sexta-feira, 19 de junho de 2015

CARTA-PETIÇÃO À CÂMARA DOS DEPUTADOS PELA DEFESA DAS RELIGIÕES NÃO CRISTÃS



Amigos,

Escrevi o texto que segue, criando petição para  Câmara dos Deputados, diante dos estarrecedores acontecimentos recentes no Brasil. O link é
https://secure.avaaz.org/po/petition/Camara_dos_Deputados_Projeto_de_Lei_de_protecao_as_religioes_espiritas_e_de_matriz_africana/?nvuXwjb

Senhores Deputados:

Nos últimos anos, temos assistido, horrorizados, a uma crescente onda de atentados às religiões brasileiras que professam crenças diferentes do (ou complementares ao) cristianismo.

Admiramos profundamente a beleza da palavra deixada pelo Cristo, que, em seu âmago, trazia o respeito por todos, sem qualquer preconceito, sempre fornecendo amparo e amor a todas as criaturas.

Por isso mesmo, consideramos que haja urgência absoluta em que essa Casa elabore um projeto em que o Estado Brasileiro proteja os praticantes de todos os cultos para que possam continuar exercendo a sua fé, seja ela qual for, com a liberdade que a Constituição Federal assegura.

Casos muito recentes, como o apedrejamento, no Rio de Janeiro, da menina de 11 anos Kaylane, praticante do Candomblé, o assassinato do médium Gilberto Arruda, do Centro Espírita Frei Luiz, o vilipêndio e depredação do túmulo do médium Chico Xavier, em Uberaba, a expulsão de Casas Espíritas em comunidades, entre tantos outros casos de inconcussa intolerância religiosa, necessitam urgentemente de um remédio jurídico que seja respaldado pela força legiferante dessa Câmara.

Um país como o Brasil, construído pela sinergia de etnias e credos -- que já não é mais uma teocracia, como o foi antanho --, não pode ser vítima de atos fascistas que contrariem a atual laicidade do Estado e a liberdade de culto conquistada ao longo de sólido e histórico diálogo democrático entre os diversos códigos que compuseram nosso Ordenamento Jurídico.

Essas formas totalitárias e preconceituosas de comportamento e conduta revelam inaptidão completa de se viver numa sociedade plural como a brasileira, e necessitam de medidas emergenciais, com as devidas coerções legais, a fim de serem imediatamente coibidas e freadas.

Nós, o Povo, única fonte de poder estatal, não podemos e não queremos assistir inertes à depreciação de nossos direitos, garantidos pela contraparte dos deveres que cumprimos diuturnamente com nossos trabalhos, nossos impostos, nossa abertura ao diálogo no país multicultural em que nascemos e vivemos. 

Atenciosamente,

Professor Doutor Marcelo Moraes Caetano, PhD

(Professor Adjunto da UERJ)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Como o Budismo abraça toda forma de amor

Por Rev. Jean Tetsuji



Esta semana a comunidade LGBT faz mais uma vez validar seu pedido de respeito e compreensão junto à sociedade por meio da famosa Parada gay. O tema deste ano, "eu nasci assim, eu cresci assim" posiciona uma nova maneira de mostrar que a diversidade de identidade sexual é real, legítima e sobretudo humana. E vai de encontro a uma breve reflexão que gostaria de fazer.

O budismo não se preocupa com relação a este assunto, ele não é um dogma moral muito menos punitivo aos olhos de um ser superior. Na verdade, tanto faz você ser gay ou hétero, pois não é a sua condição, ao que se convencionou de moral, que o leva ao nascimento a Terra Pura e ao Nirvana. A propósito, esta ação de ir nascer na Terra Pura no budismo Shin é proporcionada pelo Voto do Buda e não pela pessoa com seu esforço próprio. Não esqueçamos ainda que esse conceito moral é uma criação abrahâmica da sociedade ocidental e vivamente incutida na mente coletiva, mesmo de quem não é praticante religioso.

O desejo sexual, assim como outros instintos ou comportamentos, estão baseados fundamentalmente nos cinco agregados, os chamados skandhas: forma, sensações, percepções, formações mentais e consciência . Eles são, como tudo no universo, impermanentes, interdependentes e efêmeros. E não são eles o sofrimento em si, mas o apego que damos a eles. Em suma, nos apegarmos a ideia do desejo ou não é que gera o sofrimento, não o fato em si. A compreensão sobre esses cinco agregados nos permite uma visão melhor da própria existência humana. Todas as sexualidades, homo ou hétero levam à inquietude, à insatisfação constante da mente e por consequência ao sofrimento pela angústia e aflição do eterno desejo insaciável. Logo, o desejo gay é tão doloroso quanto o desejo hétero. E a liberação do sofrimento é o alvo maior dos ensinamentos budistas. Poderíamos ficar horas falando sobre os Cinco agregados. Reproduzo aqui uma passagem interessante.

No Sutra Girando a Roda, o Buda diz: "Quando nos apegamos aos Cinco Agregados, eles produzem sofrimento". Ele não disse que os agregados são, por si mesmos, o sofrimento. Há uma imagem no SutraRatnakuta que nos pode ser útil. Um homem joga um bolo de terra para um cachorro. O cachorro olha para o bolo de terra e late furiosamente, porque não entende que é o homem, e não o bolo de terra, o responsável por sua frustração. O sutra continua: "Da mesma maneira, uma pessoa comum, presa a conceitos dualistas, pensa que os Cinco Agregados são a causa de seu sofrimento, enquanto na verdade a raiz do sofrimento está na falta de compreensão da natureza impermanente, sem existência separada, e interdependente dos Cinco Agregados. Não são os Cinco Agregados que nos fazem sofrer, mas a forma como nos relacionamos com eles. Ao observarmos a natureza impermanente, interdependente e sem existência própria de tudo o que existe, não sentimos aversão pela vida, mas, ao contrário, constatamos como a vida é preciosa".  (retirado do site Acesso ao insight, trecho do livro A essência dos ensinamentos de Buda – Thich Nhat Hahn)

Ainda ressalto que, para o budismo, não há o conceito de pecado nem culpa julgada por um ser divino, criador, superior ou demiurgo como o conceito de Deus. Logo, para budistas (gays), a vida se torna mais leve em entender e viver sua identidade sexual. O mesmo acontece com espíritas e anglicanos e algumas vertentes que, em paralelo às escrituras tradicionais, procuram interpretar seus ensinamentos de forma mais atual e holística.

O desejo pelo mesmo sexo não é algo previsível, assim como ser canhoto ou gostar mais de doce ou salgado. Esses conflitos são produto de uma mente discriminativa do próprio ego e de uma cultura imposta como verdade absoluta. Muito menos o sexo é visto como perpetuação da espécie humana para um projeto divino. É preciso ainda lembrar que somos um grande fluxo cármico de várias gerações e variedades, onde a Vida nos é concedida, em meio à causas e condições. Sempre brinco se alguém aqui pediu para nascer, rsrs, acho que não né?

Em nossas formações fisicas e mentais, eu vejo a sexualidade antes de tudo como uma identidade do desejo inato, não de uma influência de criação sócio-familiar, senão não haveriam individuos gays pois seus pais são héteros, nem uma opção pois a vida não é uma autoprogramação, e muito menos escolha, pois não há desejo pelo oposto como alternativa, salvo aqui os bissexuais. O desejo homoafetivo assim vem junto ao nascimento, aos que assim vieram, cedo ou tarde desvela seu instinto (o jargão "sair do armário"), mas pela força da sociedade que vivemos temos uma tendência a nos subjugar pela moral ditada pelos dogmas de culturas religiosas impostas e assim nos sentirmos culpados, confusos e castigados.

Nesse ponto, algo importante a se revelar: a crença e os dogmas de uma deteminada religião só tem validade se você nela crer, caso contrário, nenhum julgamento pode ser intimidador. Os dogmas e crenças são relativos, a verdade budista não é válida para judeus, nem a cristã para os muçulmanos, e nem preciso discorrer mais sobre o ponto visto os séculos de guerras. Portanto, a comunidade LGBT se faz posicionar no conceito de sociedade laica e assim respeitar sua presença junto à ela.

Logo, no budismo, o Buda o abraça em sua Luz e Sabedoria e o recebe em sua Terra Pura do jeito que é, por razões que brevemente discorri sobre os Agregados. Em breve analogia, é o que outras vertentes como anglicanos ou espíritas preconizam, aceitando a comunidade homoafetiva em suas sedes e os compreendendo como filhos de Deus. E, apenas para finalizar, as pessoas se preocupam tanto com o ato sexual em si, perpetuação da família (que aliás esse é outro assunto para mais tarde), plano divino, mas esquecem o mais profundo e fundamental, o Amor pelo outro expresso entre si no mais puro e belo afeto. E isso é absolutamente indiscutível, legítimo e relevante diante de qualquer religião.


Sobre o autor


Rev. Jean Tetsuji começou sua trajetória pela espiritualidade com a Igreja Messiânica, na qual chegou a ser pré-seminarista. Aos 30 anos começou a se interessar pelo Budismo. A questão de Criador e criatura sempre lhe foi alvo de inquietude, sobretudo com relação a culpa, pecado e sexualidade. Em 2002, começou a frequentar a Escola Terra Pura. Mudou-se para Maceió em 2005, onde firmou mais seus estudos, iniciando um pequeno grupo de estudos junto ao Rev. Wagner Bronzeri. Decidiu-se, então, a propagar o Dharma no sentido formal do Sangha. Foi ordenado em maio de 2013, no templo matriz (Honzan) em Kyoto, Japão, em uma cerimônia belíssima e solene junto a tantos outros com objetivo de propagar o Dharma, os ensinamentos do Mestre Shinran e do Buda Shakyamuni.