quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Homofobia Internalizada: O câncer que mata o meu Povo


Por Rev. Márcio Retamero (publicado originalmente em http://pastormarcioretamero.blogspot.com.br/2012/09/homofobia-internalizada-o-cancer-que.html)


Tudo nesta vida pode ser usado para o nosso bem ou para o nosso mal. A Rede Social mais famosa usada no mundo não foge à regra.

Foi no Facebook que ontem eu li uma manifestação muito contundente, vinda de um homossexual “cristão inclusivo” que era misoginia e homofobia internalizada 100%! Pura. Puríssima.

Misoginia é a aversão às mulheres ou a tudo o que é feminino, mesmo que essa aversão seja inconsciente. Contudo, ela manifesta-se na rejeição da feminilidade que pode ser expressa, por exemplo, num homossexual masculino cheio de trejeitos, ou seja, a famosa “pintosa” ou numa travesti.

Nossa sociedade é patriarcal e machista. Não é preciso ir muito longe para estarmos cientes disto. Basta lermos os jornais de todos os dias, assistirmos aos canais de televisão, ouvirmos as rádios ou acompanhar online as notícias. Podemos nos aprofundar e comparar o “valor de mercado” do homem e da mulher, muitas vezes na mesma área do conhecimento ou categoria trabalhista.

Geralmente, encontramos a homofobia internalizada nos/nas homossexuais egodistônicos (as), ou seja, aqueles e aquelas que ainda não se respeitam, não se amam e detestam sua orientação sexual. Homofobia Internalizada é acompanhada pela misoginia e pelo machismo e patriarcalismo.

A Homofobia Internalizada, num certo grau, atinge a todos e todas homossexuais, posto que, desde crianças, como diz Rubem Alves, a sociedade e a família, escrevem em nossos corpos, mentes e corações, suas falácias, preconceitos e todo tipo de injustiça e má interpretação da vida. Crescemos ouvindo que “azul é cor de homem; rosa, de mulher”; que “homem não chora”; que lugar de mulher é na cozinha ou é a auxiliadora do homem; inúmeras vezes presenciamos mães machistas, escravas do patriarcalismo ensinando as suas filhas a esconderem “as pererecas e não tocá-las”, enquanto ensinam aos meninos a botar o piru pra fora, mijar na rua e até mesmo acariciá-lo. Sim, eu fui criado assim!

A Homofobia Internalizada para ser curada é um longo processo, pois arrancar todo este lixo de dentro dos nossos corpos, mentes e corações, é doloroso e exige esforço para querermos nos libertar disso através da via do conhecimento. Portanto, aqui, ler, estudar é imprescindível. Contudo, tal qual os tóxicos-dependentes, é preciso querer, em primeiro lugar, ser liberto desse câncer que tem matado tantos e tantas homossexuais chamada “homofobia internalizada”.

Este câncer nos leva a rejeitar as “bichas pintosas”, as travestis, as transexuais, as “caminhoneiras”... e por aí vai... Leva-nos a querer enquadrar essa gente dentro do que chamamos de heteronormatividade, ou seja, o padrão social vigente: homem se comportando, sendo, vestindo, andando e falando como homem (ainda que gay) e mulher a mesma coisa (ainda que lésbica). A homofobia internalizada exclui, maltrata e faz das e dos homossexuais que não seguem a heteronormatividade alvos de preconceito até mesmo pelos seus pares homossexuais. Quando alguma “bicha pintosa” ou “sapatão caminhoneira” leva uma surra na rua dos homofóbicos ou quando atacados por lâmpadas na Avenida Paulista, as pessoas que sofrem de homofobia internalizada reproduzem o senso comum imbecil de culpar as vítimas, pois “mereceram”, “desrespeitaram a sociedade”, “se comportaram mal”.

A homofobia internalizada diz que a travesti é uma aberração, um monstro, pois não precisa um homem colocar peito, deixar crescer os cabelos, tomar hormônios femininos e falar igual a mulher. Logo, se a travesti é violentada na rua, vítima da homofobia social e religiosa, ela “mereceu”, pois para ser gay, não é preciso “se montar”.

Transexuais são alvos também dos que sofrem de homofobia internalizada; pois os que sofrem deste câncer dizem que é um absurdo um homem “extirpar o pênis” e a mulher “fazer crescer um pênis e arrancar os peitos”!

A homofobia internalizada divide a comunidade LGBT. Desune. Traz o sentimento de não pertencimento e joga à margem e às sombras, portanto, ao perigo dos homofóbicos que matam, as pessoas doentes deste câncer. Politicamente, a homofobia internalizada coloca o sujeito doente deste câncer contra os objetivos do Movimento Gay como o casamento civil igualitário e o PLC 122, que coíbe a manifestação homofóbica.

A homofobia internalizada leva gays e lésbicas cristãos a frequentarem igrejas convencionais na surdina, igrejas que não os aceitam, mas estão prontas e abertas para receberem seus fartos dízimos e ofertas. Tais igrejas fingem que não veem que entre eles existe uma lésbica, um gay, posto que estes se vestem como meninos e meninas “normais”, enquanto aguardam e oram para que sejam curados da “doença do homossexualismo (sic)”.

Lamentável é quando lemos as coisas que eu li ontem no Facebook, vindo de um homossexual membro de uma igreja dita inclusiva, ou seja, de uma igreja onde a homofobia internalizada deveria ser trabalhada a fim de ser exorcizada dos corpos e mentes destes doentes. Uma igreja que aceita calada manifestações homofóbicas vindas de homossexuais, não pode ser considerada inclusiva, mas, no mínimo, uma igreja gay heteronormatizada, ou seja, uma coisa que não presta serviço algum à inclusão, à libertação da pessoa homossexual cristã.

Devemos, em primeiro lugar, exercer o dom da misericórdia, do amor, da longanimidade e do perdão para com as pessoas homossexuais que sofrem do câncer da homofobia internalizada, mas não podemos parar por aí. Líderes eclesiásticos das igrejas ditas inclusivas devem trabalhar, em momentos oportunos, seja na escola dominical, seja em encontros e palestras o tema. É necessário, por exemplo, a ajuda profissional de psicólogos e psiquiatras; a leitura de textos sobre o assunto; as trocas de experiências como numa “terapia de grupo”, além de exibição de filmes como “Meninos não choram” e debates acerca desses filmes. Acima de tudo, a oração pela libertação e cura deste câncer chamado homofobia internalizada que atinge nosso povo.

Finalizando, não basta ser uma igreja que aceita homossexuais e que os/as enquadram na heteronormatividade para ser chamada de “igreja inclusiva”. Isso não é ser igreja inclusiva, mas igreja gay heteronormativa, uma “cangalhice” que reproduz o que temos de pior na nossa sociedade, que não liberta a pessoa homossexual, mas só reforça seus preconceitos inúteis, além de letais posturas.

Minha oração e desejo é que todas as igrejas que aceitam homossexuais abertamente trabalhem seriamente os corpos, mentes e corações das pessoas cancerosas da homofobia internalizada, libertando-as e curando-as, tornando-se assim, lugares seguros e saudáveis de adoração ao Senhor Uno e Trino, promovendo o Evangelho da Inclusão, sendo RADICALMENTE Inclusiva, como acontece, pela graça de Deus, nas Igrejas da Comunidade Metropolitana nos quatro cantos da Terra. Se assim não for, tais comunidades de fé não passarão de “igrejas gays heteronormativas”, lugar de gente doente, lugar de não libertação, lugar de exclusão, enfim, inferno existencial.


Deus nos abençoe e nos cure da homofobia internalizada todos os dias! Amém.


Sobre o autor


Márcio Retamero, 36 anos, é pastor da Comunidade Betel/ICM -RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. As reuniões ocorrem na Praia de Botafogo, nº 430, 2º andar, próximo ao Botafogo Praia Shopping e à estação Botafogo do Metrô Rio. E-mail: revretamero@betelrj.com

2 comentários:

RICARDO AGUIEIRAS disse...

Eu já disse várias vezes que Márcio Retamero é o maior militante LGBT brasileiro, atualmente. Sim, por que ele só tem um outro reflexo, que é o João Silvério Trevisan, os dois plenos de coragem, carisma, sem medo de darem a cara à tapa, sem rabos presos com nada, exceto com a luta gigantesca contra a homofobia. Desconheço outros como ele... Ver Márcio Retamero discursando é como ver Fernanda Montenegro num palco ou o Sir Laurence Olivier fazendo um Shakespeare como se fosse fácil que nem recitar batatinha quando nasce... inteligência e cultura de sobra, sem um pingo de arrogância. Antes, todos @s outr@s militantes fossem 10 % dele, inclusive eu...
Um beijo nele e outro no Paulo!
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br

Espiritualidade Inclusiva disse...

Ricardo,

Penso que o Rev. Márcio Retamero merece, sim, todos os elogios. A causa LGBT ganha muito com a visão ampla e não-sectária dele. Valorizemos, então. Abraços, xará!

Paulo Stekel