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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O direito de amar


Por Daniel Lélis (publicado originalmente na Revista Jfashion Chic E Essencial)


Não faz muito tempo, tocar violão era tido como coisa de vagabundo, malandro, irresponsável. Atrizes eram tidas como prostitutas. As mulheres viviam sob o julgo masculino. Tidas como menos inteligentes, nem mesmo podiam votar. Casamentos eram arranjados e o sexo, vejam só, era somente para procriação. Houve uma época em que negros eram vistos como coisas; animais a serem domesticados; seres sem alma, cuja única finalidade para existir era servir os brancos. Século XXI. Ainda hoje homossexuais são vistos por muitos como anormais, libertinos, pecadores. Em nome da literalidade de um livro escrito há mais de dois milênios, julga-se e condena-se a pessoa que ama outro do mesmo sexo. Amar. É por este direito que lutam milhões de pessoas. É contra este direito que batalham tantas outras.

Na atualidade, se eu depreciar alguém por causa da cor da pele, posso ser preso por racismo. Chamar o outro de “negrinho fedido”, “macaco queimado” é crime, definido em lei como imprescritível e inafiançável. Contudo, se eu chamo um gay de “pecador nojento”, “promíscuo sujo”, “viadinho”, “mulherzinha”, em vez de ser punido, posso ser coroado por defender os bons costumes e a moralidade. Crimes de ódio contra homossexuais não são punidos como tal, uma vez que não há respaldo legal para tanto. Fanáticos religiosos, a maioria evangélicos, não aceitam a ideia de não poderem exclamar, incitar, propagar o ódio aos quatro cantos. A lei que pretende tornar crime a violência homofóbica, tipificando-a como aconteceu com o racismo, encontra resistência de parlamentares fundamentalistas, que não aceitam a ideia, puramente humana e generosa, de que se deve aceitar e respeitar o próximo do jeito que ele é.

Acham os conservadores que a liberdade de expressão é um valor absoluto, capaz de absolvê-los das barbaridades ditas em suas congregações. Usam como escudo a liberdade religiosa, a quem chamam de sagrada e inquestionável. Ignoram o fato de que a pregação feita por líderes religiosos contra gays reforça o preconceito e abençoa a prática discriminatória. Fecham os olhos para a realidade de milhares de homossexuais, que são violentados todos os dias somente por serem homossexuais. Negam-se a perceber que muitas vidas são ceifadas por conta do discurso anti-gay. Que liberdade é essa que dá legitimidade a atos covardes, cruéis, desumanos, contra quem, sabe-se lá porque, ama o igual? Que liberdade é essa que dá razão para o agressor e que faz da vítima o culpado?

Lembro-me do dia em que um colega confessou algo que me marcou profundamente. Ele disse que tinha relevado ao seu “melhor” amigo que era homossexual. Sua esperança era de encontrar alguém com quem pudesse contar num momento difícil de descobertas. A resposta não poderia ser pior. O “melhor” amigo disse: “nunca mais chegue perto de mim, ou eu prometo que vou te queimar vivo”. Na hora que ele me contou, fiquei sem palavras, e me perguntei em silêncio: “até quando?”. É o que pergunto agora a você, querido leitor: até quando usarão o nome de deus para justificar a própria hipocrisia? Até quando o amor será motivo de deboche, de chacota? Finalmente, até quando amar será pecado?


Sobre o autor


Daniel Lélis tem 23 anos, mora em Araguaína (TO), é Bacharel em Direito, comunicador e escritor.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Resultado da Enquete para a Comunidade LGBT: “Você é feliz?”

Por Espiritualidade Inclusiva



Durante o mês de Junho lançamos a primeira enquete do Movimento Espiritualidade Inclusiva. O tema foi a felicidade dos LGBT brasileiros, seja no geral, seja em vários âmbitos da vida (família, sociedade, trabalho, etc). A ideia foi de um dos leitores e apoiadores do Movimento Espiritualidade Inclusiva.

A enquete ficou no ar de 28 de maio até 29 de junho. O resultado da mesma e alguns comentários pertinentes apresentamos logo abaixo.

As perguntas e os resultados

1 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz? Sim: 89,47%  Não: 10,53%

2 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e sua família? Sim: 73,68%   Não: 26,32%

3 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e a sociedade em que vive? Sim: 38,09%   Não: 61,91%

4 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e o país em que vive? Sim: 33,33%   Não: 66,67%

5 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e seu trabalho (se não tiver trabalho atualmente, considere os que já teve ou o que pensa disso no âmbito geral)? Sim: 68,42%   Não: 31,5%

6 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é seu casamento com alguém do mesmo sexo (independente do status de sua relação atual e de ter ou não uma relação afetiva)? Sim: 61,11%   Não: 38,89%

A Felicidade no âmbito geral

Numa primeira olhada, constatamos que a maioria esmagadora dos LGBT se considera feliz no âmbito geral, embora isso mude em duas categorias da enquete.

Entre os motivos mais interessantes justificados para esta felicidade geral, estão:

“Desde cedo, eu escolhi lutar, defender os meus direitos e a busca de um mundo melhor. Isso me faz feliz.” [R.R.A.]

“Me assumi aos 25 anos e, desde então, sei quem sou e não permito que me anulem. Por isso, aconteça o que acontecer, sou feliz.” [P.N.]

“Sou Feliz! Motivo: A vida que cultivo me agrada, tenho coragem de ser quem sou, me importo com os acontecimentos, com o próximo, estou atenta às emoções que produzo em mim e nos que estão ligados na minha vibração!!! A Orientação sexual que cultivo é muito boa, estando lésbica nesta vida me sinto BEM, (…). Gosto de ser Lésbica!” [C.B.R.]

“(...) sou um homem em perfeito equilíbrio comigo mesmo. Sou resolvido nessas questões, psicologicamente, sexualmente e afetivamente.” [J.S.]

“Não ter o peso de viver negando o próprio desejo e afeto me dá liberdade para me realizar em outras áreas.” [I.C.]

“Sou uma pessoa, que com o tempo e muito refletir, percebi que minha condição não me inferiorizava. E, que poderia ter uma vida normal como todos. Isso tudo ajudou a desenvolver relações afetivas mais fortes em minha vida.” [V.A.M.]

“Vivo minha sexualidade naturalmente sem precisar fingir ou me esconder de ninguém.” [V.M.]


Ao que parece, o (poder) (ter coragem de) ASSUMIR-SE plenamente está muito relacionado a esta felicidade geral. Os casos em que a resposta à felicidade geral foi “não” têm muito a ver com o fato das pessoas não se assumirem diante da família, dos amigos e no trabalho. O preconceito que as pessoas manifestam nesses meios é o fator maior. Um exemplo:

“Sofro constantes preconceitos das pessoas. Eu seria feliz se não houvesse preconceito.” [M.B.B.]


A felicidade em família

Impressiona o fato de que a maioria se sinta feliz quanto a sua família. Alguns dos motivos:

“Meus pais me acolheram da melhor forma possível, na verdade, meu relacionamento com eles melhorou.” [F.V.]

“Feliz a partir da consciência, do crescimento espiritual. Eu e minha família carnal agora estamos em equilíbrio e respeito. Sou um ser de luz que acabou por contaminar a família. Minha irmã, a mais difícil, hoje publica links solicitando respeito aos Gays!!! Como consegui? Com amor e exemplo de respeito!” [C.B.R.]

“Meus pais, mesmo sendo religiosos (Adventistas), com o tempo foram percebendo que minha sexualidade não me afastava dos valores que me ensinavam.” [I.C.]

“Hoje, sim. Mas foi o resultado de uma luta de uma vida inteira. Hoje me compreendem bem mais, excluindo a parte evangélica fundamentalista, que continua me odiando.” [R.R.A.]

“Ao construir uma relação de lealdade e respeito à felicidade mútua, pais, irmãos e toda a família respeita minha visão de que a nova família que constituí somos eu, meu companheiro e nossos animais de estimação, gato e cachorro. Sendo assim, criamos a oportunidade de expandir a visão de uma família do interior. Sou absolutamente feliz pela minha família - meu companheiro, eu e meus animais de estimação - ou simplesmente nós dois. Somos uma família, e de duas pessoas que se amam e caminham sempre rumo a felicidade mútua. Sou feliz.” [M.A.M.]

Fica claro que a felicidade em família tem a ver com dois fatores: a aceitação e acolhimento do LGBT por parte dos familiares; o resultado de um trabalho árduo de busca por aceitação, especialmente nos casos de famílias de origem evangélica.

As respostas negativas à felicidade em família giram em torno da necessidade de esconder a vida privada para evitar preconceitos. Exemplos:

“Minha família não faz parte da minha vida. Para ser um pouco feliz, ter paz e ser respeitado tive que seguir meu caminho somente ao lado do meu companheiro. Não culpo meus pais por isso, mas sim a falta de cultura de uma sociedade preconceituosa e a falta de diálogo entre as famílias.” [J.V.S.]

“Eles são homofóbicos e não sabem de mim.” [T.S.]

“Sou forçado a esconder muitas coisas da minha família.” [M.P.B.B.]

“Apesar de ser feliz comigo mesmo, a minha família ainda é um quesito frágil. Eles não entendem e não apoiam. Típica família tradicional, provinciana e católica de base.” [J.S.]

A felicidade na convivência com a sociedade

Nesta âmbito a maior parte das respostas foi negativa. As reclamações têm a ver com a visão machista-misógina que permeia a sociedade em geral, o preconceito, os crimes sem pena adequada, o risco ao se manifestar afeto em público e a alcunha de “doentes” e “pervertidos” para os gays reforçada por setores fundamentalistas da sociedade.

Alguns exemplos de justificativa para o “não”:

“Na sociedade em que vivemos somos muitas vezes postos de lado, porque ela é tomada de preconceito, cheia de dedos, hipócrita e traiçoeira. Quando somos gays, negros e pobres sofremos ainda mais. Estamos longe ainda de ser como quer a Constituição (“somos todos iguais perante a lei”). Basta ver o número de gays que são assassinados por ano no Brasil feudal e arcaico em relação a orientação sexual.” [J.V.]

“Acho que o machismo ainda é grave, bem como a misoginia e a homofobia. Ceifa vidas, destrói a subjetividade das pessoas, cria graves traumas e neuroses desnecessárias, provoca desentendimentos. Junta-se a isso o conservadorismo e as religiões homofóbicas e o quadro da infelicidade e da dor está traçado.” [R.R.A.]

“A sociedade brasileira ainda é muito manipulada pelas religiões restritivas.” [T.Q.]

“Não sou feliz vendo meus irmãos sendo injustiçados, crimes sem punição, discriminação, preconceitos, desigualdade.” [R.V.]

“Não, a sociedade ainda bitolada pela ignorância não percebe que a busca pelos direitos de cada LGBT é uma busca de direitos e melhorias sociais para todos. Quando falamos em adequar o SUS para a comunidade LGBT é para melhorar o SUS - melhoria é para todos. Esta total falta de conhecimento ainda aborrece-me. Então, pessoalmente e individualmente sou muito feliz, pois posso fazer a minha parte em todos os ambientes pelos quais passo, mas não posso dizer isso - infelizmente - olhando a sociedade em que vivo, totalmente alienada da realidade do respeito ao humano.” [M.A.M.]

As respostas positivas quanto à sociedade tiveram mais a ver com os casos em que a pessoa LGBT conseguiu se impôr diante do preconceito com coragem, a despeito dos riscos sempre existentes.

Dois exemplos:

“Eu conquistei o respeito das pessoas desde sempre por minha postura não-vitimista, sempre buscando ver todos sem preconceito e evitando compartimentar as pessoas em guetos.” [C.S.N.]

“Uma parcela da sociedade ainda quer conhecer o que é o cidadão LGBT e muitos aceitam a quebra de paradigmas retrógrados.” [F.V.]

A felicidade no país em que se vive

Este foi o âmbito com o maior percentual de negativas (66%), e demonstra o descontentamento da comunidade LGBT com a forma como os seus direitos têm sido encarados pelos políticos e pelo judiciário brasileiro. O crescente número de assassinatos de gays, frequentemente minimizados pelas autoridades, políticos corruptos e fundamentalistas como tendo outras causam que não a homofobia, é o fator que mais parece gerar indignação entre os que responderam à enquete.

Algumas justificativas para o “não”:

“O Brasil é um país que ainda precisa evoluir muito na ideia de direitos humanos e grupos sociais, principalmente quanto aos LGBTs, que ainda sofrem discriminação de diversas e formas e têm seus direitos negados.” [F.V.]

“Enquanto o Brasil for o campeão mundial, comprovadamente, em assassinatos de LGBTs, impossível ser feliz.” [R.R.A.]

“O Brasil precisa evoluir bastante ainda. O governo é deficiente quanto a isso, quanto a educação, quanto a proteção, quanto a igualdade, quanto a conscientização.” [J.S.]

“Temos algumas conquistas, mas muitas ainda para ser alcançadas. Como principal, citaria a erradicação dos assassinatos dos LGBT e a legalização do casamento. Temos políticos que lutam por nós e dizem que nos defendem, mas precisamos nós mesmos ser mais unidos e não nos conformar com o pseudônimo de classe das minorias ou dos grupos de risco. A luta tem que ser diária.” [J.P.S.]

“O Brasil tem muito que crescer, primeiro começando por nós mesmos, deixando nosso preconceito de lado, nossos orgulhos, e defender nossos direitos, não escandalizar o povo. O Brasil é um país de grande conflito religioso, social, e bater de frente com esses dois ícones é só aumentar ainda mais o preconceito. A coisa é sentar e conversar sem pressão, cada coisa no seu devido momento.” [L.I.]

“Nossa política ainda acredita que respeitar a opinião pública é democracia. Eu chamo isso de BURRICE. A política de um país é o que faz suas leis, é o que norteia-o, educa-o, e absolutamente no Brasil a política serve unicamente para fins de re-eleição e não para fazer com que uma nação realmente íntegra seja criada.” [M.A.M.]

As poucas respostas positivas a esta questão têm a ver com uma sensação de que em outros países o preconceito é bem pior, com leis que criminalizam a homossexualidade.

Dois exemplos:

“Se fico triste por algum constrangimento aqui, imagino como deve ser em países onde é crime ser gay, e fico imediatamente feliz. Aqui é "menos pior".” [M.B.B.]

“Se eu vivesse num país muçulmano, a coisa seria bem pior do ponto de vista legal, embora o Brasil seja mais homofóbico que o Irã se considerarmos o número de assassinatos de LGBTs. Mas, a luta está avançando e podemos abrir a boca e falar o que pensamos e o que queremos.” [P.C.S.]

A felicidade no trabalho

A maioria dos que responderam à enquete se considera feliz no trabalho por vários motivos: já estar aposentado, ser autônomo e poder se impôr, ser estritamente profissional (a competência como forma de abafar o preconceito).

Exemplos:

“Raramente sofro preconceito em meu trabalho. Sou autônomo e me imponho sempre.” [P.N.]

“No trabalho sempre fui respeitada, sempre fui PROFISSIONAL, e tive força para me colocar. É preciso coragem, e sabe, talento natural. Nós gays somos muito talentosos, conosco a coisa é séria! Então, é preciso muita auto-confiança. O preconceito... hehehe... é quebrado no jogo da INTELIGÊNCIA GAY!” [C.B.]

“Em meu trabalho hoje me sinto feliz, sou relativamente bem remunerado, tenho cargo de confiança e sou respeitado como homossexual. Isso foi conquistado com muito esforço. No início foi difícil, ouvia muitas piadas, comentários maldosos, mas soube me impôr e conquistar todos com meu trabalho, comprometimento com o emprego e respeito acima de tudo. Não deixo e nunca deixarei que minha vida pessoal interfira no meu trabalho.” [J.S.]

As poucas respostas negativas revelam um pouco do que ainda falta neste quesito:

“Falta mais comprometimento por parte dos gays em buscar seus direitos e denunciar questões de abuso e preconceito.” [I.C.]

“Parcialmente não. Meus companheiros de trabalhos são todos "compreensivos". O que se torna chato e provoca um "mal estar" são as piadinhas sem graça ou comentários preconceituosos.” [L.I.]

“Apesar de eu conseguir muitos empregos, é por pura luta e sofrimento. Pois, já perdi muitas oportunidades e serviços pelo simples fato de eu ser gay.” [M.P.B.B.]

A felicidade no casamento/união LGBT

Esta pergunta foi a que obteve maior equiparação entre “sim” e “não” entre as seis perguntas da enquete. O motivo é meio óbvio: no quesito “relacionamento” há vários fatores subjetivos que independem do preconceito, tendo também a ver com expectativas, objetivos de vida e capacidade de convivência a dois. Mesmo assim, a maioria se considerou feliz neste âmbito.

Exemplos:

“Apesar de não ter ainda podido converter minha declaração de união estável em casamento civil, sou feliz, sim, pois sei que a conquista disso é questão de pouco tempo agora.” [C.S.]

“Sou feliz, com carinho e cumplicidade diante de todos e de tudo. No passado foi desafiante, agora é bom, pacifico e sentimental demais! Amo ter minha parceira junto, amo estar casada com ELA! Nós nos transbordamos em nós! Nada de completar, sim transbordar! Então, sou grata pela oportunidade de me expressar!!!” [C.R.]

“A parte mais feliz da minha vida é o meu casamento. A vida que escolhi, sonhei e desejei tanto ao lado do meu companheiro, que é minha família. Meu casamento é o que me sustenta, que me dá coragem, determinação e vontade de lutar para que todos tenhamos de fato direitos, respeito, dignidade, liberdade de expressão e sexual, respeitados e assegurados em nosso país, que se diz laico, democrático e igualitário. Espero, ansioso, que logo seja aprovado o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo assegurando assim a igualdade perante a constituição, e que a sociedade deixe de ser machista, homofóbica e arcaica. A luta não é só dos LGBT, mas sim de um país que quer ser de primeiro mundo, com uma economia sustentável sem corrupção e que as pessoas tenham seus direitos mínimos assegurados.” [J.P.S.]

“Estou casado há 8 anos e nós nos amamos, respeitando nossas diferenças e sempre com equilíbrio.” [L.G.A.]

“Não sei se é necessário justificar, mas no momento em que você AMA, e este sentimento é simplesmente MÚTUO e verdadeiro, caminha-se junto rumo à felicidade. Sou feliz por amar, ser amado e ambos fazermos nossa parte na criação de ambientes de respeito a nossos direitos enquanto pessoas que querem ser cidadãos plenos, e seres humanos.” [M.A.M.]

Os que responderam “não” a esta pergunta pautaram a não-equiparação dos direitos gays aos direitos heterossexuais:

“O Casamento Civil entre pessoas do mesmo sexo ainda não é Lei, apesar de caminhar para. Faz parte dos 112 Direitos que nos são boicotados perante a Constituição, em comparação aos heterossexuais.” [R.R.A.]

“As políticas públicas para casais LGBT continuam muito aquém em comparação às políticas públicas para casais heterossexuais.” [T.Q.]

“Estamos ficando atrás de países vizinhos por pura má-vontade política e influência de grupos religiosos.” [I.C.]

“Nunca encontrei uma pessoa que quisesse enfrentar todo o contexto ruim em que vivemos para nos "casarmos", se é que se pode chamar assim, visto que a sociedade nos chama de "juntados", ou menos ainda, como "morando junto".” [M.B.B.]

“Apesar da união estável entre pessoas do mesmo sexo já ser reconhecida em grande parte do país, não temos os mesmos direitos naturais de um casal hétero. Para isso, tem que se recorrer à justiça.” [V.M.]

Conclusão


Em geral, o LGBT brasileiro se considera feliz, mas a enquete deixou claro que os gays mais felizes são os que já saíram do armário, se impuseram em suas famílias, trabalho e círculo de amigos, que têm consciência política e algum tipo de ativismo pró-cidadania plena e que pautam seu trabalho pela perfeição e profissionalismo. Os demais, em sua maioria, ainda padecem de muito sofrimento interior, que se soma ao sofrimento causado pelo preconceito e homofobia externos.

A enquete deixa alguns recados importantes: as famílias devem ser mais acolhedoras com o LGBT ao invés de excluí-lo de seu seio; as famílias com tendência religiosa tradicional devem se esforçar em dobro para incluir o LBT; a sociedade precisa repensar sua tendência cruel a preconceitos abertos e velados contra os LGBT; o mercado de trabalho precisa, reconhecendo a competência natural dos gays em nada menor que a dos heterossexuais, implantar medidas anti-homofóbicas em seus ambientes; as forças políticas e o judiciário brasileiro precisam dar uma resposta rápida para incluir o LGBT no seio social com uma cidadania plena, possibilidade de casamento civil, proteção, segurança, educação e saúde.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Direito e amor




















Por Marcelo Moraes Caetano
"Nós somos o que fazemos repetidas vezes. Portanto, a excelência não é um ato, mas um hábito."

(Aristóteles)

Erich Fromm defende, ao longo de sua obra, que o amor é o elemento que norteia a saúde mental. Para ele, a sociedade exerce, inclusive legitimamente, influências sobre o psiquismo (usarei termos que não necessariamente eram usados pelo estudioso aqui evocado). Assim, num resumo despretensioso de parte de sua obra, pode-se entrever que o indivíduo é fruto e efeito, sim, da sociedade em que vive, mas que, diferentemente das correntes majoritárias daquele tempo (idos da década de 40 e 50 do século XX), a sociedade não é capaz de, por si só, determinar os padrões de realização do ser.


Para ele, por fim, a identificação por meio do amor passa, portanto, pela esfera social, pela alteridade, isto é, pela presença do outro em minha vida. No entanto, uma espécie de narcisismo resquicial seria meu verdadeiro parâmetro para julgar a integralização da felicidade no outro. Em termos diferentes, seria por meus próprios sentimentos de prazer e desprazer que eu julgaria, no outro, a realização de prazeres ou desprazeres.


Decorre daí que o ser humano, em suma, precisa de alguma potência maior que ele próprio, o que seria a sua própria transcendência. Essa transcendência pode ser alcançada, como se viu, no amor ao outro, numa alteridade com a lente do narcisismo, ou numa entrega a grupos de poder, religiões, Deus.


Muitos outros pensadores executaram a meritória labuta de conciliar as ideias de Freud às ideias sociológicas. Assim foi que Marcuse, por exemplo, uniu o freudismo ao marxismo, criando, entre outros, seu “Eros e civilização”. Fromm, por seu turno, preocupou-se muito com as questões do trabalho e da sociedade, e, assim como Marcuse, via no amor – em Eros – uma fonte ou um guia da aludida saúde psíquica.


Quero com isso dizer que o ser humano estará, sempre, inserido numa sociedade. Isso é premissa maior. As teorias que observam este ser humano sob o pano de fundo de tal ou qual sociedade são muito variadas – deterministas, positivistas, psicanalíticas, antropológicas etc.


Porém, de alguma forma, a maior parte delas, mesmo as mais estritamente relativistas e ortodoxas, como a de Taine, de Comte ou de Durkheim, preveem, mais ou menos parcimoniosamente, a possibilidade de o ser humano vencer os interditos e os tabus eleitos por dado “Tempo” para criarem “Enunciados” capazes de libertá-los desses interditos e tabus, que, muitas vezes, tornam-se datados, obsoletos, anacrônicos.


A adesão ou irrupção, por exemplo, são modos de se ascender ao status quo opressor. A transcendência, voltando a Fromm, pode ser, por sua vez, atingida, grosso modo, por criatividade ou por destruição. Deleuze, em seu “O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia”, lança a famosa questão: que sedução é essa, que nos impele a queremos aderir ao mesmo poder que outrora nos oprimiu?


Pois a sociedade, com seu construto necessariamente heterônomo, coercitivo, estabelece, por razões que não cabem neste artigo, vários interditos, vários tabus, várias proibições que, num ou noutro momento, tacha de naturais, morais, éticos, legalistas, legítimos e, até, divinos...


Não é à toa que Weber, por exemplo, cria relações estreitas entre o capitalismo e a ética da religião protestante. Não é à toa que Jung tenha querido conhecer as religiões dos povos ditos não-civilizados a fim de encontrar, neles, uma possível sistematização “arquetípica”, como ele próprio chamou, aplicáveis, até, nas civilizações industriais/mercantilistas.


Porque muitos são os fatores que pretendem legitimar, ao longo dos tempos, as exclusões de tal ou qual grupo, de tal ou qual indivíduo. É bom deixar claro que o “normal”, em todas as sociedades, corresponde àquilo que prvém da norma, ou seja, do que é mais comum ocorrer. No entanto, nem todas as sociedades desconhecem que o que não é mais comum seja, só por isso, desagradável, nocivo, deletério ao funcionamento regular e saudável daquela sociedade.


Para ficarmos no ocidente, e sem pretendermos ir muito a fundo, podemos dizer que foram (ou são) interditos de ordem sociocultural a “secundarização” da mulher (para fazer uma apropriação do título do livro de Simone de Beauvoir: “O segundo sexo”), o temor ao estrangeiro (sobretudo com o avanço do neoliberalismo, em que o estrangeiro é uma potencial ameaça à sobrevivência do nativo), o estranhamento a etnias, religiões e orientações sexuais diferentes da “normal” (a mais comum, como vimos) numa dada sociedade ou grupo.


Foi dessa forma que os avanços obtidos pelas chamadas populações secundárias, nas palavras de Sartre e Beauvoir, ocorreram gradativamente.


A abolição da escravatura, no Brasil, por exemplo, ocorreu, como se sabe, por questões de interesse da Inglaterra, cujo capitalismo florescente via no contingente de escravos, NÃO-CONSUMIDORES, um entrave a seus interesses. Os britânicos intervieram, até mesmo, na soberania nacional brasileira, colocando-se no patamar de juízes de navios que quisessem traficar negros para o Brasil. Criou-se, por aqui, a chamada lei “para inglês ver”, que fazia vistas grossas à proibição do trono do Reino Unido. Mais uma vez, vemos o interesse social (e, ora, evidentemente econômico) por trás da conquista de direitos humanos tão básicos.


O caso das mulheres, ainda para ficarmos nas searas brasileiras, pareceu ser um eco dos movimentos libertários franceses, estadunidenses e latino-americanos. Como nossa sociedade era – e é – de cunho preponderantemente machista, como nos mostra obras da envergadura de um “Casa Grande e senzala”, de Gilberto Freyre, ou “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Hollanda, fugir desse patriarcado requereu, da mulher, no caso do Brasil, uma flexibilidade redobrada. Apesar disso, o movimento de igualdade dos direitos, no caso das mulheres, parece um dos que mais prosperaram nos últimos tempos, que, por conseguinte, abriu precedentes importantíssimos para a conquista de direitos de outras populações secundárias.


Uma das formas de “permitir” que essas populações secundárias existissem sempre foram os chamados “guetos”. Já escrevi muitos artigos sobre essa posição de esmola que se dá às populações secundárias, o que um Victor Hugo chamaria de um “porão” ou um “sótão” na mansão da sociedade, quando trata de personagens célebres como Quasímodo, Esmeralda, Fantinne, Marius Pontmercy, Jean Valjean, Thénnardier etc.


O homossexual, por exemplo, tem, até, um certo direito de ir e vir, desde que sua presença, ou melhor, seu comportamento, não agrida a manutenção da norma social. Mais uma vez, vasculham-se miríades de supostas justificativas para a exclusão: diz-se que não é natural, que não é moral, que não é ético, que não é legítimo, que não é divino, que não é legalizado.


O único ponto ao qual quero me deter, por ora, é o último: dizer que a homossexualidade não pode ser aceita PORQUE não é legalizada.


Ora eu, como filólogo e gramático que sou, preciso me deter no conectivo PORQUE. Na verdade, trabalharei no âmbito do discurso, da retórica, porque a falácia aqui é óbvia: se quisermos dar a este PORQUE o estatuto de conectivo causal, é óbvio que a sentença precisará ser lida de trás para frente, para se tornar não apenas verossímil, como, sobretudo, verdadeira: a homossexualidade não pode ser legalizada PORQUE não pode ser aceita. E não vice-versa.

Trata-se, voltando ao início deste artigo, da noção de transcendência do status quo, por meio da ruptura, até, do pequeno narcisismo que nos limita a amar o outro DESDE QUE esse outro tenha características com as quais eu me identifico em maior ou menor grau, dependendo do grau de narcisismo de quem ama-aceita, que pode, inclusive, chegar a ser patológico, um “egoísmo”.


Amar alguém que é totalmente igual a mim é muito fácil. É a regra. É o normal, porque é o comum.

Mas a sociedade não é feita só de regras, só de “comuns”. Ela também é feita de alteridade pura, de individualidades, de aceitação-amor pelo que me é completamente diferente e, até mesmo, se for o caso, repulsivo.


A legalização do fato é apenas questão de tempo. Miguel Reale, em sua célebre e internacionalmente reconhecida teoria tridimensional do Direito, mostra-nos que há um trinômio composto por fato, valor e norma. Ou seja, o fato consolidado (expressão que parece ter tirado de Émile Durkheim) gera um valor no seio da sociedade, e isso se reflete numa norma (a lei).

O fato já existe. Homossexuais nunca deixaram de sê-lo, com ou sem lei, na obscuridade dos guetos ou na claridade dos parques.


O que está em jogo, pois, é a vertente do VALOR.


A aceitação, dessa maneira, é que precisa ser revista. Não se trata mais de aceitar-se a esmola dos “sótão” da mansão social. Trata-se, neste “Tempo”, neste “Enunciado”, de criar condições de visibilidade que propiciem manifestações concretas de respeito ao fato já de há muito consolidado. Disso, decorrerá a norma, a lei. Portanto, como eu disse acima: a homossexualidade não pode ser legalizada PORQUE não pode ser aceita; ou seja, assim que for aceita, a homossexualidade SERÁ legalizada.


Não se trata de o homossexual querer galgar ao mesmo poder que outrora o oprimiu, tese defendida (não em relação direta ao homossexual) por Deleuze e Guattari. Porque as condições de legalidade, numa sociedade justa e verdadeiramente democrática, são condições indispensáveis para a obtenção da felicidade. Uma pessoa não pode ser marginal à lei pelo fato de ser homossexual; o “Tempo” de hoje deixa isso muito explícito.


Tal ou qual religião terão, sempre, por seu conjunto de doutrinas, o direito de, por questões de foro íntimo, dogmático e doutrinário, repugnarem a certos grupos. É um direito que lhes assiste.


Mas é um direito que assiste ao homossexual – como ao negro, à mulher, ao estrangeiro, à criança, ao portador de necessidades físicas especiais etc. – receber do ordenamento jurídico bases para a sua felicidade e a sua “desmarginalização”, inclusive se esse ordenamento, por um princípio de proporcionalidade, precisar aparentemente dar privilégios legais aos grupos que, pelo simples fato de pertencerem a esses grupos, sofrerem violências sociais de todo tipo.


Momento chegará em que esses supostos privilégios se extinguirão, porque não haverá mais violência contra alguém PORQUE esse alguém é mulher, PORQUE é negro, PORQUE é estrangeiro, PORQUE é criança, PORQUE é portador de necessidades físicas especiais, PORQUE é homossexual (reparem que mais uma vez o PORQUE faz parte do X da questão, linguística, sociolinguística e antropológica).


Enquanto este momento não chega, a legalidade precisa cumprir uma tarefa dúplice: igualar os direitos de todos (indo ao fato social existente) e compensar os contumazes reacionários que se opõem a essa igualdade (indo ao valor). Em outros termos, trata-se de tratar os iguais de maneira igual, e aos desiguais de maneira desigual, na medida em que Se desigualam: o princípio da proporcionalidade.


Numa conversa que tive com Élisabeth Roudinesco, ela me disse que, em seu sonho, a sociedade ideal será aquela que conseguir unir liberdade a legalidade. Ainda segundo ela, algo com que eu concordo, nem sempre essa união é possível, pois muitas vezes a legalidade, em vez de promover a liberdade, cerceia-a. Creio, por meu turno, que seja pelo que esbocei há pouco: ocorre uma legalidade que cerceia a liberdade toda vez que um FATO existe sem que o VALOR justo lhe seja inferido.


Eu já disse muitas vezes, ecoando grandes pensadores, que o maior equívoco do mundo moderno é crer que a democracia é o regime exclusivamente das maiorias. As minorias e/ou grupos secundários têm voz e vocalidade no regime democrático, e seus direitos são tão substanciais quanto os de qualquer maioria.


O regime que só lida com maioria, com “norma”, não se chama democracia: chama-se ditadura, fascismo, nazismo.


Erradicar as minorias e igualar todo e qualquer grupo num único seja lá o que for – conceito, ideia, ideologia, religião, cor de pele – sempre tem sido o sonho dos portentosos ditadores que habitaram a Terra, de Hitler a Herodes.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Refletindo sobre o movimento LGBT...

Por Paulo Stekel


A intenção deste texto não é a de ser um estudo completo sobre o ativismo LGBT no Brasil. Pretende ser apenas uma rápida reflexão, já que o artigo devidamente aprofundando é um projeto para mais adiante. Contudo, por força do status do ativismo em nosso país atualmente, não posso furtar-me a algumas considerações pertinentes e necessárias.

Durante muitos anos o ativismo LGBT ficou baseado em ONGs utilizando verba pública para promover ações geralmente centradas em campanhas de conscientização, anti-homofobia, de prevenção a DST/AIDS e de afirmação da identidade gay. Inicialmente não parecia haver qualquer viés político-partidário no trabalho destas ONGs. Elas pareciam soberanas, legítimas representantes da comunidade LGBT e realmente engajadas em defender nossos direitos sem qualquer atrelamento obscuro. Atualmente, há vários ativistas que contestam a lisura de muitas ONGs neste quesito. Contudo, se há um fundo de verdade nisso, tenho certeza de que não corresponde a todas as ONGs e nem mesmo nas supostamente envolvidas, isso corresponda ao pensamento de todos os seus líderes.

Agora, além desta desconfiança, soma-se uma espécie de apatia com cheiro de atrelamento político-partidário exatamente quando os LGBTs estão sendo atacados diariamente por pastores e políticos fundamentalistas evangélicos, numa crescente demonização da pessoa LGBT, num rebaixamento anti-constitucional evidente da nossa dignidade. Alguns pedem calma, mas a calma tem sido, neste caso, sempre uma vantagem para os homofóbicos fundamentalistas, que aproveitam a passividade LGBT para intensificar um “lobby diabólico anti-gay” em Brasília!

Ao mesmo tempo, evita-se falar no já anunciado “combate ideológico contra os evangélicos” na questão da orientação sexual. É uma “guerra” anunciada, e trará consequências sérias para o processo de consolidação da cidadania plena para LGBTs e das (geralmente tímidas e pouco eficazes) políticas de direitos humanos em nosso país.

Questões como a aprovação de uma lei anti-homofobia, o uso de material de prevenção à homofobia em escolas e mesmo a escolha de fundamentalistas para setores do governo federal são, entre outras de menor importância, o mote de muitas contradições, embates, rachas e críticas dentro do próprio movimento LGBT. Mas, quando falamos em “movimento LGBT”, do que estamos falando? De algo coeso ou plural? Talvez plural, mas não coeso. E, ambas as palavras, neste caso, nem são opostas entre si, já que um movimento pode ser coeso, mas não permitir a pluralidade de ideias; pode ser plural quanto às ideias, mas não ter coesão; pode ser coeso e plural; pode ser nem coeso, nem plural. Qual é o caso, então? Acho que se trata de um movimento não-coeso e com pluralidade de pensamentos e ideologias (partidárias, apartidárias, laicas, religiosas). O fato de algumas organizações (como a ABGLT, por exemplo) de certa forma serem consideradas “representantes” da comunidade LGBT não significa coesão, já que para isso, todos os setores da comunidade LGBT deveriam não apenas estar ali representados, mas “ouvidos” quanto a suas ideias. E, convenhamos, a comunidade LGBT é tão plural quanto a heterossexual. Há, então, um misto de orientação sexual com ideologias... Estopim para muitas divergências e munição para o inimigo...

O “inimigo” a que nos referimos, não de modo odioso, mas “ideal” (no plano das ideias), é o fundamentalismo (neo)pentecostal que se utiliza não apenas dos templos, mas da mídia e da política para tentar criminalizar os “diferentes” através de um pensamento medieval.

Quando analisamos as pré-candidaturas às eleições municipais deste ano em todo o Brasil, vemos que pouco mais de uma centena de “militantes” gays pretende contribuir com a luta por nossos direitos. E, pasmem!, estão sendo aceitos por vários partidos, até aqueles historicamente envolvidos com o preconceito e a homofobia. O PR do senador ultra-homofóbico Magno Malta é um deles (ver a notícia: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gay-candidato-tem-espaco-ate-no-pr-,843759,0.htm). Mas, como bem desconfiava Carlos Tufvesson ainda hoje pela manhã em uma rede social: “Cheiro de mais erro aí. Gente, pensem bem, no que isso vai ajudar aos nossos candidatos? Só vai dizer é que o PR é bonzinho e nos é que somos intolerantes, pois eles nos aceitam tanto que até nos dão legenda!!!!” É a velha tática do “unir-se ao inimigo para vencê-lo”. Claro que estou falando dos partidos eivados de fundamentalistas unindo-se a candidatos gays para, de certa forma, jogarem conosco e não o contrário! Se bem que o contrário pode ser uma boa tática (reflexão não definitiva...)!

É claro que é importante (e ideal!) que todos os partidos possuam frentes de defesa dos direitos LGBT e abram espaço para candidatos gays, mas isto deve vir de um anseio legítimo de seus filiados, e não de interesses obscuros de seus líderes fundamentalistas com vistas a obstruir as ações do movimento LGBT como um todo. Isso contrasta com a pressão que temos visto por parte de lideranças evangélicas junto ao governo federal para a não aprovação da lei anti-homofobia (PLC 122) e a retirada do (assim denominado por eles, não por nós) “kit gay”. Até quando esta pressão surtirá efeito? Até quando permitirmos!

Neste sentido, concordo com Toni Reis (ABGLT), quando diz que é o momento de incentivarmos as candidaturas LGBT (somente candidatos com histórico e propostas, claro!) e de apoiarmos aliados (políticos sabidamente pró-LGBT). Sem isso, não temos como aumentar nossa força em Brasília e ficaremos à mercê de teocratas mal-intencionados loucos para transformar o Brasil no “Irã Fundamentalista Evangélico” tão sonhado por insanos como Malafaia et catrefa...

Não querendo ser profético, mas talvez já o sendo, o divisor de águas nesta confusão toda deverá ser a 3ª Marcha Nacional Contra a Homofobia (organizada pela ABGLT), que ocorrerá em 17 de maio, em Brasília (ver notícia: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,movimento-social-poe-fim-a-tregua-e-vai-as-ruas-,843800,0.htm?p=1).

A intenção da Marcha este ano é a de fazer um repúdio ao que está sendo chamado de “homofobia institucional”, algo que, a meu ver, não está muito claro, e por um motivo muito simples: as ações até aqui observadas não constituem “homofobia declarada” por parte do governo, mas caracterizam, sim, uma atitude morna e tímida na hora de implantar políticas pró-LGBT, que acabam retrocedendo sob um fortíssimo “lobby do capeta”! E, onde está o “lobby arco-íris”? É fraco, ainda. Só será mais intenso com mais gays na política, em todas as esferas. Ora, se somos de 6 a 10% da população, não se admite que tenhamos menos que esses percentuais de representação no Congresso, no Senado, etc. Quem não entende como funciona o jogo de forças na política não terá condições de propor uma ação eficaz em prol dos direitos LGBT. Sem neutralizar a ação “demoníaca anti-laicista” dos fundamentalistas da Frente Parlamentar Evangélica não conseguiremos avançar mais. Podemos, sim, cobrar que o governo federal faça a sua parte, mas também temos que fazer a nossa: aumentar nossa representatividade política em 100% do território nacional!

A ABGLT de Toni Reis, que reúne entidades de todo o país, diz que o governo federal se recusa a receber o movimento, apesar de já ter recebido os fundamentalistas evangélicos. Mas, a qual movimento ele se refere? A ABGLT representa uma parte da comunidade LGBT através das organizações filiadas, mas isso não corresponde ao todo do pensamento LGBT brasileiro. Pretender, assim, ir à luta como se estivesse representando todos os gays do Brasil é um quixotismo dos mais românticos e ineficazes, a meu ver. Como o foi, aliás, no momento em que o texto do PLC 122 foi redigido e reformulado por pressão, em que se consultou apenas a ABGLT, uns tantos teocratas evangélicos e se pretendeu que todos os gays do Brasil concordassem com um acordo às escuras que continuava permitindo a pastores de boca suja a demonização de seres humanos em seus templos por conta de sua orientação sexual. Isso é o movimento LGBT brasileiro? Que cada um reflita e responda por si!

Tenho observado que o movimento LGBT amplo, aquele que escapa ao controle de qualquer associação que pretenda abarcá-lo no todo, pode ser classificado de dois modos que se entremeiam e se confundem:

Quanto a visão política:

a) Movimento LGBT partidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que, ainda que não abertamente, nasceram em partidos políticos ou estão atrelados a eles por força de vários motivos. São ligados a ideologias políticas diversas, desde as mais esquerdistas às mais direitistas. Incluem-se aqui também os grupos de diversidade LGBT dentro dos partidos políticos.

b) Movimento LGBT apartidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que não mantêm qualquer vinculação ideológica com partidos políticos, partindo geralmente de uma visão internacionalmente estabelecida de direitos humanos LGBT. Os grupos de cultura gay (homo-cultura) e arte gay geralmente são apartidários.

Quanto a religiosidade/espiritualidade:

a) Movimento LGBT laico: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que defendem o Estado Laico, mas não se opõem aos direitos constitucionais das religiões/crenças nem à liberdade religiosa ou de expressão. Neste caso, não esposam quaisquer ideologias religiosas, agnósticas ou ateias, mas tão somente a defesa do laicismo em relação com os direitos humanos LGBT. Laicismo é um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos. Não se trata, portanto, da negação da religião, mas da separação entre esta e o Estado. A maior parte das ONGs LGBT se encaixa neste grupo.

b) Movimento LGBT ateu: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que defendem a ideologia do ateísmo abertamente. Não confundir ateísmo com laicismo. Ateísmo num sentido amplo, é a rejeição ou ausência da crença na existência de divindades e outros seres sobrenaturais. Mesmo sendo ateu, um grupo LGBT pode defender claramente o laicismo de Estado, onde, por consequência, ficam assegurados os direitos de crença.

c) Movimento LGBT religioso/espiritual: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que possuem relação com crenças, religiões e visões de mundo consideradas “espirituais”. Os grupos de afro-descendentes LGBT geralmente defendem a cultura e a espiritualidade de matriz africana e o legado de suas religiões. Há ainda grupos LGBT ligados a religiões como Umbanda, Cristianismo e Espiritismo. Isso não impede que estes grupos também defendam o laicismo de Estado.

Estas classificações não são engessadas. São, na verdade, fluidas, móveis, e constituem apenas o esboço de um estudo mais aprofundado que venho fazendo dentro do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Contribuições a este estudo não só são muito bem-vindas, como altamente necessárias para sabermos do que realmente se constitui o tão falado movimento LGBT brasileiro...


domingo, 29 de janeiro de 2012

E, se seguíssemos Levítico à risca?

Por Paulo Stekel

Por diversas vezes já recebi por email nos últimos anos uma determinada “carta” supostamente escrita por um anônimo como resposta a uma homofóbica apresentadora de rádio dos EUA. Fiquei curioso em saber a história deste texto que fala por si mesmo e dispensa maiores comentários.

Segundo contam os websites dos EUA, em seu programa de rádio, a Dra. Laura Schlessinger disse que, como um judia ortodoxa praticante, considerava a homossexualidade uma abominação, e que de acordo com o Livro de Levíticos 18:22, ela não pode ser perdoada em qualquer circunstância. A resposta abaixo seria uma carta aberta para a Dra. Laura, escrita por um cidadão dos EUA, que foi publicada na Internet inicialmente em 2000. É sarcástica e direta:

(Termos hebraicos originais usados em Levítico 18:22)

“Cara Dra. Laura

Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com seu show, e tento compartilhar o conhecimento com tantas pessoas quantas posso.

Quando alguém tenta defender o homossexualismo [sic], por exemplo, eu simplesmente o lembro que Levítico 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.

Mas eu preciso de sua ajuda, entretanto, no que diz respeito a algumas leis específicas e como segui-las:

a) Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levítico 1:9). O problema são os meus vizinhos. Eles reclamam que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?

b) Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época atual, qual você acha que seria um preço justo por ela?

c) Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a ela ? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.

d) Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados de nações vizinhas. Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadenses. Você pode esclarecer isso? Por que eu não posso possuir canadenses?

e) Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo?

f) Um amigo meu acha que mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levítico 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade. Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?

g) Levíticos 21:20 afirma que eu não posso me aproximar do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler. A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?

h) A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusive o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como eles devem morrer?

i) Eu sei que tocar a pele de um porco morto me faz impuro (Levítico 11:6-8), mas eu posso jogar futebol americano se usar luvas? (as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco)

j) Meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levítico 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. Sua esposa também viola Levítico 19:19, porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliéster). Ele também tende a xingar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levítico 24:10-16)? Nós não poderíamos simplesmente queimá-los em uma cerimônia privada, como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com seus sogros (Levítico 20:14)?

Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, então estou confiante que possa ajudar.

Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.

Seu discípulo e fã ardoroso.

Anônimo”

A verdadeira origem da Carta

A primeira vez em que esta carta apareceu no mundo online foi em maio de 2000, logo após o estado norte-americano de Vermont ter permitido a casais homossexuais contraírem “uniões civis”, um reconhecimento oficial que estendia a parceiros do mesmo sexo benefícios legais do casamento, como direito de ser tratados pelos hospitais como parentes próximos e de alguém tomar decisões médicas em nome de seu parceiro. A decisão agradou alguns e irritou outros, resultando em muitas opiniões acaloradas sobre uniões do mesmo sexo em específico, e a homossexualidade em geral, em inúmeros fóruns públicos.

Graças a esta decisão muitas vezes foi ao ar a opinião de que os homossexuais são um “erro da natureza”. A Dra. Laura Schlessinger, apresentadora de rádio, se tornou um dos alvos dos simpatizantes pró-gay.

A Dra. Schlessinger tem atraído tanto adeptos fervorosos quanto detratores durante seus anos de vida pública. Através de seu programa de rádio, distribui conselhos para os ouvintes pelo telefone, geralmente a partir de um ponto de vista conservador. Ela era uma judia ortodoxa na época em que a carta citada foi escrita (mas anunciou sua renúncia a esta fé em seu show em julho de 2003) e, muitas vezes baseia-se nos ensinamentos bíblicos ou religiosos para orientação dos ouvintes. Ela é franca e sincera em suas respostas, vendo a maioria das situações como inerentemente pretas ou brancas, certas ou erradas.

Laura Schlessinger é uma médica credenciada em uma disciplina que tradicionalmente não tem um olhar para a geração de conhecimento em moral, questões sociais ou espirituais (como divindade, psicologia ou sociologia). Ela obteve seu doutorado em fisiologia pela Universidade de Columbia e trabalhou como conselheira licenciada para assuntos de casamento, família e infância por mais de uma década.

Alguns veem o uso de “Doutora” por Schlessinger como algo enganoso, considerando sua posição atual sobre a santidade do matrimônio e da condenação do adultério como uma hipocrisia à luz de suas décadas anteriores de relação extra-conjugal. Outros acreditam que o título de “Doutora” não deve ficar restrito apenas àqueles no campo da medicina e sustentam que as pessoas podem mudar ao longo do tempo, até mesmo ao ponto de repúdio total de comportamentos e crenças anteriores.

A Dra. Laura é tão controversa quanto popular, e atrai tanto flores quanto pedradas, sendo conhecida por abrigar opiniões fortes para se tornar parte das notícias diárias. Assim, aqueles que procuram gritar em Vermont contra o reconhecimento de uniões do mesmo sexo teriam facilmente o pensamento de Dra. Laura.

A “carta” para Dra. Laura pode ou não ter sido realmente enviada para ela, mas em qualquer caso, é melhor ser considerada como um ensaio oferecendo um contraponto para o argumento do tipo “a homossexualidade é errada porque a Bíblia assim o diz”. Embora ela pretenda ser dirigida a apenas uma pessoa (Dra. Laura), é claramente destinada a uma audiência geral. A autoria da carta ainda é um mistério, embora o nome “Kent Ashcraft” (ou “J. Kent Ashcraft”) continue sendo um dos mais cotados.

Deixando de lado a questão da autoria, este texto em maio de 2000 chegou a muitas pessoas, e em junho e julho daquele ano tinha aparecido em vários jornais, incluindo o Knoxville News-Sentinel (07 de junho), o Seattle Weekly (08 de junho), o OC Weekly (09 de junho), o The Post-Standard (11 de Junho), o Capital Times (13 de julho), e o Modesto Bee (22 de Julho). Na maioria das vezes a carta foi reconhecida como um item interessante recolhido a partir da Internet, mas em alguns casos os leitores que a enviaram para os jornais a apresentaram como suas próprias palavras, o que torna a pergunta sobre quem realmente escreveu ainda mais difícil de responder.

A chave para este ensaio é sua premissa, não seus detalhes pedantes ou como é defendido. Simplificando, a carta aponta as falhas lógicas do argumento “a homossexualidade é errada porque a Bíblia assim o diz”: se a homossexualidade é errada porque vai contra a lei de Deus tal como descrito na Bíblia, por que não são consideradas da mesma forma uma série de atividades agora vistas como inócuas, mas antes vistas como inaceitáveis e ofensas contra a lei de Deus? Como pode uma parte de Levítico ser considerada como gravada na pedra quando as outras partes têm sido descartadas como arcaicas?

O ensaio conclui com a resposta sarcástica: “Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.” Embora esta seja apresentada como uma reprimenda apenas para uma pessoa, na verdade é um lembrete geral de que muitos sistemas de crenças escolhem seu caminho através de ensinamentos bíblicos para determinar o que é certo e o que é errado, com essas avaliações mudando ao longo do tempo, mesmo dentro de seitas que orgulham-se de uma estrita observância da Bíblia.

No início de outubro de 2000, a Dra. Schlessinger publicou um anúncio de página inteira na Variety oferecendo um pedido de desculpas para o que ela chamou de palavras “mal escolhidas” sobre a homossexualidade. Ela já tinha se referido aos gays como “erros biológicos” e “desviantes”, como exemplificado pela sua intervenção de 08 de dezembro de 1998:

“Sinto muito - ouça mais uma vez, perfeita e claramente: Se você é gay ou lésbica, é um erro biológico que inibe você de se relacionar normalmente com o sexo oposto. O fato de que você é inteligente, criativo e valioso é tudo verdade. O erro está na sua incapacidade de se relacionar sexualmente, intimamente, de uma forma amorosa com um membro do sexo oposto - é um erro biológico.”

(A homofóbica Dra. Laura Schlessinger)

No outono de 2004, a Carta reapareceu como tendo sido enviada ao presidente George W. Bush em sua campanha para um segundo mandato, e a peça circulou mais uma vez, desta vez dirigindo-se ao “Caro Presidente Bush”, em vez de “Cara Dra. Laura”. Após o “Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável” que fecha a carta para a Dra. Laura, a versão atualizada dirigida ao presidente continuou: “Deve ser realmente ótimo estar em condições tão íntimas com Deus e seu filho, até melhor do que você e seu próprio pai, hein?”

Independente do verdadeiro autor, a carta é uma resposta sarcástica muito adequada para contrapor os argumentos fundamentalistas que sempre demonizam os homossexuais. Continuemos, então, espalhando este texto mundo afora!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Não é o que entra pela boca o que contamina o homem...

Por Valéria Nagy

Pegando carona no post de Claudiney Prieto, que discorreu sobre a Wicca e a polaridade, e raciocinando em cima de certos conceitos e lógicas, penso: somos corpos biologicamente formados com órgãos masculino/ feminino. Ok. Esses corpos definem-se durante a gestação. Porém, o espírito já está determinado antes do corpo ser macho ou fêmea. E espíritos são energias possuidoras das duas polaridades, não tem sexo; carregam ambas as forças. E, antes de sermos homem ou mulher, somos espírito. Então, o argumento da polaridade (masculino e feminino/ negativa e positiva) no sentido de condenar a homossexualidade, a meu ver, não tem fundamento.

Muito se diz sobre a questão de os homossexuais não procriarem, o que seria antinatural, portanto, errado. Mas quem disse que os homossexuais não podem procriar? Ora, biologicamente, como casais, sim, não há como duas pessoas do mesmo sexo conceberem um filho, por razões, repito, biológicas. Mas ambos, homem e mulher, continuam a ter em seus corpos a capacidade biológica da procriação. Portanto, não concordo com o termo "aborto da natureza" (explicação do fundador da Wicca quanto aos homossexais), termo, aliás, que não tem sentido algum, visto que algo que é abortado é descartado, e os homossexuais existem e vivem normalmente, trabalham, pagam impostos, comem, dormem etc., correto? Este é mais um termo carregado de preconceito que alguém dito "dono de alguma verdade" disse em algum momento. Para se ter filhos, não precisamos estar casados, não é mesmo? E hoje temos avanços da Ciência a esse respeito, que possibilita a procriação sem relação sexual.

Pergunto: e quanto aos casais heterossexuais que não têm filhos por opção; ou homens e mulheres que, por alguma razão, são ou se tornam estéreis? Seriam eles também "abortos da natureza" por não procriarem? Pois isso não é difícil de se encontrar. Ora, se toda a celeuma se dá pelo fato de poder ou não poder procriar... questiono.

No campo religioso, padres e freiras são também "abortos da natureza"? Bem, o que dizer das milhares de cenas abomináveis de fetos mortos em porões de conventos e padres pedófilos? Não vou, neste momento, entrar nessa questão, só pensemos...

E quantos homossexuais, homens e mulheres, têm filhos? Vários. Porque a homossexulidade é movida a sentimento, não tem a ver apenas com o corpo. Não é incomum encontrar homens e mulheres que se casaram ou tiveram relacionamentos heterossexuais, tiveram filhos, mas apaixonaram-se por pessoas do mesmo sexo em algum momento da vida, descobrindo seus verdadeiros sentimentos. O que dizer dessas pessoas, em que "categoria" elas se encaixam? Me respondam, por favor.

Em quase todas as doutrinas religiosas, a homossexualidade é condenada pelo fato de "bloquear" a natureza, por não ser possível procriar. O papa Bento 16 anunciou esses dias que a Igreja Católica não aceita o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que isso é uma ameaça à humanidade. Quanta intolerância esses líderes religiosos proclamam por meio de suas línguas venosas! Ameaça a quê? Somos mais de 7 bilhões de seres humanos, o planeta não está nem conseguindo sustentar tanta gente, e estamos ameaçados pelos gays? O que essas pessoas tentam é justificar o injustificável; querem tornar mentira a verdade. E, infelizmente, a grande massa prefere fechar os olhos e os ouvidos à realidade... Lembro-me de Jesus, quando disse: Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina (Marcos 7:15). Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem (Mateus 15:11). O que o Mestre Jesus nos expôs aqui é que não importa como você se alimenta, o que entra pela boca o próprio organismo vai eliminar depois. Mas o que sai da boca (as palavras, os sentimentos, o que vem do coração), isso sim contamina o homem. Ou seja, se você proclama ódios, espalhará ódios, contaminado a si mesmo e à sociedade ao seu redor. A palavra tem força, pois sai do coração.

Hoje vemos belíssimas histórias de casais homossexuais adotando crianças e formando suas famílias. Quantos bebês são abandonados pelas mães, todos os dias? Ah, claro, essas mães que jogam seus bebês nas lixeiras do mundo não são pecadoras, afinal, elas tiveram relação sexual com um homem e isso não é pecado. E os homens que engravidam mulheres e as forçam a fazer aborto? Tudo bem, o que importa é que eles não são gays... Os homossexuais viraram uma espécie de bode-expiatório planetário e daqui a pouco tudo será permitido, desde que não se seja homossexual... Vemos aí a chamada homofobia. Ela é perigosa. Estamos à beira da evolução, mas cercados ainda de muita involução.

O mundo precisa de amor; amor verdadeiro, e esse amor não tem cor, nem sexo, nem classe social... Que religiões são essas que pregam Deus com palavras tão agressivas, cheias de ódio, cheia de rancores? O que está errado então? Ninguém é obrigado a aceitar a homossexualidade, mas a verdade sim, todos temos que aceitar. Raciocinemos sobre a isso e pensemos sobre o que é respeito. E, não adianta, evolução é andar para a frente. Podem gritar, bater, xingar, mas o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é uma realidade no mundo e vai se tornar cada vez mais. É a Natureza, e ela sempre se impõe mesmo quando há obstáculos. É questão de tempo. E o tempo? O tempo chegou.

Paz Profunda a todos!

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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Quero ser um yorkshire!

Por Paulo Stekel


Exatamente! Quero ser um yorkshire porque, como gay, não consigo que se tenha por mim ou meus iguais o mesmo sentimento de emoção fleumática, misto de indignação, pena e desencargo de consciência que se viu há algumas semanas no caso do yorkshire espancado até à morte pela enfermeira Camilla Corrêa na cidade de Formosa, cidade goiana no entorno do Distrito Federal. Muitos gays são espancados todos os anos, mortos com requintes de crueldade, e não só não vemos tal movimentação indignada, como ainda temos que suportar os fundamentalistas religiosos culpando as vítimas por serem gays, incitando ainda mais a brutal violência anti-gay.

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter mais de 328 mil pessoas assinando uma petição pública contra meu agressor – um buzz sem precedentes -, pedindo sua prisão, multa e os mais exaltados, até sua morte! Como gay agredido, além de outros gays, quem mais assinaria em meu favor?

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter um forte aparato de defesa – a sociedade protetora dos animais – , formada por uma militância implacável que se mobiliza em todas as mídias com uma velocidade impressionante e se valendo de argumentos radicais e, por vezes, até chocantes, como o de uma militante que disse: “Prefiro ajudar um cachorro faminto na rua do que dar de comer a um pivete nas esquinas”. Quem preferiria ajudar um gay numa situação extrema?

Quero ser um yorkshire porque assim posso me sentir vingado quando o perfil de meu agressor nas redes sociais é alvejado com todo tipo de trollagem, discurso de ódio, indignação e ofensas por pessoas comuns que se consideram sérias, honestas, pagadoras de impostos e cumpridoras de seus deveres de cidadãs. Como gay, eu é quem sou o trollado!

Quero ser um yorkshire porque, se meu dono não conseguir me matar, e os que amam animais me resgatarem, serei criado num lar feliz onde todos consideram meu passado de sofrimento como determinante na hora de me verem como um ser digno de amor e de afeto. O passado de sofrimento de um gay não tem o mesmo peso, pois os fanáticos julgam que ele sofre porque decidiu ser como é, desconsiderando que nasceu assim...

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter a sorte de alguém gravar um vídeo com as agressões sofridas por mim, postar o conteúdo em websites como o youtube, sendo assistido por milhões de pessoas e incitando a opinião pública a exigir do agressor a pena máxima e até a não devida.

Quero ser um yorkshire porque, por mais que meu agressor me bata e depois diga que foi um simples estresse e que, na verdade, ama os animais, ninguém acreditará nele, baixando a lenha em seus argumentos insanos. Como gay, quando fanáticos religiosos ou políticos homofóbicos incitam a violência em seus discursos, mas dizem que amam os gays como seres humanos, e que apenas foram muito intensos em suas palavras, pois defendiam a família, a moral e os bons costumes, fica tudo por isso mesmo.

Enfim, quero ser um yorkshire porque, neste caso, sendo um animal, pequeno, fofinho, sem poder falar, me expressar ou me defender, há quem defenda meus direitos e até adivinhe o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo. Que bom que existem pessoas sensíveis assim! Porém, como gay, poucos são os que defendem meus direitos fundamentais, os que sequer imaginam o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo... embora seja fácil deduzir, já que meu coração bate do mesmo modo que o de todos os seres humanos... e é quase igual ao do yorkshire: um coração vivo!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Enfim, existimos!

Por Paulo Stekel (texto publicado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2011/05/06/enfim-existimos)

Como alguém pode duvidar disso? Como alguém pode dizer que não existimos, que não temos direitos iguais e, contraditoriamente, atacar-nos com uma Bíblia na mão? Sim, existimos, e – com a permissão do velho lobo, Zagallo – vão ter que nos engolir!

Os dias 04 e 05 de maio de 2011 foram os mais importantes para a comunidade LGBT até aqui. Ao analisar duas ações, uma proposta pela Procuradoria-Geral da República e outra pelo governo do estado do Rio de Janeiro, em votação unânime (10X0), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável homoafetiva, ou seja, entre casais do mesmo sexo como sendo uma entidade familiar.

A “entidade familiar”

Até agora, apenas três tipos de entidade familiar eram reconhecidas em juízo: o casal heterossexual no casamento civil, o casal heterossexual em união estável e a pessoa solteira (qualquer dos pais e seus descendentes). No primeiro caso, bastava o casamento civil entre um homem e uma mulher; no segundo, bastava a união estável (isto é, sem o casamento civil) entre um homem e uma mulher; no terceiro caso, bastava que um homem ou uma mulher fossem pais para pleitear direitos de família mesmo sem estarem casados ou sequer em união estável. O que o STF reconheceu em 05 de maio é que quando duas pessoas do mesmo sexo vivem em união estável, isso também é uma entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres incidentes sobre a união estável entre heterossexuais. Isso criou um precedente que aos poucos será seguido pelas demais instâncias judiciais e também pela administração pública.

O número de pessoas que serão beneficiadas com esta conquista de mais cidadania ainda é indefinido, apesar do Censo Demográfico 2010 ter apontado que o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais vivendo em união estável homoafetiva. Se considerarmos que muitos casais não manifestaram publicamente sua condição por vários motivos, esse número pode ser muito maior, na realidade. Mas, a decisão atual abre caminho para a aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, que é direito garantido a casais em união estável no art. 226 da Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

União estável não é casamento civil!

Acompanhei pela imprensa toda a votação no STF e a reação da comunidade LGBT pelas redes sociais, em especial o Twitter, por sua resposta rápida. O que percebi foi uma generalizada confusão entre união estável e casamento civil de parte da comunidade LGBT. Mas, consultando a lei, a diferença é clara! A união estável acontece sem quaisquer formalidades, naturalmente, a partir da convivência do casal que forma uma “família espontânea” (no entender do ministro do STF, Luiz Fux), isto é, sem a necessidade de aprovação de um juiz ou um sacerdote. Tanto é assim, que após uma separação, há que se comprovar a união estável para que esta gere direitos e obrigações a ambas as partes (direitos sobre filhos, pensão alimentícia, etc). Já o casamento civil é um contrato jurídico formal estabelecido entre duas pessoas, até o momento, de sexos opostos. Não é isso que o STF reconheceu para pessoas do mesmo sexo, e sim, a união estável, ao contrário da Argentina, que em julho de 2010 se tornou o primeiro país da América Latina a autorizar gays a se casarem e a adotarem filhos.

O que o STF decidiu foi simplesmente o reconhecimento da união estável gay como entidade familiar. Esse reconhecimento para a servir como recomendação em instâncias jurídicas para que casais gays passem a ter os mesmos direitos de heterossexuais em união estável, apesar da ressalva do ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski: “Entendo que uniões de pessoas do mesmo sexo, que se projetam no tempo e ostentam a marca da publicidade, devem ser reconhecidas pelo direito, pois dos fatos nasce o direito. Creio que se está diante de outra unidade familiar distinta das que caracterizam uniões estáveis heterossexuais”. Neste caso, teríamos uma quarta entidade familiar: a formada pela união estável homoafetiva. Mas, se for assim, quando o casamento civil for aprovado, teremos uma quinta entidade familiar formada por duas pessoas em casamento civil homoafetivo? São respostas que serão dadas ao longo do tempo e conforme as decisões dos magistrados caso a caso, à medida que a comunidade LGBT for atrás de seus direitos.

Uma dúvida que percebi nas redes sociais é sobre como garantir o reconhecimento da união estável a partir da decisão do STF. Antes mesmo dela os casais homoafetivos já podiam registrar a união em cartório. Mas, até então, tratava-se de um contrato que definia há quanto tempo o casal estava em união estável, como seria a divisão de bens, etc. Ou seja, a relação era considerada um “regime de sociedade”, não uma entidade familiar. Então, não se previa “separação”, mas algo equivalente a uma “quebra de sociedade”. (Eu e meu companheiro assinamos este contrato em dezembro de 2007 e, recentemente, ele foi aceito pela Caixa Econômica Federal num financiamento para casa própria como parte da comprovação de renda conjunta.) Agora, a regulamentação virá com o tempo, mudando o status de “regime de sociedade entre duas pessoas do mesmo sexo” (regido pelo Código Civil) para “união estável homoafetiva” (regida pelo Direito de Família). Mas até que isso ocorra, os casais homoafetivos vão continuar tendo que recorrer à Justiça para obter seus direitos. O bom é que, a partir de agora, as decisões tenderão a ser mais rápidas, favoráveis e homogêneas.

Direitos que passam a ser garantidos

Mas, o maior interesse da comunidade LGBT está em saber quais direitos passam a ser garantidos ou, melhor, pleiteáveis em juízo, em casos de ação de reconhecimento de união estável que devem, a nosso ver, transcorrer de modo semelhante às ações do mesmo tipo entre casais heterossexuais. São centenas de direitos, alguns mais importantes, e que devem ser destacados.

Um deles é a declaração da união em regime de comunhão parcial de bens (o direito incide sobre o que se conquistou em conjunto após o início da união estável). Outro, é o direito a pensão alimentícia em caso de separação judicial, além de pensões do INSS que, aliás, já são concedidas para os companheiros gays de pessoas falecidas – a decisão do STF apenas dá mais respaldo jurídico. Os planos de saúde ou familiares não poderão se negar em aceitar, nem mesmo em juízo, parceiros gays como dependentes, apesar da maioria deles já possibilitar esta prática. A Receita Federal também já aceita que os homoafetivos declarem seus companheiros como dependentes. As políticas públicas deverão incluir os casais homoafetivos, e não de forma modesta, como ocorre.

Um dos direitos que consideramos mais importantes como consequência da decisão do STF é o de sucessão. Já vimos muitos casos de casais gays em que, ao morrer um dos companheiros, o outro ficou sem nada, pois os bens adquiridos em conjunto passaram à tutela da família do falecido. Isso deve mudar, felizmente.

Outro direito importantíssimo, mas que cabe entender bem, é o de adoção. A lei tem permitido a gays a adoção, mas sabemos que sempre se dá preferência a casais heterossexuais (tanto em casamento civil como união estável). Com a decisão do STF, reconhecendo a união estável homoafetiva como unidade familiar, as decisões favoráveis serão facilitadas em grande medida.

Enfim, a existência…

Existir é a primeira condição para ser visto. Sem existência, sem visibilidade. Falamos “existência” no sentido jurídico e social. Se a sociedade nega (moralmente falando) nossa existência, e a lei a acompanha, ficamos num vazio total. Não somos visíveis nem para a sociedade (o costume), nem para a lei, nem para a religião…

Mas, os tempos estão mudando. A sociedade já sabe de nós, nos vê e, em boa medida, nos apoia. A lei começou a ratificar-nos, finalmente. Mas, a religião, especialmente a ala fundamentalista cristã, esta é um jogo-duro… O catolicismo e o neopentecostalismo pregam um discurso confuso, hipócrita e contraditório de “amamos os gays mas não aceitamos suas práticas”. Não são práticas, são vivências! Prática tem menor implicação que vivência, pois esta última advém da essência do ser. E, o ser gay é algo intrinsecamente conectado à vontade natural do ser que assim nasceu. Há uma vida gay (pois se nasceu assim) muito mais que uma prática gay! Práticas homossexuais são comuns em instituições prisionais, mas não constituem, necessariamente, uma vida homossexual, salvo nos casos em que o sentir-se homossexual esteja intrinsecamente ligado à alma do ser. Mesmo porque, no caso das prisões, as práticas homossexuais se inserem muito mais na classificação do estupro (como forma de humilhação) ou da ausência de sexo oposto (diante dos imperativos fisiológicos) do que na orientação homossexual de fato, esta sim, baseada no sentir atração pelo mesmo sexo como algo constante e não transitório.
A lei reconheceu que existimos. Se existimos, somos tutelados pela lei do país em que vivemos e, neste caso, temos direitos e deveres, dos fundamentais aos últimos. E, os queremos todos! Só assim seremos cidadãos plenos e não cidadãos de segunda classe num país laico, como já escrevi em outro artigo. Se a religião não nos quer reconhecer como existindo e tendo direitos de cidadania, abdique de ter-nos como seus fiéis agindo segundo suas normas ultrapassadas e sufocantes do ser. Invocar regras deuteronômicas do Antigo Testamento para validar determinados preconceitos, esquecendo de aplicar outras, por simples conveniência, é de uma hipocrisia, má-intenção e manipulação tal que envergonha qualquer Deus por acaso existente… E, mesmo Deus sabe que existimos, pois, se nos criou como somos, não será Ele a negar-nos… antes, justifica-se através de nós e desvela aos olhos do mundo que seus auto-declarados porta-vozes não passam de vendilhões do Templo!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O beijo proibido do “amor que não ousa dizer o nome”

Por Paulo Stekel (artigo originalmente publicado em http://gayexpression.wordpress.com/2011/03/01/o-beijo-proibido-do-%E2%80%9Camor-que-nao-ousa-dizer-o-nome%E2%80%9D/)

Quem não conhece a famosa frase do polêmico escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) que define o amor entre pessoas do mesmo sexo como “o amor que não ousa dizer o nome”? Em Wilde, quase tudo é audacioso, desde suas comédias, textos para crianças (sim, ele fez isso!) até seu autobiográfico “De Profundis”, publicado em versão completa mais de 70 anos após sua morte. Para muitos, um dos primeiros ícones homossexuais a inspirar os modernos movimentos LGBTs, ainda que tenha travado uma luta muito particular contra o preconceito, não uma luta articulada, como a que travamos hoje. Wilde viveu sua homossexualidade intensamente numa época em que isso era crime, e teve que arcar com as consequências de “amar o igual” em plena era das trevas da Londres de 1895. Ficou preso por dois anos e, por conta disso, teve sua saúde, vida financeira e até produção intelectual prejudicadas.


Wilde vinha de família protestante, o que, com certeza, lhe aumentou a pressão por causa de sua orientação sexual. Os protestantes, em geral, são muito mais radicais que os católicos no que tange ao sexo não-reprodutivo e, em especial, à homossexualidade. Ainda hoje é assim, e, se pudessem, todos nós estaríamos presos como Oscar Wilde, privados de nossos direitos fundamentais. Aliás, é o que intentam na surdina os pastores evangélicos fanáticos e mesmo alguns setores fundamentalistas do catolicismo.

Esses fanáticos querem negar-nos o direito mais consensual do amor entre dois seres: o beijo apaixonado em público. Todos sabemos que na televisão brasileira o beijo gay é um tabu absurdamente hipócrita. Novelas em horário nobre apresentam a um público indiscriminado as maiores baixarias sexuais, extra-conjugais e violência sado-masoquista sem o mínimo murmúrio dos que se auto-intitulam “baluartes da moral e dos bons costumes”, mas sequer apresentam um “selinho gay”, pois isso acabaria com a “demonização” das relações homoafetivas perante a sociedade brasileira, derrubando o cavalo de batalha caquético das “frentes cristãs” abertamente anti-gays. Na verdade, o beijo proibido, o beijo gay, se tornado frequente na televisão, e do modo correto, acabaria com o bicho-de-sete-cabeças na cabeça dos brasileiros, que possuem uma visão equivocada do universo homoafetivo. É um medo inconsciente de sabe-se lá o que a atormentar a mente de quem foi educado dentro de uma norma imposta por um costume que não é de todos. Se não é de todos, há de se dar voz ao diverso.
Recordo a primeira vez que dei o “beijo proibido” em plena rua, em Santa Maria, no interior do RS, lá pelos idos de 1995, ao sair de uma festa. Não esqueço da reação de um popular que passava e ia proferindo impropérios ladeira abaixo. Se fosse na Avenida Paulista, a coisa seria mais séria…

Dez anos depois, em 2005, repeti a cena em um shopping de Brasília, e a reação foi mais amistosa. Mereci até um ok e um sorriso de um atendente de empresa de celulares que assistia a tudo de um quiosque no centro do shopping. (Não, não sei se ele era gay ou apenas “simpatizante”. Rsrs.)

O fato é que, por mais que uma boa parcela da sociedade pareça hoje mais “tolerante” ao beijo gay em público, sempre se encontra aqueles “machões carentes de auto-afirmação” que só conseguem sentir virilidade batendo em quem pensam ser menos viris que eles, o que, me permitam esclarecer, nem sempre é a verdade dos fatos…

A grosso modo, eu divido os homofóbicos masculinos em três classes: os enrustidos (engaiolados em uma orientação sexual que não quer se revelar por conta da pressão do meio social em que vivem, o que os leva a “exorcizar” seus demônios sexuais através da violência contra quem demonstra claramente sua orientação), os fanáticos religiosos (que seguem de modo cego e medieval uma interpretação bíblica não conectada à realidade do mundo moderno, propagada por sacerdotes hipócritas que chegam ao cúmulo de associar homossexualidade com pedofilia) e os misóginos (sim, os misóginos, aqueles homens que, mesmo sendo heterossexuais, tem “nojo” das mulheres, as consideram seres inferiores ao homem e sua propriedade meramente reprodutiva; então, associando a homossexualidade ao feminino, o asco contra gays é duplicado).

Quanto às mulheres, a homofobia é bem menor por conta do preconceito que elas mesmo sofreram por milênios (e, ainda sofrem) sob a tutela de seus “senhores”. Vejo aí a explicação para gays masculinos possuírem muito mais amigas que amigos. As mulheres entendem melhor quem sofre preconceito porque elas mesmas o sofrem em muitas circunstâncias e lugares, por mais que nossa sociedade tenha evoluído no tocante aos direitos femininos. Podemos, então, concluir que gays masculinos não são misóginos, não consideram a mulher como inferior a eles, mas como uma referência de beleza, força, coragem e devoção, ou um misto de tudo isso. Não há qualquer relação de submissão, de superioridade ou de inferioridade, entre um gay masculino e uma amiga mulher, seja ela heterossexual ou lésbica. Tanto que Oscar Wilde escreveu: “As mulheres existem para que as amemos, e não para que as compreendamos.” Amar é a suprema aceitação…, pois, para Wilde, “amar é ultrapassarmo-nos”.

Ao elencar esses tipos masculinos de homofóbicos, pessoas que conseguem em público até sorrir para gays, mas que em circunstâncias outras lhes desferem tapas, socos e pontapés, me recordo das palavras de Oscar Wilde em “De Profundis”: “Por detrás da alegria e do riso, pode haver um temperamento vulgar, duro e insensível. Mas, por detrás do sofrimento, há sempre sofrimento. Ao contrário do prazer, a dor não usa máscara.”
E, não usa mesmo! A dor é evidente, é feroz, se instala e não apresenta opções: ou você a enfrenta, ou a enfrenta. Não cabem máscaras nessa luta. Então, em geral, gays falam o que pensam sem dó nem piedade. A dor lhes ensinou a “encurtar o caminho para a salvação” (desculpem, mas não resisti!): a verdade, o discurso direto sem hipocrisia, o saber “se virar” para sobreviver, a coragem para dar a cara a tapa… Afinal, não dizem que “A Verdade vos libertará”? Se existe um Deus, Ele deve se agradar dessa autenticidade, não da hipocrisia dos religiosos que se consideram salvos e que se utilizam da mentira o tempo todo para impedir que tenhamos direitos reconhecidos.

O que pensar, por exemplo, de um senador (diga-se, Magno Malta – PR/ES, pastor evangélico) que maldosamente tenta vincular a homossexualidade à pedofilia? As estatísticas não mentem: a maior parte dos pedófilos são homens heterossexuais! Nada mais lógico, uma vez que os gays são só cerca de 10% das pessoas. Ao dizer que, se aprovado o Projeto de Lei 122 (PLC/122) que criminaliza a homofobia, um pedófilo poderia alegar que “sua orientação sexual é transar com crianças”, o senador demonstra total desconhecimento do Direito e despreparo ao lidar com direitos civis. Na verdade, o que existe é má intenção pura de natureza religiosa!

E, nós, como podemos fazer frente a noções bizarras e mal-intencionadas como a deste pastor-senador e símiles malafaias que se locupletam em seus templos não taxados pelo Brasil afora? Dentro da lei podemos protestar, e o “beijaço” é uma das formas mais interessantes. Usar o “beijo proibido” para tornar evidente “o amor que não ousa dizer o nome” é uma forma pacífica e eficaz de preencher a lacuna que a mídia insiste em deixar vazia.
Pessoas que confundem o beijo gay com promiscuidade demonstram uma ignorância tal que não merece resposta. A promiscuidade existe nas relações humanas, sejam heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Aliás, a quantidade de maridos heterossexuais com suas amantes, algo que está presente em 100% das novelas e séries brasileiras, é a prova de que a promiscuidade é um evento, por dizer assim, democratizado em nossa sociedade, uma espécie de vício social aceitável, qual o “beber moderadamente” ou “socialmente”.

As relações afetivas gays não duram menos que as heterossexuais, e já há pesquisas demonstrando isso. O problema é que a mídia só mostra dos gays a “banda podre” ou o “circo de micos amestrados”. Me refiro à prostituição, aos excessos e aos gays caricatos em programas de humor. Contudo, a prostituição é uma instituição heterossexual praticamente universal! Não foram os gays que a inventaram! E, nos gays caricatos, há um “realce” do comportamento efeminado e do humor que agrada a uns e desagrada a outros. Sem problemas, há espaço para todas as tribos! Mas, querer definir todo o universo gay por uma parcela, com vistas a denegrir o todo, é uma tática “que não é de Deus” (desculpem, não resisti novamente)!

Está chegando a hora do “amor que não ousa dizer o nome” dizê-lo em voz alta, com todas as letras e exigir seus direitos até a última linha da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Constituição Federal. Não seremos encarcerados como o foi Oscar Wilde, a não ser que moremos em algum país islâmico, onde até assassinados sumariamente podemos ser. Então, saiamos às ruas e vamos exigir nossos direitos sociais todos, sem exceção. Temos que evidenciar todo o nosso descontentamento à sociedade. Lembremos do que escreveu Wilde:

O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação.”