sexta-feira, 26 de abril de 2013

Carta Aberta da RENACI-LGBT ao Povo Brasileiro contra Marco Feliciano


Por RENACI-LGBT (A RENACI/LGBT – Rede Nacional pela Cidadania LGBT, um coletivo nacional de militantes LGBT independentes, divulga Carta Aberta à população Brasileira rechaçando mais uma vez o Deputado Pastor Marco Feliciano - PSC/SP. Postado originalmente em http://atos420.blogspot.com.br/2013/04/carta-aberta-ao-povo-brasileiro.html)



Carta Aberta ao Povo Brasileiro


O Brasil vive um momento especialmente doloroso.

Assistimos boquiabertos e em espírito de luta a um ataque sem tréguas e sistemático aos Direitos Humanos em nosso país. Direitos Humanos dizem respeito a todos nós, nossos familiares, nossos pais, nossos filhos, vizinhos, amigos, transeuntes na rua, desconhecidos; ao rapaz engraçado da padaria, à moça educada da farmácia, ao simpático cobrador de ônibus, ao padre de nossa paróquia, ao pastor de nossa igreja evangélica ali na rua de trás, à mãe de santo que benze nossos afilhados quando estão de bucho virado, ao senhor que mal fala o português, ao que fala muito bem a nossa língua e por qualquer pessoa que possa passar por nossa cabeça.

2013, Brasil:  O Pastor Marco Feliciano (PSC – SP) assume a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e utilizando-se da fácil penetração que obtém entre as massas começa a produzir um crescente levante contra as liberdades religiosas e individuais no Brasil. Se na Nigéria e em diversos outros países onde existem uma minoria cristã a intolerância religiosa já dizimou milhares de vidas, por aqui a coisa poderá ficar igual ou pior do que nos países sem predominância cristã.

Não, não estamos exagerando. A morte de Pais de Santo e fechamento de Terreiros de Umbanda e Candomblé é incentivada por Marco Feliciano. Em vídeos amplamente divulgados na Internet, ele diz: "Profetizo o sepultamento dos pais de santo. Profetizo o fechamento dos terreiros de macumba." Não contente, ele ataca também a Igreja Católica : "Eu conheço o Deus de Paulo (São Paulo). Não é o Deus dessa religião morta e fajuta em que você está. Se há algum católico entre nós aqui, o que eu duvido muito, mas, se tiver, deixa eu explicar uma coisa. Primeiro: você não pode sentir aquilo que nós sentimos sem experimentar o Deus que nós sentimos. 'Não, pastor, não, pastor, mas eu sou carismático. Eu até aprendi a falar em línguas, colocaram uma fita no rádio e eu decorei.' Esse avivamento é o avivamento de Satanás”.

Marco Feliciano vai mais longe, ele ataca mulheres, negros, homossexuais, católicos, políticos que verdadeiramente lutam pelos Direitos Humanos  e qualquer pessoa que não partilhe de sua crença evangélica. Ataca artistas como John Lennon, Mamonas Assassinas e Caetano Veloso.

Desta forma, Marco Feliciano põe em xeque todas as grandes conquistas sociais dos últimos 60 anos. Com um pensamento opressor ele estimula o machismo, o racismo, a homofobia e a misoginia (ódio à mulher) e divide o Brasil em dois grupos: De um lado, armados com versículos bíblicos fora do contexto histórico em que foram apresentados, ficam os que acatam calados seus desmandos contra o segundo grupo que é composto por minorias que já são fragilizadas por inúmeras injustiças históricas ocorridas de forma criminosa e que lentamente tem conseguido seus direitos de forma dolorosa e suada, conquistas alcançadas através de muito suor, sangue e lágrimas.

Além disto, no âmbito político, Feliciano tem abusado de mentiras na tentativa de jogar seus fiéis contra o movimento que deseja vê-lo fora da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Sua assessoria tem lançados vídeos e frases fraudulentas a Deputados que são contrários às suas bizarrices. Uma das vítimas é o Deputado Federal Jean Wyllys, que tem sido caluniado com frequência, e a ele são atribuídas frases que apoiariam a pedofilia e o ódio ao cristianismo. Em uma delas, Feliciano diz que Jean Wyllys defendeu a pedofilia na Radio CBN o que foi prontamente desmentido pelo Grupo em sua página oficial na Rede Social Facebook. Ele também agride fisicamente, através de seguranças e da Polícia Legislativa,  manifestantes que se colocam contra ele nas reuniões da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

E por tudo o exposto, através desta, viemos em tom de denúncia e suplica ao Povo Brasileiro que entre nesta luta conosco contra Marco Feliciano e a Ditadura Fundamentalista que ele deseja implantar no Brasil.

Na tentativa de criminalizar o movimento, Feliciano usa de artifícios fajutos para jogar a população evangélica e cristã contra nós inresignados brasileiros. Não somos contra qualquer religião, nosso movimento é pluralista, agrega todas as religiões e crenças, bem como todas as identidades de gênero e orientações sexuais. Existem diversos praticantes do cristianismo entre nós!

Outras ações de cunho Fundamentalista estão sendo tomadas no sentido de calar e tolher os Direitos Humanos de quem não compartilha das ideias desse setor evangélico sectário. A Bancada Fundamentalista da Câmara dos Deputados propôs proposta de emenda constitucional, que está em tramitação na casa, permitindo que Igrejas contestem a constitucionalidade de Projetos de Lei aprovados no Congresso Nacional junto ao Superior Tribunal Federal; há outra proposta de emenda à Constituição que subordinará as decisões do STF sobre constitucionalidade de leis a um aval do Congresso, assim, caso uma Lei que vá contra os desejos fundamentalistas sejam vistas como constitucionais pelo STF e que a Bancada Fundamentalista não deseje que ela seja válida, poderá retornar ao Congresso e ser derrubada. Isto torna-se um perigo real se lembrarmos que a Bancada Fundamentalista barra todo e qualquer projeto de lei ou ato normativo que protejam os mais básicos direitos das pessoas LGBTs, tais como a criminalização da homofobia e transfobia, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, parceiro como dependente do INSS, direitos sexuais e reprodutivos da mulher, direito de religiões minoritárias, prevenção às DST/AIDS, educação contra a homofobia e transfobia junto a jovens e crianças, entre outros projetos de relevantes para a igualdade entre todos os brasileiros e brasileiras, independentemente de sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, raça, condição social, religião, origem. Além de perniciosos no que diz sobre Direitos Humanos, estes projetos atacam diretamente a independência assegurada ao Judiciário por meio da histórica e clássica regra da separação três poderes no Brasil.

Não desejamos que seja tolhido nosso direito de escutar a música que desejarmos, de torcer pelo time que amamos. Queremos continuar a tomar nossa cerveja nos fins de semana, depois de muitos dias de trabalho. Desejamos poder ir ao culto religioso que acalente nossos corações sem medo. Queremos amar as pessoas e casar com quem desejarmos sem o medo de sermos mortos ali na esquina. Quero poder cumprimentar a benzedeira que cuida de nossas mazelas, quero saber que ainda teremos cultura indígena no Brasil. Não desejamos que se ofendam por sua cor, raça, sexo, religião, orientação sexual, gosto musical, identidade de gênero ou qualquer outro quesito. Somos todos iguais perante a Lei e não pode haver divisão de classes entre melhores e piores. Marco Feliciano não deseja isto, ele deseja uma Ditadura Religiosa e Fundamentalista no Brasil.

Não somos o movimento LGBT, como ele quer fazer crer. Aliás, também somos o movimento LGBT, mas, somos também homens, somos mulheres, somos negros, somos brancos, somos católicos, somos evangélicos, somos budistas, somos harekrishnas, somos umbandistas, somos candomblecistas, somos ciganos, somos trabalhadores, somos estudantes, somos heterossexuais, somos homossexuais, somos bissexuais, somos transexuais, somos travestis, somos assexuados, somos férteis, somos inférteis, somos corintianos,  somos palmeirenses, somos vascaínos, somos flamenguistas, somos atleticanos, somos crianças, somos adolescentes, somos idosos, somos desempregados, somos gordos, somos magros, somos soropositivos, somos deficientes, somos brasileiros, somos estrangeiros, somos você! Somos iguais a você!

Somos um Brasil contra o Fundamentalismo de qualquer religião. E não desejamos ver nenhum massacre como os que estão acontecendo em países não-cristãos! Não queremos esta reprodução.

O Brasil é o país do futuro e por isto é o país do amor e da tolerância! Junte-se a nós!

 
RENACI–LGBT Rede Nacional Pela Cidadania LGBT

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Nota da ANNEB – Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil contra o fundamentalismo religioso


Postado por Prª. Wall e Pr. Will em 14 abril 2013 às 17:30 (postado originalmente em http://negrosnegrascristaos.ning.com/profiles/blogs/anneb-ltimos-acontecimentos-em-torno-da-elei-o-da-presid-ncia-da e reproduzido aqui pela relevância) 



NOTA PÚBLICA Nº 01 - 2013 

Tema: Últimos acontecimentos em torno da eleição da Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal

Assunto: Pronunciamento


Nós, da ANNEB – Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil vimos reafirmar o nosso compromisso com as Sagradas Escrituras (AT e NT), cujos valores inspiram a nossa luta contra toda e qualquer forma de discriminação à dignidade humana. O próprio Senhor Jesus Cristo, em seu evangelho, nos constrange a buscar entre todas as pessoas e de forma integral (Corpo, Alma e Espírito) uma vivência marcada pelo amor, pela justiça e pela paz, como testemunho autêntico de fé e compromisso com o seu Reino, principalmente com aquelas e aqueles que são consideradas e considerados mais vulneráveis em nossa sociedade.

Afinal, como bem diz o evangelho de Lucas 9.56 “O Filho do homem não veio para destruir as almas das pessoas, mas, para salvá-las”. Consequentemente, Jesus Cristo, por não fazer acepção de pessoas, convida a todos à vida plena, ao continuar dizendo: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt.11.28).

Isto posto, é nesse espírito de paz, justiça e amor que, de forma firme e irrevogável, nós, afiliadas e afiliados da ANNEB, repudiamos veementemente os pronunciamentos injuriosos contra as mulheres, os afrodescendentes e os homossexuais, proferidos pelo atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Justificativa:

Nós, brasileiras e brasileiros, formamos um povo plural do ponto de vista étnico-racial. A diversidade assim compreendida é pauta atual e imprescindível nas relações sociais, institucionais e religiosas. Ao mesmo tempo é tão antiga como a imagem do corpo utilizada por Paulo (I Cor. 12.12), a qual evidencia a importância das diferenças das partes e a igualdade de valor de todas para o bom funcionamento do corpo, mesmo diante de classificações preconceituosas como: esta parte é melhor ou mais nobre que outras.
Embora afirmemos o ensino bíblico de que Deus criou a mulher e o homem e que esta é a sexualidade reconhecida pelas Igrejas Evangélicas, respeitamos o direito de escolha das pessoas homoafetivas, visto que vivemos numa sociedade democrática. Todavia, entendemos serem também inalienáveis os direitos iguais aos evangélicos no que tange à opção pela heterossexualidade.

Com efeito, o impasse que ora se estabelece na sociedade exige de todos nós, serenidade, maturidade e, sobretudo, responsabilidade em nossos discursos. Por isso, lamentamos a falta de preparo científico e amor fraterno do atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, ao se pronunciar sobre temas, que no mínimo, nos convida a uma reflexão mais criteriosa.

A propósito, segundo Freitas, Arantes e Perilo (2010), essa possível virada icônica; hetero-homo; deve ser vista tanto no sentido da sexualidade-afetiva, quanto numa perspectiva política. De certa forma, a homossexualidade é também uma proposta de reorganização social, implicando em remanejo do capital econômico. Nesse sentido, o movimento homossexual deixa de ser visto como uma mera reação ao moralismo e passa a ser uma resposta à repressão e à exploração perpetrada por um sistema econômico patriarcal que junto com a modernidade já dá sinais de exaustão. Por aí se vê, que meros reducionismos ou mesmo, a violência verbal, não servirão em nada para dignificar o debate democrático. Isto posto, entendemos que precisamos de um moderador, cujo perfil esteja profundamente comprometido com a diversidade cultural e religiosa do nosso país. Não vemos esse perfil na atual presidência.

Reconhecemos que o racismo, os preconceitos e as discriminações são tratados nas igrejas e nas instituições evangélicas como tabu e com restrições. O assunto tem ensejado idéias de demonização e negativismo a respeito do povo negro e de seus costumes e tradições. Um exemplo disso são as afirmações do atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, primeiro, atribuindo uma pseudo-maldição bíblica sobre as e os afro-descendentes, o que se constitui tanto uma perversidade, quanto um desrespeito crasso da exegese bíblica. Em tempo, a interpretação de textos sagrados a serviço da política ou mesmo da dominação e do controle social, não tem sido incomum na história da humanidade.

Nesta mesma linha de raciocínio, segue a segunda afirmação do Presidente em apreço, reforçando as representações machistas, ao propor a negação de direitos iguais às mulheres.  Certamente, o mesmo não conhece a realidade das mulheres brasileiras, a começar de sua própria comunidade de fé. Não sabe que no país em que vive, mais da metade das famílias são monoparentais, chefiadas por mulheres. O nobre Senhor, não acompanha os jornais que diuturnamente demonstram que nossas mulheres estão sendo assassinadas. Certamente, o mesmo não tem tido interesse de acompanhar os últimos relatórios do Conselho Mundial de Igrejas que demonstram que “68% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência, a agressão aconteceu na residência”.

Portanto, é inadimissível um parlamentar tão inconsequente em seus discursos os quais certamente, não representa as evangélicas e os evangélicos, as brasileiras e os brasileiros, incluindo católicas e católicos, comprometidas  e comprometidos com uma vivência consciente dos valores do Reino de Deus (Paz, Justiça e Amor).

Nós da ANNEB entendemos, portanto, que dependendo da epistemologia cultural que uma dada sociedade alimente, haverá ou não respeito com a diversidade cultural de suas cidadãs e de seus cidadãos. E as religiões reúnem universos culturais simbólicos altamente diversos, por isso, a discussão dos direitos humanos certamente passa também pelo viés religioso. Do contrário, como bem nos lembra (Leitão e Vieira, 2010), “resta-nos a astúcia da ideologia da guerra e da classe oposta à outra”.


Referências

FREITAS, Fátima Regina Almeida; ARANTES, José Estevão Rocha; PERILO, Marcelo de Paula Pereira. Combatendo o preconceito: Discriminação e homofobia – Curso de Especialização, Diversidade Cultural e Cidadania, Universidade Federal de Goiás, 2010.

INFORMATIVO REGIONAL DA IGREJA METODISTA. 5ª RE. Ano 16. Janeiro-Fevereiro de 2013.

LEITÃO, Rosani  Moreira e  VIEIRA, Marisa Dama. Diversidade cultural e Cidadania In CIAR (Centro Integrado de Aprendizagem em Rede, UFG), 2010.

 
Assessoria:
Rev. José Roberto Alves Loiola
Relatoria Ministerial

Encaminhada para ANNEB-DF em 02/04/2013.

sábado, 20 de abril de 2013

Amar o homossexual e abominar a homossexualidade: sobre o amor pela metade


Por Luciano Freitas Filho



“O que é próprio das sociedades modernas não é o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo.” Michel Foucault


As discussões e polêmicas atuais em torno das questões LGBT nos leva a refletir sobre vários apontamentos feitos por quem apóia ou por quem condena a Diversidade Sexual. Dentre essas questões, elencamos o discurso de alguns religiosos evangélicos ao afirmar o amor pelo homossexual, mas a condenação à prática da homossexualidade, sugerindo, inclusive, a “cura”.

Quando leio ou escuto esse discurso, vem em mente refletir acerca da coerência no que se prega. Respeitar e ter “bem-querer” por um homossexual e não tolerar sua homossexualidade é contraditório e, sobretudo, um discurso desprovido de sentido. Imaginemos, por exemplo, amar o negro e condenar sua negritude, amar o sujeito oriental e ter antipatia por seus “olhinhos puxados”.

A contradição em foco se dá quando vemos ou percebemos o corpo do LGBT desarticulado de sua alma, vemos naquele desejo e/ou afeto algo desprovido de significado, enxergamos uma mecânica sexual meramente instintiva. O homossexual e sua homossexualidade se completam e coabitam em um corpo e espírito que não é desprovido de desejo, de eroticidade e, sobretudo, de afetividade. Não há sentido amar homossexuais e condenar sua homossexualidade, não existe amor pela metade.

A nossa homossexualidade não é tudo o que somos na condição de pessoa humana, ela não configura o que somos na integralidade enquanto sujeitos do/no mundo. Entretanto, ela é parte constitutiva do que somos na condição de pessoas em relação com o mundo e com as pessoas que nele (co)existem.

Desatrelar o homossexual de sua Orientação afetivo-sexual é o mesmo que afirmar um sujeito assexuado, uma “entidade desencarnada”. A homossexualidade é constitutiva do homossexual na condição de humano, de indivíduo demasiadamente humano. É na linguagem e pela linguagem do meu corpo, que me constituo como sujeito na íntegra. Enquanto homossexuais, somos constitutivos da nossa relação com o mundo e do mundo conosco. É dialético, dialógico e, essencialmente, digno.

Pensemos, pois, sujeito na condição de objeto. Ao despir o homossexual de sua homossexualidade, coisificamos o sujeito, e isso por si só é de uma violência e mesquinhez ímpar, de longe é significado de amor para com meu próximo. É sem dúvida, mesmo que sem intencionalidade, um ato de homofobia, uma violação carnal do corpo, e essa homofobia, coadunando com Borrilo (2001), constitui-se como uma ameaça aos valores democráticos de compreensão e de respeito ao outro.

Não há cura para o que não precisa ser curado. Na verdade, o que precisa de cura e o que vem destruindo e abalando as relações da família não são os LGBT, mas sim as contradições e a persistência do capitalismo como discurso e prática em poder. O Desenvolvimento econômico das cidades reclama a solidez e seu firmamento, a “melhoria do bem estar das pessoas”, entretanto, sem humanização ela empurra para a fluidez, para o estado líquido, as relações familiares e as relações humanas como um todo.

Quando afirmamos amar o homossexual e condenar sua homossexualidade nos travestindo com/de boa-fé, estamos na verdade agindo de má-fé.


Sobre o autor


Luciano Freitas Filho é Secretário Nacional LGBT do PSB.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

[Documentário] O Mesmo Amor

Por Espiritualidade Inclusiva

A pedidos, apresentamos aqui o vídeo-documentário "O Mesmo Amor", que mostra o trabalho realizado no Brasil pelas Igrejas Inclusivas.

O vídeo-documentário "O Mesmo Amor" foi produzido por quatro pessoas em parceria com a produtora Firehouse Media. "O Mesmo Amor" aborda a temática da homossexualidade dentro da religião, focando na existência de igrejas cristãs inclusivas. Os produtores Luiza Judice, Mariane Galacini, Ligia Dumit e Paulo do Valle são formados em Jornalismo pela PUC-Campinas e o vídeo é resultado de um projeto de conclusão de curso, produzido, gravado e editado de forma totalmente independente (e com o conteúdo bastante autoral).

 "Em tempos de Felicianos, Malafaias, Bolsonaros e a intolerância (ou ignorância/desconhecimento) de grande parcela da população, acreditamos que o tema do documentário incita a reflexão, repensa a tolerância e proporciona discussões por outro viés do assunto." [Palavras de Luiza Judice, uma das produtoras do vídeo]


O MESMO AMOR [documentário]:

 

http://www.youtube.com/watch?v=KzXmnrG7-Fk

O documentário "O Mesmo Amor" é um retrato da relação de homossexuais com a religião a partir da história de vida de personagens que encontraram, dentro de um ambiente religioso que acolhe a diversidade, conforto e realização com a própria fé. O projeto tem como foco a Igreja Cristã Evangelho Para Todos, uma das primeiras igrejas cristãs do Brasil a pregar a Teologia Inclusiva.

Parabéns aos produtores pela iniciativa!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Bom ou o Ótimo: Qual PLC 122 queremos?


Por Paulo Stekel (coordenador geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva)

Paulo Stekel, 42 anos, natural de Santa Maria (RS), reside atualmente em Canoas (RS). Músico, jornalista, prof. de línguas sagradas e especialista em escritas antigas, de origem católica, se converteu ao Budismo em 1995. Assinou declaração de união estável (2007) em cartório de Porto Alegre (RS), com o companheiro com o qual vive há quase 12 anos. É ativista em assuntos relacionados à espiritualidade e Direitos LGBT, sendo administrador do blogue e coordenador do Movimento Espiritualidade Inclusiva, ambos lançados em dez/2011. Autor de mais de mais de 50 artigos sobre a relação entre Espiritualidade, Sexualidade e Diversidade.


Introdução

No dia 25 de março de 2013, o Senador Paulo Paim fez um discurso no Senado Federal intitulado “Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia”. Na qualidade de relator do Projeto de Lei da Câmara 122, conhecido por muitos como o Projeto da Lei Anti-homofobia, Paim deu um tom muito claro, positivo e favorável à aprovação de um projeto que realmente contemple as necessidades da comunidade LGBT brasileira.

Lemos o discurso, fizemos algumas considerações, o debatemos com colegas de ativismo LGBT e, na quinta-feira (28 de março), em audiência com o próprio Senador Paim, em Canoas – RS, juntamente com diversos defensores dos Direitos Humanos, pudemos esclarecer alguns pontos do referido discurso. As respostas que obtivemos diretamente do relator foram plenamente satisfatórias, fazendo-nos ver que temos até o momento o melhor relator que o PLC 122 poderia ter: um homem comprometido com os movimentos sociais (afrodescendentes, aposentados, deficientes, etc.) desde o início de sua militância política e, antes de tudo, um conciliador. Um relator radical seria, com certeza, um tiro no pé. O radicalismo muitas vezes tem norteado o debate e se faz necessário um relator que saiba colocar o debate em seu devido lugar: a violência contra minorias, uma delas, a LGBT.

Em nossa conversa, o Senador Paim deixou bem claro que três conceitos o nortearão como relator na definição do texto final do PLC 122: o ódio, a violência e a intolerância. Lhe respondemos que nós, os LGBT, queremos exatamente a coibição destas três formas de preconceito contra nossa minoria. Não queremos mais do que isso, não queremos fechar templos religiosos, não queremos trancafiar pastores e não queremos queimar a Bíblia. Só queremos os mesmos direitos de todos os demais cidadãos e a proteção contra atentados à nossa integridade física e moral. A alegria dele ao ouvir isso foi inspiradora. Não falamos por TODOS os LGBT, mas por experiência e conhecimento de como funcionam as coisas, falamos pela maioria sensata.

O tom da relatoria

O Senador Paim deixou claro, e concordamos com ele, que é preferível a aprovação de um projeto “bom” para todos – de forma que possamos nos resguardar do ódio, da violência e da intolerância –, à aprovação de um projeto “ótimo”, o que, dadas as forças democráticas em jogo, é geralmente muito difícil ou mesmo impossível de se conquistar num primeiro momento. Paim disse que prefere colocar em votação o “bom”, por ser mais fácil aprovar e um primeiro passo para irmos adiante. Faz sentido. Sabemos que as forças radicais deste país não querem nem mesmo a aprovação do “bom”, mas isso não vem ao caso, pois o debate vai aumentar a cada dia e vamos continuar lutando e defendendo nossas necessidades cidadãs.

Há radicalismos em todos os lados nesta questão. Há radicalismos fundamentalistas, ideológicos, político-partidários... Nada disso contribui, de fato, para o debate, apenas acirra os ânimos. Na construção de um texto final adequado que contemple os três pontos a ser enfrentados, conforme citados por Paim – ódio, violência e intolerância – nenhum radicalismo é adequado, mas, sim, o consenso e a contribuição de todos os interessados, garantindo a legitimidade do que venha a ser aprovado. Em geral, os mais radicais, de que lado venham, são as pessoas que menos conhecem o próprio PLC 122, como bem frisou Paim em nossa conversa. A maioria nem sequer leu o projeto, não sabe o que ele propõe, e usa de argumentos desviantes, para ganhar atenção e forçar a opinião pública. Neste artigo, nossa principal função é esclarecer os diversos formadores de opinião, sejam LGBT ou não.

O que o PLC 122 diz em sua redação atual

Um percentual considerável de pessoas envolvidas no debate em questão não sabe minimamente o que o PLC 122 propõe. Não vamos transcrever o projeto todo, mas, apresentando-o em seus pontos cruciais, ele diz o seguinte (grifamos os trechos que interessam à comunidade LGBT):

Projeto de Lei da Câmara Nº 122, de 2006 (nº 5.003/2001, na Câmara dos Deputados)

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (NR)

(…) Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:
“Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.” (NR)
“Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
“Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:
Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.” (NR)
(...)Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:
“Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
“Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
(...)Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:
“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:
I – reclamação do ofendido ou ofendida;
II – ato ou ofício de autoridade competente;
III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”
“Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.
§ 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.
§ 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta anti-discriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil.”
Art. 10. O § 3º do do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 140. …......................................................................................................................
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.” (NR) (...)

O texto original (2001) era menor e menos amplo que o atual, de 2006. O que o Senador Paim, relator do Projeto, se propõe agora, é ampliar o debate, dando voz a todos os setores da sociedade, favoráveis ou contrários. O relatório que ele produzirá – segundo ele mesmo – será feito a partir de muitos argumentos, mas sempre pautado pelo debate internacional em curso, de modo que sirva para o combate à homofobia, que é o que queremos. Isso está muito claro no discurso a que nos referimos no início deste texto, e o qual comentaremos trecho a trecho a seguir (os grifos são nossos).

O discurso do relator

Pronunciamento sobre o PLC 122 que criminaliza a homofobia.”

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,

A Constituição da República contém, no conjunto de suas diretrizes para a construção do Brasil que sonhamos, indiscutível vetor civilizatório, que nos propõe a convivência social harmoniosa, coesa, tolerante e hospitaleira.

Não há lugar, no País livre e democrático que desejamos construir, para a aceitação da discriminação e da intolerância, de qualquer matiz.

Não aceitamos, no Brasil, a discriminação racial ou decorrente das orientações sexuais dos indivíduos. Por esta razão, estamos debatendo o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que criminaliza a homofobia.

Comentário: Aqui, já se pode perceber o tom nitidamente anti-discriminatório que norteará o relatório a ser produzido para o PLC 122. Ao citar a discriminação racial imediatamente antes da discriminação por orientação sexual, o relator deixa evidente a similitude existente nas naturezas de ambas as formas de discriminação: a intolerância com o outro por causa de sua pressuposta “diferença” (racial, étnica, sexual, etc) e não encaixamento num status quo e modus vivendi arbitrária ou culturalmente determinado pela parcela dominante da sociedade (a branca e heterossexual, neste caso). Baseado nesta noção óbvia, a via de equiparação do crime de homofobia ao de racismo não nos parece inadequada nem impossível de ser levada adiante. Em ambos os casos, a odiosa não aceitação do outro por sua “diferença” é o mote para atos violentos prejudiciais à dignidade do indivíduo – física e/ou moralmente.

Senhoras e Senhores Senadores,

Os debates que dizem respeito à diversidade sexual passam por questões de conteúdo moral e religioso.

Em uma sociedade plural e democrática, todas as correntes filosóficas; teológicas; ideológicas; todo e qualquer grupo de pressão merece expressar sua visão no espaço público.

A convivência pacífica nas ruas e bairros da cidade impõe ao Estado igualdade no tratamento a crentes e descrentes; a ateus, agnósticos ou àqueles que acreditam no Criador do Universo.

Comentário: Este trecho evidencia a importância do Estado Laico na promoção e manutenção da paz na nação. Caso contrário, qualquer corrente citada poderia interferir de modo majoritário na vida da sociedade, obrigando correntes opostas a seguir regras aviltantes conforme a natureza de suas crenças. Mas, não é assim. Num Estado Laico as diferentes crenças têm seu direito à existência e expressão garantidos, ressalvadas as formas previstas em lei que redundem em prejuízo à vida (ex. apologia ao nazismo), à dignidade (ex. racismo) ou à auto-estima de qualquer dos gêneros (ex. preconceito contra a mulher), conforme definido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Contudo, realmente o debate acerca da diversidade sexual “passa” no mundo todo por questões morais e religiosas. Mas, sob o ponto de vista de um Estado Laico, tais questões morais e religiosas jamais poderiam impedir a livre expressão sexual ou de gênero a cidadãos que possuem “moralmente” os mesmos direitos, sob pena de um preconceito “aos moldes” do racismo escravagista do qual o Brasil, aliás, foi o último a se afastar. O seremos também no que concerne à homofobia? Lutaremos para que assim não seja!

Se pegarmos a Constituição da República, do inesquecível dia 05 de outubro de 1988, veremos, no caput do art.5º, um entre os mais importantes vetores da Carta, que regula nossa vida coletiva.

A Constituição Brasileira promove a dignidade da pessoa humana, e o seu art. 5º estabelece que, em nosso democrático País (abro aspas), “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada, nos termos seguintes” (fecho aspas).

Em seguida, o art. 5º oferta à sociedade brasileira seu longo e admirável catálogo de Direitos Fundamentais, distribuídos em nada menos que 78 incisos que se destinam, pela força de nosso pensar e agir coletivos, a viabilizar a mais completa emancipação, tanto material quanto espiritual, do povo brasileiro.

Vislumbramos, portanto, a convivência mais harmônica e respeitosa dos membros da sociedade brasileira, muito embora reconhecendo que a razão de ser da Política, o seu suporte e seu núcleo residem, exatamente, na administração dos conflitos em sociedades complexas, na certeza de que no transcurso infindável do tempo, o debate nos preserve, minimamente, o direito à própria expressão.

Comentário: Quando a Constituição Federal garante a “dignidade da pessoa humana sem distinção de qualquer natureza”, não deveríamos nem ter que estar postulando através de um Projeto de Lei que a dignidade da pessoa humana LGBT seja respeitada sem distinção de qualquer natureza. Mas, uma Constituição democrática não é um texto perfeito, nem parado no tempo, e nem consegue contemplar todas as noções sociais ou as demandas de setores da sociedade igualitariamente. Obviamente, deve ser adequada, e é exatamente isso o que queremos com a aprovação do PLC 122.

O mesmo vale para as demandas dos idosos e dos deficientes físicos, como citados no Art. 10º do projeto atual e aos quais nós, os LGBT, somos totalmente solidários. Mesmo porque, em nosso Brasil, o preconceito se sobrepõe ao preconceito. Temos o gay negro, o gay negro idoso, o gay negro idoso e deficiente físico, a mulher negra idosa e deficiente física... enfim, os estratos de preconceito se sobrepõem como escaras de chibatas recorrentes ao longo de uma vida inteira... É preciso corrigir isso o mais rápido possível, sob risco de regarmos a semente de uma nação preconceituosa que não queremos para os que virão depois de nós.

Se algum espaço houver, na prática de uma Política que se queira maiúscula, em qualquer sociedade avançada, é preciso compreender que a intolerância legalmente albergada e aceita, não é compatível com a democracia. A democracia não tem como tolerar a própria intolerância.

Em uma discussão no âmbito físico e espiritual do espaço público, de relevância para a coletividade, parece politicamente inegociável que a livre expressão represente a condição de base para a garantia da liberdade humana.

O ser humano, dotado de consciência e razão, nasce livre em sua essência mais profunda.

Desprovido de liberdade, calado em seu direito mais sagrado de tomar a palavra na rua ou na praça, terá morrido, espiritualmente, para a vida social e até mesmo privada.

Comentário: Realmente, quando a intolerância é aceita ou deixada livre em uma nação plural, a semente do ódio e do levante se instala, pois o ser humano tem um limite no sofrimento que lhe pode ser imposto. O descontentamento dos povos, etnias e minorias oprimidas tem um limite histórico bem conhecido, especialmente nos últimos séculos. Já estamos ouvindo falar em uma “Primavera Gay” no Brasil, um levante ideológico LGBT para pressionar mudanças na lei inspirado nos moldes da “Primavera Árabe”. Será que precisamos deixar as coisas chegarem a este ponto, quando bastaria reconhecer o que a própria Constituição Federal franqueia a todos os cidadãos brasileiros? Pois, a aprovação do PLC 122 seria este reconhecimento.

A quem interessa manter o status atual de preconceito homofóbico desenfreado em nosso país? A fundamentalistas religiosos? A neonazistas? A conservadores? Como podem invocar motivos religiosos para cometer ou incitar crimes num país laico? Como podem incitar ou cometer assassinatos contra pessoas unicamente por sua orientação sexual num país que não criminaliza orientações diversas da heterossexual? Como podem relacionar os direitos das orientações não-heterossexuais ao “fim da família tradicional” num mundo em que o padrão pai-mãe já foi quebrado há décadas? Podem porque a lei ainda não os coíbe! Nós, LGBT, ainda estamos num verdadeiro “limbo jurídico” que depende da boa vontade de magistrados quando o assunto é nossa segurança, dignidade, direito à vida e mesmo benefícios sociais franqueados a quaisquer outros cidadãos. Isso é inaceitável sob todos os pontos de vista!

Senhoras e Senhores Senadores,

O púlpito deste plenário, no Senado da República, representa nada menos que o espaço democrático da livre expressão das unidades federativas e, consequentemente, de cada uma de suas gentes, e esta prerrogativa historicamente construída deve se reproduzir em todos os aspectos da vida coletiva.

Em nossa visão, ao Estado laico cumpre a tarefa de a todos ouvir, indistintamente, sem se deixar dominar por esta ou aquela visão de mundo; sem que se admita a errônea cristalização, no ordenamento jurídico, de concepções ultrapassadas que, visando uniformizar mulheres e homens não uniformizáveis, culminem na supressão do direito inalienável das minorias.

Ao representante público, portanto, pouco importa os termos com que uma determinada confissão religiosa ou filosófica, ou de setores da sociedade, encaram fenômenos demasiado humanos, como a homossexualidade ou a diferenciação de cor dos indivíduos.

Quero pontuar novamente que, em uma sociedade que se pretenda democrática, a vontade geral só poderia admitir a intolerância, nos estritos marcos legais, contra a própria intolerância.

Comentário: Este trecho é maravilhoso! O Estado Laico deve ouvir a todos, sem distinções, mas, ao mesmo tempo, não deve se deixar influenciar a ponto de cometer injustiças. A imparcialidade laica aqui está clara tanto quanto, mais uma vez neste discurso, a natureza da (homos)sexualidade e da cor dos indivíduos, sob o ponto de vista da igualdade e do direito à existência, bem como de expressão, por extensão.

Entre os dispositivos de coerção social aplicados ao longo da História – por vezes justa ou injustamente – cremos que os únicos incontestavelmente niveladores da igualdade são, nas palavras do relator, os que admitem a intolerância apenas “contra a própria intolerância”. Intolerar a intolerância, quando partindo do Estado, é tutelar a liberdade, garantindo sua expressão plena e igualitária, algo que a intolerância perniciosa extrai do sujeito humano de modo vil e cruel assim que se manifesta.

Acreditamos ser nosso dever e nossa salvação combater as compreensões de mundo que vislumbrem a uniformização dos seres humanos a partir de réguas, critérios e particularidades que lhes sejam próprios.

A infeliz experiência de autoritarismos e totalitarismos, em países supostamente avançados, como a Itália, o Japão e, principalmente, a Alemanha da primeira metade do século 20, mostram claramente que a felicidade humana deve ser veiculada pelo debate livre, que nos conduza à aceitação das mais variadas formas de vida, na certeza de que o pluralismo social vem a ser nossa maior riqueza.

Comentário: Esta é a grande luta enfrentada pelas mulheres, depois pelos afrodescendentes e, agora, pelos LGBT. A uniformização de toda uma sociedade a partir de noções particulares ou originadas em setores dela atenta contra a dignidade geral. A História está repleta de exemplos. A loucura de um único homem ao qual se permitiu descuidadamente uma ascensão sem avaliação criteriosa de consequências – Hitler – quase determinou a sobrevivência de uma etnia inteira – a judaica. Quando a ajuda chegou, os mortos já eram da ordem de milhões...

E, no caso da homofobia? Qual deverá ser o “teto” na estatística de assassinatos para que a sociedade brasileira se dê conta do “homocausto” (holocausto gay) que está sendo promovido em nosso país, nas palavras do decano do movimento LGBT brasileiro, Luiz Mott? Não estamos mais dispostos a aceitar a morte de mais nenhum LGBT por conta de homofobia, porque o valor de QUALQUER vida humana é o mesmo! Nossa solução? A aprovação do PLC 122.

Por isso, em face do renitente preconceito de raça ao afrodescendente ou da intolerância aos gays, às lésbicas, aos bissexuais e aos transgêneros, reiteramos, no Senado da República, o direito de todos e de cada um à dignidade da própria existência; o direito de todos e de cada um ao exercício cotidiano de sua liberdade de ser e à livre escolha no que diz respeito à vida privada.

Consideramos desumana toda e qualquer forma de intolerância que resulte na ofensa moral ou física a quem quer que seja e temos trabalhado diariamente, no Senado, pela construção de um País francamente acolhedor a todos os seres humanos, indistintamente.

Comentário: Terceiro trecho que equipara argumentos pró-lei anti-racismo a uma necessidade de mesma defesa no caso dos LGBT, combatendo preconceito, a ofensa moral, promovendo o direito à dignidade, à liberdade de ser e à livre escolha na vida privada. Creio que, indo por este caminho, aprovaremos o PLC 122 e teremos uma implantação semelhante à da lei anti-racismo: um processo gradual, suave e sem o absurdo alardeado por seus opositores – o que também aconteceu à época do debate sobre a lei anti-racismo –, ou seja, de um risco de denuncismo e prisões em massa ou por qualquer motivo que não a homofobia em si. Quem pensa assim, não entende nada de Direito Criminal, nem dos procedimentos de uma delegacia, que precisa da denúncia, da averiguação das provas e testemunhas, e só então pode levar adiante o procedimento, considerando ainda a possibilidade de falso testemunho. A aprovação do PLC 122 não vai colocar todos os não-LGBT sob suspeição de homofobia. Pelo contrário, vai garantir a expressão em todos os setores de uma diversidade já vista em nichos da sociedade não norteados pelo preconceito.

Senhoras e Senhores Senadores,

Considero importante relembrar, no âmbito da religiosidade, que, na obra máxima da cristandade, a Bíblia sagrada, o admirável Paulo manifesta sua perplexidade ante as contradições da existência humana, reconhecíveis em cada um de nós.

Diz o apóstolo de Cristo: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”.

Vou tomar emprestadas as poéticas palavras de Paulo para me reportar à quantidade de barbárie cotidiana em nosso País, em que uma mulher é fisicamente agredida a cada cinco minutos; ou no mundo, em que crianças de todos os continentes são alvo diário da violência de adultos brutalizados, e sofrem com a exploração, abusos e doenças, ou enfrentam, em sua mais linda idade, a necessidade de deixar seus lares por conta de conflitos armados; sob governos que não lhes garantem educação básica.

Exatamente porque, no mundo em que vivemos, mulheres e homens não fazem o bem que desejam fazer, mas apenas o mal que não querem, cerca de 218 milhões de menores submetem-se, diariamente, ao inaceitável trabalho infantil e entre elas, 300 mil atuam na condição de crianças-soldado.

Impõe-se a todos nós, portanto, trabalhar pela inversão da máxima do apóstolo Paulo, tanto mais porque o mundo em que vivemos parece estar gravemente adoentado.

Nele, as almas perdidas frequentemente governam e tiranizam, submetendo a seu jugo populações inteiras, por anos ou décadas.

No Brasil, acredito que a lenta e paciente organização de nossa democracia irá nos conduzir à gradativa neutralização da intolerância.

Comentários: As almas perdidas realmente parecem ganhar cada vez mais e mais terreno, e aqueles que vivem pregando o bem que se deveria fazer – os religiosos – muitas vezes são os primeiros a colocar o seu preconceito baseado em ideias arcaicas acima do bem que deveriam defender e fazer. Os exemplos estão às avessas e tem cabido aos oprimidos lembrar aos líderes as suas obrigações para com a Humanidade...

Não faz muito tempo nós vivíamos concepções de mundo mesquinhas e antigas, que tiranizavam africanos e afrodescendentes e que negavam às mulheres o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar.

Nós seguimos apostando no aprofundamento dos níveis de educação como antídoto à brutalização de nossa vida social.

No País que desejamos, todas as escolhas lícitas e não ofensivas ao direito do próximo merecerão de todos o máximo respeito, e do Estado a natural acolhida.

Comentário: Afrodescendentes e mulheres já gozam de (relativos) direitos e reconhecimento de suas naturezas junto à sociedade brasileira, mas dos LGBT poderíamos dizer, repetindo as palavras do relator, que ainda somos observados sob a vista de concepções de mundo mesquinhas e antigas, que nos tiranizam e nos negam o direito à voz e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar... ops, nem mesmo do próprio lar, pois a alienação familiar é frequentemente causa de uma das formas mais cruéis de homofobia, a que tem levado muitos jovens LGBT ao suicídio ou a uma vida à margem.

O Poder Judiciário brasileiro, por exemplo, tem caminhado neste sentido, reconhecendo a casais homossexuais a licitude da vida comum partilhada, inclusive no que se refere às repercussões patrimoniais de sua opção.

Comentário: Com certeza, o Judiciário anda décadas à frente do Legislativo no reconhecimento dos direitos das minorias. O aumento considerável no número de decisões favoráveis a casais homossexuais deve servir como recado a nossos parlamentares – o de que a sociedade brasileira não está tão despreparada como querem nos fazer crer os fundamentalistas no tocante a um novo modelo de família que não seja constituído exclusivamente pelo padrão pai-mãe heterossexual. O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF e a reavaliação do que constitui núcleo familiar estão adiante da coibição dos crimes de homofobia, o que é um flagrante contra-senso; podemos nos unir diante de um cartório por entendimento legal, mas não podemos nos defender do preconceito violento através de uma lei que nos inclua. Discrepâncias fomentadas pela morosidade de nosso Legislativo em ouvir as vozes da sociedade oprimida e dar-lhes devida proteção legal...

Ao Estado laico cumpre reconhecer, nas centenas de milhares de ativistas políticos reunidos, anualmente, nos desfiles públicos em favor dos direitos dos homossexuais, em todo o Brasil, a indiscutível existência de um grupo de pressão, tão legítimo e válido quanto os defensores dos interesses de empresários, de trabalhadores, de donas de casa; tão aceitável quanto os cidadãos que promovem os Direitos Humanos e, dentre estes, os defensores dos direitos dos afrodescendentes; os promotores dos direitos dos portadores de necessidades especiais; entre inúmeros outros exemplos.

Quero com essa menção reiterar que, em uma sociedade plural, todos os lícitos interesses do cidadão pagador de impostos merecem acolhida e reconhecimento pelo Estado, que pondera interesses na realização do conceito de bem comum.

Comentário: Ainda que as inúmeras Paradas Livres (ou Paradas Gays) realizadas Brasil afora possam ser objeto de crítica de todos os lados, na verdade, o que elas causam é um mal-estar no estômago dos preconceituosos, a quem o mais odioso é ver minorias se expressando livremente e buscando seu espaço de direito no Estado Laico. O resto, é moralismo e hipocrisia para desviar a atenção do maior objetivo do movimento LGBT: a conquista de direitos igualitários. Não direitos especiais, mas igualitários. Quem nos acusa de buscar direitos especiais, acima dos demais cidadãos deveria ver o quão contraditório é o que diz. Se não temos nem sequer direitos igualitários, como poderíamos postular algo especial? De forma alguma! Este NUNCA foi e NUNCA será o objetivo do ativismo LGBT. Somos, sim, um grupo de pressão, como muitos que desembarcam em Brasília todos os dias com os mais variados interesses; e, somos, como os demais, pagadores de impostos.

Senhoras e Senhores Senadores,

Tenho a grata satisfação de atuar, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, como relator do Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 206, que criminaliza a homofobia.

Na condição de relator, tenho a intenção de dar amplitude ao debate, pela abertura do espaço democrático de nossa Comissão às vozes da sociedade, contrárias ou favoráveis à proposta em debate.

Por meio de audiências públicas, pretendo produzir um relatório equilibrado e em consenso com o debate internacional em curso, que contemple todos os interesses em jogo, ao mesmo tempo em que sirva para o combate à homofobia, ao ódio e à violência gratuita que campeia no Brasil.

A premissa com que pretendo nortear o debate é a premissa maior de que todos somos, a despeito de nossa cultura, de nossa opção religiosa ou orientação sexual, contrários à homofobia, na medida em que a liberdade humana está na base dos Direitos Humanos.

Comentário: Este trecho é o mais claro do discurso do relator, pois dá o tom de sua relatoria. A amplitude do debate é importante para a legitimidade do processo. Por vezes, será acirrado, mas a democracia o permite, nos limites da lei.

As audiências públicas já estão em curso e devem se intensificar nos próximos meses. Todas as forças – favoráveis e contrárias – já se movimentam para fazer valer suas ideias. Eis a hora da sociedade brasileira se posicionar e dizer se é conivente com o preconceito violento que ceifa vidas humanas por conta de sua orientação sexual ou se é uma sociedade de paz, fraterna, que busca o amor ao próximo e que não aceita o ódio, a violência e o assassinato em circunstância alguma.

Um país em que alguns cidadãos não possuem a mesma liberdade dos demais, estando sujeitos a diversas formas de violência quando decidem expressá-la abertamente, não é um país totalmente livre, pois seu próprio preconceito, velado ou às claras, o mantém preso ética e moralmente numa escuridão espiritual cruel.

Senhoras e Senhores Senadores,

Vemos no debate humano, desde tempos imemoriais, a voz audível de intelectuais humanistas, que fazem engrandecer e avançar, geração após geração, o valor inegociável da liberdade humana.

Pensadores como Elie Wiesel, nascido na Transilvânia e de confissão judaica, tendo perdido, aos 15 anos, a mãe, o pai e uma irmã nos campos nazistas de extermínio, afirmou o seguinte: (abro aspas) “Eu jurei nunca ficar em silêncio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação. Devemos sempre tomar partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado” (fecho aspas).

Ainda que profundamente marcado por sua vivência infeliz de aniquilamento e ódio, Elie Wiesel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1986, costumava relembrar que “O oposto do amor não é ódio, mas indiferença”, e logrou trabalhar por um mundo melhor, mais livre e mais aberto à aceitação das diferenças.

Comentário: Isso nos permite concluir que neutralidade e indiferença, quando se trata de confrontar opressões, são mais cruéis do que se pensa, pois passam uma procuração subliminar ao opressor para que ele continue agindo impunemente. Quando fundamentalistas se recusam a debater o PLC 122 ou mesmo a propor uma redação mínima que defenda os oprimidos (e, nunca propuseram uma redação mínima que nos contemple) e pregam que não somos objeto de direito protetivo, mas que deveríamos “fazer nossas coisas” no escuro de nossos quartos, longe de seus olhos, isso é, nitidamente, opressão da pior espécie, além de falta de uma espiritualidade que contradiz o que pregam.

Nunca tivemos embates religiosos violentos no Brasil. Nunca tivemos levantes sociais sérios por aqui. Nunca entramos em guerra com outro país desde a formação da República. Vamos, agora, criar a semente de um embate entre religiosos fundamentalistas e movimentos sociais porque o Estado Laico está sob ameaça devido a interferências impensadas em qualquer país sério? Nenhum cidadão consciente e de bem deseja isso!

Senhoras e Senhores Senadores,

O tempo presente nos incita à ação coletiva em defesa das liberdades.

Neste ano de 2013, em que a Igreja Católica escolheu seu novo Papa, que terá por desafio a bem-vinda renovação valorativa do cristianismo no mundo, vale relembrar que a octogenária Rainha Elizabeth Segundo, da Inglaterra, assinou nova Declaração de Direitos Humanos contrária à discriminação de homossexuais, apoiada por 54 Estados.

Comentário: Pois bem, se a octogenária Rainha da Inglaterra, a quem poderíamos facilmente julgar a fina flor do conservadorismo europeu, reconheceu os direitos dos homossexuais, como podemos nós, que pertencemos ao Novo Mundo, promessa de renovação do planeta, demorar tanto tempo para aprovar mecanismos legais de defesa dos oprimidos? Estamos muito atrasados e não há mais tempo a perder!

O Brasil generoso, aberto, democrático, conciliador e plural haverá de reforçar, em todo o mundo, os melhores exemplos de tolerância e de hospitalidade, primando pelas garantias inerentes à liberdade humana, uma vez que, nas palavras do sociólogo português Boaventura Souza Santos, (abro aspas) “temos o direito de ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (fecho aspas).

As minorias no Brasil sempre reiteram que, dadas as condições humanas, “ser diferente é normal”, e o que pretendemos, no Senado da República, é fomentar e garantir o direito inalienável de que cada concidadão nosso busque, de maneira lícita e que mais lhe aprouver, a própria felicidade, que orienta a trajetória pessoal de cada indivíduo no mundo.

Era o que tinha a dizer,
Sala das Sessões, 22 de março de 2013.

Senador Paulo Paim.

Comentário: A nossa busca por Felicidade, no momento, passa pela garantia de nossa própria integridade física, não contemplada plenamente na lei brasileira, do ponto de vista jurídico. Mais do que “diferentes” nós, LGBT, somos “diversos” e, em nossa diversidade, devemos ser reconhecidos como naturalmente existentes e não um produto artificial de qualquer ordenamento comportamental consciente ou mutável por (auto)flagelação. Não podemos ser curados porque não somos doentes; não podemos ser mudados porque não escolhemos ser como somos; não podemos ser escondidos porque estamos sob o mesmo sol e pisando no mesmo solo da Pátria, Mãe Gentil! Lutaremos até o fim pelos nossos direitos inalienáveis já reconhecidos internacionalmente, não esmoreceremos nunca, e seremos, sim, um grupo de pressão cada vez mais forte, pois a fraqueza nos tem matado em maior número a cada dia sob os olhares “neutros” e “indiferentes” daqueles que deveriam nos defender pelo simples fato de sermos seres humanos...

À guisa de conclusão

De tudo o que analisamos acerca do discurso do relator Paim vislumbramos uma conclusão óbvia e inspiradora: a aprovação do PLC 122 não será o fim, mas apenas o começo de um processo de valorização da dignidade e da identidade LGBT no Brasil, além de um exemplo e recado para o resto do mundo: nós existimos e temos os mesmos direitos de todos!

A impressão que o Senador Paim nos causou foi muito positiva, de modo que realmente temos esperança de que ele está e continuará do lado dos oprimidos – como já o demonstrou em seu histórico impecável. Ainda que pese sua neutralidade como relator, para poder promover um debate plural, podemos considerá-lo nosso aliado e alguém mais que interessado e comprometido com o bem comum, a segurança, a integridade e a dignidade de todos nós, os LGBT.

A parte que compete a ele é ser o relator. A nossa parte é contribuir com o debate de modo intenso e participativo, para que a redação final contemple nossas necessidades. Como sugere o título deste artigo, o PLC 122 que queremos pode ser o “ótimo”, mas assim, certamente não será aceito por muitas forças contrárias. O PLC 122 “bom”, que contemple o enquadramento legal do ódio, violência e intolerância aos LGBT, certamente será aprovado pois, em caso contrário, será o fim da democracia livre chamada BRASIL! Contudo, como o texto final do Projeto ainda não foi produzido, no momento não podemos dizer, de fato, qual seria o texto “ótimo” e qual seria o texto “bom”. Cabe-nos fazer a lição de casa, posicionando-nos e contribuindo para a construção deste texto. Mãos à obra!


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Uma veste, um culto e um pouco de teologia – A assustadora ideia de um homossexual com poder


Por André Musskopf [publicado originalmente em http://andremusskopf.blogspot.com.br/2013/04/uma-veste-um-culto-e-um-pouco-de.html]


Uma das frases e cenas de que mais gosto no filme Milk – A voz da igualdade é quando ele (Milk) tem uma vitória na Câmara dos Conselheiros garantindo-lhe poder de negociação com o Prefeito. Pensativo, ele diz: “Um homossexual com poder... isso é assustador”. Isso não deixa de ser verdade para qualquer espaço de atuação, inclusive na Igreja. Há várias formas de se materializar o poder que alguém detém ou supõe-se que detenha. Embora não seja essa a sua função, não é incomum no senso comum ou mesmo em algumas teologias bastante questionáveis, atribuir-se poder a alguém, preferencialmente aos homens, quando em trajes especiais como albas, batinas, talares, camisas com gola clerical e outros modelos com nomes mais complicados e aparências ostentatórias. O terno e a gravata também entram nesse rol de “vestes de poder”, embora o argumento para usá-lo ao invés de vestes litúrgicas mais tradicionais seja comumente o de se vestir de maneira comum para justamente não reafirmar a diferença entre o ministro (autoridade) e a comunidade (leiga). Mas e quem é que, no meio do povo, usa terno e gravata em seu cotidiano? O fato é que, mesmo que concordemos que a roupa, ou no caso as vestes litúrgicas, não conferem nem representam um poder especial à pessoa no exercício de tarefas ministeriais, há um poder simbólico que não passa despercebido.

Isso fica mais evidente quando se trata supostamente de um “gay” e, ainda mais, “um militante da causa gay”. Um homossexual usando uma veste litúrgica e co-celebrando um culto... isso sim é assustador! – para algumas pessoas. É fato que para os mais em dia com as discussões teológicas sobre ordenação ao ministério eclesiástico, ministério geral de toda pessoa crente, culto cristão e outras questões relacionadas não há nenhum problema teológico ou dogmático em um “gay” ou mesmo um “militante da causa gay”, batizado e membro da Igreja co-celebrar um culto usando veste litúrgica semelhante aos/às demais celebrantes. Afinal, a veste litúrgica tem única e exclusivamente a função de identificar as pessoas responsáveis e ministrantes de uma celebração litúrgica, sem lhe conferir nem poder ou status especial diante da comunidade que compõe o corpo de Cristo, sem nenhuma distinção de mérito. Ainda assim, mais do que a ideia a imagem de algo dessa natureza tem aparentemente um poder simbólico sobre quem se depara com o fato de que algo assim pode acontecer.

Alguns/as podem dizer “é assim que deve ser”; “eu sinto a presença do Espírito Santo”; “é tão bom ver isso acontecer”; “esse é o seu lugar”; e outros/as podem dizer que “isso é um escândalo”; que “a Igreja não deveria permitir”; que “isso é uma falta de ética”; que é “como Renan Calheiros estar na Comissão de Ética: é regulamentarmente correto, porém eticamente equivocado” (será que diríamos o mesmo a respeito do Deputado Marco Feliciano na presidência Comissão de Direitos Humanos e Minorias?). E como nossa teologia não alcança para questionar a participação litúrgica de um gay (e militante) num culto cristão, poderíamos sair em busca de uma outra justificativa que dê algum alento para a assustadora imagem que essa realidade evoca – um homossexual com poder. Invoquemos a tão abusada (e necessária) ética e teremos uma racionalização teológica capaz de impedir o triunfo apocalíptico da aberração final de nosso bem religioso mais precioso. Será?

Meus senhores! Até nisso uma tal teologia não alcança. Se adentrarmos no campo da ética cristã, por exemplo, teremos que colocar as nossas cartas na mesa. O repetir de versículos bíblicos ou a invocação do tão caro princípio protestante sola Scriptura é apenas um mascaramento para a falta de traquejo no campo da ética teológica. Afinal, nenhuma ética cristã se sustentaria, começando pelas Escrituras Hebraicas ou mesmo apelando exclusivamente para o Testamento Cristão (antes ou depois do processo de canonização), sem o diálogo com os dois mil anos de cristianismo e, principalmente, com os desafios colocados a cada nova geração – ou seja, a experiência real e cotidiana de cristãos/ãs e suas experiências de fé. Talvez mesmo os/as luteranos/as mais ortodoxos/as não exatamente compreendam o que significa o princípio sola Scriptura no contexto da teologia luterana (para me manter nessa linha específica do pensamento teológico). Até mesmo aí teríamos que entrar no campo da história da interpretação do texto bíblico e utilizar as ferramentas disponíveis para a sua compreensão no contexto mais amplo das relações e formas de conhecimento contemporâneas. É... dá um certo trabalho. Mas falar de ética implica pelo menos nisso, assim dizem os currículos das instituições teológicas por aí. E ainda assim, seria necessário discutir em que consiste a falta de ética nesse caso específico – da expressão simbólica de um homossexual com poder co-celebrando um culto cristão.

Se tivermos acordo sobre o que implica a participação numa prática litúrgica (no caso um culto eucarístico) conforme descrito acima, a falta de ética não estaria na simples participação. Como no caso de Renan Calheiros, reconheceríamos a legitimidade regulamentar (talvez dogmática e doutrinária) dessa participação. A falta de ética estaria, então, em algo anterior, ou seja, no fato de ser “um gay”, “militante da causa gay”, a aceitar tomar parte em tal evento e considerando tais condições. Mais do que isso, a falta de ética talvez não estivesse nem no fato de “ser” um gay, mas muito mais no fato de ser um “militante da causa gay” - e mais uma vez estamos muito mais no campo do poder simbólico do que do poder efetivo, afinal, na prática, “um gay”, “militante da causa”, tem pouco ou nenhum poder efetivo numa estrutura institucional que nega a sua existência ao se negar a dialogar com e sobre a mesma, mesmo quando emite (e nisso concordaríamos) documentos teologicamente frágeis e politicamente irrelevantes.

Fiquemos, por ora, no campo do poder simbólico. O que há de anti-ético, do ponto de vista da ética teológica cristã em “ser gay” e “militar na causa gay”? Como discutido acima, no campo da discussão ética, seria necessário muito mais do que alguns versículos bíblicos para estabelecer um posicionamento conclusivo a esse respeito (como, aliás, nem muitas igrejas tem feito), sem discutir o tema do ponto de vista da história (inclusive da interpretação bíblica) e da realidade concreta de pessoas (inclusive batizadas e membros da Igreja) no atual momento histórico. Não me parece, do que tenho visto por aí, que exista algum posicionamento eticamente sustentável quanto ao caráter anti-ético de ser ou militar na causa gay (dentro ou fora da igreja), mas eu certamente estaria aberto a discutir essas questões. No caso específico do exercício do ministério ou de funções ministeriais (como é o caso de uma celebração litúrgica) talvez o mais assustador seja que um homossexual não se apresenta para dita ocasião vestindo um “talar rosa”, pois muitos/as já ouviram falar acerca de um livro que eu mesmo escrevi e onde discuto a questão de “homossexuais e o ministério na igreja”. Embora tenham ouvido falar, se guardam em seu imaginário e em suas fantasias a ideia de que um gay, militante, defendesse (pelo simples fato de ser gay e militante) o uso de um dito “talar rosa”, seguramente não leram o livro e muito menos estão em condições de fazer julgamentos pseudo-éticos sobre a participação de um homossexual, usando vestes litúrgicas, num culto cristão. Afinal, é muito mais assustador se um homossexual se apresenta para essa tarefa sem a marca de sua exclusão (o talar rosa), mas apenas como um de nós, pois assim, qualquer um de nós poderia ter a sua sexualidade questionada. E então, já nem é mais de ética que estamos falando.

Deve ser mesmo assustadora a imagem de um homossexual de vestes litúrgicas co-celebrando um culto para quem se agarra e defende as estruturas de poder (mesmo eclesiásticas) que continuam pervertendo o Evangelho de Jesus Cristo e a Palavra de Deus. De minha parte, agradeço a Deus pelas bênçãos e peço coragem e lucidez na caminhada. Pois mesmo quando me canso de fazer essas conversas tendo em vista a falta de capacidade reflexiva e crítica de alguns/as, ao fazê-lo, me relembro porque dediquei tanto da minha vida ao estudo da teologia e como é delicioso o trabalho teológico quando se deixa Deus atuar e nos surpreender.


Sobre o autor

André Musskopf é teólogo luterano. Bacharel, Mestre e Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Área de Concentração: Teologia Sistemática. Pesquisador nas áreas de: Estudos Feministas, Teorias de Gênero, Teoria Queer, Masculinidade, Homossexualidade e Diversidade Sexual, na sua relação com Religião e Teologia. Mora em São Leopoldo - RS.
Blog: http://andremusskopf.blogspot.com.br - Contato: asmusskopf@hotmail.com

terça-feira, 9 de abril de 2013

Ato Canoense de Repúdio a Marco Feliciano

Por Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas



Ato Canoense de Repúdio a Marco Feliciano

No dia 12 de abril, Canoas mostrará que é contra todas as formas de discriminação. Manifestação Fora Feliciano movimentará vários grupos discriminados na Praça do Avião.


09 de abril de 2013, Canoas - A exemplo do que já acontece desde março em todo o Brasil, Canoas mostrará nesta sexta-feira (12) que Feliciano não a representa! O Ato Canoense de Repúdio a Marco Feliciano está sendo organizado pelo Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas, com apoio de diversos setores da sociedade civil, religiosos de matriz africana, ONGs de ativismo LGBT, Escolas de Samba e todos os indignados com o preconceito que Marco Feliciano representa.

Ele não é o único, mas representa em seu discurso radical todas as formas de discriminação presentes em nosso país. Suas declarações têm atingido negros, mulheres, homossexuais e minorias religiosas.

Algumas frases de Feliciano: “Africanos descendem de ancestrais amaldiçoados por Noé, isso é fato” - “Eu profetizo a falência do reino das trevas. Profetizo o sepultamento dos pais de santo. Profetizo o fechamento dos terreiros de macumba. Profetizo a glória do Senhor na Terra.” - “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição.” - “A AIDS é o câncer gay.”

É em repúdio a estas formas cruéis de preconceito que vários movimentos sociais de Canoas se manifestarão. A concentração será a partir das 17h no Calçadão e, em seguida, haverá uma caminhada até a Praça do Avião, onde a sociedade civil se manifestará.

Assinam o Ato de Repúdio:

- Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas;
- Movimento Espiritualidade Inclusiva;
- Gabinete do Vereador Paulinho de Odé;
- ONG Parceiros da Diversidade;
- FAUERS (Federação Afro-Umbandista Espiritualista do RS);
- UNIAXÉS (Movimento pela União dos Axés);
- Escola de Samba Rosa Dourada;
- Escola de Samba Acadêmicos de Niterói.

Coletivo LGBT e Simpatizantes de Canoas
Fones: (51) 8416-6063 (Flávio Paim); 9217-5164 (Paulo Stekel); 9583-0205 (Ver. Paulinho de Odé)