quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sou gay... e muçulmano. Como faço?


Por Paulo Stekel


Quando pensamos em gays no mundo muçulmano, imediatamente nosso pensamento se volta para o Oriente. Esquecemos ou sequer nos damos conta de que há muçulmanos no Brasil, brasileiros natos, e muçulmanos.. e, alguns, com certeza, gays.

Esta semana fomos surpreendidos por uma mensagem postada no blogue do Movimento Espiritualidade Inclusiva exatamente por um gay muçulmano brasileiro que resolveu desabafar e compartilhar conosco suas dúvidas, seu sofrimento e suas perspectivas de vida. Prometemos responder-lhe através do presente artigo.

A mensagem deixada por ele, que assinou apenas como “Samir”:

Boa noite. Sou muçulmano e gostei muito do blog. Contudo, vocês são cristãos ou são um grupo ecumênico? Nada contra mas só queria saber mesmo.

Eu passo por alguns problemas; me desculpem se eu usar o blog para desabafar pois não tenho ninguém para conversar.

Sofro como muçulmano e como gay. Minha identidade muçulmana é forte, rezo, leio o sagrado Quran e faço todos os preceitos que pede a religião. Para muitos muslims (muçulmanos) ser gay é tabu ou pecado; apenas uma minoria é cabeça aberta, aceita ou tolera. Minha família é toda religiosa.

Mas também não me identifico com o mundo gay, quer dizer boates, bares e essas coisas. Primeiro, que bebida alcoólica é haraam (pecaminoso) no islam e eu não bebo pois faz mal à saúde também. O meio gay é marcado por caras que querem só sexo, tem uns que se drogam, é muito triste. Quando eu vejo tal situação, penso e reflito: "não quero isso para mim!" Gostaria de conhecer um cara que fosse gente boa e cabeça aberta mas que também gostasse de um companheirismo, mais que sexo e que tivesse valores com os quais acredito (pode ser muçulmano, cristão, judeu, etc). Mas não gosto da promiscuidade dos meios gays.

Desculpa se falei alguma coisa que você não concorde, só tô falando o que sinto e que não posso falar sem ser apedrejado por ambos os lados (muçulmanos e gays).

Ótima semana a vocês! Jazak Allah Khair!”

O tom respeitoso da mensagem mostra realmente que seu autor é um muçulmano praticante, como pode deduzir qualquer pessoa que tenha estudado um pouco desta religião com olhos sem preconceito ou rotulantes. A perspectiva de seu autor é uma perspectiva religiosa, mas também é a perspectiva de alguém cuja orientação é homossexual. O conflito é evidente.

Então, respondamos a nosso amigo (assim o consideramos) Samir:


Prezado Samir.

Não somos um grupo cristão nem mesmo ecumênico, mas um movimento social laico que busca a inclusão dos LGBT no meio religioso e o confrontamento do preconceito homofóbico.

Você não só pode utilizar nosso blogue para desabafar como deve fazê-lo. Nossa função enquanto Movimento é exatamente dar apoio a todos os LGBT em situação de conflito por sua orientação sexual no tocante à dimensão religiosa. E, é o seu caso. Você é gay, e vai continuar a sê-lo; é muçulmano, e deseja continuar sendo. Tudo bem. Apoiamos integralmente sua aspiração. Contudo, você deve ter a noção do quanto poderá ser – e, provavelmente, será – difícil conciliar ambas as coisas numa base sem conflito. O conflito existirá e, à medida que a afirmação de sua identidade sexual for crescendo, crescerá também o risco do preconceito, do isolamento e da homofobia. Sinto não poder dizer palavras diferentes, mas nosso Brasil é homofóbico, sim, e o meio religioso é o que mais tem fomentado este vil preconceito.

Você diz sofrer duas vezes: como muçulmano e como gay. Entendemos. Como muçulmano, você sofre o preconceito a que se chama Islamofobia, aquele que vê em cada membro de sua religião um homem-bomba em potencial. Como gay, você sofre o preconceito da Homofobia, aquele que vê um ser humano como bom ou mau conforme sua orientação sexual. Então, uns o vêem como um “terrorista”, outros o vêem como um “pervertido”. O que isso evidencia? Evidencia o fato de que o ser humano é naturalmente preconceituoso. Sua causa é sempre o medo do diferente, do ameaçador, daquilo que não se pode rotular, nomear, enquadrar, conter... Mas, invariavelmente, o medo nos impede de conhecer verdadeiramente as pessoas, seu íntimo, sua essência. No final das contas, o medo que gera o preconceito nos impede de ver, de descobrir a Verdade, aquela mesma Verdade buscada por todas as religiões. Que paradoxo, não é mesmo? A Verdade liberta porque elimina o medo, é como entendemos este ditado bíblico. Eliminando o medo, ela nos permite a felicidade. E, em algum momento, você vai ter que vencer o medo, confrontar-se com a sua Verdade, e abrir-se para o mundo, pois só na auto-expressão diante do mundo, no compartilhamento de nossa essência com os demais, é que a felicidade plena se apresenta. No isolamento ela se esconde...

Você diz não se identificar com o “mundo gay”. Mas, não há um “mundo gay”! Há gays em todos os lugares, religiões, partidos políticos e profissões. Os gays da boate, dos bares ou das saunas são apenas uma parcela deles. Se isso não lhe agrada, tudo bem, você não precisa se aproximar destes lugares. Você é um ser livre. Ninguém vai arrastá-lo para onde seu coração não queira. Apenas, não confunda alguns lugares onde se encontram gays como sendo os lugares de todos os gays. Não confunda o comportamento de alguns gays com o comportamento de todos os gays. A condição homossexual não é cultural ou meramente comportamental. É visceral. E, sendo assim, há gays em todos os lugares e situações onde se pode encontrar não-gays: há os religiosos, os ateus, os agnósticos, os prostitutos, os tarados, os assexuados, os drogaditos, os boêmios, os abstêmios, os “pra casar”, os sem compromisso, os promíscuos, os monges, os devassos, os corruptos, os hipócritas e os santos... Encaixe-se onde preferir, ou se expresse de um modo peculiar e não-rotulável, se achar melhor. Mas, não se esconda, principalmente de si mesmo. Nenhum clérigo será mais responsável por sua vida e sua felicidade do que você mesmo, que é o único que sabe a real dor que sente. Nós, apenas, a podemos inferir.

Ficamos muito felizes em perceber que, ao manifestar seu desejo de ter um companheiro, o preconceito não tomou conta de sua mente, já que para você, ele poderia ser muçulmano, cristão, judeu, etc. Isso é grandioso! Significa que você não quer impôr nada a ninguém, nem converter, nem flagelar, mas quer apenas se expressar e permitir a expressão. Isso, em nossa opinião, é divino, se é que podemos usar o termo.

Podemos lhe dar uma boa notícia: com certeza, há outros como você, inclusive dentro da comunidade muçulmana brasileira. E, não devem ser poucos. E, estão na mesma situação que você, imaginamos. A única coisa que precisa acontecer é vocês se encontrarem de algum modo, saber da existência uns dos outros. Não há no Brasil (ainda) um movimento organizado de gays muçulmanos. Caberia aos gays da própria comunidade islâmica brasileira fazer com que este movimento viesse a existir. Quem se habilita?

Não tenha medo de ser apedrejado por ambos os lados – gays e muçulmanos –, pois ambos os lados possuem seus equívocos. Há gays que não aceitam a religião e criticam os gays religiosos. Achamos que há espaço para todos, ateus e teístas, religiosos, ateus e agnósticos. Da mesma forma, há religiosos que não aceitam gays e aqueles que são inclusivos ou, no mínimo, tolerante, o que não é a mesma coisa. Tudo depende de que tipo de pessoas nos aproximamos. Mas, mesmo que possamos escolher as pessoas que nos sejam mais favoráveis, ainda resta a família. E, a sua, pelo que nos relatou, é muito religiosa, o que significou nas entrelinhas que ela tem dificuldade em aceitar a orientação homossexual. Aí está a maior barreira a ser ultrapassada e, todos nós, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, já passamos ou ainda vamos passar pelo assumir-se em família. É como um rito de passagem, depois do qual nunca mais seremos os mesmos. Você deve preparar-se para isso, mais dia menos dia.

Poderíamos nos alongar mais, mas não achamos necessário. Nosso conselho final é que, se você pretende continuar sendo um muçulmano religioso, devoto e seguidor dos preceitos, ótimo. Mas, faça isso pensando em seus iguais, seus irmãos gays, e aproveite sua fé para entender sua religião e conciliar sua natureza homossexual com sua natureza religiosa, pois só dentro de você isso pode ser feito a contento. É como uma conversa privada com Deus, só você... e Ele. Sua Jihad maior. Se Ele não lhe condenar, não permita que os homens o condenem. Faça da luta contra o preconceito por orientação sexual dentro de sua religião sua própria Jihad menor, seu esforço, seu empenho, em Nome de Deus!

Nossa nobre aspiração é a de que este texto não inspire apenas ao Samir, mas a todos os muçulmanos no Brasil, e a todos os gays religiosos em conflito em todos os cantos de nosso imenso país.

5 comentários:

Felipe disse...

Quando ele disse " O meio gay é marcado por caras que querem só sexo" quase parei de ler... O meio gay é composto de milhares de pessoas umas diferentes das outras e há casais gays mt belos.. Às vezes mais companheiros do mts casais heteros.

Com relação ao islamismo, eu não vejo solução. Em quase TODOS os países islâmicos a homossexualidade é condenada. Quando eu era católico e vi q a sexualidade era um problema, sai do catolicismo! Ora bolas! Conheço vários ex-muçulmanos que deixaram a religião depois que souberam q era proibido. Simples assim, mude de religião. Esse Deus não serve pra você, o que, aliás, prova que Deus não é único, tal como os muçulmanos pregam...

Tente olhar o passado islâmico.. Os maiores poemas homoeróticos da história foram escritos na Idade Média por muçulmanos...Seria um começo interessante.. Pesquise a história de Shah Hussein e seu amado Maddho

Capitã disse...

Descordo .. nosso amigo Samir não precisar lagar a religião dele e nem de ser gay apenas se assumir e enfrentar tds os medos e barreiras ...

Lembre-se Samir a fé move montanhas.. sem fé o homem não eh nada .. sou umbandista e creio q sem fé nao andamos .. tem um trecho de um ponto de preto velho q diz assim
"Quem tem fé tem tudo.. Quem não tem fé não tem nada"

Então amigo não deixe sua religião por nada neste mundo e nem deixe nada abalar sua fé com ela vc quebra barreiras.. Segue enfrente com fé no final td dará certo.
Balance mas nao caia.

Anônimo disse...

Eu também me sinto um pouco como Samir. Sou evangélica e nunca tive uma namorada, embora sempre seja este o anseio profundo de meu coração. Tenho familiares que me criticam ou, me mandam e-mails e mensagens 'indiretas' do Silas Malafaia. A minha denominação não é a mesma de minha família, é mais equilibrada, mas, não conto a todos dobre meus sentimentos. Os íntimos de minha igreja, que sabem, me dizem que o celibato é o melhor caminho para mim. Enfim, vivo de amores platônicos.

Anônimo disse...

É a minha primeira vez no blog, e parabéns, é mt bom, inspirador e nos ensina como devemis lutar contra o preconceito: com amor...

Anônimo disse...

Assalam Aleikoun Samir, tbm sou muculmano e gay, gostaria de fazer amizade com vc. meu contato: 6492765068