Por Toni Souza
Definitivamente, um dos
temas mais polêmicos na contemporaneidade cristã é a
Homossexualidade. Por isso, antes mesmo de escrever este, fui
motivado pela curiosidade a consultar um dicionário bíblico com o
propósito de obter informações referentes a este assunto e a
Bíblia. E entre tantas coisas, dizia o verbete do dicionário:
Pessoa que se atrai
sexualmente por pessoas de mesmo sexo. O comportamento homossexual é
proibido nas Escrituras (Lv 20,13) e foi uma das principais causas do
juízo divino contra Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13)
(YOUNGBLOOD, 2004, p 669 e 670).
Todo conceito traz
consigo uma superficialidade, revelando-se em uma definição pobre e
incapaz de comprovar uma inteireza. Observem que o significado a
Homossexualidade é circunscrito numa atmosfera de negação e
condenação, como se os homossexuais fossem “vítimas” de uma
atração perigosa e funesta e condenatória.
Mas, “assim diz a
Bíblia!” admitiram aqueles que não têm muita intimidade com as
Escrituras. Porém, os fiéis cristãos não hesitariam em ‘engrossar
o coro’ concordando com eles.
O fato é que apesar
das constatações bíblicas carregarem uma névoa de verdade, há
vários argumentos convergindo à Homossexualidade que dividem,
inclusive, muitas denominações e pessoas religiosas. Isso, é
claro, está muito relacionando a questão da interpretação dessas
passagens.
Estudiosos da área
afirmam que cerca de 15 textos bíblicos fundamentam essa discussão.
O propósito aqui não é escrever um tratado de fé com todas suas
páginas e citações, de modo, que valerá a pena recorrer à Bíblia
para conferir as menções bíblicas na sua extensão e contexto.
Cientes do objetivo deste artigo, façamos um passeio breve, por
conseguinte, reflexivo por alguns recantos da Bíblia que são
pertinentes a nossa conversa.
Comecemos pelo
princípio de tudo: Gênesis. O livro da origem do mundo e da
humanidade, oferece-nos duas narrações referentes ao mito da
criação dos primeiros ancestrais de todos os povos que habitam o
planeta (Gn 1,27-28 e 2,18-25). A partir desses trechos bíblicos,
muitos discorreram sobre como deveriam se estabelecer às relações
sexuais, afinal de contas, Deus havia criado Adão (HOMEM) para Eva
(MULHER); logo, o diferente significaria ir de encontro aos desígnios
de Deus.
A questão não é tão
simples assim. Se formos estudar as demais mitologias, algumas até
mais antigas do que a história mítica de Adão e Eva, como as
africanas, de pronto perceberemos uma forte semelhança entre as
mitologias. Algumas se assemelham por ter um deus supremo e criador
ou pela cronologia temporal das demais criações e por fim, pela
criação do homem que por estar cansado de viver sozinho ganha a
companhia da mulher para ser uma idônea companheira e, fundidos “numa
só carne”, pudessem cumprir a missão de serem fecundos e zelosos
das coisas de Deus.
Deste modo, a união em
casal de Adão e Eva representa o objetivo de multiplicar e exercer
o domínio sobre a terra.
Prossigamos nossa
viagem, ainda no mesmo livro dos Gênesis, mas por outros capítulos.
A história de Sodoma e
Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) é sobremaneira uma das mais intrigantes
da Bíblia, pois traz em seu bojo uma mensagem para a religião
cristã, bem como a humanidade. Em contrapartida, muitos têm feito
uma interpretação equivocada. No início dessa conversa, recorremos
à definição bíblica que entrelaçava o sentido da palavra
Homossexualidade com o pecado de Sodoma e Gomorra, ou seja, como um
pecado sexual. Mas, qual seria o verdadeiro pecado cometido por essas
duas cidades?!
Conforme a leitura dos
textos, é notório que Sodoma e Gomorra vivam embriagadas pela
soberba e mesquinhez. Deus, vendo aquilo, enviou anjos à cidade,
chegando lá foram surpreendidos por homens. É conveniente explicar
que o termo ‘homens’, nesse contexto, sugere uma amplitude, ou
seja, os anjos foram abordados por toda a população, (homens,
mulheres, crianças e idosos) “sem exceção”. Sodoma ao invés
de acolher os estrangeiros, ameaçou os visitantes atentando contra
eles com todo tipo de abuso:
“Mas, antes que se
deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de
Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim todo o povo de todo o
lado, e chamaram Ló e lhe disseram: onde estão os homens que, à
noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que
abusemos deles”, (Gênesis 19:4-5).
Para não incorrermos em
imprudente interpretação e conseguirmos produzir uma boa exegese,
será necessário estudar a presença dessa história em outros
livros da Bíblia, como por exemplo: Isaías, Ezequiel, Amós,
Sofonias, Lamentações, Deuteronômio, Mateus e Lucas. Vejamos a
versão de Ezequiel: “Eis em que consistia a iniqüidade de Sodoma,
tua irmã: na voracidade com que comia o seu pão, na despreocupação
tranqüila com que ela e suas filhas usufruíam os seus bens,
enquanto não davam nenhum amparo ao pobre e ao indigente” (16,
49).
De acordo com Ezequiel
16, 49 podemos concluir que o verdadeiro pecado de Sodoma e Gomorra
foi a falta de hospitalidade para com o próximo, pois tinham
riquezas e alimentos em abundância, conforto e bem-estar, mas apesar
disso não foram capazes de ajudar os mais pobres e os indigentes,
transgredindo a aliança com Deus.
Jesus, demonstrando ser
conhecedor da história do pecado de Sodoma e Gomorra usa o exemplo
dessas cidades para fazer recomendações no envio dos seus apóstolos
para a evangelização. Jesus no Evangelho de Mateus (10,12-15)
adverte:
“Ao entrares na casa,
saudai-a. Se, porém, não o for, tornem para vós outros a vossa
paz. Se alguém não voz receber, nem ouvir as vossas palavras, ao
sair daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em
verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no
dia do juízo, do que para aquela cidade”.
A interpretação
coerente dessas passagens bíblicas perpassa pela prática de acolher
o estrangeiro. Em Romanos 12, 13 o significado de ‘hospitalidade’
é o “amor de estrangeiro”. Já no Antigo Testamento, Abraão foi
um generoso hospedeiro quando convidava para a intimidade de sua
casa; oferecia comida e lavava os pés dos estrangeiros.
Assim sendo, antes de
sairmos pregando em nossos templos, igrejas e púlpitos que o pecado
de Sodoma e Gomorra era um pecado sexual, logo a ‘sodomia’
(perversão sexual, coito anal[1], pederastia), lembrem-se: toda
forma de exclusão seja por cor, classe social, sexo, idade e
orientação sexual configura-se como um abuso à pessoa humana.
Aquele e aquela que ainda não aprendeu a acolher o diferente está
cometendo um pecado abominável conforme os filhos de Sodoma e
Gomorra.
Observação:
[1] COITO ANAL: “[...]
Em primeiro lugar, nem todos os homens gays expressam sua relação
sexual desta maneira, e lésbicas evidentemente não o podem. Em
segundo lugar, muitos casais heterossexuais na verdade também usam
esta forma de intimidade.” (BRASH, 1998, p. 60).
Referências:
BRASH, Alan A.
Encarando nossas diferenças: as igrejas e seus membros homossexuais.
Tradução de Walter O. Schlupp. – São Leopoldo: Sinodal, 1998.
SISTO, Celso. Mãe
África: mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Editora
Paulus.
YOUNGBLOOD, Ronald F.;
co-editores F. F. Bruce & R. K. Harrison. Dicionário ilustrado
da Bíblia. Tradução Lucília Marques Pereira da Silva. São Paulo:
Vida Nova, 2004.
Sobre o autor
Toni Souza é baiano.
Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e
especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido.
Contato:
tonnysouza@gmail.com
Um comentário:
Muito bom, Toni! Abordagem inteligente e com a abrangência necessária, quando se fala de histórias contadas por diferentes bocas ao longo dos séculos. Parabéns!
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