segunda-feira, 18 de junho de 2012

Entrevista polêmica com Paulo Stekel para o blogue Entrevistas & Debates

Por Espiritualidade Inclusiva (cfe. postado originalmente em http://blogentrevistas.blogspot.com.br/2012/06/paulo-stekel.html)


Nota de Espiritualidade Inclusiva: A entrevista foi concedida por Paulo Stekel à jornalista Sophia Sheimberg, do blogue "Entrevistas & Debates". Sua repercussão está valendo um debate entre Stekel e o autor do blogue "Críticas & Pensamentos", Hallison Liberato, que tem posicionamento oposto quanto aos LGBT. O debate irá ao ar nos próximos dias.

Paulo Stekel

Nome: Paulo Stekel
Blog:
http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com
Religião: Budismo
Profissão: Músico, escritor, jornalista, prof. de línguas sagradas
Ideologia: Democrática


Introdução: Por Paulo Stekel

Paulo Stekel é escritor sobre espiritualidade, poliglota especializado em línguas antigas e sagradas, jornalista e músico. Paulo tem como principal atividade a música, sendo músico dos estilos new age/ambient/eletrônico. Nasceu em Santa Maria (Rio Grande de Sul - Brasil), em 1970. Filho de músico, começou a cantar aos 05 anos. De 1985 a 2005, Stekel voltou-se para outras áreas: literatura, jornalismo, línguas antigas.

Em 2005, ano em que morou em Brasília (DF), Stekel estudou canto tenor e sentiu que este era o momento de transformar tudo o que pesquisara por 20 anos em um trabalho "artístico-curativo" ou, então, de "entretenimento relaxante". Pensou em, aos poucos, aliar vários estilos da música eletrônica (New Age, Ambient, Trance, Progressive, Relax, etc.) a dois conceitos novos: o da música canalizada por inspiração e o da codificação de mantras hebraicos da Cabala e também de outras línguas sagradas (Latim, Sânscrito) em música. No caso dos mantras codificados, utilizaria as relações das letras sagradas com as notas musicais da escala cromática.

Em 2008, Stekel iniciou o projeto do primeiro álbum, "Qadosh". De lá para cá, produziu oito álbuns e mais de dezenas de singles, além de algumas trilhas sonoras para sites, blogues e web-séries.

Álbuns lançados: Qadosh (Música canalizada & Mantras codificados) – 2008; Galaktika (an internal space travel) – 2009; Fluindo Reiki... Natureza – 2010; Fluindo Reiki... Mantras – 2010;  Stekel (remixes & new song 2010) – 2010; Sacred Voices – 2010; The Planets (for XXIst Century) – 2011; Indigo (Cosmic Sounds for Activation) – 2011.

Além do trabalho musical, Stekel também escreveu nove livros sobre Cabala, línguas sagradas e espiritualidade: Curso de Cabala (2 volumes); Curso de Sânscrito (2 volumes); Elohê Israel – Filosofia Esotérica na Bíblia; Projeto Aurora – retorno a linguagem da consciência; Santo e Profano – Estudo Etimológico das Línguas Sagradas; Deuses e Demônios – verdades inauditas e mentiras anunciadas sobre os anjos; A Alma da Palavra.

Stekel também é ativista LGBT, tendo escrito mais de 60 artigos sobre o tema, especialmente envolvendo espiritualidade, religião e homofobia religiosa. Foi o autor da coluna “Impressões da Diversidade” no blogue “Gay Expression”. Tem 41 anos, vive em união estável há dez anos e é residente da cidade Canoas – RS.

Os artigos escritos por Paulo Stekel giram em torno da sexualidade e da religião, aliando experiências de sua vida visando promover a desconstrução dos velhos “clichês gays” que fazem com que as pessoas vejam os homossexuais como seres estranhos e não como seres humanos normais. Seus textos, a partir de um olhar crítico, geram percepções sobre a liberdade de expressão sexual, a vida diversa dos gays e sua relação com religião, ciência, política, arte, vida social e direitos humanos.

Atualmente administra e escreve para o blogue “Espiritualidade Inclusiva” e é o proponente e coordenador geral do Movimento Espiritualidade Inclusiva, criado em 2011.

BLOG / SITE / IDEIAS / IDEOLOGIA

Só se forem religiosos para serem considerados fundamentalistas


Qual o objetivo do seu blog?

O blogue http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com é o principal canal de comunicação do Movimento Espiritualidade Inclusiva com o mundo. Visa apresentar artigos sobre visão inclusiva nas diversas formas de espiritualidade; denúncias de preconceito religioso e fundamentalista contra LGBTs; dicas de blogues, sites, filmes e documentários; tradução de artigos; divulgação de eventos LGBT e os inclusivos; notícias do mundo LGBT; decisões legislativas e debates políticos relativos aos direitos LGBT; temas culturais relevantes.

Os gays se tornaram fundamentalistas?

Não. Só se forem religiosos para serem considerados fundamentalistas, o que não é o caso. Afinal, como escrevi em um artigo, o termo “fundamentalismo” se refere a movimentos (religiosos, ideológicos, políticos, econômicos, étnicos, etc.) cujos adeptos aderem de modo muito estrito aos princípios fundamentais. De modo pejorativo, o termo muitas vezes se refere a grupos religiosos intransigentes quanto aos princípios de suas fés ou a movimentos étnicos extremistas com motivações ou inspirações apenas nominalmente religiosas. No caso, os gays podem pertencer a quaisquer religiões, ideologias, partidos políticos, visões econômicas, grupos étnicos, etc. O “ser gay” em si não tem a ver com “princípios fundamentais” porque não é uma ideologia ou crença. Se é gay, e pronto. Então, não podemos dizer que os gays tenham se tornado fundamentalistas no sentido de serem gays. Gays são seres humanos, e isto está acima de qualquer fundameno, fundamentalismo ou ideologia. Todos merecem o mesmo respeito.

Por que chamar quem não concorda com o comportamento homossexual de homofóbico?

Não se pode “concordar” com algo ou “discordar” de algo que não constitui uma crença ou ideologia, mas simplesmente o como alguém é em seu íntimo. Um ser humano é muito mais do que seu comportamento sexual, seja hétero, homo ou bissexual. Reduzi-lo a sua sexualidade para inferiorizá-lo é uma atitude igual ao que padeceram as mulheres e os negros no passado recente. Considerando que homofobia é uma aversão, um ódio e uma intolerância a LGBTs que vem a se manifestar através da violência moral ou física contra esta minoria (cerca de 10 a 20% da humanidade), quem manifesta tal aversão, ódio ou intolerância que extrapola um simples “pensar” e exterioriza-se em atos de inferiorização, deve muito corretamente ser considerado “homofóbico”.

O que caracteriza alguém como homofóbico?

Como disse antes, quando a coisa extrapola o simples “pensar sobre”. Comparemos: todos sabemos que a lei anti-racismo impede que qualquer pessoa manifeste racismo abertamente. É crime inafiançável. Contudo, a lei não legisla sobre o pensamento íntimo de cada um. Há pessoas racistas em seu íntimo que, por não manifestarem isso publicamente e de modo a atentar contra a dignidade dos negros, não podem ser enquadradas na lei. Ou seja, a lei anti-racismo não acabou com os pensamentos racistas, embora coíba ações racistas. Com a homofobia é a mesma coisa, com a diferença de que ainda não temos uma lei anti-homofobia. Um homofóbico é alguém que não apenas pensa de modo aversivo com relação a homossexuais, mas que leva essa aversão a atos contra homossexuais. Este é o parâmetro para definirmos um homofóbico.

Vivemos num país livre. Criticar o comportamento homossexual faz parte dessa liberdade no seu ponto de vista?

Se a lei permitir criticar o “comportamento” heterossexual na mesma base, sim. Haverá uma polarização, e aí é que reside o perigo. Não podemos pensar que se tem todo o direito de criticar “comportamentos” não heteronormativos, mas ao criticarmos a própria heteronormatividade sermos acusados ignorantemente de estarmos tentando impôr nossa condição a outros. A homossexualidade, muito mais que um “comportamento”, é uma orientação. Não é opção, decisão consciente nem algo que se possa “curar”. É tão natural quanto a heterossexualidade.


SOCIEDADE / EDUCAÇÃO / CULTURA

Não existiu um projeto denominado “kit gay”. Este nome foi alcunhado de forma cafajeste pelos opositores cristãos fundamentalistas, os covardes membros da bancada evangélica


Há pouco tempo houve um projeto denominado “kit gay” que colocava material de apologia gay dentro de sala de aula para o público infanto-juvenil. Qual a sua opinião sobre esse material?

Não existiu um projeto denominado “kit gay”. Este nome foi alcunhado de forma cafajeste pelos opositores cristãos fundamentalistas, os covardes membros da bancada evangélica, a mesma que chafurda na lama com denúncias de corrupção, já que dizem ser de Deus, mas aliam-se ao Diabo na política corrupta de nosso país. O objetivo original do projeto era o de incluir os LGBT no ambiente escolar, onde são frequentemente vítimas de homofobia e bullying, com a consequente evasão escolar. Para isso, os alunos e professores deveriam conhecer os “diferentes”, os diversos da heteronormatividade corrente. Sem conhecê-los, não há como sequer respeitá-los, quanto mais incluí-los com todos os direitos de qualquer cidadão heterossexual. Portanto, não houve apologia alguma. Esta interpretação errônea foi criada pelos opositores do projeto.

Há preconceito contra o homossexual hoje no Brasil? Explique.

Se não houvesse preconceito contra o homossexual e todos os membros da comunidade LGBT no Brasil, os 112 direitos básicos que lhes são negados já teriam sido corrigidos, entre eles: não podem casar no civil; não adotam sobrenome do parceiro; não somam renda para alugar imóvel; não participam de programas do Estado vinculados à família; não têm a impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside; não têm garantia de pensão alimentícia em caso de separação; não têm garantia à metade dos bens em caso de separação; não adotam filhos em conjunto e não podem adotar o filho do parceiro; não podem ser inventariantes do parceiro falecido; não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre; não acompanham a parceira no parto; não podem ser curadores do parceiro declarado judicialmente incapaz; não podem declarar parceiro como dependente do Imposto de Renda; não têm suas ações legais julgadas pelas varas de família; não têm direito de converter união estável em casamento; não têm direito a assistência alimentar; não têm direito a pedir o afastamento temporário do companheiro da moradia do casal; não têm direito de eximir-se da obrigação de depor como testemunha contra o companheiro; não tem direito a não produzir prova contra o companheiro militar; entre outros. Atualmente, alguns destes direitos vem sendo assegurados na justiça e não por lei!

Fora isso, se não houvesse preconceito contra o homossexual no Brasil, a quantidade de assassinatos cometidos contra LGBTs em nosso país não teriam o requinte de crueldade que vemos, frequentemente com referências à sexualidade da vítima. A cultura do preconceito contra gays está arraigada na sociedade brasileira de um modo tal que parece perfeitamente normal fazer chacota, malhar, fazer piadas, denegrir a imagem e rebaixar a dignidade dos mesmos sem nem se perceber. O mesmo se fazia com os negros desde o período colonial, só tendo sido relativamente coibido a partir da lei anti-racismo. O mesmo se fazia com as mulheres até bem pouco tempo. Os gays, agora, parecem sofrer um preconceito que é um misto de racismo e misoginia, pois são considerados inferiores (como os misóginos consideram as mulheres) e uma categoria abaixo dos “normais” heterossexuais (como os racistas consideram os negros do ponto de vista étnico-racial).

Um dos entrevistados do meu blog escreveu sobre o “ismo” no final de uma palavra demonstrando que a palavra terminada em “ismo” não se trata, necessariamente, de doença e eu concordei com ele. Em várias partes do seu blog encontrei a palavra “cristianismo”. Se homossexualismo é doença, dizer que os religiosos se encaixam no cristianismo não seria também uma forma de preconceito?

Isso é desconhecer a Língua Portuguesa, o que é deplorável num país em que a educação claudica e se definha cada vez mais. O sufixo nominal “-ismo” serve para denominar doutrina, escola, teoria, sistema, modo de proceder ou pensar, ação: socialismo, capitalismo, comunismo, romantismo, ostracismo, realismo, anarquismo, terrorismo, exorcismo, homossexualismo. Então, o termo “homossexualismo” refere-se a uma ação e, assim, foi considerado doença pela antiga Psiquiatria, pois se referia à ação de se fazer sexo com alguém igual, isto é, do mesmo sexo. Pela mesma lógica, “cristianismo” é a ação de se fazer parte de uma doutrina religiosa que tem Cristo como o centro. Simples!

A cultura brasileira expressa que o homossexual é promíscuo. As paradas gays que ocorrem no Brasil e que são o maior meio de visibilidade dos homossexuais confirmam essa visão do brasileiro, basta procurar no youtube e no google. No carnaval a libertinagem é geral, tanto com homossexuais como heterossexuais. Os mesmos setores que criticam a devassidão no carnaval criticam também a devassidão nas paradas gays. Por que tentar mudar essa visão de parte da sociedade se é essa visão que os homossexuais oferecem a eles?

Como você mesmo evidenciou, se no Carnaval a libertinagem é geral, tanto com homossexuais como heterossexuais, a quem se deve atribuir a promiscuidade? A todos os seres humanos, sejam gays ou héteros? Se for assim, afirmar que homossexuais são promíscuos é um sofisma terrível. Da mesma forma, quem se prostitui nas ruas? Alguns heterossexuais e alguns homossexuais. Seria certo, neste caso, dizer que os seres humanos se prostituem ou nos referimos a alguns deles? Assim, podemos dizer que no universo homossexual há um pouco de tudo o que existe no universo heterossexual, e que generalizar apenas para o universo homossexual demonstra, ou ignorância, ou má intenção.

Se uma parcela de homossexuais vai às paradas gays, uma parcela muuuito maior não vai, e não se encaixa na proposta delas. A despeito de divergências entre os dois grupos, o que fica evidente é que toda a generalização é burra. A tendência de todo o moralismo é generalizar burramente!

Então, os homossexuais não são promíscuos, assim como os heterossexuais não são promíscuos. Mas, alguns homossexuais são promíscuos tanto quanto alguns heterossexuais o são.

Jair Bolsonaro lutou muito contra a aprovação da PL122 expondo todos os aspectos desse projeto de lei. Por que os gays querem uma lei específica se já se beneficiam das leis existentes como todo cidadão brasileiro?

Se nos beneficiássemos das leis existentes os 112 direitos que nos são negados estariam à nossa disposição sem precisarmos entrar na justiça e rezarmos para o processo não cair num juiz preconceituoso e fundamentalista. O mesmo disseram para os negros antes da lei anti-racismo, que também é uma lei específica e, hoje, contestada por quase ninguém, salvo os racistas. Por isso, precisamos de uma lei específica como a lei anti-racismo, a lei Maria da Penha, entre outras leis específicas de nossa legislação.

O Estado brasileiro é laico, mas não é ateu. Você concorda com a presença de religiosos na política brasileira?

O Estado brasileiro ser laico significa não ser nem teísta nem ateu. Significa simplesmente que o Estado não interfere na religiosidade de seus cidadãos, mas também não permite que a religião interfira no Estado, que deve governar para TODOS os cidadãos, independente da religião deles, ou do fato de não terem religião alguma, como no caso dos ateus. Neste caso, a política brasileira pode ter pessoas de quaisquer religiões ou de nenhuma, mas o que deve pautar as decisões políticas é o laicismo de estado (governar para todos) e a declaração dos direitos humanos.

Você concorda que toda sociedade precisa de moralidade?

Concordo, desde que possamos dar a chance da sociedade escolher sua moral de modo equânime. Por que devemos escolher uma moral especificamente cristã num país com diversas religiões? Concordo, desde que cada cidadão possa escolher sua moral – e, o faz, na base da liberdade religiosa constitucional -, mas sem impô-la a um outro cidadão por quaisquer meios, principalmente quando este professa outra religião ou nenhuma (no caso dos ateus), pois isso acaba com o princípio da isonomia e esfacela o estado laico. Portanto, moralidade impositiva, jamais!

A AIDS, desde o seu início, tem maior percentual de infecção nos gays. No Brasil, há campanhas direcionadas exclusivamente aos homossexuais. Há inclusive teorias que afirmam que os gays foram os disseminadores da doença como a vemos. O meio homossexual é um grupo de risco, embora o governo tenha retirado essa nomeação de “grupo de risco”?

O governo é quem teria que responder a essa pergunta, já que a arcaica noção de “grupo de risco” continua sendo apresentada mesmo após ter ficado claro que o que existem são “comportamentos de risco”, abrangendo heterossexuais, bissexuais e homossexuais.

Uganda, na África, é o país mais bem sucedido no combate à AIDS adotando uma política contra o homossexualismo e pela monogamia. Qual a sua opinião a respeito?

A pergunta foi mal-formulada e pode ser entendida como tendendo a levar a um sofisma quase nazistoide. Não foi o ataque aos gays em Uganda que diminuiu a infecção pelo HIV em Uganda e isso não é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. Esta mentira vil e tem sido afirmada pelos missionários cristãos e pelo governo daquele país há tempos e foi comprada em sua totalidade pelos missionários fundamentalistas brasileiros. Não esqueçamos que este país pretendeu varrer os gays de seu território do mesmo modo que Hitler quis varrer os judeus da face da terra por julgá-los responsáveis por tudo de ruim que a Alemanha passava na sua época. Além disso, monogamia não é garantia de não infecção, e é um juízo moral. Por que a infecção não é maior em países onde se adota a poligamia, como em repúblicas islâmicas?


RELIGIÃO

Jesus não ataca homossexuais em momento algum


Silas Malafaia é um grande combatente do movimento homossexual e com isso adquiriu mais admiradores e pessoas que se juntaram à sua causa contra os LGBT’s. Segundo ele, não faz críticas a pessoas envolvidas com a prática, mas a prática que envolve os gays. Toni Reis, um dos líderes do movimento homossexual o processou por criticar o movimento homossexual, no entanto, vemos gays abusarem da imagem da Igreja Católica como no exemplo da parada gay em São Paulo. Por que os gays podem criticar a religião mas a religião não pode criticar o homossexualismo?

Se a religião não estivesse podendo nos criticar, Malafaia já estaria preso há muito tempo. Os fundamentalistas deitam e rolam na crítica aos gays e o judiciário brasileiro é conivente com isso. A prova de que estão, sim, podendo criticar os LGBT à vontade sem qualquer ação em contrário do judiciário é exatamente o uso de imagens católicas na parada gay de São Paulo. Como assim? Simples e pérfido: o judiciário faz vistas grossas aos ataques que as comunidade LGBT recebe todos os dias de parte de pessoas como Malafaia, Bolsonaro, etc. Os organizadores LGBT da parada de São Paulo (não são o todo da comunidade LGBT) resolveram dar o troco para ver o que o judiciário faria. O que o judiciário fez? Simples, não quis cair na armadilha. Pois, se o judiciário se pronunciasse contra o que ocorreu na parada de São Paulo, estaria reconhecendo o embate e a coisa ia ficar mais feia, mas também mais equânime, com os dois lados podendo agora lutar na justiça em pé de igualdade. Poucos perceberam este detalhe “sutil”.

Há pouco tempo os gays perderam uma grande batalha que travaram contra o Pastor Silas Malafaia quando ele disse que a Igreja Católica tinha que descer de pau em cima dos homossexuais que profanaram as imagens sacras. O juiz que assinou o arquivamento do processo fez, inclusive, diversas críticas ao movimento homossexual dizendo até que quem deveria ser processado era quem profanou tais imagens. Qual a sua opinião a respeito?

Isso é a prova do que disse na resposta anterior: o juiz preferiu arquivar o processo contra Malafaia do mesmo modo que nenhum juiz se pronunciou em sentença contra o episódio das imagens católicas na parada gay de São Paulo. Na verdade, o judiciário está percebendo a palhaçada de Malafaia e dos seus, e está evitando dar pareceres definitivos para um dos lados, pois quando isso ocorrer, a coisa vai ficar muito feia, inclusive fora do Brasil, pois a imagem do país vai ser influenciada pela decisão. Ou o judiciário finalmente se pronuncia, ou equívocos dos dois lados vão continuar existindo.

Por que tentar fazer parte de um setor social (o cristianismo) que historicamente não aceita gays em suas fileiras? Não é uma maneira de forjar uma perseguição, já que outros grupos como comunistas na Igreja Católica (por exemplo) que são excomungados ou até mesmo quem não se coadune às regras que são necessárias aquele grupo?

Num país laico as pessoas têm o direito constitucional de pertencer a qualquer religião ou a nenhuma. Também têm o direito de que não se lhes exija nenhuma condição a mais por ser homossexual do que as que são exigidas de um heterossexual. Gays que querem ser cristãos estão no seu direito e, geralmente, atribuem o preconceito cristão aos cristãos, não à doutrina em si, que julgam mal-interpretada. Eu, particularmente, sou budista, e não tenho problemas em ser budista e gay, porque o Budismo não é uma religião que exclui LGBTs de suas fileiras. Já, o Movimento Espiritualidade Inclusiva é um movimento social que não apoia uma religião em particular em detrimento das demais. Não é um movimento cristão. É um movimento social laico que busca a inclusividade de todos no meio religioso de acordo com as bases de um Estado Laico.

Você diz em seu blog que se o Levítico fosse seguido à risca muita coisa precisaria ser mudada. No entanto, não vi você comentar que após o Levítico vieram outros profetas que modificaram algumas leis aplicadas aos hebreus, aliviando umas e endurecendo outras. Na cultura judaica há também o ensinamento oral, ou seja, a tradição. O homossexual está em pecado em todas elas. Por que criar uma interpretação diferente de uma interpretação que vem sendo feita há milhares de anos? Será que todos os profetas e rabinos, desde os tempos primeiros do judaísmo (milhares de anos) estão errados e alguns homossexuais que interpretaram agora estão certos?

Pois é. Algumas leis foram modificadas e outras não. Qual o critério? Critério de Deus ou critério dos homens? O ponto pacífico é que as religiões mudam, as prescrições religiosas mudam, e nada é tão estanque quanto se quer fazer parecer. Jesus não ataca homossexuais em momento algum, mesmo porque o termo “homossexual” é moderno. Naquela época não havia a noção da existência de orientações sexuais. Se pensava de modo reto em apenas uma versão de sexualidade, que é a macho-fêmea, homem-mulher. Não podemos culpar os antigos pelo desconhecimento, mas não podemos continuar em ignorância quando passamos a conhecer a realidade e a diversidade da formação da identidade sexual, da orientação e do gênero, conforme se tem demonstrado por inúmeras pesquisas científicas. Não se trata de quem está certo e quem está errado. Certa é a ciência à medida que vai desvendando os mistérios da sexualidade que os antigos sequer sonharam, embora se dessem na antiguidade às mesmas variações sexuais que nos damos hoje...

O Papa fala para os católicos. Os pastores falam para os evangélicos. Os rabinos falam para os judeus. Nenhum deles diz: “Saiam na rua e espanquem os homossexuais”. Pelo contrário, pedem orações por todos. Por que provoca-los dizendo que Cristo era homossexual se não há um só relato sobre práticas homossexuais em Jesus?

A rigor, não há provas históricas incontestáveis da existência nem de Jesus, nem do Buda, nem de Maomé, nem de Krishna, nem de Moisés. O que leva as religiões adiante é a fé dos praticantes, não uma suposta realidade histórica. Aí está todo o poder da religião, e vemos isso positivamente. Então, falar da sexualidade de figuras sobre as quais nem temos dados históricos suficientes é, realmente, uma provocação. No Movimento Espiritualidade Inclusiva não vemos as coisas desta forma no caso de Jesus. Contudo, há indícios de homossexualidade na Bíblia, em especial no caso de Davi e Jônatas, o que já foi pesquisado por inúmeros teólogos pró e contra.

O cristão Julio Severo teve sua família ameaçada por militantes homossexuais e teve que se exilar do Brasil. Não é uma prova da intolerância homossexual?

Se fosse verdade, seria prova do poder homossexual! E, se tal poder existisse, a tal ponto, nossos 112 direitos básicos negados já teriam sido conquistados. Mas, não é o caso. Ademais, se Julio Severo é cristão de carteirinha (sendo ateu!), Madonna é uma vestal!

A teosofia que você defende no seu blog está historicamente ligada ao controle de natalidade. Os homossexuais não podem estar sendo usados como um meio para a disseminação dos ideais da teosofia?

Não defendemos a Teosofia em nosso blogue. Pelo contrário, em alguns textos nossos a Sociedade Teosófica, que divulga o conceito de “teosofia” (sabedoria divina), é duramente criticada por ser elitista e sutilmente homofóbica. Então, como a Sociedade Teosófica não encara a questão homossexual de frente, mas põe isso para debaixo do tapete, é insensato imaginar que os gays sejam usados como meio para disseminar a Teosofia. (Risos)

O primeiro mandamento que Deus deu ao homem foi o de se multiplicar e encher a Terra, mandamento defendido por Cristo Jesus. Como você, enquanto homossexual que pertence a uma religião inclusiva pode se multiplicar? (note que “multiplicar-se” não se refere à adoção)

Não pertenço a nenhuma Igreja ou religião inclusiva. Os membros do Movimento Espiritualidade Inclusiva em particular são de várias religiões: Cristianismo, Espiritismo, Budismo, Umbanda, Judaísmo, Wicca, Paganismo, etc. Há ateus humanistas também.

Quanto a como eu e os demais homossexuais podemos nos “multiplicar”, a resposta é muito simples: a não ser que um homossexual seja estéril, ele pode se “multiplicar” como bem entender. Em geral, gays e lésbicas possuem a mesma taxa de fertilidade que heterossexuais. Então, não vejo problemas com a reprodução. Conheço vários casos de homens gays que tiveram filhos com amigas lésbicas e cuidam muito bem dos mesmos, sem que isso seja um problema. Conheço lésbicas que tiveram filhos por inseminação artificial e, mais uma vez, isso não foi um problema. Enfim, com estes casos vemos que mesmo sendo gays continuamos “multiplicando” outros seres humanos. Seres humanos, aliás, que não são necessariamente gays também. As pesquisas mostram que a taxa de homossexualidade entre filhos gerados por gays ainda é de 10 a 20%, como no caso de crianças geradas por casais heterossexuais.

Se algum entrevistado aceitar um debate, você estaria disposto a defender seu ponto de vista?

Faço isso todos os dias por conta do blogue e do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Debato sempre com argumentos e na base do respeito, sem termos chulos ou generalizações. A honestidade dos próprios argumentos residem em nunca perder a calma ou a oportunidade de esclarecer. Quando o outro debatedor descamba para as ofensas, significa que já jogou a toalha e acabaram-se os argumentos. Então, nestas bases, aceito debater com qualquer pessoa.

Deixe uma mensagem para as pessoas que você considera homofóbicas.

Caros homofóbicos. Se estamos de modo tão profundo sempre nas mentes de vocês, é porque não conseguem dormir sem resolver o que representamos para vocês. Se nossos direitos incomodam vocês, é porque, mesmo tendo todos os direitos que não temos, ainda não se sentem livres e felizes. Então, resolvam-se primeiro, e o resto se solucionará por conta. Amem-se, queiram-se, tenham coragem de ser homens e mulheres verdadeiramente religiosos (se for o caso) ou, pelo menos, cidadãos pró-equanimidade (no caso de ateus), que reconhecem que a felicidade vem de dentro e não de como os outros são ou como se comportam em suas intimidades. Boa sorte... Vão precisar!

2 comentários:

Atena disse...

Rapaz, meus parabéns.
Lógico, centrado e de bom senso.
Não sou homossexual, mas pela minha formação e pela minha consciência espiritual, defendo os direitos dos homoafetivos (termo bem mais apropriado) sempre que possível.
Já postei sobre esse assunto e continuarei postando.
Abraços e continue

Espiritualidade Inclusiva disse...

Que bom que podemos contar com seu apoio, Atena.

A causa dos direitos humanos deve incluir a todos os que têm seus direitos fundamentais negados ou atacados, e os direitos dos LGBT inserem-se neste quadro.

Fraternalmente,

Stekel