas como continuadoras de um sistema predeterminado de opressão (masculina) e submissão (feminina). Quem discorda, só tem duas opções: ou foge, ou aguenta as consequências da lei, que consegue forçar a barra mesmo em locais onde a sharia (a lei islâmica) não é oficial.

O que sobra para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais? A morte certa! A única exceção no Irã é o caso dos transexuais, aos quais se permite uma vida um pouco menos humilhante, uma vez que as cirurgias de adequação de gênero são permitidas naquele país. O motivo disto é muito simples: o machismo fundamentalista iraniano prefere ver um homem “convertendo-se” oficialmente em mulher, passando a obedecer às regras para mulheres (podendo, inclusive, casar-se normalmente com um homem), do que vê-lo continuar um homem fisicamente, e ver este manter relações com outro homem.

Ahmadinejad defendeu hipocritamente em sua entrevista a resolução dos males da humanidade e a promoção da liberdade e dignidade humanas. Mas, declarou que tal liberdade não pode ser aplicada aos homossexuais porque “a homossexualidade cessa a procriação”. Ora essa, quem disse que os LGBT são estéreis???? Mais uma vez o fundamentalismo generalizante tentando amedrontar a humanidade com o “mal gay”.

Ahmadinejad tem tanto medo dos gays de seu país que os nega até a morte... ou antes, os nega PELA pena de morte... E, os clérigos muçulmanos iranianos são os maiores responsáveis por esta chacina chamada de “ordenamento divino”, que tem a capacidade de condenar ao enforcamento meninos de 12 anos acusados de homossexualidade, e cuja única prova é o fato de terem sido encontrados vestindo calções curtos... A bestialidade humana que mata nossas crianças em nome de um Deus – que se existe, deve estar muito irado – aumenta a cada dia neste mundo caótico e tão carente de amor, compreensão, compaixão e aceitação do outro.

Vamos aproveitar para refletir o quanto nós, aqui no Brasil, também estamos sendo cruéis com pessoas por conta de sua orientação sexual, de seu gênero e de sua identidade sexual. O verdadeiro valor da vida humana está sendo esquecido em nome de supostos princípios religiosos arcaicos e medievais, por pessoas de alma embrutecida que se auto-intitulam arautos de Deus, mas que nada mais são que os mensageiros do Mal na Terra...

sábado, 1 de setembro de 2012

[Notícia] Atividades do Movimento Espiritualidade Inclusiva no Piauí


Por Espiritualidade Inclusiva


O jornalista e coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva (MEI), Paulo Stekel (Canoas – RS), apresentou a palestra “Saúde Espiritual da Pessoa LGBT através da Inclusão”, como parte das atividades da 8ª Semana do Orgulho de Ser, promovida pelo Grupo Matizes*, em Teresina - Piauí. A atividade ocorreu em 28/08, às 20h, no auditório da Faculdade Santo Agostinho.

A presença do Movimento Espiritualidade Inclusiva em Teresina, através de seu coordenador geral, foi um convite do Grupo Matizes, entidade reconhecidamente importante no trabalho de conscientização, promoção da dignidade e na luta pelos direitos LGBT no Piauí. É um grupo que não se deixa influenciar por forças políticas e mantém sua independência e neutralidade com muita veemência, algo que o Movimento Espiritualidade Inclusiva também tem como princípio.

O público que compareceu à palestra de Stekel foi muito participativo. O tema apresentado é uma novidade no Brasil, e foi apresentado pela primeira vez, sendo Teresina a cidade agraciada. A noção de Saúde Espiritual é bastante recente, e quando aplicada à Saúde Espiritual da comunidade LGBT, é mais recente ainda. O Movimento Espiritualidade Inclusiva tem por objetivo introduzir este tema com mais aprofundamento em nosso país. Confira aqui o arquivo com as principais ideias apresentadas na palestra.

Na abertura da palestra, Stekel cantou o seu single "Iguais", uma música com temática LGBT. Assista o clipe abaixo:



No dia 29/08, Stekel participou da Carreata da Diversidade pelas ruas do centro de Teresina. A carreata encerrou junto ao local onde depois se realizou o Show Boca da Noite “O mar de Teresina fica no céu da boca das meninas”, no Espaço Osório Jr. O show foi uma homenagem aos 160 anos de Teresina, no Dia da Visibilidade Lésbica.

Deixamos nossos agradecimentos ao Grupo Matizes, em especial a Herbert Medeiros e Marinalva Santana, que foram ótimos anfitriões.

Confira algumas fotos das atividades em Teresina:



























* O Grupo Matizes é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão principal é a defesa dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Foi fundado em 18 de maio de 2002 e tem sua sede em Teresina, Piauí.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Buda Gay - Um Estudo Amplo Sobre a Visão Budista da Homossexualidade


Por Paulo Stekel


Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque esta escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.” [O Buda]

A presença da homossexualidade não parece ser uma questão de escolha; sua expressão é uma questão de escolha.” [David Hawkins]


Assim que o Movimento Espiritualidade Inclusiva foi criado, vários amigos, apoiadores e curiosos passaram a pedir um artigo profundo sobre a homossexualidade na visão budista. Fiquei alguns meses pesquisando tudo o que havia sobre o assunto em websites budistas e afins, e encontrei uma certa quantidade de material que posso considerar de alta qualidade sobre o assunto. São 12 links em Português e 24 links em Inglês (os mais relevantes), todos disponíveis na lista ao final deste artigo.

Unindo minhas experiências pessoais como budista à leitura atenta destes 36 links que, juntos, equivalem a quase 120 páginas de texto, consegui formar uma ideia bem clara da visão que o Budismo apresenta da homossexualidade e das orientações sexuais LGBT em geral. Citarei várias vezes os textos presentes nestes links e, no caso do material em Inglês, eu mesmo fiz as traduções para a Língua Portuguesa.

Quanto ao título aparentemente provocativo deste artigo – O Buda Gay –, foi inspirado numa das referências adiante, onde fica claro que um homossexual pode, sim, atingir a Iluminação. Para o Budismo, portanto, a expressão “Buda Gay” é bem menos impactante que “Cristo Gay”, uma vez que o Cristianismo tem se demonstrado controverso quanto à homossexualidade.

Deixo claro que, apesar de ser budista desde 1995, escrevi este texto de maneira crítica, sem meias palavras, pois meu compromisso é com a verdade e com os direitos humanos das pessoas LGBT, independente da religião que pratiquem, ou nenhuma. Não pouparei mestres hipócritas, instrutores homofóbicos ou opiniões equivocadas, pois, ao fazer isso, tenho certeza de não estar quebrando nenhum preceito budista.

Orientação Sexual

A relação entre Budismo e orientação sexual varia conforme a tradição e o instrutor. Para alguns especialistas, o Budismo mais antigo parece não ter professado qualquer condenação especial às relações homossexuais, já que o assunto não foi sequer mencionado. Algumas tradições mais recentes apresentam sanções à conduta homossexual. O próprio Dalai Lama é acusado, em certa medida, de preconceito contra a homossexualidade, como veremos mais adiante.

Nos antigos sutras do Budismo, a conduta sexual humana aceita ou não-aceita no caso de leigos não é mencionada de forma específica. “Má conduta sexual” é um termo amplo, sujeito a interpretações de acordo com as normas sociais dos praticantes. O Budismo primitivo parece não ter tido qualquer problema com as relações homossexuais. Todos os preceitos sobre relações sexuais encaixam-se tanto nas relações hetero quanto homossexuais.

No caso dos monges, a situação muda. O Vinaya (código de disciplina monástica) proíbe a eles toda a atividade sexual, mas só em termos fisiológicos, sem distinções morais entre as muitas formas possíveis de relações.

Entre os praticantes budistas, há uma grande diversidade de opinião sobre a homossexualidade. Isso ocorre porque o Budismo, de uma maneira geral, ensina que o prazer sensual e desejo, e em particular, o prazer sexual, são obstáculos à Iluminação ou Despertar Último, devendo ser de certa forma dominados ou até eliminados. Mas, como a maioria dos budistas não busca habilidade em meditação ou a Iluminação, e sim uma vida agradável e, após a morte, um renascimento agradável, para estes, desfrutar de prazeres sensuais de uma maneira não-prejudicial é algo normal.

No caso dos transexuais, os primeiros textos mencionam a possibilidade de uma pessoa mudar de sexo, de modo que tais pessoas não estão impedidas de ordenação. O próprio Buda é muitas vezes retratado como uma figura andrógina e assexuada, como em várias pinturas nos mosteiros.

Nos primeiros textos monásticos, como o Vinaya (Séc. IV a.C.), os monges do sexo masculino estão expressamente proibidos de ter relações sexuais com qualquer um dos quatro gêneros: masculino, feminino, ubhatovyanjañaka e pandaka. Mais tarde, o Buda permitiu a ordenação de mulheres, mas proibiu a ordenação para os dois últimos tipos de pessoas. Os motivos de tais proscrições do Buda contra certos tipos de pessoas que se juntam à comunidade de ordenados são uma questão de interpretação, mas podem ter a ver com uma preocupação com a manutenção da imagem pública de virtuosidade da comunidade. Em alguns casos, isso é explicitamente indicado. A aceitabilidade social foi fundamental para a comunidade monástica primitiva, que precisava do apoio material da sociedade leiga para sobreviver.

Mas, a quem os textos se referem com os termos ubhatovyanjañaka e pandaka? A palavra ubhatovyanjañaka geralmente descreve pessoas que têm características sexuais masculinas e femininas, ou seja, os hermafroditas. O Vinaya, diz que os hermafroditas não devem ser ordenados porque poderiam seduzir um monge ou monja companheiro, levando-os a ter relações sexuais. O Pandaka é uma categoria complexa. Nos primeiros textos, a palavra parece referir-se a uma classe socialmente estigmatizada de homossexuais promíscuos, passivos, provavelmente travestis, que eram possivelmente prostitutas.

O termo Pandaka também serve para classificar outros que também estão excluídos da ordenação: pessoas com anormalidades físicas (surdez, nanismo, etc) ou que cometeram crimes. “A História da Proibição da ordenação de Pandakas” do Vinaya explica que a proibição é uma resposta ao exemplo de um monge que tinha um desejo insaciável de ser penetrado sexualmente por homens, de modo que solicitou isso e recebeu de alguns manipuladores de animais, que, em seguida, relataram o incidente para a comunidade em geral, trazendo desgraça para a sangha (comunidade de ordenados).

Alguns comentaristas modernos interpretam a palavra ubhatovyanjañaka como incluindo aqueles que não são hermafroditas físicos, mas que apresentam características comportamentais e psicológicas de ambos os sexos, como uma mulher que se sente atraída por outras mulheres. O escritor budista Buddhaghosa (Séc. V d.C.) descreve ubhatovyanjañaka como sendo pessoas com o corpo de um dos gêneros, mas a “potência” do outro. Há quem pense que Buddhaghosa aqui não descreve, de fato, o hermafroditismo, mas a bissexualidade ou a homossexualidade, o que é controverso.

Em outros textos, o termo Pandaka pode incluir os nascidos sexualmente indeterminados ou sem sexo, eunucos, aqueles cuja sexualidade muda a cada mês e meio, homens que ganham a satisfação sexual através de sexo oral em outros homens, e voyeurs. Às vezes, inclui homens e mulheres com qualquer disfunção sexual, como impotência ou ciclos menstruais irregulares. No geral, o termo parece se referir a pessoas cuja sexualidade é limitada quer fisiologicamente, ou que têm uma sexualidade “perversa” ou extra. Este “terceiro sexo” é quase sempre retratado negativamente como uma classe pária, especialmente nos primeiros textos. Em contextos modernos, Pandaka é muitas vezes interpretado de modo equivocado para incluir lésbicas, gays e pessoas trans e intersexuais, embora em tempos antigos, um homem que penetrasse sexualmente outro homem ou um Pandaka não era ele mesmo considerado um Pandaka.

No Samantapasadika, uma obra do Séc. V d.C., os Pandaka são descritos como estando cheios de paixões contaminantes (ussanakilesa), luxúria inextinguível (avapasantaparilaha) e sendo dominados por sua libido (parilahavegabhibhuta). Vasubandhu (Séc. IV d.C.) afirma que os Pandaka não têm disciplina para a prática espiritual, devido às suas paixões contaminantes de ambos os sexos masculino e feminino. Eles não têm a coragem moral para conter essas paixões, porque não têm pudor e vergonha. Incapazes de mostrar contenção, esses seres são abandonados por seus pais e sem tais laços são incapazes de manter opiniões fortes.

Essa opinião de Vasubandhu nos faz lembrar do moderno preconceito familiar para com LGBTs, levando ao abandono, a uma formação de personalidade deficiente e a tendências depressivas. Hoje, buscamos mudar este quadro pela conscientização, mas nos tempos antigos, isso era apenas mais um motivo para exclusão. A prova disso é que o Abhidharma (um dos textos contendo as palavras do Buda) afirma que um Pandaka não pode atingir a iluminação em sua própria vida, tendo que esperar o renascimento como um homem ou uma mulher normal. Ananda – primo e discípulo do Buda – se diz ter sido um Pandaka numa de suas vidas passadas, o mesmo sendo dito da monja budista Isidâsî. Em ambos os casos o nascimento como um Pandaka seria resultado de carma ruim, e a idéia de que ser um Pandaka decorre de mau comportamento numa vida anterior é comum na literatura budista.

Só podemos especular que esta visão do Pandaka como lascivo, desavergonhado e vacilante transmitida pelos antigos mestres budistas é baseada nas deficiências sociais ocasionadas pelo Pandaka como membro de um grupo estigmatizado e pária, tal como acontece com seus atuais colegas, as hijras, bem como sobre a incapacidade ou falta de vontade de trazer satisfação aos seus pais através da produção de crianças nesta vida, ou devido à sua desqualificação para os ritos funerários e de pós-morte.

A origem do termo Pandaka ainda é debatida por acadêmicos budistas e ainda é desconhecido o que e que isso significava durante o tempo de Buda. Alguns comentam que significava um eunuco e ainda listam 5 tipos de Pandaka, sendo que apenas os últimos 3 foram considerados impedidos de ser ordenados.
(1) asittakapandaka: Um homem que ganha a satisfação ao realizar sexo oral em outro homem e ingerir seu sêmen, ou que só se torna sexualmente excitado depois de ingerir o sêmen de outro homem.
(2) ussuyapandaka: Um voyeur, um homem que ganha a satisfação sexual em assistir a um homem e uma mulher fazendo sexo.
(3) opakkamikapandaka: Eunucos, isto é, homens castrados faltando os órgãos sexuais completos. Ao contrário dos outros quatro tipos de Pandaka, Bunmi descreve que estes homens atingem sua condição após o nascimento e não nascem como Pandaka. Leonard Zwilling não chama a esse tipo de Pandaka um eunuco, mas diz que o termo descreve um homem que “atinge a ejaculação através de algum esforço especial ou artifício”.
(4) pakkhapandaka: As pessoas que tornam-se sexualmente excitadas em paralelo com as fases da lua, ou excitam-se durante a quinzena da lua minguante e cessam a excitação durante a quinzena da lua crescente ou, ao contrário, tornando-se sexualmente excitadas durante o período da lua crescente e deixando de ser excitadas durante o período da lua minguante.
(5) napumsakapandaka (às vezes também chamado simplesmente napumsaka): Uma pessoa sem órgãos genitais claramente definidos, seja homem ou mulher, tendo apenas um trato urinário. Outra definição de napumsaka dada por Bunmi é “um [> macho] pessoa que não é capaz de se envolver em atividades como um homem”. Em outros lugares, Bunmi acrescenta que napumsakapandaka nasce sem os órgãos genitais, como punição cármica.

As proscrições do Buda contra certos tipos de pessoas que se juntam a comunidade monástica parecem ter a ver com um “resguardo” da imagem pública da mesma como virtuosa. Seria uma espécie de “conveniência”, o que hoje seria visto como puro preconceito. Não sabemos se foi o Buda que prescreveu tais regras ou isso se deve às “conveniências” de seus discípulos após sua morte. Para pesquisadores como Peter Jackson, estudioso de política sexual e do Budismo na Tailândia, o Buda era inicialmente relutante em permitir que as mulheres se juntassem à comunidade monástica (sangha) pelo mesmo motivo. Jackson explica (ver http://en.wikipedia.org/wiki/Buddhism_and_sexual_orientation): “O Budismo, o caminho do meio, sempre foi preocupado com a manutenção da ordem social e, desde o tempo do Buda a sangha nunca pretendeu fornecer um veículo universal para a libertação espiritual de todos os indivíduos na sociedade, excluindo explicitamente aqueles que se considera um mau reflexo sobre a vida monástica em termos de normas e atitudes sociais vigentes.”

O “terceiro sexo” é excluído de uma variedade de práticas budistas, além da ordenação: atuar como preceptor em cerimônias de ordenação, fazer doações aos monges mendicantes, pregar, meditar e habilidade de compreender o Dharma (o conjunto de ensinamentos do Buda). Qualquer paralelo aqui com a afirmação cristã de que gays não podem ser salvos, não é forçado, pois as religiões, em sua origem, são amplamente intolerantes com o diverso, o diferente e o que não se encaixa no perfil da maioria. Aliás, uma das tendências mais comuns das religiões em sua formação é uma padronização pela maioria, uma “normatização” e “normalização”. Quem não se encaixa (impedimento moral) ou não tem como se encaixar (impedimento fisiológico), é simplesmente excluído.

Em contraste, textos posteriores, especialmente budistas tibetanos, ocasionalmente dão um valor positivo ao pandaka por seu “meio termo” e equilíbrio. Nestes textos tibetanos, pandaka é traduzido com o termo ma ning, “sem gênero” ou “sem genitália”. Gyalwa Yang Gonpa (monge tibetano do Séc. XIII), uma das figuras significativas no início da escola Drukpa Kagyu, escreve sobre ma ning como sendo um estado de equilíbrio entre a masculinidade e a feminilidade, como “o sopro permanente entre a expiração masculina e a inalação feminina” e “o canal equilibrado do Yoga, em oposição ao canal muito apertado do sexo masculino, e o muito solto do sexo feminino”. Há, inclusive, na prática tibetana, o Mahakala Ma Ning, uma deidade irada reverenciada sob esta visão, especialmente na escola Nyingma, como um defensor do Dharma. Nas imagens, o macabro Ma Ning tem um coração humano em sua mão, e também uma guirlanda de corações ao redor de sua cintura. Poderíamos dizer que se trata de uma espécie de “deidade gay” ou “queer” no Budismo Tibetano? Quem sabe... um alento para os LGBTs e a possibilidade de um Buda Gay...

O Tripitaka (textos budistas mais antigos) referem-se a casos de homossexualidade e transexualidade. Especificamente, o Tripitaka destaca o caso de um monge, Wakkali, que se tornou monge simplesmente porque estava fisicamente atraído pela beleza do Buda. O Tripitaka também destaca um incidente transexual em que um homem casado, com filhos, foi fisicamente atraído por um monge, depois do qual o homem passou por metamorfose e se tornou uma mulher, e se casou com alguém do mesmo sexo. Outra seção do Tripitaka refere-se a um incidente em que um monge novato masturbou um elevado monge ordenado.

A referência mais importante para praticantes leigos quanto à homossexualidade ou comportamento sexual no Budismo está contida no terceiro preceito que se refere à má conduta sexual. No entanto, este preceito em si é um guia insuficiente, uma vez que não faz distinção em relação a orientação ou prática sexual. A fim de aplicar o princípio dentro do terceiro preceito à homossexualidade, deve-se voltar para o princípio budista mais amplo de “não causar sofrimento” e considerar este preceito em uma interpretação holística.

Ao considerar o preceito de má conduta sexual pode-se tirar algumas especificidades para o que é permitido ou não. Questões de estupro, adultério e pedofilia pode ser consideradas como incompatíveis com os ensinamentos budistas, já que causam danos a outros.

A visão do Budismo Tibetano e a polêmica do Dalai Lama anti-LGBT

Padmasambhava (730-805) foi o Buda que levou o Budismo para o Tibete. Ele passou 55 anos transmitindo ensinamentos avançados e secretos a seus alunos. Muitos desses alunos (tertons) foram destinados a renascer para revelar certos ensinamentos (termas) em momentos posteriores para as gerações futuras. Yeshe Tsogyal, uma princesa, era sua principal discípula e consorte de práticas sexuais tântricas – apesar de ser esposa de um rei, ele permitiu esta relação no mínimo incomum! Padmasambhava deu algumas instruções pontuais para Yeshe Tsogyal sobre sexo e homossexualidade. As seguintes citações são tiradas de uma das termas mais importantes transmitidas por Guru Rinpoche ou Padmasambhava. É conhecido como os “Ensinamentos de Dakini” (ver http://www.reversespins.com/buddhismandgays.html):

Má Conduta Sexual ...
Há também ocasiões em que não é adequado ter relações sexuais mesmo com o seu companheiro de direito. ...
3. Não é adequado o intercâmbio em um orifício inapropriado, tais como envolvimento em formas de animais.
Tsogyal, ... Como antes, o ato de má conduta sexual é consumado por meio dos quatro aspectos completos, e novamente há três tipos de resultados.

1. Através do resultado da consumação, você vai renascer nos três reinos inferiores. Mesmo se você vir a renascer nos reinos superiores, você vai ter brigas com seu cônjuge e assim por diante.
2. O resultado dominante é que, mesmo em vidas futuras, seus ajudantes, cônjuge e assim por diante serão irresponsáveis e mostrarão vários atos de ingratidão.
3. O resultado correspondente à causa é que suas tendências habituais prejudiciais farão com que você tenha prazer na má conduta sexual.

Tsogyal, se você desistir estes actos e se abstiver deles, você vai obter os opostos de seus resultados, por isso abandoná-los é de grande importância. ...”
(Ensinamentos de Dakini, pp 39-40)

Gampopa (Séc. XII), um dos principais mestres da escola Kagyu do Budismo Tibetano, seguiu a tradição budista indiana, vinda desde Vasubandhu (Séc. III), segundo a qual sexo oral e anal, se com um homem ou uma mulher, são violações do terceiro preceito em relação ao comportamento sexual inadequado. Longchenpa (Séc. XIII), fundador da escola Nyingma, citando textos Mahayana do mestre indiano Asanga (Séc. III), deduziu que no comportamento sexual inadequado incluem-se também as mãos entre as partes inadequadas do corpo para a atividade sexual. Mestres posteriores de todas as escolas do Budismo Tibetano aceitam todas estas especificações.

Sangharakshita, dando uma interpretação moderna para budistas ocidentais, vê o terceiro preceito como referindo-se a evitar a atividade sexual, que é exploradora de qualquer modo ou machuca os outros. Isso significa que seria antiético ter sexo com a esposa ou o marido de alguém se isto é suscetível de perturbar-lhes, como seria antiético ter sexo com o namorado/namorada de alguém, onde isso teria efeitos ruins. Sangharakshita não tem nenhum problema com a homossexualidade, e de fato, às vezes tem sido acusado de favorecer a homossexualidade sobre outras formas de sexualidade. Mas, ele é uma exceção entre os mestres do Budismo Tibetano.

Na prática, as atitudes para com o sexo variam muito entre as diferentes culturas budistas. Por exemplo, em algumas partes do Tibete a poliandria (uma mulher com vários maridos) foi livremente tolerada. Em outras, o Budismo é utilizado para apoiar uma forte condenação à homossexualidade, que parece ser em grande parte cultural. No Tantra da antiga Índia (ensinamento pertencente ao Budismo Vajrayana ou Tibetano), havia algumas práticas de meditação avançada que envolviam um acoplamento sexual em um estado de meditação profundamente absorvido, visualizando um parceiro como uma dakini (uma deidade simbólica). Novamente, isto tem sido tolerado dentro de certas circunstâncias muito restritas, especialmente na Escola Nyingma. A relação de Padmasambhava com Yeshe Tsogyal seria desta natureza.

O atual Dalai Lama segue a afirmação tradicional budista tibetana de que o comportamento sexual inapropriado inclui sexo lésbico e gay, e mesmo qualquer outro sexo envolvendo pênis-vagina em relações sexuais com o próprio parceiro monogâmico, quando incluindo sexo oral, anal e masturbação.

Numa entrevista de 1994, ele afirmou:
"Se alguém vem a mim e pergunta se a homossexualidade é boa ou não, vou perguntar: 'Qual é a opinião do seu companheiro?' Se ambos concordam, então eu acho que eu diria 'se dois machos ou duas fêmeas concordam voluntariamente em ter satisfação mútua sem implicação de prejudicar outros, então é bom'." No entanto, em seu livro de 1996, Além do Dogma, ele afirma: "Um ato sexual é considerado adequado quando os casais usam os órgãos destinados à relação sexual e nada mais... a homossexualidade, seja entre homens ou entre mulheres, não é imprópria em si mesma. O que é impróprio é o uso de órgãos já definidos como impróprios para o contato sexual."

O que o Dalai Lama propõe? Que gays podem estar juntos, mas não podem ter relações sexuais? Uma hipocrisia tamanha! Na verdade, sua opinião está fundamentalmente atrelada a esta doutrina dos órgãos adequados ao sexo. Resumindo, para quem acha que os mestres budistas estão imunes ao preconceito, é uma opinião fundamentalista vinda de um budista que é considerado um “Buda Vivo”!

Contudo, o tema controverso é a conduta sexual inadequada para um praticante budista, já que o Dalai Lama repetidamente "expressou seu apoio ao pleno reconhecimento dos direitos humanos para todas as pessoas, independentemente da orientação sexual". Ele explicou, em 1997: "Isso é parte do que nós budistas chamamos de má conduta sexual. Órgãos sexuais foram criados para a reprodução entre o elemento masculino e o elemento feminino – e tudo o que se desvia disso não é aceitável do ponto de vista budista", enquanto o sexo não-procriativo pênis-vagina não é considerado má conduta sexual. Mais um fundamento hipócrita? O Dalai Lama admite que "do ponto de vista da sociedade, relações homossexuais de acordo mútuo podem ser de benefício mútuo, agradáveis e inócuas." Inócuas por ocorrerem entre não-budistas? Quem disse que o Dalai Lama representa a palavra budista sobre o assunto? Nem sobre o Tibete invadido ele é unanimidade!

O Dalai Lama declarou que antes, esteve incerto sobre se uma relação de mesmo sexo não-abusiva e de acordo mútuo seria aceitável dentro dos princípios gerais do Budismo. Ao ter dificuldades em imaginar os mecanismos de sexo homossexual, dizendo que a natureza tinha arranjado órgãos masculinos e femininos "de tal maneira que é muito apropriado... órgãos do mesmo sexo não podem funcionar bem", o Dalai Lama tem dito repetidamente aos grupos LGBT que ele não pode reescrever os textos. O mesmo dizem padres e pastores cristãos fundamentalistas sobre os textos bíblicos. A diferença é que o Dalai Lama pensa que este é o tipo de questão que precisa ser discutida por um conselho de anciãos budistas de todas as tradições. Apenas um tal conselho poderia alterar questões relativas ao Vinaya e à ética. Contudo, o Dalai Lama também recomenda a questão da igualdade das mulheres, especialmente em rituais e cerimônias monásticas, sendo algo a ser reconsiderado e revisado. Isso tem acontecido na prática, mas a questão LGBT permanece polêmica e sem “reconsideração” ou “revisão”...

Em 1999, numa entrevista com Alice Thompson, ele declarou de modo enfático, demonstrando seu fundamentalismo anti-LGBT: "Eles querem que eu tolere a homossexualidade. Mas, eu sou um budista e, para um budista, um relacionamento entre dois homens é errado. Algumas condutas sexuais no casamento também são erradas.", falando sobre masturbação e sexo oral. Também disse que "Se uma pessoa não tem fé, é uma questão diferente"... "Se dois homens realmente se amam e não são religiosos, então, está OK para mim." Um discurso moderno de exclusão? Afinal, o que o Dalai Lama deixa claro é que, se os LGBTs querem ser como são, mas não forem religiosos budistas, tudo OK. Isso é exclusão pura e abominável! Um discurso anti-inclusivo feito por um Nobel da Paz! Inaceitável!!! O alento é que ele não representa MESMO a palavra de todos os budistas – mestres, monges e leigos – no mundo.

Numa entrevista com Wikinews, Tashi Wangdi, representante do Dalai Lama, tentou elaborar melhor a questão, mas só evidenciou mais fundamentalismo, ao dizer que se uma pessoa se envolveu com homossexualidade, "não seria considerada como seguindo todos os preceitos dos princípios budistas. Pessoas não seguem todos os princípios. Muito poucas pessoas podem alegar que seguem todos os princípios. Por exemplo, contar uma mentira. Em qualquer religião, se você perguntar se contar uma mentira é um pecado – dizem os cristãos – , eles vão dizer que sim. Mas você encontra muito poucas pessoas que em algum momento não contam uma mentira. Homossexualidade é um ato, mas você não pode dizer [a pessoa que é homossexual que ela] não é um budista. Ou que alguém que diz uma mentira não é um budista. Ou que alguém que mata um inseto não é um budista, porque há uma forte proibição contra isso." Muito sutil...

Certa vez, o monge budista Theravada Ajahn Brahmavamso escreveu para o Jornal West Australian, respondendo a um artigo publicado ali, em que o Dalai Lama foi citado como tendo dito que a homossexualidade era imoral. Eis o que ele escreveu ao jornal:

"Caro senhor/senhora, o Dalai Lama estava fora de sintonia quando disse (de acordo com o seu artigo no West, 15 de abril, página 7) 'se você é um budista, a homossexualidade é errada. Ponto final.' O Dalai Lama não é o 'papa' do Budismo e, encantador como ele muitas vezes é, às vezes ele erra. Ele é apenas a cabeça de um das quatro principais seitas do Vajrayana (Budismo Tibetano) e ele fala apenas para o seu grupo.

A grande maioria dos budistas em todo o mundo moderno são inspirados a aprender que o Buda certamente não discriminou a homossexualidade. Os ensinamentos fundamentais do Budismo original mostram claramente que não é se a pessoa é heterossexual, homossexual ou celibatária que é boa ou ruim, mas é como uma pessoa usa a sua orientação sexual que contribui para bom ou mau
karma.

Portanto, o fato é que o Buda, e, portanto, o Budismo, abraça gays e lésbicas e transexuais com equidade e respeito. Por muito tempo o fanatismo religioso tem causado sofrimento a grupos minoritários em nossa sociedade. Todas as religiões devem ser mais amorosas. Ponto final!"
- Ajahn Brahm

Agora é a opinião de um outro monge budista confrontando o Dalai Lama (que também é monge) em seu argumento de autoridade, colocando-o em seu devido lugar.

A verdade é que, embora o Dalai Lama seja uma das pessoas mais amáveis que se possa imaginar, um Nobel da Paz, é também um tibetano muito tradicional sob vários aspectos - e a cultura tibetana tradicional, como a maioria das culturas, tem idéias muito confusas e enviesadas sobre a homossexualidade. O Budismo Tibetano não deriva suas idéias sobre a homossexualidade dos primeiros ensinamentos do Buda, mas a partir de sutras e shastras Mahayana, o mais antigo dos quais data de cerca de 500 anos depois de Buda. Nesta época, budistas indianos estavam sendo influenciados por várias noções populares indianas, incorporando-as em sua compreensão do Dharma, às vezes com resultados não muito felizes. Uma dessas noções era a idéia de que atos sexuais podem ser julgados certos ou errados dependendo do “lugar, pessoa e orifício”.

Como, exatamente, a lei do Carma pode distinguir um orifício de outro? Outros problemas surgem quando percebemos que muitos homossexuais masculinos praticam sexo entre as coxas e masturbação mútua, em vez de sexo com penetração. E, exatamente qual o órgão sexual que uma lésbica usa para penetrar a vagina de sua parceira? Mais uma vez fica claro que o Dalai Lama (e a tradição responsável por sua opinião equivocada) não tem a mínima noção do que está afirmando.

Segundo as informações dadas por Jeff Wilson no blogue Gay Tibet (ver http://gaytibet.blogspot.com.br/2009/08/homosexuality-marriage-and-religion-in.html), monges gays eram comuns no Tibete tradicional e em outras culturas budistas, e foram aceitos como parte da sociedade, mesmo sem uma existência do moderno conceito de “orientação homossexual”. Tanto que há um termo tibetano, drombo, que se refere a um parceiro homossexual passivo, muitas vezes alguém em uma relação estreita com um monge. As posturas sócio-religiosas tibetanas consideram a penetração como uma inaceitável violação das regras monásticas de celibato, independente de se as pessoas envolvidas são do mesmo sexo ou de sexos opostos. Assim, a alternativa comumente aceita para um monge foi formar um relacionamento com um drombo, que poderia ser um jovem monge ou alguém da sociedade em geral. Em vez de sexo oral ou anal à moda ocidental, um drombo e seus patronos monásticos ficavam em uma posição agachada - o drombo deitado de costas com suas pernas cruzadas, e o monge ejaculando movendo seu pênis para trás e para frente entre elas. Sem penetração, portanto, nenhuma violação das regras.
E, só para provar que a homossexualidade, o casamento e a religião no Tibete são infinitamente complicados: o sexto Dalai Lama, que se acredita ter renascido como o atual décimo quarto Dalai Lama, foi muito famoso por ser um bissexual extravagante. Apesar disso, o atual Dalai Lama insiste em dizer que relações sexuais com alguém do mesmo sexo é conduta inadequada... Contudo, o fato de que monges pagam drombos muito jovens para manter relações com eles não parece ser um problema na hipócrita condenação do Dalai Lama aos LGBT. Parece o mesmo caso da hipocrisia do Vaticano que condena gays, mas defende padres pedófilos... O próprio Heinrich Harrer, no livro “Sete Anos no Tibet”, afirma categoricamente que os monges no Potala eram homossexuais... Ninguém precisa ser ingênuo e achar que nos mosteiros tibetanos a situação é diferente dos mosteiros católicos. Lá também há relações entre os mais velhos e os mais novos, e isso já foi denunciado na imprensa internacional algumas vezes.

A visão polarizada do Budismo Theravada atual

Uma das razões para uma certa homofobia contra gays masculinos em países predominantemente budistas como a Tailândia tem a ver com a misoginia e o desejo esmagador por descendentes masculinos em grande parte da cultura asiática. A misoginia muitas vezes se manifesta como um medo quase patológico de que algo num homem possa apontar traços femininos. Assim, para muitos, homens homossexuais parecem excessivamente femininos, e assim, são odiados ou temidos, ou ambos. Em muitas culturas asiáticas a continuação da linhagem é de suma importância, de modo que uniões sexuais que não possam produzir filhos são vistas como pervertidas.

Na Tailândia, alguns setores budistas tradicionais propõem que a homossexualidade surge como uma consequência cármica pela violação de proibições budistas contra a má conduta heterossexual. Estas visões cármicas descrevem a homossexualidade como uma condição congênita que não pode ser alterada, pelo menos, na vida atual de uma pessoa homossexual, e têm sido associadas com apelos por compaixão e compreensão por parte da população que não é homossexual. Mas, a partir do final dos anos de 1980, alguns setores budistas tailandeses mais recentes passaram a considerar a homossexualidade como uma violação intencional da conduta heterossexual “natural” resultante da falta de controle ético sobre os impulsos sexuais. Peter Jackson, estudioso australiano de política sexual e do budismo na Tailândia, escreve que estas posições representam “duas escolas de pensamento amplas sobre a homossexualidade que estão em curso entre os escritores contemporâneos budistas tailandeses, uma de aceitação, a outra de não-aceitação”.

O fator-chave de diferenciação destas posições divergentes é a conceitualização do autor da origem da homossexualidade. Os liberais sustentam que é uma condição que está fora do controle consciente dos homossexuais, tendo origens em erros do passado. Isso se assemelha à visão de alguns espíritas no Ocidente. Os não-liberais defendem que a homossexualidade é uma violação intencional de princípios éticos e naturais. Esta é a visão do Cristianismo fundamentalista. Para Peter Jackson, o fator que causou a mudança na visão budista tailandesa, aumentando o preconceito, foi o surgimento da AIDS e sua equivocada associação aos gays como causadores da síndrome.

Contudo, há defensores da inclusão LGBT no Budismo Theravada, como o já citado monge Ajahn Brahmavamso, que declarou o seguinte, conforme conferência transcrita por Kelvin Wong (Homosexuality and other forms of queerness – Excerpt from Ajahn Brahm - http://heartlandsg.org/2006/12/30/homosexuality-and-other-forms-of-queerness-excerpt-from-ajahn-brahm/):

A primeira coisa que eu gostaria de dizer a partir da perspectiva budista é que, sempre que temos uma decisão ou uma escolha difícil de fazer, temos de olhar para as nossas mentes para ver se temos o que o Buda chama de 'perversões do pensamento' (…). E, particularmente, as atitudes para com os homossexuais, se seus amigos, filhos ou outras pessoas da sociedade, não devem ser pensadas a partir da posição de medo.

Tendo confrontado a homossexualidade só por estar em um país ocidental, esse assunto tem que vir à tona, os monges e monjas e todo mundo tem de enfrentar. Porque há algumas pessoas que vão se tornar seus discípulos e até mesmo querer se tornar monges e monjas e fazer parte da Sangha. Algumas delas são homossexuais, ou alguns dos filhos de seus discípulos são homossexuais.

Muitas vezes, elas fazem a pergunta: 'A homossexualidade quebra os 5 preceitos?' Particularmente, isso diz respeito ao 3º preceito, que diz respeito a má conduta sexual. No entanto, os estudos do significado budista da expressão má conduta sexual certamente não inclui atividades homossexuais. E, é fascinante que o Buda foi certamente consciente sobre a homossexualidade em seu tempo. Havia muitos casos mencionados nas escrituras antigas, especialmente o Vinaya (o código de ética para os monges e monjas), dos atos homossexuais e daqueles que eram dessa forma inclinados, e ele certamente nunca os incluiu sob os 5 preceitos.

Quando falamos sobre o 3º preceito, de má conduta sexual, isso literalmente se refere a adultério ou sexo ilícito, especialmente entre um homem ou uma mulher que não se casaram e cujas relações sexuais foram consideradas inadequadas na época, mas certamente não inclui atividades homossexuais e lésbicas.

Assim, quando olhamos para as questões éticas da homossexualidade, não podemos usar os 5 preceitos, uma vez que eles não se aplicam. O fato de que isso não foi mencionado é uma indicação de que o Buda não achou, no final das contas, que fosse tão ruim, ou uma atividade a ser incluída nos 5 preceitos. E, por isso, temos de tratar logicamente relações homossexuais e lésbicas na mesma categoria do relacionamento heterossexual. Em outras palavras, a lei do carma, o entendimento de bondade e o que traz a felicidade na vida futura e a felicidade nesta vida... o que significa que temos de olhar para a homossexualidade na mesma luz que vemos a heterossexualidade. Em outras palavras, se é uma relação amorosa, de carinho, não-exploradora, com adultos responsáveis em idade apropriada, não parece haver nada de moralmente errado com ela. (...)

Pergunta: Como podemos ajudar pessoas com homofobia a superar seus medos, especialmente os pais de filhos ou filhas gays?

Por minha própria experiência, eu aprendi a superar esses medos reunindo-me com os gays para conhecê-los e ser amigo deles. E, por favor, você não tem que ser gay para ser amigo de uma pessoa homossexual! E, como tal, você pode aprender a partir de suas experiências.

E, de como podemos ajudar os pais a compreender os gays, eu me lembro de algum tempo atrás, um pai estava muito chateado que seu filho era gay e veio me pedir conselhos. E eu lhe disse: 'Quando você entoa a bondade amorosa (na tradição Theravada), você diria: 'Que todos os seres possam estar felizes e bem. Que todos os seres possam estar livres do sofrimento.' Não é o seu filho um desses seres? Por que você distingue as pessoas que são gays, e você odeia seu filho, mas daria amor a animais e vacas e seria um vegetariano? Certamente, você pode estender a sua bondade a todos os seres, incluindo o seu filho?

Pergunta: É um carma ruim nascer homossexual?

No Budismo, se diz que seu carma ruim é ter que nascer de novo [risos e aplausos].
Não é como nós nascemos, os cingapurianos ou ingleses, ou onde, é o que vamos fazer com este nascimento que é importante. Então, se você nasceu com essas tendências, aceite essas tendências e aprenda com elas e, certamente, certifique-se de que suas atividades homossexuais são gentis, acolhedoras e amorosas, e que você não abusa dos impulsos sexuais. Eu acho que o maior perigo da homossexualidade é o abuso de sua sexualidade, assim como, por vezes, a sexualidade masculina é abusada com prostitutas.”

Em suma, “seja sua própria lâmpada”, um ensinamento dos mais libertadores deixado pelo Buda...

A tradição homossexual no Budismo japonês

Vários escritores já notaram a forte tradição histórica da bissexualidade e homossexualidade aberta em instituições budistas masculinas no Japão. Segundo Chigo Monogatari , as chamadas “histórias de acólito” de amor entre monges e seus Chigo eram populares, e essas relações parecem ter sido comuns, ao lado de sexo com mulheres.

Viajantes cristãos ocidentais que foram ao Japão a partir do Séc. XVI têm notado, escandalizados, a prevalência e aceitação de formas de homossexualidade entre os budistas japoneses. O padre jesuíta Francisco Cabral escreveu em 1596 que "abominações da carne" e "hábitos viciosos" eram "considerados no Japão como muito honrados; homens de posição confiam seus filhos para os bonzos para ser instruídos em tais coisas, e ao mesmo tempo servir a sua luxúria".

Um estudioso budista japonês do Séc. XVII, Kitamura Kigin, afirmou que o Buda teria defendido a homossexualidade sobre a heterossexualidade para os sacerdotes. Uma lenda popular japonesa atribui a introdução da homossexualidade no Japão a Shingon, fundador Kukai, embora estudiosos agora descartem a veracidade dessa afirmação. No entanto, a lenda serviu para afirmar a relação de mesmo sexo entre homens e meninos no Japão do século XVII.

Não há discriminação contra os homossexuais ou repúdio da homossexualidade no Budismo Shin, fundado no Japão no Séc. XIII, ou de fato, a outras práticas sexuais.

Até o surgimento do
Mestre Shinran, fundador do Budismo Shin, havia a crença geral de que você poderia purificar-se através de rituais próprios e abstendo-se de comportamento proibido. Por causa de sua experiência, Shinran era mais realista, entendendo que não podemos simplesmente nos purificar de paixão e desejos humanos. Ele viu que o Buda Amida (Amitabha) nos abraça, apesar destes problemas, e nos permite chegar a um meio ambiente - a Terra Pura - onde podemos deixar essas paixões que não são mais eficazes.

No Hino
Shoshinge, Shinran afirma “Fudan bonno toku nehan”, o que significa que atingimos o nirvana sem cortar paixões. Este é um importante reconhecimento. Em outra passagem, ele indica que a quantidade de impurezas não é problema para receber o abraço do voto do Buda Amida e o dom da verdadeira confiança. O Budismo Shin é uma fé de afirmação, aceitando as pessoas como elas são e ajudando-as a desenvolver a espiritualidade profunda para vitalizar a vida. O que elas fazem é uma questão de sua própria consciência, mantendo a intenção do Buda Amida em suas mentes.

Em suma, do ponto de vista do ensinamento budista
Shin, geralmente, não há nenhum problema com as relações do mesmo sexo.
Homossexualidade no Budismo chinês

A atitude quanto à homossexualidade entre os praticantes do Budismo na China, segundo o estudioso A. L. de Silva, tem sido de tolerância. Matteo Ricci, missionário jesuíta que viveu na China por vinte e sete anos a partir de 1583, já tinha expressado isso através de seu horror à atitude aberta e tolerante dos sacerdotes budistas chineses à homossexualidade.

O Venerável
Hsing Yun, uma das primeiras figuras no Budismo chinês contemporâneo, afirmou belamente que o Budismo nunca deveria ensinar intolerância contra a homossexualidade, e que as pessoas deveriam expandir suas mentes:

O casamento é uma instituição que reflete os valores da sociedade que a sustenta. Se as pessoas de uma sociedade já não acreditam que é importante se casar, então não há nenhuma razão para que eles não possam mudar a instituição do casamento. O casamento é um costume. Costumes sempre podem ser alterados. (…) a verdade suprema da questão é que as pessoas podem e devem decidir por si mesmas o que é certo. Enquanto elas não estão violando os outros ou violando as leis da sociedade em que vivem, então, são livres para fazer o que acreditam que é certo.

(…) A mesma análise poderá ser aplicada a homossexualidade. Muitas vezes as pessoas me perguntam o que eu penso sobre a homossexualidade. Eles se perguntam, é certo, é errado? A resposta é, não é nem certo nem errado. É apenas algo que as pessoas fazem. Se as pessoas não estão prejudicando o outro, suas vidas privadas são o seu próprio negócio, devemos ser tolerantes com eles e não rejeitá-los.

No entanto, ainda vai levar algum tempo para o mundo aceitar plenamente a homossexualidade. Todos nós devemos aprender a tolerar o comportamento dos outros. Assim como esperamos expandir nossas mentes para incluir todo o universo, do mesmo modo também deveríamos procurar expandir nossas mentes para incluir todas as muitas formas de comportamento humano.

Tolerância é uma forma de generosidade e uma forma de sabedoria. Não há nada em qualquer lugar do Dharma que devesse levar alguém a se tornar intolerante. Nosso objetivo como budistas é aprender a aceitar todos os tipos de pessoas e ajudar a todos os tipos de pessoas a descobrir a sabedoria dos ensinamentos do Buda Sakyamuni.”
(Hsing Yun, Buddhism Pure and Simple, pp. 137–138)

Hsing Yun é um autor best-seller e um defensor do Budismo Humanista, uma abordagem à reforma do budismo chinês para corresponder às necessidades contemporâneas dos leigos. Mas, há quem se oponha sua visão, como o mestre tradicional Hsuan Hua, que afirmou que a homossexualidade “plantas as sementes que levam ao renascimento nos reinos inferiores de existência”.

A visão da homossexualidade no Budismo Ocidental

Em contraste com o Budismo na Ásia, o moderno Budismo no mundo ocidental é tipicamente associado a uma preocupação com igualdade social, em parte como resultado de sua base de membros vinda da classe média intelectual e suas raízes filosóficas no livre-pensamento e no humanismo secular. Ao aplicar a filosofia budista à questão da homossexualidade, os budistas ocidentais enfatizam a importância que o Buda colocou sobre a tolerância, a compaixão e a busca de respostas dentro de si mesmo, salientando estes valores fundamentais, em vez de examinar passagens específicas ou textos. Por isso, o Budismo ocidental é relativamente gay-friendly, especialmente desde os anos 1990. Como a interpretação do que é má conduta sexual é uma decisão individual e não algo sujeito a julgamento por uma autoridade central, uma visão de aceitar todos os povos, mas rejeitando certos tipos de atos sexuais é mais predominante. Vários LGBT já foram ordenados monges e leigos budistas (Issan Dorsey, Caitriona Reed, Pat Enkyo O'Hara, Soeng Hyang).

Segundo o estudioso ocidental Alexander Berzin: “Os textos em tradições budistas foram escritos a partir do ponto de vista de um homem heterossexual. Precisamos explorar a intenção dos ensinamentos sobre má conduta sexual, o que em última análise é eliminar o apego, desejo obsessivo e insatisfação. Se um homem heterossexual não encontra limites para essas emoções perturbadoras, ele poderia ter relações sexuais com mais um outro parceiro, assim como outros homens. Podemos aplicar a mesma lógica e explorar o que constitui apego sem limites e insatisfação para homens ou mulheres homossexuais e bissexuais. Por exemplo, ter relações sexuais com mais parceiros e assim por diante pode ser destrutivo para estes tipos de pessoas também.”

O Dzogchen Ponlop Rinpoche, titular das linhagens tibetanas Karma Kagyu e Nyingma, em uma palestra de 2008, em Nova York, destacou que para os praticantes leigos do Budismo Tibetano, as relações homossexuais não são melhores ou piores do que as relações heterossexuais, e que apenas relacionamentos não-saudáveis em geral, devem ser evitados. Tanto a sangha Nalandabodhi (fundada pelo Dzogchen Ponlop Rinpoche), como as sanghas Shambhala (fundadas por Chögyam Trungpa Rinpoche) declaram estar acolhendo pessoas de todas as orientações sexuais. O Shambhala Meditation Center, de Nova York, hospeda um grupo de prática semanal, o Queer Dharma, especificamente para atender às necessidades da comunidade budista LGBT.

Nesta mesma linha de visão ocidental do assunto, muito útil é transcrevermos alguns trechos de uma entrevista dada pela Lama norte-americana Chagdud Khadro (dirigente espiritual do Chagdud Gonpa, um importante centro do Budismo Tibetano, hoje com sede no sul do Brasil), que chega a contrastar com a própria opinião do Dalai Lama (ver http://bossazen.blogspot.com.br/2008/11/budismo-x-homossexualidade.html):

Como o budismo encara e explica a homossexualidade?

O budismo prega a plena igualdade entre as pessoas. A sexualidade é apenas uma das diferenças que caracterizam as pessoas. De acordo com Chagdud Rinpoche, qualquer relacionamento pode ser um espaço para se cultivar as seis perfeições do ideal budista. Em uma relação entre pessoas do mesmo sexo, se houver o cultivo de generosidade, disciplina moral, paciência, perseverança, concentração meditativa, sabedoria e manutenção de uma visão pura, então esta é uma relação benéfica para o desenvolvimento da mente. Em termos da homossexualidade, ele apenas prevenia contra o desenvolvimento de aversão ao sexo oposto, porque isto dificulta a obtenção de um corpo humano durante o ‘bardo’ - estado intermediário entre esta vida e a próxima. De acordo com os ensinamentos, no ‘bardo’ alguém que renascerá como uma mulher sente-se atraída por aquele que será seu pai, alguém que renascerá como homem, sente-se atraído pela que será a sua mãe no momento em que presencia a sua própria concepção, então é preciso que haja esta atração para que aquela consciência se junte à união do esperma e do óvulo. Se há aversão ao sexo oposto, naturalmente não há esta atração e isto causaria dificuldades, fora isto, ele não via qualquer problema.

Um casal homossexual poderia livremente freqüentar e seguir o budismo?

Essa situação não interfere na prática do budismo.

O indivíduo homossexual deve se assumir? Ou isso não é recomendado?

Essa é uma questão que a própria pessoa deve julgar e ter a capacidade de decidir. Não deve ser necessariamente de um modo ou de outro. O necessário é viver com integridade. Se a pessoa está ‘no armário’, não se assume, e isto a deixa dividida, em conflito consigo mesma, com seu ser e sua sexualidade, fica difícil manter a integridade. Por outro lado, se a pessoa decide que é homossexual, mas não quer se assumir publicamente e prefere levar uma vida de abstinência ou ser discreta em sua vida sexual, sendo ao mesmo tempo muito honesta consigo mesma, acho que não há problema.

(…) O homossexual está em uma escala inferior ao indivíduo heterossexual?

Os dois são igualmente seres humanos, portanto, não há superior nem inferior entre os humanos. Há apenas esta questão de não se desenvolver aversão ao sexo oposto. Isto parece ser realmente necessário para que haja uma continuidade integrada daquele fluxo mental, ou consciência, na experiência que surge após a morte.”

Realmente, este discurso pode dar margem a dúvidas. Deve-se diferenciar orientação para o mesmo sexo de “aversão” pelo sexo oposto. Se uma pessoa é heterossexual, significa que tem “aversão” ao seu próprio sexo ou simplesmente está orientada para o sexo oposto? Claro que a segunda alternativa é a correta. Então, no caso homossexual também. Ele está simplesmente orientado para o mesmo sexo, não significando isso uma “aversão” ao sexo oposto. Devemos ter cuidado com estas explicações para que não se passe a falsa mensagem de que um homossexual é igual a ter aversão ao sexo oposto.

De qualquer modo, é importante pontuar o fato de que o Chagdud Gonpa, dirigido por Chagdud Khadro desde a morte de seu mestre, Chagdud Tulku Rinpoche, tem realizado cerimônias de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. O termo “casamento” talvez não seja o mais adequado, pois se trata de um ritual de bênção do casal e ratificação dos seus votos budistas, bem como a formalização do desejo auspicioso de ambos de viver juntos e numa base dármica. Contudo, estas cerimônias não são anunciadas publicamente e tudo tem corrido de um modo muito escondido, numa espécie de “templo-armário” budista... Contudo, sei que tais cerimônias ocorrem porque ouvi os relatos diretamente de praticantes do Gonpa. A propósito, há uma grande quantidade de gays e lésbicas entre os praticantes do Chagdud Gonpa, e há rumores de uma lama já ordenada que seria lésbica... Uma visão bem diferente do quadro pintado pelo Dalai Lama em seus comentários ignorantes sobre a sexualidade humana. Isso me faz crer mais uma vez que um Buda Gay é possível... Não enquanto praticante de atos homossexuais, mas enquanto alguém que começou a praticar sendo homossexual e atingiu o estado de Buda, no qual ser heterossexual ou homossexual é irrelevante, já que nesta condição há o completo abandono dos apegos sensoriais e sexuais.

A homossexualidade nos países budistas

Nas escrituras budistas homens homossexuais são chamados asittapandaka e as mulheres são chamadas mulheres de feminilidade incerta (sambhinna) ou mulheres masculinas (vepurisikâ, Vin.II, 271). De acordo com o entendimento da Índia antiga, os homossexuais eram considerados simplesmente como “a terceira natureza” (trtîya Prakrti), ao invés de pervertidos, desviantes ou doentes.

Do ponto de vista budista mais aberto, se um homossexual evita a sensualidade e a licenciosidade da chamada “cena gay” e entra em uma relação amorosa com outra pessoa, não há razão para que ele ou ela não possa ser um budista praticante sincero e desfrutar de todas as bênçãos da vida budista.

Nenhum dos códigos legais dos países budistas tradicionais criminaliza a homossexualidade em si, embora, é claro, hajam penalidades contra estupro homossexual e atos homossexuais com menores assim como há por crimes semelhantes cometidos por heterossexuais. Na maioria dos países budistas hoje, a homossexualidade é geralmente considerada estranha, embora não má ou um mal em si. Tailândia, Laos, Camboja, China, Vietnã, Mongólia, Japão e Coréia do Sul não têm leis contra a homossexualidade entre adultos conscientes. A homossexualidade é ilegal na Birmânia e no Sri Lanka, principalmente porque seus códigos legais foram, em parte, elaborados durante a era colonial, evidenciando uma “contaminação” pelo fundamentalismo cristão. Recentemente, no Sri Lanka, a pena foi aumentada para a homossexualidade em uma resposta irrefletida para o crescente problema do turismo sexual no país.

A visão do Budismo de Nitiren

Conforme o texto intitulado “O Budismo e a Homossexualidade”, compilado por Adriano Brito (ver http://www.estadodebuda.com.br/materias/140-o-budismo-e-a-homossexualidade):

No Budismo de Nitiren Daishonin não há julgamentos sobre a sexualidade ser boa ou má – somente ela existe, nem imposições para que seus praticantes manifestem um comportamento sexual em particular, deixando a decisão para o próprio indivíduo. Em uma de suas viagens para a Europa, o presidente Ikeda proferiu uma orientação sobre o tema, em Paris: 'O Budismo não considera a homossexualidade nem como um mal, nem como um bem. Como todos os senhores sabem, o Budismo é a filosofia da vida e, mais precisamente, a filosofia da vida humana. Quanto à homossexualidade, esta é uma questão que deve ser colocada em outra categoria. Consequentemente, o budismo não considera como um distúrbio ou vício. Como todos os seres humanos são considerados iguais, qualquer que seja a sua condição de vida, todos apresentam a natureza do Buda e podem evidenciá-la através da recitação do Nam-myoho-rengue-kyo. Por isso, é de suprema importância tomar cuidado para não considerar a homossexualidade como um desequilíbrio e absolutamente não pensar que seja um sinal de uma prática incorreta ou fraca.'

(…) Outro ponto a ser destacado é quando a própria homossexualidade é vista como um sofrimento. Neste caso, o budismo ensina a luta para ultrapassar esta manifestação cármica, como qualquer outro desafio a ser enfrentado. Caso o indivíduo se sinta satisfeito com a sua opção sexual, não existe motivos para que modifique o seu comportamento.

Finalizando, ele cita: 'O Budismo concentra-se na iluminação para a vida universal e no auto-aperfeiçoamento de acordo com tal iluminação. A conduta ética e moral naturalmente evolui como conseqüência do auto-aperfeiçoamento, mas não é a preocupação principal. Mas, isto não quer dizer que o budismo defenda a licenciosidade sexual. Moralidade é coisa relativa, que varia de uma cultura para outra. A tentativa de qualquer religião de impor a outra cultura, padrões morais estranhos só pode estimular a rejeição da mesma e a negação do seu poder em praticar o bem. Por essa razão, ensinar a verdade básica, universal e dar apenas ênfase secundária a questões de códigos de ética – como o budismo geralmente procedeu – parece prometer maiores vantagens a todos os interessados, do que dar excessivo destaque a pontos de moralidade que, na melhor das hipóteses, são apenas relativos.'”

O ramo norte-americano da Soka Gakkai International, um novo movimento religioso influenciado pelo Budismo Nitiren, com sede no Japão, desde 1995 começou a realizar cerimônias de casamento para casais do mesmo sexo. Um templo budista em Salt Lake City conectado com a Jodo Shinshu, outra escola budista japonesa, também detém os ritos religiosos para casais do mesmo sexo.

Equivalência do sexo LGBT e heterossexual no Budismo

Na atualidade há várias visões distintas sobre o sexo. São as chamadas “culturas sexuais”. Essas culturas interferem, de certo modo, na visão que as religiões têm do assunto. Algumas religiões se modernizam, adaptando-se às novas noções sobre sexo, enquanto outras mantém sua visão arcaica, fundamentalista. Conforme cada “cultura sexual”, o sexo pode ser considerado: algo bom; depravado e pecaminoso; expressão de amor; expressão da paixão; só para reprodução; o resultado final de um encontro; algo a ser comprado e vendido; algo de que não se deve falar; algo de que se deve sempre falar; a queda da sociedade como a conhecemos; dom de Deus; maldição de Deus; um caminho para a iluminação; um caminho para o inferno; só para ser praticado entre mulheres e homens; para ser praticado entre adultos de qualquer sexo.

No meio de todas essas visões há a “cultura gay”, que inclui lésbicas, transexuais, homossexuais masculinos e bissexuais. Para praticantes budistas pode parecer estranho que um determinado
grupo de pessoas tenha sua própria cultura sexual. LGBTs têm sua própria cultura sexual provavelmente por causa da pressão social, do preconceito e da homofobia, tendo se unido para fins de apoio mútuo, criando assim uma “cultura”. É com essa “cultura” crescente que as várias escolas budistas espalhadas pelo mundo tem que conviver cada vez mais. E, para essa convivência ser mais pacífica e menos desastrada que a convivência do Dalai Lama com os LGBTs, há a necessidade de ampliar os horizontes budistas sobre a sexualidade humana.

As primeiras comunidades monásticas (Sangha) do Budismo foram divididas em uma comunidade para homens e uma para mulheres, pois o entendimento era o de que, pelo impulso sexual dos seres humanos ser tão forte, uma atitude celibatária teria como resultado que tal impulso não interferiria na busca pela iluminação. Então, muitas regras de conduta foram definidas. Entre os vários comportamentos proscritos estava a homossexualidade, mas ela foi incluída simplesmente
porque era um tipo de comportamento sexual, não porque seria inerentemente errado.

No caso da regra que dizia que uma pessoa em particular conhecida como
Pandaka não poderia ser ordenada, ainda que Pandakas fossem homens homossexuais, o problema com eles não era sua orientação sexual, e sim a sua exuberância, uma indisciplina sexual e tendência a não refrear suas paixões, o que seria um caos para uma comunidade monástica. Então, o termo Pandaka não se refere a todos os homossexuais masculinos, mas apenas aos que não conseguiriam adotar a vida monástica por causa de sua sexualidade desenfreada. Pessoas heterossexuais com sexualidade desenfreada também estavam interditas à ordenação e as regras valiam para todos, como a proibição de adultério, promiscuidade, estupro, abuso sexual infantil, sexo com menores de idade, sexo com alguém impotente ou em cativeiro, assédio sexual, sexo com animais, masturbação, etc.

Segundo os ensinamentos do Buda, há três fatores que devemos levar em conta ao fazer julgamentos morais: se agimos com os outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco; se nossos atos são causa de sofrimento ou de felicidade para os outros; se nossos atos nos levam mais perto de nosso objetivo pessoal de transcender o sofrimento e atingir o Nirvana. Nenhuma outra consideração deve ser feita ao analisar a moral própria ou alheia. Não há mandamentos divinos a ser seguidos, mas a própria consciência que busca discernir com equanimidade.

No caso das relações sexuais, elas seriam permitidas aos leigos desde que não ferissem um dos quatro princípios: haver consentimento mútuo; não causar nenhum dano; não envolver quebra de um compromisso para com outra pessoa; estar envolvido em carinho e respeito, para a satisfação mútua. Assim, sexo homossexual, desde que cumpra tais recomendações, não pode ser considerado inadequado pelos ensinamentos do Buda. No Budismo nem mesmo existe para leigos a recomendação de que o sexo deva ser somente para reprodução!

Na tradição budista mais antiga há várias histórias de homens homossexuais que atingiram o grau de Arhat (um elevado estado de despertar que permite atingir o Nirvana) da mesma forma que heterossexuais. É o caso da história de Soreyya, Vakkali e Ananda. Eles atingiram tal estado sem renunciar a sua sexualidade, mas renunciando a seus desejos, o que os Arhats heterossexuais também tiveram que fazer.

Segundo o Budismo, a homossexualidade, assim como a heterossexualidade e a bissexualidade, é uma condição natural e tem algo a ver com uma certa escolha consciente. A combinação de escolhas conscientes, os desejos enraizados que estas escolhas ajudam a criar e eventos traumáticos que contribuíram para nossas preferências sexuais em muitas vidas anteriores resultam no nascimento de uma pessoa que possui o agregado dessas preferências. Então, mesmo nascendo no gênero masculino, ela pode ter uma orientação para o mesmo sexo ou para os dois, ao invés do sexo oposto. Tem a ver mais com tendências, preferências e agregados de vidas anteriores que com um carma ou um fardo condenatório a ser carregado. Mesmo porque, não é quem você foi em existências anteriores, mas quem você é agora que é mais importante. E, meditando, fazendo o bem e adquirindo compaixão por todos os seres, seja gay, lésbica, bissexual, transgênero ou heterossexual, todos possuem as mesma chances de chegar ao Despertar Último, o estado de Buda. Então, o “Buda Gay” é uma realidade! Não há necessidade de ser monge para isso. Não há necessidade de abdicar do sexo. Mas, se o sexo for feito com amor, compaixão e sem causar prejuízos, seja sexo gay ou heterossexual, será conduzente ao Despertar.

Então, a “cultura gay” não está em oposição às regras budistas sobre a conduta sexual, desde que não fira as mesmas recomendações dadas a pessoas heterossexuais.

Em “O Budismo e o homossexualismo” (sic) – ver http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/abc_budismo.php –, Michael Beisert esclarece algo mais sobre os ensinamentos do Buda a respeito da conduta sexual:
1. Há algum tipo de prática sexual rejeitada pelo Budismo?

Em primeiro lugar é necessário fazer a distinção entre os praticantes Budistas que adotam o monasticismo e aqueles que seguem a vida leiga. O código de disciplina monástica prescreve o celibato para os monges e monjas. Para os leigos há um conjunto de cinco preceitos éticos que devem ser observados, sendo que o terceiro preceito determina que a pessoa deve evitar o comportamento sexual impróprio. (...)

2. O que é um comportamento sexual impróprio?

(…) No caso de duas pessoas leigas que agem com base no consentimento mútuo, onde não há adultério, e onde o ato sexual é uma expressão de amor, respeito, lealdade e calor humano, esse seria um comportamento sexual hábil. E o mesmo critério vale se as duas pessoas forem do mesmo sexo. Do mesmo modo, a promiscuidade, libertinagem e a desconsideração dos sentimentos dos outros fazem com que um ato sexual seja inábil quer seja heterossexual ou homossexual. Todos os princípios empregados para avaliar uma relação heterossexual também são válidos para avaliar uma relação homossexual.

No Budismo podemos dizer que não é o objeto do desejo sexual que determina se um ato sexual é inábil ou não, mas na verdade, a qualidade das emoções e intenções envolvidas.

3. Há alguma objeção do Buda com relação ao casamento do mesmo sexo?

A resposta é “Não.” Na coleção de discursos do Buda não há nenhuma objeção desse tipo. Para ser mais exato, o Buda nem apoiava e tampouco se opunha ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

4. Isso então quer dizer que o Budismo é mais tolerante em relação aos homossexuais?

Algumas vezes o Buda aconselhava evitar um certo tipo de comportamento não porque fosse inábil do ponto de vista ético mas porque colocaria a pessoa em divergência com as normas sociais ou porque poderiam sujeitá-la a sanções legais. Nesses casos, o Buda dizia que evitar esse tipo de comportamento livraria a pessoa da ansiedade e embaraço causado pela desaprovação social e o medo de ações punitivas. Em determinadas situações sociais, esse seria o caso em relação à homossexualidade. Nesses casos, o homossexual tem que decidir se irá se submeter àquilo que a sociedade espera ou se irá tentar mudar os valores sociais.”

Em http://tzal.org/5-3-homossexualismo/, o budista Padma Dorje (Eduardo Pinheiro), tradutor e programador que vive em Porto Alegre, ainda que também se valha do termo inadequado “homossexualismo”, traz mais luz a essa polêmica, respondendo a diversas perguntas:

Qual a posição do budismo sobre a homossexualidade?

Monges não devem se engajar em qualquer ação sexual. Porém, na medida em que tiverem atração pelo mesmo sexo, serão homossexuais. 'Homossexuais não praticantes', porque não devem fazer qualquer tipo de sexo. Com relação ao desejo pelo mesmo ou por outro sexo, não há diferença alguma. Ambos são problemas e obstáculos para a vida do monge. Com relação a leigos, vai de acordo com a cultura onde esse leigo está imerso. Em culturas onde a homossexualidade é vista como um problema, apenas o fato do leigo estar em desacordo com o que é socialmente aceitável pode trazer tensões desnecessárias e problemas para este leigo. Se ele vai conseguir praticar ou não em meio a essas tensões, depende só dele. Em todo o caso, seu refúgio no Buda deve ser mais forte do que qualquer de suas inclinações. (…)

É possível um homossexual se tornar iluminado?

Isso já aconteceu, pelo menos um dos 84 mahasiddhas de Chimpu era homossexual. Embora isso fique subentendido no texto e não esteja dito de forma direta, é a interpretação que qualquer professor budista atual daria.

O homossexual que supostamente alcançou a iluminação mencionado por você era um homossexual “praticante” ou vivia em castidade?

O mahasiddha não era um monge. Por outro lado, pensando melhor a respeito, embora ele fosse um homossexual no caminho, ele não poderia ser um 'Buda homossexual'. Isso porque o homossexualismo é uma propensão, um hábito. As doutrinas eternalistas vão querer dizer que uma pessoa 'é' alguma coisa. Mas, segundo o budismo, todos nós já fomos todas as coisas, inclusive homossexuais, e hoje talvez alguns de nós não somos mais, nessa vida. Isso algumas vezes ofende algumas pessoas, porque em geral se acredita que alguém 'é' alguma coisa. No máximo a pessoa está, e um Buda nem mesmo 'está', para si próprio. Um Buda não tem preferência de gênero, e se ele se engaja em atividade sexual, é só para trazer benefício aos seres. Kukuripa, outro mahasiddha, tinha uma cadela por namorada, e seu amor por ela foi parte da prática espiritual que o levou a iluminação. O mahasiddha gay tinha um namorado também, mesmo depois de iluminado. Mas ele de forma alguma estava preso ao arco-íris do sonho, que é totalmente impermanente. Em outras palavras, não existe Buda com inclinações pessoais, apenas inclinações em nome das necessidades dos seres. Portanto, tornou-se um display para ensinar pessoas com a mesma inclinação, para dar um exemplo para elas, mas não algo que ele mantinha como um 'eu'. Da mesma forma, se diz que o bodisatva Manjushri se manifestou como uma mulher para seduzir um homem e dar um ensinamento. Se o gênero ou a preferência sexual são hábitos mais ou menos arraigados um que o outro, isso é difícil dizer. Mas, de toda forma, são meros adornos num Buda—o que significa que ele só manifesta qualquer coisa que ele manifesta, pelo outro, e não por algo que ele possui em si como característica sua – o Buda é vazio, portanto ele não pode ser inerentemente gay. Aliás, não só o Buda, mas nenhum de nós. Isso tem uma implicação que horrorizaria muitos gays e a maioria dos que erguem a bandeira gay. Não que seja desejável, bom ou correto – mas alguém pode deliberadamente, segundo o budismo, deixar de ser qualquer coisa, inclusive homossexual. É preciso dizer isso não porque, repito, seja algo louvável de qualquer forma uma 'terapia' que promova uma mudança, mas porque a vacuidade, e a impermanência, são realidades. Vamos colocar em outros termos: alguém pode também deliberadamente se tornar homossexual, mesmo que isso não surja naturalmente. É só criar os hábitos. Do ponto de vista de uma identificação do eu com um hábito, a heterossexualidade é tão ruim como o homossexualidade. Apenas apego e desejo, em sua maior parte egoísta. É extremamente difícil, em qualquer dos mundos, praticar a virtude – não é impossível, mas é difícil. O homossexualismo tem um carma adicional, não tanto nesses tempos, mas ainda em certa medida, de ser uma propensão que não segue o que os outros esperam, em geral, da pessoa – daí o sofrimento, algumas vezes tanta tensão até a pessoa assumir para si própria e para os outros essa propensão sua. Mas isso de forma alguma é motivo de recriminação com relação a alguém, é apenas para lembrar que, se há maior dificuldade, essa propensão foi criada, possui interdependência, com uma causa não-virtuosa – ainda que seja por algum egoísmo, ainda que seja por uma mera identificação do eu. O que não quer dizer que as propensões de heterossexuais não levem também ao sofrimento. Todas as propensões são sofrimento. Com certeza há homossexuais que sofrem menos com sua homossexualidade do que heterossexuais sofrem com sua heterossexualidade – eu diria que é mais raro – mas essa é uma mera circunstância – e que com certeza todos que possuem uma propensão, sofrem com ela, independente de que tipo de propensão seja. No entanto, mesmo praticantes antigos gays que eu conheço tem dificuldade em compreender suas propensões (um termo técnico, outra propensão é o que nos fez nos conectar com a língua portuguesa e nascer num país onde ela é falada, por exemplo) como impermanentes. Por isso as propensões, principalmente se reificadas, são um obstáculo a iluminação, porque há tamanha identificação do eu com algo. Eu SOU isso, ou aquilo, não vai produzir a iluminação da pessoa.”

A resposta a esta última pergunta pode ser entendida de modo equivocado por quem, sendo LGBT e ativista, não seja um praticante budista. Ainda que ela não tenha sido apresentada num modo mais sofisticado e contenha algumas ideias contestáveis, representa a visão tibetana do mecanismo mental que leva às muitas vidas que temos tido, onde uma personalidade se desagrega após a morte, e outra passa a agregar-se num novo renascimento. O Buda Gay que propomos, está mais de acordo com o pensamento de Padma Dorje: um homossexual pode se tornar um praticante, iluminar-se e não ter mais qualquer conexão com sua sexualidade antes do Despertar Último (o Nirvana). É antes um gay que se tornou um Buda mais do que a possibilidade de um Buda Gay. A mesma construção mental vale para a ideia de um Buda Mulher, e há!

A análise de André Otávio Assis Muniz (Dharmananda Mahacarya), no blogue Budismo Aristocrático, em Homossexualidade e Budismo (http://chakubuku-aryasattva.blogspot.com.br/2010/07/homossexualidade-e-budismo.html), a respeito do terceiro preceito, é exegeticamente profunda:

O texto de disciplina moral adotado pela Tradição Tendai, o Brahmajala-Sutra, quando trata do terceiro preceito maior (Conduta Sexual Imprópria), fala em 'engajar-se de forma promíscua em atos sexuais, incluindo com animais, suas mães, filhas, irmãs e outras parentes próximas'. Também diz que o bodhisattva não deve 'engajar-se em conduta sexual imprópria com ninguém'. O que é conduta sexual imprópria? O sutra não especifica.

Uma das especificações mais claras vai aparecer na obra Suhrillekha (Carta a um amigo) de Nagarjuna. Este texto, composto no século II da Era Cristã era endereçado a Gautamiputra Shatakarni da dinastia Shatavahana do Sul da Índia. No sub-tópico sobre “Má Conduta Sexual” Nagarjuna escreve:

'O objeto da má conduta sexual pode ser quaisquer dos seguintes: uma mulher com a qual seja impróprio realizar atividade sexual; uma mulher com a qual a atividade sexual seria permissível, mas a parte do corpo, o lugar ou a ocasião sejam impróprios; outro homem ou pessoa sexualmente deficiente.'

Realizando a adequada exegese desse texto temos:

Mulher com a qual seja impróprio realizar atividade sexual é toda mulher, no caso dos celibatários, ou outra mulher que não sua esposa, no caso do não-celibatário.

Mulher com a qual a atividade sexual seja permissível mas a parte do corpo, o lugar ou a ocasião sejam impróprios, se refere ao sexo anal (visto como uma 'imundície' no pensamento indiano ), ao sexo em público, em templos, monastérios ou em momentos como o luto, práticas religiosas, sexo não consentido, etc.

Outro homem, se refere especificamente à prática homossexual e aqui não há distinção entre celibatários e não-celibatários.

Pessoa sexualmente deficiente são os hermafroditas, crianças cujo aparelho sexual não tem a maturidade necessária para o ato, pessoas sem capacidade de escolha, pessoas com problemas de deficiência nos órgãos sexuais, más-formações, etc.

Aparentemente, temos uma condenação explícita à homossexualidade, mas, a sequência do texto derruba essa idéia:

'A concepção é o reconhecimento, de forma não equivocada de qualquer dos objetos entre os mencionados como tal.'

O 'reconhecimento de forma não equivocada' é uma ‘concepção’ que, por sua vez, pode ser de quatro tipos: conceber corretamente o objeto como sendo aquilo que ele é; conceber aquilo que não é o objeto como sendo tal; conceber aquilo que é o objeto como não sendo tal e; conceber aquilo que não é o objeto como não sendo tal.

O homossexual não concebe a alguém do mesmo sexo como o heterossexual. Concebe a alguém do mesmo sexo como o heterossexual concebe a alguém de outro sexo. Ou seja, do ponto de vista de Nagarjuna, heterossexual, o homossexual concebe o objeto (alguém do mesmo sexo) como não sendo tal.

Dessa maneira das duas partes da intenção (concepção e motivação), a primeira já exclui a semente volitiva da quebra de preceito.

Sendo assim, a quebra de preceito referida por Nagarjuna ao rei Gautamiputra, se refere ao heterossexual que, possuindo a concepção de que é o objeto aquilo que ele é (ou seja, alguém do mesmo sexo), tem com ele relações sexuais para aliviar sua lascívia. Esse é o caso de presidiários ou outros indivíduos confinados que, sendo heterossexuais e, na ausência do sexo oposto, mantêm relações homossexuais tentando, às vezes, afeminar o parceiro, tendo plena consciência de que ele é outro homem e, portanto, tendo a correta concepção em relação ao objeto.”

Conclusão

Ainda que tenhamos encontrado algumas discrepâncias e visões preconceituosas pontuais em algumas escolas budistas, podemos dizer que, de maneira geral, o Budismo é uma religião bastante amigável aos LGBT, e tende a aumentar esta visão inclusiva nas próximas décadas, especialmente no Ocidente, onde os direitos dos LGBT estão sendo cada vez mais reconhecidos.


…......................................

Sobre o autor


Paulo Stekel é jornalista, escritor, músico, poliglota, especialista em religiões, tradições espirituais e línguas sagradas. Ativista LGBT focado na relação entre homofobia e religião, é o criador do Movimento Espiritualidade Inclusiva e possui quase uma centena de artigos sobre espiritualidade, orientação sexual, homofobia religiosa e espiritualidade inclusiva. É praticante budista desde 1995. Começou praticando o Budismo Tibetano, mas hoje se considera um budista independente, não atrelado a uma escola em especial. Contatos: espiritualidadeinclusiva@gmail.com

…...............................

Referências da web citadas no artigo e sugestões para consulta (Português e Inglês):


A Zen Buddhist Perspective on Same-Gender Marriage: http://www.qrd.org/qrd/religion/zen.buddhist.perspective.on.same.sex.marriage;

"According to Buddhist Tradition" - Gays, Lesbians and the Definition of Sexual Misconduct:






Buddhism and homosexuality - Theravada Buddhism. Zen Buddhism. Mahayana Buddhism in China: http://www.religioustolerance.org/hom_budd1.htm;

Buddhism and homosexuality - Tibetan Buddhism. Western Buddhism: http://www.religioustolerance.org/hom_budd2.htm;


Buddhist Sexual Ethics: http://www.buddhanet.net/winton_s.htm;


Budismo X Homossexualidade. Lama Chagdud Khadro responde questões sobre homossexualidade segundo a visão do Budismo Tibetano: http://bossazen.blogspot.com.br/2008/11/budismo-x-homossexualidade.html;


Dalai Lama urges 'respect, compassion, and full human rights for all,' including gays: http://www.quietmountain.org/links/teachings/gayrites.htm;


HBSFAQ - Budismo Primordial HBS – Budismo - Perguntas & Respostas - Sobre a ideologia homossexual vista pela doutrina Budista: http://www.budismo.com.br/faq/faq.php?q_id=68;






Homosexuality and other forms of queerness – Excerpt from Ajahn Brahm: http://heartlandsg.org/2006/12/30/homosexuality-and-other-forms-of-queerness-excerpt-from-ajahn-brahm/;

Homosexuality and the original meaning of Pandaka: http://www.buddhistchannel.tv/index.php?id=22,1522,0,0,1,0;

Homosexuality and Theravada Buddhism: http://www.buddhanet.net/homosexu.htm;

Homosexuality in the Japanese Buddhist Tradition: http://www.westernbuddhistreview.com/vol3/homosexuality.html;


Homosexuality, Marriage, and Religion in Tibet - An Endlessly Complicated Situation: http://gaytibet.blogspot.com.br/2009/08/homosexuality-marriage-and-religion-in.html;





Shin and homosexuality: http://shindharmanet.com/shinhs/;