Por Luiz Mott (reproduzido sob autorização do autor)
"Anti-semitismo e homofobia estão juntos
nos mesmos períodos da história européia; idênticos métodos de
propaganda foram usados contra judeus e homossexuais." (Boswell,
1980:16)
Filhos de Abraão & de Sodoma:
Cristãos-novos Homossexuais nos Tempos da Inquisição (1)
Judaísmo e Homossexualidade
Não
há como negar: judaísmo e sodomia, desde sua origem e ao longo dos
últimos quatro mil anos, estiveram sempre juntos. No mais das vezes, o
judaísmo condenando os homossexuais. Intimamente unidos, porém, enquanto
vivências biográficas de judeus gays e lésbicas judias. Ambos sofrendo
os horrores da intolerância, os filhos de Sodoma e de Abraão executados
nas mesmas fogueiras da Inquisição e campos de concentração.
A
destruição de Sodoma, o principal emblema da homossexualidade na cultura
ocidental, aparece na narrativa bíblica exatamente no mesmo momento em
que Javé sela sua aliança com Abraão, comprometendo-se a faze-lo pai de
uma multidão de povos, cujos filhos seriam mais numerosos do que as
estrelas do céu e as areias do mar(2) . Pouco tempo após tal aliança, o
patriarca do povo judeu recebe a visita de três misteriosos homens/anjos
que confirmam o futuro nascimento de seu herdeiro Isaac -
encaminhando-se em seguida em direção de Sodoma,
"cujos habitantes eram
perversos e grandes pecadores". No caminho, Javé revela a Abraão:
"É
imenso o clamor que se eleva de Sodoma e Gomorra e o seu pecado é muito
grande... Fez então o Senhor cair sobre estas duas cidades uma chuva de
enxofre e de fogo, vindo do Senhor, do céu. E destruiu estas cidades e
toda a planície, assim como todos seus habitantes e vegetação do
solo."(3)
Como se observa, no próprio mito fundamental povo judeu,
no momento em que Javé faz aliança com o patriarca dos hebreus,
manifesta-se a ira divina contra o abominável estilo de vida dos
sodomitas. Sob a denominação "sodomia", entendia-se no sentido restrito,
a cópula anal, e quando referida de forma abrangente, a qualquer
relação homossexual:
"o homem que dormir com outro homem como se fosse
mulher, deve ser apedrejado".(4)
Hoje, teólogos, exegetas e
etno-historiadores interpretam a inclusão do amor entre pessoas do mesmo
sexo no rol das abominações veterotestamentárias não só como uma forma
de oposição à idolatria dos povos vizinhos, onde sacerdotes homenageavam
suas divindades através de atos homoeróticos(5) , explicando-se
igualmente a homofobia talmúdica como uma resposta destas pequeninas
tribos de pastores nômades ao seu ambicioso projeto demográfico,
estabelecendo como utopia messiânica, a conquista de uma terra
prometida, o nascimento do Messias e a consolidação de uma grande nação
banhada por rios com torrentes de leite e mel. Eis as palavras de Javé
ao patriarca Abraão:
"Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas
se és capaz... Pois assim será a tua descendência... Eu dou esta terra
aos teus descendentes, desde a torrente do Egito até o grande rio
Eufrates... "(6) Neste contexto triunfalista, o desperdício do sêmen
passou a ser crime de lesa humanidade, posto representar o aborto
virtual de um novo guerreiro, daí a pena de morte por apedrejamento
contra os
"perversos sodomitas". (7)
Não é apenas na gênese deste
povo, cuja influência posterior tornou-se fundamental na construção da
super-estrutura ideológica do mundo ocidental e de praticamente toda
história humana nos últimos quatro mil anos, que se nota a forte
presença do binômio judaísmo/homossexualidade: na própria consolidação
na nação israelita, a figura emblemática de seu líder, o Rei Davi, é
indissociável do
"amor que não ousava dizer o nome". Escudeiro do rei
Saúl, excelente tocador de cítara, poeta privilegiado, vencedor do
gigante Golias, rei de Israel (1012-972), Davi tornou-se o fundador da
nação israelita única e independente.(8) Exibicionista e desviante, por
ocasião do translado da Arca da Aliança para Jerusalém, ousou afrontar
um dos maiores tabus da moral judaica, dançando semi-nu, freneticamente,
usando tão somente um
efod de linho,
"veste muito curta, uma espécie de
tanga que cobria somente os rins''.(9)
A relação íntima e profunda de
Davi com Jônatas, por mais que autores moralistas vejam-na apenas
espiritual, cada vez mais os exegetas confirmam se tratar mesmo de um
amor homoerótico. Recentemente, a filha do General Moshe Dayan causou
furor no parlamento israelense, ao evocar este lado polêmico do pai do
Rei Salomão.
"Um caso de amor descaradamente homossexual: a amizade
imorredoura ente Davi e Jônatas", afirma o sacerdote Tom Horner, doutor
em Literatura Religiosa pela Universidade de Columbia, na sua obra
O
Sexo na Bíblia. Apesar de alguns biblicistas postularem que se tratava
de um amor meramente espiritual, do tipo ágape, respeitosos exegetas
garantem que se tratava mesmo do amor inspirado em eros,
"o mesmo tipo
de relação existente entre Aquiles e Pátroclo na Ilíada, à de Gilgamesh e
Enquidu na Epopéia de Gilgamesh, e à de Alexandre Magno e Hefestion".
As palavras de Davi, quando da morte precoce de seu bem amado parceiro,
não deixam dúvidas desta paixão homoerótica:
"Meu coração chora por tua
causa, meu irmão Jônatas; quão agradável me eras: mais delicioso me era o
teu amor do que o amor das mulheres".(10) Segundo analisa o mesmo
estudioso:
"Tais homens não eram de forma alguma efeminados: eram
guerreiros amigos, essencialmente bissexuais." (11)
Um terceiro
momento histórico associa dramaticamente, mais uma vez, o judaísmo ao
homossexualismo: trata-se de um mesmo violento processo de exclusão
social, situado na alta Idade Média, e que deu origem à mais prolongada
perseguição de judeus e sodomitas no orbe cristão. Segundo o Dr. John
Boswell, no clássico
Christianity, Social Tolerance and Homosexuality,
foi somente a partir do século XIII que a Europa presenciou o
desenvolvimento generalizado de dois ódios que marcarão profundamente
nosso mundo no último milênio: a homofobia e o anti-semitismo.
De
acordo com recentes pesquisas historiográficas, é exatamente no século
XIII, após um longo período de relativa tolerância e convivência mais ou
menos pacífica dos cristãos com os sodomitas e praticantes da Lei de
Moisés, que se desenvolve na Europa, um forte sentimento de
anti-semitismo e homofobia, tendo a Inquisição como ponta de lança nesta
cruzada de ódio e intolerância. Logo em seguida, com o alastramento da
Peste Negra (1348) e o preocupante desequilíbrio demográfico dela
decorrente, judeus e sodomitas são acusados de terem provocado a ira
divina e alastrado criminosamente esta epidemia.(12) O crescimento deste
fanatismo é marcado por diversos acontecimentos que enlutaram
dramaticamente sua época: repetidas cruzadas contra os não-cristãos e
hereges, a expulsão e perseguição dos judeus em diversas partes da
Europa, o surgimento do Tribunal da Inquisição, a produção de rancorosos
tratados de teologia contra a homossexualidade, a caça às bruxas e aos
sodomitas.(13)
Um dado histórico ainda pouco conhecido, mas
criteriosamente documentado, é a existência de um oásis de paz entre
judaísmo e homossexualidade, registrado na Andaluzia no milieu de
cultura islâmico- mourisca entre os séculos XIII e XIV, onde artistas e
intelectuais judeus produziram delicados poemas enaltecendo a beleza de
adolescentes, seguindo a mesma inspiração temática da literatura árabe
daquela época.(14) A gazela "sebhi" destes líricos, não é a donzela
inspirada no Cântico dos Cânticos, mas um esbelto rapaz, amado com seus
charmes e caprichos, muito semelhante à poesia islâmica contemporânea.
Segundo o Dr.Boswell, estes poemas constituem o único corpus literário
homoerótico em hebreu. Como porém este tema não consta nos escritos
neo-hebreus da
Haskalah e nem no hebreu renascido como língua falada
pelo movimento sionista e na ressurreição do estado de Israel, um
premeditado complô do silêncio esconde esta página cor-de-rosa da
literatura judaica na diáspora.
Segundo a
Encyclopedia of
Homosexuality, os judeus foram acusados de ter introduzido a
homossexualidade na Espanha durante o domínio mouro e após sua expulsão,
em 1492, foram novamente incriminados de ter espalhado o mau pecado em
Portugal. Poetas satíricos dos séculos XIII-XV às vezes associavam o
judaísmo à perversão sexual. Em Granada, Garnata al Yahud, a
homossexualidade e pederastia eram normas correntes na aristocracia
judaica e mourisca.(15)
Destacaram-se entre os principais poetas
judeus que louvaram os amores pederásticos: Ibno Gabirol, Samuel
Ha-Nagid, Moses Ibn Ezra, Ibn Sahl, Ibn Ghayyath, Ibn Sheshet, Ibn
Barzel. Consta que os poetas Abrham Ibn Ezra e Judah Ha-Levi viveram
intensa paixão homoerótica, sendo este último um dos mais proeminentes
judeus na Espanha Cristã: poeta destacadíssimo e influente líder
religioso, além de escrever de encantadores epigramas dedicados a guapos
mancebos, transformou a poética heterossexual arábica em poemas
homossexuais.(16) Samuel Ha-Nagid dizia-se descendente do Rei David,
sugerindo em um de seus escritos que percebia, tal qual sucedeu na
renascença com Miguel Ângelo, que o maior rei-poeta da antiguidade era
como ele, amante do mesmo sexo. Nestes poemas hebreus laudatórios da
pederastia, às vezes, o amor do macho para outro macho é usado como
metáfora religios: o amor de Israel para Javé é expresso como o amor de
um homem para outro homem. Os conversos, contudo, devido à crescente
homofobia da Santa Madre Igreja, tiveram de viver mais secretamente suas
identidades proibidas: além de cripto judeus, alguns tornaram-se
cripto-sodomitas.
Na Península Ibérica, é sobretudo a partir dos
finais do século XV e primórdios do XVI, com a instalação do Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição, que novamente judeus e sodomitas vão comer o
pão que o diabo amassou. Fundada na Espanha em 1478 e em Lisboa, em
1536, a Inquisição Portuguesa, teve como seu principal alvo os
cristãos-novos: das mais de 40 mil pessoas aprisionadas nos cárceres
secretos das inquisições de Lisboa, Coimbra e Évora e das mais de mil
vítimas que efetivamente morreram na fogueira, passa de 80% o número dos
condenados pela prática do judaísmo. Depois dos cristãos-novos, os
sodomitas constituem o segundo grupo mais perseguido pelo Tribunal da
Fé: das 4419 denúncias registradas nos Repertórios do Nefando, na Torre
do Tombo, aproximadamente 450 redundaram no encarceramento dos
homossexuais, e destes, 30 terminaram seus dias na fogueira.(17)
Tendo
como base e fio condutor a documentação inquisitorial, meu principal
escopo neste ensaio é investigar uma faceta inédita da historiografia
consagrada tanto ao judaísmo como à sexualidade humana: a reconstrução
biográfica e o cotidiano dos cristãos-novos portugueses acusados da
prática secreta dos dois mais hediondos crimes do conhecimento do Santo
Ofício: judaísmo e homossexualidade.
Até o presente localizei nos
manuscritos inquisitoriais um total de 69 cristãos-novos, alguns
judaizantes secretos, outros aparentemente convertidos de fato ao
cristianismo, mas herdeiros de sangue hebreu, todos igualmente
praticantes do
"abominável e nefando pecado de sodomia". Trabalho
pioneiro de ambição singela: fornecer as pistas documentais e propor
algumas hipóteses a fim de que outros pesquisadores aprofundem as
ilações que apenas delineio.
Perfil de uma minoria duas vezes clandestina
Nos
quase trezentos anos de funcionamento da Inquisição Portuguesa
(1536-1821) até o presente consegui localizar um total de 68 homens e
uma mulher, referidos, denunciados ou confessados como sendo
descendentes consangüíneos de famílias judaicas, e ao mesmo tempo,
envolvidos com práticas homossexuais, dos quais 10 moradores do Brasil.
Deste total de 69 pessoas, 28 foram réus de processos formais, dos quais
6 foram condenados à morte na fogueira; os 41 restantes apareceram
apenas citados como cúmplices em outros processos de sodomia ou suas
denúncias não redundaram em processo formal e prisão.
A primeira
referência cronológica de um filho de Abraão envolvido com o nefando
pecado de sodomia data de 1561, quando João Fernandes, XN, que
"vivia de
tomar conta dos fatos dos regateiros" em Lisboa, é acusado e confessa
ter sodomizado alguns meninos pobres quando pediam para com ele dormir
no alpendre dos vendedores ambulantes. Nestes tempos pioneiros do Santo
Ofício, quando ainda não estavam bem definidas a casuística e
processualística referente ao "pecado nefando", o réu teve logo seu
processo despachado, sendo açoitado no cárcere e degredado para sempre
para fora do Reino.(18)
Do total de 69 cristãos-novos envolvidos com
o "mau pecado", entre réus e cúmplices, 13 referem-se ao século XVI, 47
à primeira metade do século XVII e 9 à metade final desta mesma
centúria. Portanto, 68% dos casos de sodomitas cristãos-novos
concentram-se nas cinco primeira décadas de 1600, notadamente no
primeiro quartel daquele século. Repete-se com esta sub-população o
observado com o conjunto dos sodomitas ao longo de todo período
inquisitorial, oscilando de 81% a 84%, respectivamente, os processados
por este crime no século XVII.(19) Somente uma pesquisa comparativa mais
ampla e que abranja todo o período inquisitorial poderá esclarecer os
fatores explicativos desta maior atuação do Santo Ofício neste período,
que coincide com a dominação filipina (1580-1640) e com a ocorrência de
vários surtos de pestes e fome - infortúnios que geralmente instigavam a
procura de bodes expiatórios e caça as bruxas, judeus e sodomitas entre
as minorias tradicionalmente mais vulneráveis.(20) A última referência a
um cristão-novo sodomita data de 1689, Doroteu Antunes, estudante
brasileiro residente no Rio de Janeiro.
Analisando a biografia
destes 69 indivíduos denunciados, confessados ou processados pelos dois
mais graves crimes perseguidos pela Inquisição, podemos estabelecer um
continuum para melhor classificar os réus de ambos delitos. No que se
refere aos cristãos-novos, este gradiente vai do menos culpado - quando o
acusado possuía apenas alguma parcela de sangue judeu, sem acusação ou
prova de que secretamente praticasse rituais judaicos - ocupando o
extremo oposto aqueles cristãos-novos que comprovadamente eram
judaizantes, praticando secretamente a Lei de Moisés, alguns chegando a
ser dogmatistas e profanar imagens e símbolos sagrados do catolicismo. A
mesma seqüência observa-se entre os acusados de práticas homossexuais:
no extremo de gravidade das culpas, alguns sodomitas que foram
considerados pelos juizes inquisitoriais como convictos, confessos,
escandalosos e incorrigíveis. Na extremidade oposta, aqueles que viveram
secretamente seus amores unissexuais ou que os praticaram poucas vezes
ou superficialmente. Dentro deste escalão, encontramos todo tipo de
arranjo existencial, incluindo desde sodomitas/cristãos-novos com
pouquíssimas culpas, ou indivíduos altamente comprometidos com o
judaísmo e apenas superficialmente com a sodomia, ou vice-versa: grandes
sodomitas que apenas acidentalmente eram descendentes do povo hebreu,
sem prática alguma dos rituais proibidos. Poucos são os casos de réus
grandemente comprometidos tanto com a fé judaica quanto com a prática
homossexual, e entre estes, um dos mais célebres mártires da inquisição
portuguesa, Antônio Homem, perpetuado na história com a antonomásia de
Preceptor Infelix.
O quadro abaixo, com dados básicos
identificadores da biografia dos cristãos-novos/sodomitas, arrolados em
ordem cronológica de sua denúncia ou prisão, permitem-nos visualizar o
perfil sócio-demográfico desta sub-população duplamente heterodoxa em
questões de fé e de moral sexual:
CRISTÃOS-NOVOS/SODOMITAS DENUNCIADOS E/OU PROCESSADOS
NOME ANO XN IDADE PROFISSÃO RESIDÊNCIA
1. João Fernandes 1561 XN ? Vigilante Lisboa
2. Gaspar Lopes 1569 XN ? Clérigo Beja
3. Afonso Pinto 1575 XN 45 Tange tecla e canta Lisboa
4. Guiomar Piçara 1592 XN 38 Esposa Itaparica
5. Gonçalves Pires 1593 XN 33 Mercador Bahia
6. João Batista 1593 XN 33 Mercador Lisboa
7. Diogo Afonso 1593 XN 27 Sem ofício Salvador
8. Diogo Enriques 1594 XN 18 Filho de Mercador Olinda
9. Souza 1594 XN 18 Filho de Mercador Olinda
10. João Fernandes 1594 XN 50 Vende Água Lisboa
11. Jorge de Souza 1595 XN 17 Filho de família Pernambuco
12. Diogo Henriques 1595 XN 18 Mameluco Olinda
13. Jerônimo Doso Urso 1598 24 Costureiro,Soldado Lisboa
14. Anrique D'Orta 1609 XN ? Letrado Lisboa
15. Álvaro Pires 1610 XN 22 ? Lisboa
16. Gil Franco Pinel 1610 XN 25 ? Lisboa
17. Antônio Nunes 1610 XN 27 S/Ocupação Lisboa
18. Baltazar Nunes Rosa 1610 XN 21 Vive de s/ fazenda Lisboa
19. Manoel Mendes 1611 XN 53 Cirurgião Lisboa
20. Luiz Simões 1611 XN 25 Estudante Lisboa
21. Frei Rodrigo 1611 XN 13 Filho de Medico Lisboa
22. Rodrigo Alvares 1611 XN 14 Frade Lisboa
23. João Mendes 1611 XN 27 Merceeiro, Boticário Lisboa
24. Luiz D'Avelar 1611 XN 22 Pagem Azeitão
25. Manuel Rois Navarro 1615 XN ? Lente Universidade Coimbra
26. Felipe Tomás 1618 XN ? Advogado Salvador
27. Manoel da Maia 1618 XN 40 Dono de trapiche Salvador
28. Jacinto Cardoso 1618 XN 18 Pagem Madri
29. Duarte Fernandes 1618 XN 18 Serviçal Salvador
30. João Barbosa 1620 XN ? ? Lisboa
31. Antônio de Castro 1620 XN 18 Alfaiate Lisboa
32. Jácome Rois 1620 XN 18 Lisboa
33. Domingos Rois da Rocha 1620 XN 25 Cativo Mulato Lisboa
34. Antônio Girão 1620 XN 48 Clérigo de epístola Lisboa
35. Jorge Moniz 1620 XN ? Estudante filosofia Salvador
36. Salvador Vaz Pegado 1620 XN 26 Pagem do Bispo Miranda
37. Antônio Homem 1624 XN 60 Lente de Prima Coimbra
38. Francisco do Porto 1629 XN 42 Mestre, Boticário Idanha Nova
39. Antônio Silveira 1630 XN ? ? Lisboa
40. Antônio da Cruz 1630 XN 17 ? Santarém
41. Antônio Leitão 1630 XN 19 ? Santos
42. Antônio Barbosa 1630 XN 50 ? Lisboa
43. Manoel Vaz 1630 XN ? Estudante Lisboa
44. Francisco Freire 1630 XN ? Estudante Coimbra
45. Francisco Palácios 1630 XN 21 Negociante Lisboa
46. João Batista Romano 1630 Nação ? Pagem Madri
47. Gaspar Ximenes 1630 XN 14 Pai no Brasil Lisboa
48. João de Sousa 1630 XN 27 Dominicano Lisboa
49. Matias Franco 1630 XN 55 Tange rebequinha Lisboa
50. Moço 1630 XN ? Canta, tange tecla Lisboa
51. Domingos Fnds Miranda 1630 XN 20 Tratante Lisboa
52. Afonso Rois 1630 XN 45 Traz hábito Lisboa
53. Manuel de Andrade 1631 XN 22 ? Lisboa
54. Simão Ferreira Silva 1631 XN 24 Capitão Infantaria Lisboa
55. João Rabelo 1631 XN 16 Pagem Lisboa
56. Simão Fernandes 1632 XN ? Clerigo Castela
57. D. Antônio de Flandres 1645 XN 30 Converso Lisboa
58. André Ribeiro 1645 XN 17 Pagem Lisboa
59. Antônio Salgado 1645 XN 26 Pagem Santarém
60. Manuel Ribeiro Teve 1647 XN 18 ? Lisboa
61. Antônio Vaz 1651 XN ? Clérigo Lisboa
62. Gabriel Dias Ferreira 1654 XN 28 Cônego da Sé Ribeira Gde
63. Gregório Martins Ferreira 1654 XN 47 Deão Sé Porto Alenquer
64. Bartolomeu Martins Moura 1655 XN 40 Ourives Lisboa
65. João Coelho 1656 XN 30 Pedreiro Elvas
66. Francisco Ribeiro Pires 1657 XN 18 Filho Contador Lisboa
67. Martim Leite Pereira 1661 XN 50 Cavaleiro O. Cristo Porto
68. Matias Gonçalves 1667 XN 45 Barbeiro Moura
69. Doroteu Antunes 1689 XN 18 Estudante R. de Janeiro
Ao
observar esta lista, a primeira constatação merecedora de destaque é
quanto aos nomes e sobrenomes destes cristãos-novos: esta nossa
pequenina amostra descarta mais uma vez o mito que pretende associar
mecanicamente os sobrenomes dos conversos a acidentes geográficos,
plantas ou ocupações. Os cristãos-novos luso-brasileiros ostentavam
exatamente os mesmos nomes e sobrenomes dos cristãos-velhos,
destacando-se nesta sub-população o nome Antônio (10), João (9) e Manoel
(6) e os sobrenomes Fernandes (5), Ferreira, Souza e Pires, cada um
repetido três vezes.(21)
Não encontramos na documentação
inquisitorial pesquisada, nenhuma vez o termo "marrano"; mesmo
"converso", apareceu apenas uma vez para designar um cristão-novo
estrangeiro: trata-se de D. Antônio de Flandres, 30 anos, então
residente numa pousada à Porta do Mar,
"que já tinha barbas e bigodes
grandes, gentilhomem de rosto e falava grosso e pouco expedito", do qual
se comentava que
"era judeu converso batizado em Flandres", e que
constava ter mantido, em 1620, duas cópulas sodomíticas com Manoel de
Almeida da Cunha, moço da câmara de Sua Majestade.(22) . Outro
estrangeiro, João Batista Romano, pagem do Duque de Feria, em Madri, é
referido como sendo
"de nação", tendo mantido intimidades homoeróticas
com um importante cônego da Sé de Lisboa, D. Vicente Nogueira - cujo
nome voltará a ser mencionado, posto ter sido amante de diversos
cristãos-novos.(23) 43 dos sodomitas pesquisados foram indiciados
genericamente com o designativo "cristão-novo", doze possuindo "parte de
XN", oito como sendo "meio XN", três tendo "um quarto de XN" e um sendo
"três quartos de XN". Nos processos, a indicação da "cristãnovice" dos
réus é mais precisa e rigorosa, sobretudo quando são os próprios réus
que se auto-identificam, embora a tendência destes seja, algumas vezes,
diluir a ascendência hebréia para diminuir as suspeitas de heterodoxia.
Nas denúncias, via de regra, predomina
tout court o indicativo
cristão-novo, sem detalhar o grau de mistura de
"sangue impuro de judeu"
- o que permite-nos conjeturar que na opinião popular, não se
distinguia os graus decrescentes da mistura do sangue, todos os
descendentes de judeus sendo sumariamente identificados como XN.
A
maior ou menor porcentagem de sangue judeu era vista pelos inquisidores
como indício possível de maior ou menor envolvimento com a prática do
judaísmo, não sendo contudo necessariamente levada em conta como
agravante, pois há réus que ostentavam apenas "parte de XN", porém, dado
seu comprometimento com os rituais judaicos, foram punidos com maior
severidade do que outros que descendiam desta
"infecta nação" pelos
quatro costados. Dos seis sodomitas cristãos-novos condenados à morte,
"relaxados à justiça secular", só dois não tinham mistura com
cristãos-velhos.
No tocante à idade, o mais jovem cristão-novo a ser
denunciado como sodomita tinha 13 anos: Frei Rodrigo,
"filho de um
médico da Relação", que manteve passivamente uma cópula sodomítica com o
clérigo Pascoal Correa, cristão-velho, 29 anos, filho de um cavaleiro
fidalgo, ato realizado em sua casa,
"numa esteira no chão".(24) Outro
jovenzinho, Gaspar Ximenes, 14 anos, de nação, cujo pai, em 1630, estava
no Brasil, confessou perante o notário da Inquisição
"com bom modo e
como pessoa sisuda e de bom entendimento" que à boca da noite, estava na
igreja de S. Domingos e um homem embuçado o foi seguindo até à Rua da
Palma e ali lhe perguntou como chamava, filho de quem era e
"querendo
encobrir, disse que se chamava Gaspar Azevedo" e o dito homem disse
então
"se queria ser figurante numa comédia e ir à sua casa onde seria
bem recebido, e para o persuadir se desembuçou e lhe mostrou o hábito de
Cristo que trazia na capa." Dois dias depois, curioso, o judeuzinho foi
logo de manhã à casa deste homem, à Rua dos Cabidos, o qual disse
chamar-se João Cabral, e encontrou-o na cama em camisa e calção branco.
Após algumas conversas, este lhe disse que o mataria caso gritasse, e
"meteu seu membro viril no traseiro dele fazendo como um animal quando
tem com outro ajuntamento carnal." Ao partir, recebeu 4 vinténs. Parece
que malgrado a suposta cena de violência sexual, Gaspar Ximenes gostou
da somitagaria, tanto que confessou ter mantido outra cópula sodomítica
com um tal Gaspar Ribeiro,
"que trazia gadelhas louras muito grandes
feito em anéis...e o andou primeiro namorando e já lhe disse tantas
cousas que ele consentiu" - enganando-o porém, pois não lhe emprestou a
desejada adaga como prometera em troca de seus amores juvenis.(25)
O
mais idoso deste grupo de judeus sodomitas tinha 60 anos: trata-se de
Antônio Homem,
"lente de prima", catedrático da Universidade de Coimbra,
seguramente, o mais famoso e letrado sodomita e cristão-novo relaxado
pela Inquisição Portuguesa - o qual merecerá destaque mais adiante. 37%
dos cristãos-novos denunciados por homossexualidade tinham menos de 21
anos - a idade que na época marcava a passagem para a maioridade, sete
dos quais estando na faixa de 13 a 17 anos. 38% destes desviantes
encontravam-se na flor da idade, entre 22-30 anos, e 34% entre 30-60
anos. Em suma: a homossexualidade contava seus adeptos em todas as
idades, distribuída em proporções equilibradas.
Também diversificada
é a especialização ocupacional desta sub-população: tradicionalmente,
costuma-se identificar os descendentes de judeus como especialistas em
atividades comerciais, agiotagem, medicina, letras e artes. Quanto aos
homossexuais, associam-nos ora a ocupações inter-sexuais: cozinha,
costura, serviços domésticos, ora a atividades que exigem maior
delicadeza: artes, religião, letras. Embora tais ocupações efetivamente
apareçam no rol das atividades exercidas pelos cristãos-novos/sodomitas,
o leque profissional é maior do que estereótipo tradicional, como se
constata na relação abaixo:
Ocupações dos Sodomitas/Cristãos-Novos
· Letras: estudante, lente de prima, mestre de latim, advogado, letrado (10)
· Serviços: vende água, vigilante, pagem (10)
· Religião: clérigo, cônego, deão da sé (9)
· Oficial mecânico: barbeiro, cirurgião, costureiro, merceeiro, boticário, ` ourives, músico, alfaiate (7)
· Comércio: mercador, negociante, dono de trapiche (6)
· Milícia: capitão de infantaria, soldado (2)
· Etnia: mameluco, mulato, mulato cativo (3)
· Nobreza: cavaleiro Ordem de Cristo (1)
· S/profissão: sem ofício, filho de família (17)
Os
sodomitas/cristãos-novos espalham-se por todas as classes e categorias
sócio-econômicas, de simples serviçais e oficiais mecânicos, a abastados
comerciantes, letrados e nobreza. O de mais baixa condição, nesta nossa
amostra, era um escravo mulato: Domingos Rois da Rocha, 25 anos,
solteiro, filho de Joana Elza, escrava de Francisco da Rocha, moradores
nas Portas da Mouraria em Lisboa. Preso em 1620, consta em seu processo
que pelo lado do pai,
"tem parte de XN". Seu principal crime, além da
acusação de sete cúmplices com os quais manteve mais de uma dezena de
atos sodomíticos, na maioria das vezes como passivo, este cristão-novo
mulato entrava na periclitante categoria de escandaloso:
"bailava em uma
dança em trajos de mulher, por isso lhe chamam fanchono. Era o guia da
dança do esparramão ou dos fanchonos".(26) Preso, após sofrer a tortura,
foi considerado pela mesa inquisitorial como
"negativo, agente e
paciente, e devido à sua soltura, devassidão e perseverança",
condenaram-no à morte no Auto de Fé realizado no Rossio de Lisboa aos 28
de novembro de 1621. Não havia qualquer referência em seu processo à
práticas judaicas, pelo contrário: é apontado como
"bom cristão e
temente a Deus, bom filho e ordinariamente trazia as contas (do terço)
nas mãos".(27)
Nesta nossa amostra, há outros sodomitas com sangue
hebreu pertencentes aos estratos mais inferiores da sociedade
portuguesa: coincidentemente, dois com o mesmo nome: o primeiro é o já
citado João Fernandes, preso em 1651, cristão-novo que vivia de vigiar
as barracas dos regateiros na Ribeira. Mesmo morando em local assaz
humilde,
"dormindo no alpendre dos regateiros onde tinha sua cama e
quando ali vinham ter moços pobres de fora, dormiam todos juntos...",
era generoso com seus
"meninos de rua" pois dava-lhes de comer, dormir e
vestir. Foi condenado a açoites e degredado para fora do Reino.(28)
O
outro João Fernandes, cristão novo igualmente pertencente à raia miúda,
foi preso em 1597: 50 anos, natural de Braga, residia na Rua do Bravão,
em Lisboa. Sua ocupação era
"vender água na alfândega". É acusado por
dois marinheiros: um deles disse que durante dois anos seguidos manteve
diversas "coxetas", isto é, ejaculação interfemural. O outro, dormindo
na mesma cama do aguadeiro, ao acordar à noite devido aos afagos que
recebia, disse ao sodomita:
"ou lá, senhor! isso é por sonho ou quê?",
soltando-o logo a seguir. Por pecadilhos tão diminutos, este infeliz
aguadeiro foi condenado a galés perpétuas. (29)
Diversos sodomitas
de origem judaica pertenciam à categoria dos chamados oficiais
mecânicos: barbeiros, cirurgiões, costureiros, merceeiros, boticários,
alfaiates, etc. Por exemplo: o barbeiro Matias Gonçalves,
"parte de XN",
45 anos , natural e morador em Moura, foi preso pela Inquisição de
Évora, em 1667, por culpas de judaísmo. Diminuto em suas confissões, ao
ser submetido a tormento, confirmou crer na Lei de Moisés e praticar
rituais judaicos, acrescentando uma novidade desconhecida pelos
inquisidores: que há doze anos passados, tomado do vinho, possuiu à moda
de Sodoma ao alfaiate Manoel Quaresma, 50 anos. Teve como pena
abjuração de seus erros e obrigação perpétua de usar hábito
penitencial.(30) Nesse caso, a mesa inquisitorial não teve curiosidade
nem interesse em aprofundar o lado sodomítico do réu, sentenciando-o
apenas por judaísmo.
Igual indiferença beneficiou ao cristão-novo
João Coelho, pedreiro, preso em 1655 por judaísmo. Confessou que 8 meses
antes, em Elvas, quando caiava o sótão da casa do taberneiro Gaspar
Lopes Rosado, 30 anos, casado, entrou este no sótão e
"disse que se
despisse para cometer o pecado de sodomia, ao que recusando, o acusado o
pegou à força e tirou-lhe a calça, penetrando-o e derramando semente,
parte dentro e parte fora, porque a este tempo fez ele confitente maior
força para se desviar do ato".(31) Tempos violentos aqueles, em que a
própria igreja torturava tenazmente os prisioneiros de consciência e a
lei permitia ao marido matar quem seduzisse sua mulher, desde que se
tratasse de alguém de condição inferior.
Alguns destes
profissionais, embora enquadrados na condição ordinária de
"oficiais
mecânicos", nem por isto deixavam de amealhar bons rendimentos e
interagir com pessoas das classes mais abastadas. É o caso do cirurgião
Manoel Mendes, mulato, 53 anos, meio cristão-novo, casado, natural de
Beja e morador em Lisboa, filho de um lavrador XN e de uma parda cativa.
Seu mandato de prisão data de 1611, acusado de ter mantido diversas
cópulas sodomíticas com sete cúmplices diferentes. Em sua confissão,
nomeou apenas três parceiros sexuais, com muitos atos de molices. Em
suas contraditas, alegou ser
"bom cristão e posto que confessou ter
cometido uma vez o pecado nefando, não é costumado a cometer; não andava
em conversação com pessoas infames e com moços e mancebas, antes suas
conversações eram com pessoas honradas, de sua idade e profissão; é
casado e em sua casa não entravam pessoas de suspeita."(32)
Neste
processo há uma importante referência histórica aos embates dos
cristãos-novos com o Santo Ofício: diz este cirurgião mulato que
"per
virtude do último perdão geral concedido à gente da nação ficaram
extintos todos e quaisquer crimes que per qualquer via pertencem a este
Santo Tribunal, sendo cometidos por pessoas da nação como ele réu é,
pelo que não pode ser acusado pelos crimes que se diz haver cometido
antes do dito perdão por lhe estarem perdoados, em caso negado que os
cometesse". É a única vez que encontramos em toda documentação
inquisitorial, a tentativa, fracassada, diga-se
en passant, de se
estender a abrangência do "perdão geral" (de 1610) para o crime de
sodomia - um artifício maroto do réu, certamente auxiliado por seu
astuto advogado. Nenhuma referência há no processo de que embora sendo
parte de cristão-novo, o cirurgião mulato Manuel Mendes praticasse
secretamente a Lei de Moisés.
Os pagens sempre foram uma das
categorias profissionais mais envolvidas com o nefando pecado de sodomia
na Europa e em outras sociedades estamentais, onde, costumeiramente, os
nobres possuíam o privilégio do livre acesso sexual aos serviçais de
ambos os sexos.(33) Tão comum era tal prestação de favores eróticos que
dizia um ditado da época:
"Não há galinha que não ponha ovos, nem
criados que não [sejam] para cometer sodomia: este é o serviço que deles
se queria..."(34) Há entre os cristãos-novos aqui pesquisados, sete
pagens implicados no "vício nobre", três dos quais serviram na corte
espanhola, entre estes, Salvador Vaz Pegado, 26 anos, meio XN, pagem do
Bispo D. Fr. Francisco Pereira, de Miranda, de quem chegou a receber a
primeira tonsura como clérigo, tendo acompanhado seu patrão quando
esteve nas Cortes de Madri. Preso em setembro de 1620, contra si
constavam cinco denúncias de sodomia. Negou tudo, mesmo após rigorosa
tortura no potro. Como as provas contra sua pessoa eram bastante
sólidas, foi condenado a 8 anos de galés, conseguindo sua comutação para
Angola.(35)
Outro pagem com parte de cristão-novo igualmente
envolvido com o nefando pecado foi Luís d'Avelar, 22 anos, natural de
Azeitão, que embora casado ,
"dá má vida a sua mulher". Seu pai já fora
pagem de importantes casas: do Conde de Calbeta e do Duque de Aveiro.
Datavam de 1610 suas denúncias de sodomia: eram três os cúmplices, gente
diferenciada, incluindo um frade carmelita e o responsável pelos
negócios do Cabido da Sé do Funchal. Como o anterior, também optou por
negar suas intimidades homoeróticas: condenado a 8 anos de galés,
apresentou à mesa do Santo Ofício atestado onde um médico informava
estar com
"uma perna maltratada de frialdade e contorção de um braço e a
virilha esquerda quebrada." Misericordiosos, os Inquisidores reduziram
para a metade seu tempo de penitência.(36)
Encontramos certos pagens
que ostentavam maior abastança material do que costumamos imaginar:
Antônio Salgado,
"parte de XN", 26 anos, casado com Maria Soares,
morador em Santarém, vivia inserido no mundo das altas rodas: seu pai
era contratador das Casas da Índia; tinha uma irmã casada com um
familiar do Santo ofício; acompanhou por três anos o Bispo D.Teixeira em
sua estada na Ilha Terceira, secundando o Embaixador Tristão de
Mendonça quando jornadeou em Holanda. Seu inventário comprova que
existiram pagens, como ele, que chegaram a ser proprietários de bens
imóveis, tanto que ao ser preso, foram-lhe encontrados as seguintes
posses: uma vinha, cinco pegas de vinho, um olival, uma terra, foro de
seis alfas de azeite, seis cadeiras, um bufete, seis painéis, dois
catres, seis lençóis de linho, um cobertor, três colchões, um leito,
seis camisas, guardanapos, três toalhas de mesa, seis toalhas de água,
duas baetas, uma salva de prata, duas colheres e dois garfos, um brinco
de mulher de ouro, 6$000, não devendo nada a ninguém. Tinha contra si
oito parceiros diferentes e dezenas de atos homoeróticos. Os juizes
inquisitoriais demonstram-se convencidos, pela confissão do réu e provas
da justiça, que efetivamente tinha culpas no nefando. Mas ponderando
que não houvera devassidão em seu proceder, condenaram-no a ouvir sua
sentença no Auto de Fé, à pena dos açoites e degredo para as galés.
Ficaram apenas em dúvida quanto ao tempo de seu castigo: dividindo-se as
opiniões entre 3 , 5, 8 e 10 anos. Ficaram igualmente incertos a partir
de que data seus bens deveriam ser seqüestrados: concluíram que
vigoraria a pena somente entre o tempo em que cometeu o delito até a
proclamação de sua sentença. Prevaleceu a linha dura: foi degredado
perpetuamente para a Ilha do Príncipe. Astuto, este pagem sodomita usou
quantos artifícios dispunha para amenizar sua pena: primeiro requereu,
com sucesso, a mudança de seu degredo para o Brasil, terra menos
ingrata. Alegando não desejar desamparar sua mulher, moça de 20 anos,
prenha, empobrecida com o seqüestro de seus bens, pede que seja
transferido para alguma das fronteiras do Reino. Dizendo-se doente,
requer em seguida permissão, sob fiança, para se tratar por quatro
meses. Em 1658, quatro anos depois de lida sua sentença, representa ao
Santo Ofício informando que ao embarcar para a Ilha do Príncipe, a nau
em que viajava sofreu grandes tempestades e águas, indo parar no
Maranhão e de lá na Ilha de São Domingos, muitos dos passageiros
morrendo de fome, salvando-se ele, a nado, sendo em seguida transportado
do Caribe para Madri, de onde veio mendigando até Lisboa para ver sua
mulher e filho. Felizardo, após tantos sofrimentos, recebe o perdão do
resto do tempo do degredo.(37)
Dentre os descendentes de Abraão de
maior destaque nobiliárquico envolvidos com o nefando pecado, há de se
referir a Martim Leite Pereira, 50 anos, Cavaleiro do Hábito de Cristo,
viúvo de D. Anácia de Melo, com uma filha de 26 anos professa no
convento de Santa Maria de Lisboa, natural e morador no Porto. Era meio
cristão-novo pelo lado de seu pai, João Dias Leite. Preso em 1661, com
ordem de seqüestro, em seu inventário constava uma quinta, dois campos,
muita terra arrendada pelas quais recebia pagamentos em milho, trigo,
cevada e galinhas. Possuía alguns móveis de pau-brasil e pau-santo, com
incrustações em marfim; muitas roupas de tecidos caros, incluindo uma
colcha de seda chinesa, alguns devedores e muitos credores.
Martim
era bissexual, tendo sido acusado e assumido dezenas de cópulas anais
heterossexuais, uma delas, cometida com grande violência contra Maria,
uma adolescente de 13 anos. Segundo testemunhas, a mãe da moça
encontrava-se na feira quando foi chamada para ver sua filha que estava
muito maltratada:
"achou a menina estirada na cama sem fala e quase
morta, toda alagada em sangue, assim como a cama em que estava e três
camisas e três lençóis que já se tinham ensopado. E todo aquele dia
esteve a correr o dito sangue [enquanto] a mãe metia uns trapinhos de
pano dentro do vaso traseiro de sua filha para lhe estancar o sangue e
logo como lhos tirava, corria em bica outro sangue, de sorte que era uma
lástima vê-la e lhe pareceu que ela morria daquele sucesso... porque
até os sapatos que trazia se mostraram cheios de sangue. Esteve mais de
oito dias sem poder assentar com razão das dores".(38)
Ao todo,
consta em seu processo ter sodomizado 9 homens e 14 mulheres. Na hora de
ser julgado, os inquisidores ponderaram que tendo se confessado sem
denúncia prévia, e pelo fato de
"ser cavaleiro, fidalgo de geração e
parente de filhados nos livros del rey, por ter uma filha religiosa a
quem poderá tocar infâmia se divulgar os pecados no auto", que deveria
ser sentenciado intra-muros. O Conselho Geral, no entanto, foi mais
rigoroso: considerou este Cavaleiro da Ordem de Cristo como convicto,
confesso, devasso e incorrigível, entregando-o ao braço secular para ser
relaxado. Foi queimado no Auto de Fé realizado aos 9 de julho de 1662,
na Praça de Coimbra, ocasião em que foram sentenciados 116 réus, 6 dos
quais com a pena máxima.
Também em Portugal, era com razão que o
povo se referia à sodomia como
"vício dos clérigos": 1/3 dos acusados e
dos condenados à fogueira pertenciam à Igreja.(39) Apesar da tradicional
oposição do direito canônico à admissão de descendentes de judeus às
ordens religiosas e ao sacerdócio, posto que todo candidato à
clericatura devia antes comprovar sua limpeza de sangue, através do
processo de
genere et moribus, não obstante, é significativa a presença
de descendentes de judeus no sodalício eclesiástico. Apenas um exemplo
para mostrar a veracidade e extensão desta freqüência: no cabido da sé
de Coimbra, em 1617, seis dos cônegos eram não apenas cristãos-novos,
como fervorosos judaizantes. Alguns, também sodomitas.(40)
Nesta
nossa amostra de 69 sodomitas com sangue judeu, 9 (13%) pertenciam ao
ministério católico. Entre estes, o mais célebre, o Cônego Antônio
Homem, que por ter-se imortalizado sobretudo devido ao seu longo e
profícuo magistério na Universidade de Coimbra, deixaremos para tratar
de sua biografia na parte relativa aos sodomitas letrados.
O mais
destacado dos fanchonos de ascendência judaica com titulação eclesial
era nada menos que Deão da Sé do Porto, o Cônego Gregório Martins
Ferreira,
"parte de XN por parte de seu avô clérigo, XN inteiro", 47
anos, natural de Azambuja e morador em Alenquer, doutor em cânones por
Salamanca e Coimbra, filho do Médico Dr. Manoel Martins e Desidéria
Ferreira. Na Torre do Tombo constam dois processos datados de 1654:
"por
ter parte de NX e ter falado contra nossa santa fé católica", e o
segundo, por sodomia. Denunciaram-no de ter blasfemado dizendo que
"o
Cristo ou o Cristinho da Sé não lhe dava de comer, [e por isto] o
haveria de quebrar". Contra si pesava a pecha de ser bêbado, colérico e
ateísta. O mais grave, contudo, era ser publicamente infamado de
sodomita, tanto
"que quando fala do nefando está zombando e diz graças e
anda namorando publicamente a todos meninos bonitos". É acusado de ter
dito
"que não se pode viver em Portugal por amor da Inquisição". E
provocativo, completou:
"dizem aqui que eu sou somítigo, pois afirmo na
verdade que em Roma o fui, por provar de tudo, mas cá hei medo... pois
isso, dou graças ao Deus de Roma, não ao de Portugal!"
Pelo relato
de seus acusantes, o Deão do Porto era de fato, sodomita inveterado,
tendo em sua crônica homoerótica muitos amantes e elevado número de atos
pecaminosos: com o estudante Francisco Mota, 18 anos, manteve de 70 a
80 sodomias, sendo o deão o agente, ora em sua casa no Porto, ora na
Quinta do Bispo; com Manoel Cardoso, 17 anos, também estudante, durante
um ano e meio, outra meia centena de cópulas
"à italiana"; com Manoel
Góes Franco, 25 anos, seu pagem, além de muitas punhetas recíprocas, -
termo registrado pelos inquisidores desde os meados dos quinhentos -
mais 80 cópulas anais. Escandaloso, o Deão Gregório Martins Ferreira
esteve envolvido num episódio comprometedor: a divulgação de um poema
com versos latinos de dois dísticos cujo mote era louvar os rapazes mais
formosos do Porto - cujo eleito, neste que pode ser considerado o
pioneiro dos concursos de "mister gay", foi ninguém menos que Francisco
Mota, o estudante acima citado, que se tornou depois seu amante, ou
melhor, como dizia o povo à boca pequena,
"a mulher do Deão"... Em sua
crônica homoerótica consta um aventura no Palácio do Príncipe de
Piombino, Duque de La Garda, a três léguas de Roma, com Francisco Maria
Antinori, pagem de espada do dito Príncipe.(41)
O 8º Caderno do
Nefando de Lisboa, em 1651, registra outro caso de destacado
eclesiástico ao mesmo tempo cristão-novo e sodomita: o procurador da
Mitra do Arcebispado, o clérigo Antônio Vaz de Sousa. Segundo um seu
denunciante,
"ele dá grande escândalo com o modo e liberdade com que
fala em molices, gabando-se de que as tem cometido com muitas pessoas
ilustres... dizendo que gostava de homens que tivessem membros grandes e
que aquele era seu gosto... e dava muito dinheiro às pessoas com quem
cometia molice...".(42)
Outro sacerdote também de nação, Gabriel
Dias Ferreira, 28 anos, filho do mercador Duarte Mendes Ferreira, XN,
era natural e então cônego da Sé da Ribeira Grande, em Cabo Verde
(1654). Nesta nossa lista, é o que demonstrou ter o maior número de
cúmplices: 82 rapazes! Era um pederasta incorrigível: todos seus
parceiros são adolescentes de 12 a 18 anos; mais da metade escravos,
alguns seus, outros de vizinhos,; muitos deles, instrumentistas no coro
da dita catedral. Com alguns o sexo começou de forma romântica: com
Garcia, 13 anos,
"assentado em uma área, se deitou ele confitente no
regaço do menino para o catar (cafuné) e ali lhe meteu a mão na
braguilha e lhe pegou no membro viril e o mesmo fez o dito menino e
cometeram uma sodomia, sendo cônego o agente". Com Domingos Rois,
mulato, 12 anos, músico, com quem praticou diversos atos sensuais,
"sempre lhe dava alguma cousa, inda que de pouca consideração, alguns
vinténs, papel e ataca". De alguns amantes, este cônego meio
cristão-novo nem sequer lembrava o nome:
"passando pela sua porta um
negro de 16 anos, que não conhecia e por lhe parecer bem, o chamou e o
persuadiu que cometessem o pecado sodomia e penetrou-lhe o vaso traseiro
e lhe deu 2 vinténs."
Ao ser julgado, o Inquisidor Pedro Castilho,
considerado pelos próprios sodomitas da época, como extremamente severo
contra os fanchonos, considerou o dito cônego
"devasso e prejudicial
pelo cometer com muitos rapazes negros e boçais e ser dos primeiros
denunciados daquela parte donde parece não havia notícia do dito crime
antes dele". Malgrado o elevado número de cúmplices, foi condenado a 10
anos de galés, sendo levado em consideração seu status de
"pessoa de
qualidade como Deão da Sé".(43)
Também condenado à mesma pena, 10
anos de galés, foi outro clérigo de missa, Antônio Girão, 48 anos,
"parte de XN", filho do advogado Álvaro Girão e Helena Torres.(44)
Morava em Lisboa, no Hospital dos Palmeiros. É descrito como alvo de
rosto, cãs e fala afanchonada. Preso em 1620, é um dos mais abastados
desta nossa lista de marranos sodomitas: em seu inventário constou
possuir 12 mil réis em moedas de ouro e prata, finos móveis e muitas
roupas, telas à óleo, livros, casas, um olival, uma vinha, vários
objetos de prata. Contra si pesavam sete denúncias de atos homoeróticos,
inclusive com devassidão, sodomisando certa vez a um jovem, na frente
de outro, com o intuito de estimular a um rapaz relutante, que também
cedesse à sua volúpia. Com outro cúmplice, gabou-se das qualidades de um
de seus amantes, dizendo:
"meu santo, eu tenho homem que é como umas
dobras de ouro e come trigo do Alentejo!" Como foi diminuto em sua
confissão, na casa de tormentos, recebeu um trato esperto na roldana,
sendo levantado até o libero. Não havendo absoluta certeza que praticara
a sodomia perfeita, deixou de ter seus bens seqüestrados, mas como
outros sacerdotes envolvidos com somitigarias, foi suspenso do exercício
das ordens e de pregar, condenado a 10 anos de galés ao remo, sem
soldo. Após dois anos vivendo nas galés, alegando e atestando estar
doente, conseguiu o abrandamento de sua sentença: foi degredado para o
Brasil. Cá chegando, envia novo requerimento aos senhores inquisidores,
dizendo ter sofrido muitos naufrágios ao cruzar o oceano, chegando
finalmente à Paraíba,
"onde padece extremas necessidades e estando
doente na dita terra, sem ter pessoa conhecida nem mais que as esmolas
dos fiéis e de um Mosteiro de Santo Antônio com que não pode sustentar",
pede licença para usar de suas ordens clericais, obtendo tal permissão
três anos depois. Na época, o valor de uma missa celebrada diariamente
dava perfeitamente para cobrir as despesas de um velho sacerdote no
ultramar...
Há igualmente notícia de cristãos-novos sodomitas
vivendo no seio das ordens religiosas, muito embora tenha sido mais
rígida a exclusão dos descendentes de judeus aos noviciados dos
conventos e mosteiros do que nos seminários do clero secular. Os
jesuítas eram exceção, demonstrando sempre maior tolerância vis-a-vis os
descendentes de judeus do que as demais religiões, sobretudo após a
canonização de Santa Teresa Dávila, no ano do Senhor de 1622. Poucos
anos depois, em 1630, no convento dominicano de Benfica, nos arredores
de Lisboa, viveu o cristão-novo Frei João de Sousa, 27 anos, filho de
Simão de Sousa, de nação, ourives estabelecido na Rua do Ouro, no
Rossio. É descrito como
"gentilhomem, ruivo, grosso, não alto de corpo,
nariz grande, refeito de corpo, branco de cara".(45) Contra si haviam
onze denúncias de fanchonices. Depois de preso, ao confessar, lembrou-se
de 59 parceiros sexuais, quase todos jovens, alguns quando ainda vivia
em casa paterna, outros, diversos frades, em diversos conventos da Ordem
dos Pregadores. Foi condenado a jejuar a pão e água todas as sextas
feiras durante um ano, proibido de sair de seu convento. Certamente com a
conivência de seus superiores, desobedeceu à sentença, viajando para
Castela por 4 meses e para a Itália, onde na Inquisição Romana, por
ordem de Sua Santidade, confessou suas culpas, conforme consta nos
papéis que na volta, entregou ao Inquisidor Geral, incluindo uma carta
do Cardeal Cremona, datada de 1637, na qual informa que o dominicano
permanecera quatro anos em Roma vivendo constantemente, confessando-se
duas vezes no Santo Ofício,
"com muitas lágrimas, solicitando que tão
horrendo emendado seja tratado com misericórdia como se fosse à sua
própria pessoa".(46)
É na categoria de letrados onde vamos encontrar
o maior número de filhos de Sodoma e de Abraão: cinco estudantes, e
cinco bacharéis, sendo quatro professores e um advogado. Embora os
estudantes, via de regra, tenham sido denunciados mais como cúmplices
eventuais de outros sodomitas, sem abertura de processo formal, um
destes jovens, contudo, teve a infelicidade de ser condenado à pena
máxima da fogueira.
Luís Simões, era meio cristão-novo, 25 anos,
morador em Lisboa. Seu pai, que lhe deu seu mesmo nome, já falecido,
tinha sido boticário da Rainha.(47) Era estudante de artes no Convento
de São Domingos, preso em 1611. Consta em seu processo que
"andava em
traje de estudante". Contra si depuseram quatro cúmplices, três dos
quais, também cristãos-novos: na casa do licenciado cristão-novo
Bartolomeu de Salzedo, sodomita contumaz, Luís Simões cometeu cópula
anal com outros dois jovens de sua nação, Baltasar Nunes Rosa, 21 anos,
casado e com Antônio Nunes. Também com outro cristão-novo, Anrique
d'Orta, letrado, praticou "menage-à-trois", constando ainda mais um de
sua nação entre seus cúmplices: Rodrigo Alvares, XN, 14 anos, filho do
médico da Relação, que ao depois se meteu na Ordem de S. Francisco,
continuando a manter contatos homoeróticos mesmo após receber a rasura
de frade.
Neste caso, os inquisidores divergiram quanto à punição do
estudante: um propôs 10 anos de galés; outro, que recebesse um trato
esperto na polé; um terceiro, que fosse açoitado publicamente. O
Conselho Geral, porém, optou pela severidade máxima,
"considerando a
graveza do crime e a pouca esperança que há de sua emenda: que tenha
seus bens confiscados e seja relaxado à justiça secular." Aos 31 de
julho de 1611, na Ribeira, realizou-se o 36o Auto de Fé da Inquisição de
Lisboa, onde foram sentenciados 92 réus, onze dos quais queimados,
incluindo três sodomitas: dentre eles, o estudante Luís Simões, 25 anos.
Também relaxado à justiça secular foi um dos mais famosos mártires
da Inquisição Portuguesa, o meio cristão-novo Antônio Homem: filho do
almoxarife Jorge Vaz Brandão, cristão-novo, de sua mulher, Isabel Nunes
de Almeida, nascido na primavera de 1564. Era irmão do licenciado
Gonçalo Homem de Almeida, primeiro Ouvidor da Capitania do Rio de
Janeiro, depois estabelecido como rico senhor de Engenho na Bahia, cuja
biografia encontra-se sumariada por Anita Novinsky no seu clássico
Cristãos Novos da Bahia.(48) Quando tinha 10 anos, sua avó paterna foi
sentenciada no auto de fé, acusada de judaísmo.(49)
De família de
medianos recursos, Antônio Homem formou-se no Colégio das Artes dos
Jesuítas e em Cânones pela Universidade de Coimbra (1585), ocupando
gradativamente os principais postos nesta Universidade, até chegar à
cátedra como Lente de Prima de Cânones. Ordenado sacerdote, foi
igualmente cônego doutoral, confessor e examinador sinodal. Possuidor de
rica biblioteca e confortável residência, aparentemente era cidadão
acima de qualquer suspeita: segundo suas próprias palavras, sempre teve
"vida mui exemplar, modesta, composta em obras, trajo e palavras, com
grande nome neste Reino e fora dele pelas suas letras e louvor de seus
bons procedimentos. Celebra missa, vai ao coro do cabido, dá esmola 2
dias por semana aos pobres e outras secretas à viúvas e colégios pobres,
considerado um dos mais exemplares e beneméritos sacerdotes de todo o
Bispado". Era amigo de bispos, fidalgos, e até mesmo do Inquisidor
Geral.
Secretamente, porém, era praticante de dois crimes hediondos:
amava rapazes e seguia a Lei de Moisés. Contra si estão arquivados dois
volumosos processos na Torre do Tombo, um por judaísmo com 660 páginas e
outro por sodomia, com 240. Em ambos crimes estava gravemente
comprometido.
Em devassa realizada em Coimbra em 1619, depuseram
contra o Lente de Prima 35 denunciantes, entre testemunhas e cúmplices,
que o acusam de grande quantidade de atos homoeróticos, no mais das
vezes, molices, raramente sodomia propriamente dita. Como Sócrates,
tinha uma queda irresistível pelos adolescentes: de uma relação de 30
parceiros sexuais, o mais jovem tinha 13 anos e o mais velho 19, sendo
que ¾ deles ostentavam menos de 18 anos. Com Bento Rois, 13 anos, por
cinco vezes em diferentes datas, trocou incontáveis beijos, abraços,
manipulação recíproca da genitália, e
"tirando-lhe a camisa, ficando em
couro, fazia que assim nu e despido passeasse pela casa, dizendo-lhe que
era muito alvo e que folgava de lhe ver o corpo... e também Antônio
Homem se despia, sem embargo de ser de dia, fazendo coxetas e sodomia,
dizendo ao menino que bulisse também, e que fizesse como sua mãe fazia
com seu pai, e dentro derramou semente e o réu o limpou pelo traseiro
com uma toalha que tinha posta debaixo dele, encima do lençol de baixo,
dizendo que a punha ali que se acertasse de cair alguma cousa, não fosse
nos lençóis e que o viriam os moços que fazem a cama." Ao despedir-se,
sempre lhe agradava com alguns vinténs e tostões. Nutriu grande paixão
pelo jovem sobrinho do Bispo de Lamego, Jorge Mexia, com o qual o Doutor
manteve amizade íntima por cinco meses, sendo espiado pelos criados
pelo buraco da fechadura, que
"viram os calções do estudante sobre uma
cadeira, que era sinal de estar despido na cama com o Doutor."
Ao
ser preso e inquirido, Antônio Homem assumiu diversos atos de molices,
negando porem, penetrações, sob alegação de que
"não tem potência em
seus órgãos para tais atos sodomíticos e que para outros pecados lhe
tinha declarado o Senhor Inquisidor que não era necessário dizê-los",
posto que cabia ao Santo Ofício a perseguição e criminalização
exclusivamente do cópula anal. Alguns de seus cúmplices, ao serem
novamente chamados a testemunhar, retificaram suas acusações, como foi o
caso de Manoel Henriques, que com lágrimas negou sua primeira
denúncia, dizendo que naquela ocasião fora intimado pelos Inquisidores
que com palavras ásperas o apertaram e lhe disseram que
"era improvável
sendo criado de Antônio Homem, e que andava com negros e brancos, não
andar também com ele... e o mandaram prender dizendo que por não querer
confessar a verdade que o levavam à cadeia..."
Se as provas de
sodomia contra Antônio Homem não eram tão sólidas, nem graves, as de
cripto-judeu eram abundantes e altamente comprometedoras. Segundo seu
principal biógrafo, João Manuel Andrade,
"Antônio Homem descendia de
judeus por varonia, e recebera de seu pai a crença na Lei de Moisés. E
um dia teve um sonho. Convenceu-se de que era a pessoa ideal para
unificar os judeus secretos de Portugal e restaurar o culto do Templo de
Israel, apressando deste modo a vinda do Messias. E assim organizou na
cidade do Mondego uma congregação de cristãos-novos judaizantes, a que
deu o nome de Confraria de São Diogo, em homenagem a um frade que fora
excetuado anos antes, proclamando a excelência da religião mosaica. A
confraria teve um sucesso espantoso. Chegou a ter mais de 50 membros, e
ramificações em três mosteiros, onde freiras cristãs-novas tanto rezavam
ao Deus dos cristãos como ao Senhor de Israel. E foi descoberto quase
por acaso. É que Antônio Homem tinha um outro segredo. Apreciava a
beleza adolescente masculina, o que o levou a cometer graves
imprudências, que não podiam deixar de ser aproveitadas pelos seus
inimigos. Uma denúncia levou a uma investigação; uma descoberta levou a
outra".(50) Após dezenas de prisões de amigos e confrades, uns
confessando e outros denunciando, conseguiram os Inquisidores
reconstituir detalhadamente a estrutura e organização desta confraria de
cripto-judeus, a principal instância organizada de judaizantes em todo
período inquisitorial.
As cerimônias, ritualizadas e comandadas por
Antônio Homem, com alfaias e adereços inspirados nas xilogravuras de
antigas bíblias e imitando descrições ouvidas nas sentenças de outros
judaizantes condenados nos autos de fé e nos monitórios divulgados
anualmente pelo Santo Ofício, eram feitas secretamente, em casas de
outros cristãos-novos pertencentes à dita confraria.
"E estando todos no
escritório da casa, com as portas da rua fechadas, puseram um bufete no
meio da casa do escritório, coberto com um pano de seda ou uma
alcatifa, e estando sobre a dita mesa posta uma caixa pequena com um
buraco no meio por onde lançavam nela o dinheiro e tendo duas velas
acesas sobre o dito bufete, estando descalços, à roda da dita casa, e
encostados às paredes, com as cabeças inclinadas para baixo e
descobertas, logo no princípio, estiveram assim por espaço de um quarto
de hora, abaixando e levantando a cabeça e ficando todos em pé, o
oficiante vestido uma veste sacerdotal da Lei Velha, ao modo de loba de
clérigo, a qual era de tafetá pardo, o qual disse para todos os
circunstantes que aquela era a véspera do dia Grande, o qual haviam de
guardar, jejuando nele por honra e observância da Lei, na forma que
fizeram os seus passados, e que aquela cerimonia naquela mesma forma se
faziam ainda hoje na sinagoga de Corfu, onde continuamente ardia uma
lâmpada por todas as ditas pessoas. No dia seguinte, Dia Grande, o Dr.
Antônio Homem estando sentado em uma cadeira das de tela, que foram do
Bispo D. Afonso de Castelo Branco, começou a cerimônia com a leitura dos
salmos penitenciais, estando toda a congregação de pé. Foram
distribuídos tephilim aos presentes, mas só para serem aplicados à
testa. Tocou-se então a buzina duas vezes em tom baixo, que era o sinal
para a congregação se juntar ao Doutor. Em cima do bufete estava um
retábulo, em que estava Moisés pintado com as tábuas da Lei na mão. Na
qualidade de sumo-sacerdote, o Dr. Antônio Homem foi cuidadosamente
paramentado pelos seus auxiliares, e lhe vestiram uma alva , atou com um
cordão de retrós e logo deu para ele vestir duas vestes ao modo de uma
túnica e tunicela de que os Bispos usam quando se revestem em
pontifical; e sobre ela vestiu uma veste grande, a moda de capa de
asperges, que tinha umas borlas de seda e ouro, a modo de campainhas,
toda à roda. E os cinco cônegos cristãos-novos presentes vestiram sua
veste a modo de dalmáticas, todas de chamalote de ouro, com uma mitra de
dois palmos, toda fechada acima, com trazem os Papas, nas ilhargas da
qual mitra havia um modo de jóias, com ovados e com pedras que reluziam.
O Sumo-sacerdote e altar foram incensados, seguiu-se a homilia do
costume e depois algumas orações (em latim). Os ditos sacerdotes,
enquanto o dito Antônio Homem estava no altar, estavam atras dele e
viravam para os circunstantes fazendo uma grande gaia e dizendo com
admiração, Jeová. Os presentes perdoaram-se mutuamente e foram
abençoados um por um ao modo judaico pelo Dr. Antônio Homem a quem
beijavam o pé em sinal de reverência. Depois de administrado um
juramento de segredo, o sumo-sacerdote fez uma discurso final
encomendando a todos que guardassem pontualmente segredo, dando-lhes
logo juramento no Testamento Velho, encomendando-lhes que ainda que
fossem presos pelo Santo Oficio, e estivessem a risco de morrerem, o não
descobrissem, ainda que os queimassem."(51)
Após quatro anos e meio
penando nos cárceres, padecendo quantidade doenças e achaques, período
em que se sucederam muitas diligências, contraditas, retificações e
ratificações, já tendo os inquisidores arrolado o nome de 85 membros
conhecidos da Confraria de São Diogo, além de 55 freiras judaizantes de
diferentes conventos, tudo confirmado por diversos de seus confrades
cripto-judeus, que de fato, o Dr. Antônio Homem era o corifeu e
sumo-sacerdote desta
"herética pravidade", conquanto persistisse em
negar a prática do judaísmo, deliberam finalmente, ser merecedor da
condenação à pena de morte. Foi considerando herege, apóstata, pertinaz,
negativo, dogmatista e sacerdote de judeus.
Na interpretação de seu
biógrafo, a única explicação de o
Preceptor Infelix negar
irredutivelmente assumir suas culpas de judaísmo, podendo assim safar-se
da fogueira, foi seu heróico altruísmo, evitando ter de citar os nomes
de todos seus discípulos, esquivando-se, desta forma, arrastá-los à
mesma pira.
Oitenta e quatro réus foram sentenciados junto com o
Lente de Coimbra, no auto de fé de 5 de maio de 1624, dos quais, oito
relaxados à justiça secular para serem queimados. A solenidade ocorreu
na Ribeira de Lisboa, junto à Casa dos Contos. O pregador, um dominicano
e deputado do Santo Ofício, escolheu o Profeta Isaías como mote,
execrando a quantidade de judeus existentes no reino e que dele fugiam, a
ponto que os estrangeiros,
"vêm a conceber a opinião que todos os
portugueses são judeus!" E completa:
"Há muitos poucos anos que nos
autos da fé saíam somente judeus baixos e cominheiros: vede a agora o
que saem: muitos eclesiásticos, religiosos, bacharéis, licenciados,
doutores e lentes, aparentados com gente nobre, com a metade somente, um
quarto e um oitavo de cristãos-novos."(52)
Em sua sentença,
explicitavam-se os dois motivos de sua condenação:
"sendo cristão
batizado, obrigado a ter e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa
Madre Igreja de Roma, ele o fez pelo contrário, e teve crença na Lei de
Moisés, declarando-se judeu... Como letrado, sacerdote e homem de
qualidade, e como tal obrigado a viver impa e honestamente, dando de sua
vida e costumes bom exemplo, ele o fez pelo contrário, e de muito tempo
a esta parte, esquecido de sua obrigação, com muito atrevimento,
cometeu o horrendo e abominável pecado de sodomia contra naturam,
exercitando-o por muitas vezes com diversas pessoas do sexo masculino,
sendo sempre agente."
Além do confisco de todos seus bens, incluindo
preciosa biblioteca, determinou-se que fossem derrubadas, assoladas e
salgadas as casas onde se faziam as ditas solenidades judaicas,
"e nunca
mais se tornem a reedificar, levantando-se no mesmo sítio um padrão
alto, com letreiro que declare a causa pela qual se derrubaram e
salgaram." Foi queimado vivo.
De todos os cristãos-novos sodomitas
denunciados e/ou processados pelo Santo Ofício, Antônio Homem foi, sem a
menor dúvida, o mais envolvido com o resgate do judaísmo no Reino de
Portugal. Abnegado e altruísta, negou sua crença herética a fim de não
desgraçar a vida de muitos que o veneraram como sumo-sacerdote da Lei
Antiga. Embora assumisse ter praticado inúmeros atos homoeróticos, negou
até o fim a prática da sodomia perfeita, o único ato considerado crime:
detalhe crucial na ótica da processualística inquisitorial, detalhe
insignificante aos olhos dos seus contemporâneos e na avaliação
hodierna, na medida em que crivo definidor de alguém ser homossexual,
não passa necessariamente pela cópula anal, mas pelo desejo erótico e
afetivo pelo mesmo sexo, coisa jamais negada pelo lente de Coimbra.
Detalhe significativo: o irmão de Antônio Homem, o senhor de engenho
Gonçalo Homem de Almeida, ao saber de sua execução, teria dito
"agora
ele está mais honrado que nunca!", conservando na capela de seu engenho
uma pintura de Santo Antônio, que segundo seus vizinhos, era o próprio
retrato de seu irmão, Antônio.(53)
Já que estamos no recôncavo da
Bahia, antes de concluir, conviria concentrar nossa atenção no que os
documentos ensinam a respeito dos cristãos-novos envolvidos com o
homoerotismo no Brasil. Localizamos até o presente onze casos, a maior
parte denunciados na primeira e segunda visitação dos Santo Ofício ao
Nordeste, portanto, entre os anos 1592-1620.(54) Dos onze denunciados, o
mais jovem cristão-novo foi Jorge de Souza, 17 anos, morador em
Pernambuco, que manteve diversas cópulas sodomíticas com um sapateiro de
Olinda. Em sua sentença, o Visitador escreveu:
"respeitando-se porém
ser menor e fraca compleição e poucas carnes e não ser [apto] para galés
e outras considerações pias que se tiveram, determinam que tome quatro
disciplinas [açoites] secretas no cárcere com o salmo miserere mei deus,
confesse de confissão geral de toda vida, e seja degredado 5 anos para
Angola e em cada um confesse nas quatro festas, comungue a conselho do
confessor, e em cada dia que comungar, reze os salmos penitenciais de
Davi. E no degredo receberá doutrina dos padres da Companhia que serão
nomeados."(55) Outro jovem "brasileiro" também embaraçado nas malhas da
Inquisição foi Duarte Fernandes, "meio de nação", 18 anos, "servente de
mestre do navio", natural de Matosinhos e então residente em Salvador.
Praticara o mau pecado quando há cinco anos passados, morou em
Pernambuco, tendo como cúmplice seu primo coirmão, Miguel da Fonseca,
também XN e mercador. Segundo o mais jovem, ele fora forçado ao pecado à
custa de muita pancada e açoites, e que seu primo
"é homem muito
sensual e já andou por Itália e Flandres, donde devia trazer o dito
vício" - idéia bastante espalhada tanto no Reino como no Novo Mundo,
atribuindo-se à Itália e aos seus naturais, o excessivo gosto pelo
"vício italiano". Outro sodomita também com 18 anos era mameluco: Diogo
Heriques, 18 anos, morador no Caminho de São Bento, em Olinda,
denunciado na Visitação de 1595. Era filho do mercador Miguel Heriques,
XN, descendente de judeus de Flandres e de uma nativa do gentio da
terra. Foi inculpado em 5 cópulas sodomíticas, três como agente e duas
como paciente. Esclareceu aos inquisidores que
"nunca tivera cópula
carnal com mulher nenhuma, nem branca nem negra". Foi condenado a três
anos nas galés, no Reino.(56) O mais velho destes cristãos-novos, Manoel
da Maia, 40 anos, dono de um trapiche de melado na capital da Colônia,
casado, confessou ter cometido há 16 anos passados o pecado nefando com
um fidalgo já falecido.
Vários dos cristãos-novos sodomitas
residentes no Brasil tinham experiência de longas viagens,
enquadrando-se alguns na figura clássica do judeu errante. Um dos mais
era o mercador João Batista, XN, 33 anos, solteiro, filho de Francisco
Rois Montemor e Felipa Taeros,
"judeus de Selonica, Judéia e Turquia,
donde ele fugiu para Roma e de lá para Lisboa", constando já ter sido
anteriormente acusado na Casa do Rocio por culpas de judaísmo. Como ele
próprio assumiu, em confissão registrada nos Estaus de Lisboa, sua
crônica homoerótica começara na Turquia, em 1578, onde teve várias
cópulas sodomíticas, ora agente, ora paciente, com turcos e judeus.
Foragido na Itália, primeiro foi duas ou três vezes possuído por outro
cristão-novo residente em Florença, ao depois, em Roma , num banho
turco, copulou duas vezes com um
ragazzo italiano. Na costa africana, na
ilha de São Tomé, sodomizou por volta de 15 negras - pratica também
encontrada entre outros sodomitas bissexuais, embora predominantemente
homófilos. Na Bahia, praticou somitagarias com dois rapazes, entre eles
Pero de Leão, XN, de tradicional família judaica, que depois mudou-se
para Pernambuco.(57)
Dentre os cristãos-novos do Brasil inculpados
em sodomia, três estudantes e um advogado: Jorge Moniz, XN, 27 anos,
estudante de filosofia no Colégio da Companhia da Bahia, com pai e mãe
da nação, então moradores em Sergipe del Rei. Tinha em sua crônica
homoerótica dois cúmplices, um cristão-velho e um mameluco. O segundo
escolar cristão-novo e sodomita do Brasil remete-nos novamente à
"grande
inquirição de 1646", episódio descoberto e tão bem analisado pela
mestra Anita Novinsky . Manoel Leão, primeiro estudante, depois ourives,
era membro de destacada família hebréia, tendo sido surpreendido na
Torre do Colégio dos Jesuítas, sem calças, praticando
"descaração" com
seu colega apelidado Perene. Foi flagrado por um sacerdote que os
ameaçou de
"mandar queimá-los, e eles de joelhos imploraram que não os
descobrisse". Nesta mesma inquirição foi denunciado um judeu conhecido
como Maia, residente na Bahia, que certa feita, na Praia Grande, estando
o mar revolto e começando a chover,
"tirou as calças, virou o traseiro
para o céu e dizia: 'acaba de chover somítigo', referindo-se a Deus ou
ao céu''. Aliás, não foi o único a associar Deus à homossexualidade: o
próprio Gregório de Mattos, nosso Boca do Inferno, fora denunciado ao
Santo Oficio por ter proferido a nefanda blasfêmia, garantindo que
poderia provar pelas Escrituras que Jesus Cristo era sodomita.(58)
Doroteu
Antunes, 18 anos, é o último somítigo com sangue israelita, que herdou
do lado de sua mãe, Ursula de Arão, a cair nas malhas do
Mostrum
Horribilem: natural o Rio de Janeiro,
"bem parecido e trigueiro",
representava em comédias públicas travestido de mulher. Foi amante,
tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, do estanqueiro de fumo, Luiz
Delgado, um dos mais "incorrigíveis" fanchonos de nossa história.(59)
Foram ambos presos e enviados para os cárceres secretos do Rocio em
1689. Apear de terem vivido prolongado e comentadíssimo romance,
coincidente, viveram num sítio arrendado dos jesuítas na mesma época em
que o Padre Antônio Vieira era o provincial da Bahia. Já que não havia
provas de ser culpado no crime de sodomia perfeita, o estudante e
ex-ator-transformista foi condenado tão somente a três anos de degredo
em Castro Mearim, no Algarve.(60) Sua cristãnovice atrapalhou-o certa
feita, quando tentou tirar atestado de pureza de sangue para entrar no
seminário: contudo, nada consta em seu processo que sugerisse ter fé ou
praticasse a lei de Moisés.
O mais ilustrado nesta amostra de
sodomitas do Brasil com ascendência judaica foi o lisboeta Felipe Thomás
(de Miranda), "de nação", 50 anos, graduado em Cânones por Coimbra,
filho de Diogo Freire e Guiomar Thomás, que saíra sambenitada num Auto
de Fé. Vivendo há 20 anos nos Brasis, casado, um filho natural de 6
anos, homem rico, possuía 30 escravos, duas casas e um canavial. Segundo
Anita Novinsky, era dono de 22 fazendas com plantações de cana na Ilha
da Maré. Foi denunciado em 1618 pelo Chantre da Sé da Bahia, informando
que o advogado fugira previamente de Pernambuco, há 12 anos passados,
"pela morte de um moço seu criado, o qual o matou pelo ter acusado de
cometer ambos o pecado de sodomia". Contra si pesavam mais três
denúncias de atos sodômicos com diferentes cúmplices, contando ser
"tão
infamado no pecado nefando na Bahia e em Pernambuco, que anda em
provérbio entre brancos e negros". Corria também à boca pequena que
andava livrando-se do mesmo crime junto à justiça secular. Preso em
1619, por judaísmo, foi torturado por ter blasfemado,
"chamando à Nossa
Senhora e à Santíssima Trindade de muita merda". Foi condenado a abjurar
de levi. Se voltou ao Brasil, não se sabe.(61)
O único caso de uma
cristã-nova envolvida com o lesbianismo até agora localizado na Torre do
Tombo remete-nos à Ilha de Itaparica, no Recôncavo da Bahia, no ano do
senhor de 1592. Trata-se de Guiomar Piçarra, filha de Belchior Piçarra e
Maria Rois, ambos de nação. Viera do Reino quando pequenina, e sendo
moça de 12 para 13 anos, quando morava no Rio Vermelho, juntamente com
Mécia, negra da Guiné,
"chegaram ambas a tão desonesta amizade, que duas
ou três vezes, em diferentes dias, se ajuntaram em pé, uma com outra,
com as fraldas afastadas, abraçando-se, combinando e ajuntando suas
naturas e vasos dianteiros um com o outro, e assim se deleitaram como
homem com mulher, porém não se lembra se cumpriram..." Ao ser
perguntada, um quarto de século depois, se tinha consciência que tais
ajuntamentos eram sodomia, respondeu saber que eram
"senão pecados
mortais." Pagou $672 réis das contas processuais e foi absolvida.(62)
À guisa de conclusão
Após
acompanharmos, em grandes pinceladas, as relações entre judaísmo e
homossexualidade, pontuando-as desde os tempos bíblicos, passando pela
Idade Média, privilegiando a reconstituição dos principais traços da
vivência dos cristãos-novos sodomitas luso-brasileiros perseguidos pelo
Tribunal do Santo Ofício, podemos detectar algumas tendências observadas
a partir destas biografias que permitem-nos avançar a discussão
etno-histórica tanto do judaísmo quanto da homossexualidade.
Viver
escondido para sobreviver: numa sociedade marcada pela intolerância
religiosa e moral, onde professar a crença em outra religião ou adotar
sexualidade dissidente poderia redundar em prisão, seqüestro de bens,
infâmia, tortura, degredo ou até à pena de morte - a solução encontrada
pelos desviantes/criminosos foi a dissimulação, o disfarce, o
fingimento, a hipocrisia. Como muito bem definiu o Padre Manuel
Bernardes,
"Simular é fingir o que não é; dissimular é encobrir o que
é."(63) Assim viveram os cripto-judeus e os sodomitas encobertos: no
recôndito de suas casas, clandestinidade, nas trevas, nos sítios mais
ermos. Os mais descuidados e escandalosos, caíram nas garras do
Monstrum
Horribilem. Viver na condição de cripto ( "escondido, oculto, obscuro")
implicou na construção de uma complexa subcultura, onde uma série de
sinais diacríticos eram conhecidos apenas pelos iniciados e membros
destes subgrupos clandestinos.
Orgulho judaico e vergonha
homossexual: confrontando a história de vida destes judeus homossexuais
denunciados e/ou processados pela Inquisição Portuguesa, e ampliando
esta amostra com centenas de outros processos de judaísmo e sodomia
consultados, constata-se uma grande distância entre o nível de
consciência, identidade e afirmação pessoal e social observada entre
judaizantes e sodomitas. Enquanto contam-se aos milhares os filhos de
Abraão que desenvolveram sua auto-estima como grupo diferenciado,
considerado pela sociedade global lusitana como inferiores, de sangue
impuro, chamados de cães e porcos (marrano), entre si e no íntimo de
suas almas, os judaizantes se consideravam o povo eleito, detentores da
verdadeira fé e da única lei salvífica, superiores em inteligência e
habilidades aos cristãos-velhos. Alguns chegaram a desenvolver tamanha
hostilidade ao catolicismo, que profanavam secretamente os símbolos mais
sagrados da religião de Cristo. Neste sentido, constata-se que número
dos judeus convictos, verdadeiros mártires, que preferiram morrer
queimados do que abjurar a Lei de Moisés é muitíssimo mais alto do que
qualquer outra categoria de réus. Do lado oposto, não atinge uma dezena o
número total dos sodomitas que chegaram a esboçar um débil discurso
defensivo de sua orientação sexual, contando-se nos dedos de uma mão, os
que ousaram afirmar a excelência do
"amor que não ousava dizer o nome".
Vergonha, culpa, homofobia internalizada, egodistonia, complexo de
inferioridade e alienação foram os sentimentos e condutas predominantes
entre os milhares de sodomitas e fanchonos, mesmo os mais explícitos e
escandalosos. Só um destes judeus sodomitas, condenado mais por seus
desvios sexuais do que pela heterodoxia de sua fé, o citado Deão da Sé
do Porto, foi quem assumiu com certa galhardia, um discurso apologético
de seus amores proibidos. A diferença fundamental entre estas duas
minorias deve-se a um elemento fundamental: os pais judeus ensinavam, e
continuam ensinando seus filhos, a ter orgulho de sua origem, a manter
as tradições de Israel. Com os jovens homossexuais sucede exatamente o
contrário de todas as demais minorias sociais: quando os parentes
descobrem que um filho revela tendência homossexual, é cruelmente punido
com insultos, agressões, expulsão de casa. Nos tempos inquisitoriais a
repressão anti-homossexual era ainda mais virulenta, pois os familiares
de sodomitas processados pelo Santo Ofício ficavam inábeis e
estigmatizados por três gerações - desgraça repelida por qualquer
família. Por isto se repete de norte a sul de nosso país um ditado que
certamente tem sua inspiração na ideologia inquisitorial:
"Viado tem
mais é que morrer!"
Desconstruindo estereótipos: a análise desta
amostra de 69 judeus homossexuais confirma a complexa diversidade e
enorme ambivalência dos representantes destes dois grupos sociais. Se o
cristão-novo foi tipificado como "homem dividido", na iluminada
expressão cunhada pela Profa. Anita Novinsky, imaginemos o quão mais
dividido e duplamente conflitado, devia ser o filho de Abraão que se
reconhecia, também secretamente, como filho de Sodoma?! Do lado dos
cristãos-novos, nossos dados retificam os estereótipos do judeu rico,
mercador ou usurário: entre os judeus em Portugal havia famílias bem
pobres, gente da raia miúda, desclassificados. Do lado oposto, chama a
atenção a enorme inclusão destes cristãos-novos na estrutura social
luso-brasileira, participando do clero secular e regular, inclusive da
hierarquia eclesiástica, alguns parenteando-se até com os guardiães do
sangue mais "limpo" do Reino, os familiares do Santo Ofício. A presença
de seis cristãos-novos atuando ao mesmo como cônegos na Sé de Coimbra e
fiéis correligionários judaizantes da Irmandade de São Diogo, revela o
grau de inserção, camuflagem e dissimulação da gente de nação. A mesma
retificação deve ser feita relativamente aos estereótipos dos sodomitas,
ainda hoje, preconceituosamente associados à efeminação, fragilidade,
futilidade. Muitos dos fanchonos e somítigos referidos neste ensaio em
nada se distinguiam, por sua aparência e gestos, dos demais
conterrâneos: diversos viviam casados com suas mulheres, eram bons pais
de família, ostentavam conduta varonil, homens bons acima de qualquer
suspeita. Judeus mofinos e fanchonos escandalosos sempre existiram,
porém, em número diminuto. Contudo, nossos dados confirmam alguns
clichês positivos relativos a ambos grupos: por exemplo, os
cristãos-novos ostentam maior escolaridade e instrução superior se
comparados com os cristãos-velhos, assim como maior mobilidade espacial,
incluindo viagens e moradia no exterior. Quanto aos gays, nota-se
igualmente maior afinidade com atividades profissionais ligadas à
religião, às artes e aos afazeres domésticos.
Principais vítimas do
preconceito: os documentos inquisitoriais, sobretudo as "contraditas"
constantes em muitos processos, permitem-nos sugerir que aos olhos do
povo, não havia meio termo: passou de cristão-velho era judeu, assim
como alguém suspeito de fanchonice, devia ser sodomita. Cristãos-novos e
homossexuais eram comumente comparados e chamados de cães, antigamente,
um dos insultos mais aviltantes, numa era em que chamar alguém,
caluniosamente de judeu ou somítigo, poderia implicar em queixa crime
contra o insultador. Um outro lado da moeda também deve ser mencionado: a
indiferença e mesmo freqüência com que muitos sodomitas
cristãos-velhos, inclusive sacerdotes e religiosos, mantinham relações
homoeróticas ou companheirismo com cristãos-novos. O citado cônego
Vicente Nogueira, um dos mais destacados moradores da célebre Casa dos
Bicos de Lisboa, incluía em seu rol de parceiros sexuais, diversos
descendentes de judeus.
Maior rigor inquisitorial: judeus e
sodomitas foram as principais vítimas da sanha inquisitorial, tanto em
número de prisões, quanto em execuções. Nossa amostra sugere que quando o
mesmo réu concentrava os dois crimes, sodomia e judaísmo, o rigor
inquisitorial redobrava. Eis a prova: se tomarmos a totalidade dos
processados por sodomia, independentemente de sua origem étnica ou
religiosa, encontramos durante todo o período inquisitorial, para o
conjunto dos réus do Santo Ofício, 6% de condenações à morte na fogueira
(30 num total de 450 processos); se reunirmos agora as duas variáveis,
judeu e sodomita, este número sobe para 21% (6 num total de 28
processos). Ratificando: quando um único réu era ao mesmo tempo judeu e
sodomita, sua chance de ser queimado era três vezes maior do que se
pertencesse apenas a um destes "grupos de risco". Detalhe: a maior ou
menor quantidade de sangue hebreu não contava na determinação da
severidade da pena, tanto que quatro dos relaxados tinham apenas parte
de cristão-novo.
Sodomitas, os mais castigados: se compararmos as
penas aplicadas aos réus duplamente comprometidos com o pecado nefando e
com práticas judaizantes, constata-se que os inquisidores penalizavam
mais cruelmente o desvio sexual do que a heresia. Enquanto a maior parte
dos cripto-judeus foram condenados a abjuração de seus erros e ao
hábito penitencial temporário ou perpétuo, os homossexuais sofreram
prolongados degredos ou galés perpétuas, além das dores e infâmia dos
açoites públicos
citra sanguinis effusionem. Segundo ponderaram os
próprios Inquisidores ao julgar Luís Simões, um dos sodomitas alhures
citado,
"os culpados no crime de sodomia [são] mais castigados que os
hereges porque estes tem penitências de cárcere e hábito de quatro ou
cinco anos e os culpados de sodomia muitos anos de galés". Prova desta
opção preferencial pelo maior castigo aos fanchonos é o lembrete
manuscrito na capa de diversos processos de sodomia:
"Este delito merece
pena de morte por direito". Do total de 28 destes réus que foram
efetivamente presos e sentenciados, vinte foram julgados apenas por
sodomia, seis pelos crimes de judaísmo e sodomia e dois apenas por
cristãnovice. Em outros termos: apenas por volta de 1/3 dos
cristãos-novos sodomitas eram efetivamente praticantes da Lei de Moisés.
Alguns destes talvez tenham conseguido dissimular suas verdadeiras
crenças, outros, haviam herdado apenas o sangue hebreu, mas tinham, de
fato, abraçado convictamente o catolicismo, ou eram indiferentes e
céticos em questões de fé.
Post Scriptum: A história continua...
No
mesmo ano do Senhor de 2001, quando o filme
Trembling before God, de
Sandhi Simcha Dubowski, todo ele consagrado à reconstituição do dia a
dia do judeus ortodoxos gays, recebeu o grande prêmio do júri no
Festival de Cinema Gay & Lésbico de Los Angeles; quando a cantora
transexual Dana International, israelense natural de Tel Aviv, nascida
Sharon Cohen, de uma família tipicamente judia e ortodoxa, tornou-se
mundialmente conhecida após sua vitória no
Eurovision Song Contest;
quando em Israel grupos gays e lésbicas funcionam livremente,
beneficiando-se os casais do mesmo sexo, de direitos e garantias legais,
realizando no último Dia do Orgulho Gay uma grande e alegre
manifestação pública, onde homossexuais israelenses marcharam ao lado de
seus irmãos gays palestinos; eis que no Brasil, lastimavelmente, o mais
midiático líder religioso judeu continua fustigando os homossexuais,
não mais com as pedradas da Lei de Moisés, nem com a fogueira dos
Inquisidores ou os campos de concentração dos Nazistas - mas condenando a
homossexualidade com argumentos há muito superados pela ciência. Disse o
Rabino Henry Sobel:
"O homossexual tem o direito de escolher a sua
maneira de viver. O homossexualismo contraria a meu ver, a própria
anatomia dos sexos, que foi visivelmente criada para relações
heterossexuais. E também, na importância da familiar, não pode ser
subestimada a continuidade das gerações, que para nós, judeus, é muito
importante. Por esses motivos, eu condeno o ato homossexual, mas
respeito a dignidade do homossexual como filho de Deus."(64)
Eis minha reposta, publicada na semana seguinte na mesma revista:
RABINO HOMOFÓBICO
O
Rabino Sobel ao condenar o ato homossexual, ao afirmar que a
homossexualidade contraria a anatomia dos sexos, que ameaça a
continuidade das famílias e a continuidade das gerações, comprova ser
absolutamente ignorante em história social, sexologia e antropologia,
pois respeitáveis pesquisas nestas ciências comprovam exaustivamente o
contrário do que afirmou. Infelizmente, não é a primeira vez que o
vaidoso rabino agride os homossexuais, declarando-se repetidamente
contrário ao projeto de Marta Suplicy a favor da parceria civil. Sobel
usa a mesma tática das baratas - morde e assopra: diz que os gays são
filhos de Deus, mas fornece munição pesada, errada e discriminatória,
usada pelos neonazistas quando massacram gays, lésbicas e travestis. Os
homossexuais se tornaram os judeus da atualidade: oprimidos, caluniados,
discriminados, inclusive por descendentes daqueles que sofreram juntos,
nos mesmos campos de concentração, os horrores da intolerância. "(65)
NOTAS
1.No Prelo: Livro em Homenagem a Profa. Anita Novinsky, Organizado por Lina 2.Gorenstein, SP, 2002.
2.Gênesis, 12; 13; 15
3.Gênesis, 18; 19
4.Levítico, 18:22
5.Yamaguchi,
E.M. "Cultic Prostitution: A Case Study in Cultural Diffusion", Orient
and Occident, Kevelear, Verlag Butzon & Becker, 1973: 213-222;
Horner, T. Jonathan. 7.Jonathan Loved David: Homosexuality in Biblical
Times. Philadelphia, Westminster, 1978
6.Gênesis, 12:1; 13:14; 15:18.
7.Bullough, Vern L. Sexual Variance in Society and History. Chicago, The Chicago University Press, 1976
8.Ausejo, Serafin. Diccionario de la Biblia. Barcelona, Editorial Herder, 1964
9.II Samuel, 6:14.
10. II Samuel, 1:26
11.Segundo
a moderna exegese, Rute e Naomi representariam igualmente um exemplo de
relação lésbica até hoje camuflada pelos tradicionalistas (Livro de
Rute, 1: 16-17) Cf. Russell, Letty (ed) Interpretación Feminista de la
Biblia. Bilbao, Desclée de Brouwer, 1995
12.Mormando, Franco. The
Preacher's Demons. Bernardino de Siena and the Social Underworld of
Early Renaissance Italy. Chicago, The University of Chicago Press, 1999,
p. 178
13.Boswell, J. Christianity, Social Tolerance and Homosexuality. Chicago, The University of Chicago Press, 1980, p. 334
14.Schmitt,
Arno & Sofer, Jehoeda. Sexuality and Eroticism among Males in
Moslem Societies. New York, Harrington Park Press, 1991; Murray, S.
& Roscoe, W. Islamic Homosexualities. New York, New York University
Press, 1997
15.Dynes, op.cit. 1990, p.147
16.Boswell, op.cit. 1980, p. 234
17.Mott,
Luiz. "Justitia et Misericordia: A Inquisição Portuguesa e a repressão
ao nefando pecado de sodomia", in Inquisição: Ensaios sobre mentalidade,
heresias e arte, Novinsky, A. & Carneiro, M.L.Tucci (Eds), SP,
Edusp, 1992:703-738.
18.Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
Inquisição de Lisboa, Processo N.884, 10-4-1561. [Doravante abreviado:
ANTT, IL, Proc. N.]
19.Mott, op. cit., 1992, p.736
20.Richards, Jeffrey. Sexo, desvio e danação. As Minorias da Idade Média. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993
21.À
guisa de ilustração: no Rol dos Culpados, divulgado por Anita Novinsky,
de um total de 1098 cristãos-novos do sexo masculino, 12,5% tinham o
prenome João, 11,8% Manuel, 9,8% Antônio e 7,3% José. Segundo a mesma
fonte, eis uma lista dos sobrenomes mais repetidos entre os
cristãos-novos residentes no Brasil no século XVIII: Almeida, Alvares,
Andrade, Araújo, Azeredo, Azevedo, Barbalho, Barbosa, Barros, Calaça,
Caldeira, Camacho, Cardoso, Carvalho, Castro, Cavalo, Chaves, Coelho,
Correia, Costa, Coutinho, Castro, Cruz, Cunha, Dias, Dique, Duarte,
Duarte, Fernandes, Faria, Ferreira, Flores, Frois, Furtado, Gama, Gomes,
Gusmão, Henriques, Lara, Leitão, Leite, Lopes, Lucena, Mata, Matos,
Mendes, Miranda, Moeda, Montarroio, Monteiro , Morais, Nogueira, Nunes ,
Oliveira, Pacheco, Paiva, Palácios, Paredes, Paredes, Pereira, Pimenta,
Pina, Pinheiro, Porto, Navarro, Ramalho, Ramires, Raposo, Ribeiro,
Sutil, Sampaio, Silva, Simões, Siqueira, Soares, Soares, Toledo,
Tourinho, Valença, Vaz, Veiga, Viana, Vieira, Viseu, Ximenes. Como se
vê, impossível distinguir sobrenomes e nomes próprios de cristãos-novos,
pois repetem os mesmos apelidos das mais antigas e "limpas" famílias de
cristãos-velhos. Novinsky, Anita. Rol dos Culpados, Rio de Janeiro,
Expressão e Cultura, 1992.
22.ANTT, IL, Proc. N. 3144, 1620
23.ANTT, IL, Proc. N. 4241, 1617/1630
24.ANTT, IL, Proc. N.1349, 1611
25.ANTT, IL, 5º Caderno do Nefando, 143-6-32, fl. 93
26.Mott,
Luiz. "Pagode Português: A Subcultura gay em Portugal nos tempos da
Inquisição", Ciência e Cultura, vol. 40, fev.1980:120-139
27.ANTT, IL, Proc. N.9469, 1621
28.ANTT, IL, Proc. N. 884, 1651
29.ANTT, IL, Proc. N.12637, 1597
30.ANTT, IL, Proc. N.329; Inquisição de Évora, N.5390, 1667
31.ANTT, IL, Proc. N. 301; Inquisição de Évora, Proc.N. 7526, 1656
32.ANTT, IL, Proc. N.5038, 1611
33.Carrasco,
R. Inquisicion y Represión Sexual em Valencia. Barcelona, Laerte, 1985;
Bray, Alan. Homosexuality in Renaissance England. London, Gay's Men
Press, 1982
34.ANTT, IL, Caderno de Nefando N.9, 22-7-1651; Mott,op.cit.1980
35.ANTT, IL, Proc.N. 1441, 1620
36.ANTT, IL, Proc. N. 2303, 1610
37.ANTT, IL, Proc. N.8236, 1645
38..ANTT, Inquisição de Coimbra, Proc. N. 2775, 1661
39.Goodich,
Michael. The Unmentionable Vice. Homosexuality in the Later Medieval
Period. Santa Barbara, Ross-Erikson, Publisher, 1979; Mott, op.cit. 1980
40.Andrade, João Manuel. Confraria de São Diogo. Judeus secretos na Coimbra do Séc.XVII. Lisboa, Nova Arrancada, 1999, p.128
41.ANTT, IL, Proc. N. 11030, 1654
42.ANTT, IL, 8º Caderno do Nefando, 143-6-34, fl. 369, 22-5-1651
43.ANTT, IL, Proc. N. 11298, 1654
44.ANTT, IL, Proc. N. 5397, 1620
45.ANTT, IL, Proc. N. 5423, 1630
46.ANTT, IL, Proc. N. 5423, 1630
47.ANTT, IL, Proc. N. 312, 1611
48.Novinsky, Anita. Cristãos Novos na Bahia. São Paulo, Editora Perspectiva, 1972, p.82-83
49.ANTT, IL, Proc. N. 15421 (Apartados), 1618
50.Andrade, op.cit. 1999, "contracapa"
51.Andrade, op.cit. 1999, p.112-113
52.Andrade, op.cit. 1999, p.238-239
53.Novinsky, op.cit. 1972, p.159
54.Todas
estas referências encontram-se devidamente documentadas in Mott, Luiz.
Homossexuais da Bahia. Dicionário Biográfico, Séculos XVI-XIX. Salvador,
Editora Grupo Gay da Bahia, 1999.
55.ANTT, IL, Proc. N. 2552, 1595
56.NTT, IL, Proc. N. 6349, 1595
57.ANTT, IL Proc. 4307, 1593
58.ANTT, IL, Caderno do Promotor N. 29, 1646
59.Mott, Luiz . O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas Garras da Inquisição. Campinas, Editora Papirus, 1989
60.ANTT, IL, Proc. N. 4230, 1689
61.ANTT, IL, Proc.7467, 1619; Novinsky, op.cit. 1972, p.148
62.ANTT, IL, Proc. 1275, 11592
63.Bernardes, Padre Manuel. Nova Floresta, IV, p. 5
64.Istoé, n.1661, 1/8/2001, p.13
65.Istoé, n.1662, 8/8/2001, Cartas do Leitor.