Por Paulo Stekel
Vou confessar a vocês!
Tive a ideia deste artigo após consultar as estatísticas do blogue
Espiritualidade Inclusiva e constatar que alguém pesquisou
exatamente sobre isso. Tal indivíduo devia estar buscando alguma
relação entre sua identidade gay e a espiritualidade, esperando
encontrar algum alento para um conflito interno, talvez. Vamos
ajudá-lo!
A primeira coisa a
definir é “identidade gay” ou, como poderia ser mais amplamente
nomeada, “identidade LGBT”. Depois, precisamos observar se esta
identidade é em algo compatível ou incompatível com uma busca
espiritual.
Identidade gay tem a
ver, obviamente, com padrões de pensamento, formas do gay ver a si
mesmo, o tipo de significado que atribui às suas atrações
homossexuais e o que isso significa para ele.
A psicóloga Vivienne
Cass (Austrália) desenvolveu um modelo de formação de identidade
gay, o Model of Homosexuality Identity Formation, que pode
ajudar a definir como se processa a formação de tal identidade,
ainda que não explique em maiores detalhes como isso acontece.
Segundo esse modelo, a
formação da identidade gay passa por seis estágios que, uma vez
alcançados, o que não ocorre em todos os gays e nem é uma
necessidade imperativa, determinam uma certa prontidão para a
instalação de um repertório emocional/comportamental, tanto no
nível pessoal como no social.
Os estágios são (cfe.
http://www.rea.pt/forum/index.php?topic=2261.msg86900#msg86900):
1. Confusão de
identidade: nesse estágio o individuo começa a notar, a reconhecer
e a aceitar sua atração sexual por outros homens. Mas não se
imagina gay e identifica-se como heterossexual. Nem todos os
indivíduos que estão nesse estágio irão passar para o estágio
seguinte. Alguns aceitam suas fantasias homoeróticas, mas nem por
isso consideram a possibilidade de se tornarem gays.
2. Comparação de
identidade: durante esse estágio o indivíduo começa a considerar a
possibilidade de que talvez seja homossexual. Ele provavelmente não
emprega a palavra gay, uma vez que essa palavra está associada a um
estilo de vida muito particular, com o qual ele não se identifica. É
possível que aceite seu comportamento sexual, mas recuse a
identidade. Ou que aceite a identidade, mas decida reprimir seu
comportamento homossexual.
3. Tolerância de
identidade: aqui, o individuo já começa a identificar-se como gay,
embora ainda tenha dificuldades em se aproximar da cultura gay. Nesse
estágio as experiências (positivas ou negativas) são determinantes
para a continuidade (ou não) no processo de formação e para que
ele se mova (ou não) ao estágio seguinte.
4. Aceitação de
identidade: a passagem do estágio de tolerância para o de aceitação
se dá a partir de um sentimento de pertencimento e de identificação
com a comunidade gay. Nesse estágio o indivíduo tende a rejeitar os
segmentos antigays da sociedade e a se aproximar cada vez mais de
outros gays, adotando comportamentos, hábitos e linguagem própria
do grupo gay com o qual se identifica.
5. Orgulho de
identidade: nesse estágio o indivíduo identifica-se totalmente como
gay, reforçando, sempre que possível, as diferenças entre gays e
heteros. Podem surgir sentimentos de “nós contra eles” e uma
necessidade de se assumir completamente. Esse costuma ser o estágio
da maior parte dos ativistas.
6. Síntese de
identidade: no último estágio prevalece a integração entre gays e
heteros, e o indivíduo começa a compreender que nem todos os
heterossexuais são antigays. O indivíduo reconhece e luta contra a
homofobia e o preconceito, mas de uma forma mais tranqüila e sem
sentir-se ameaçado. Consegue integrar sua afetividade e sua
sexualidade a todas as áreas da vida.
O fato é que
provavelmente conhecemos pessoas LGBT em todos esses estágios.
Alguns gays se
consideram heterossexuais a vida toda, pois mesmo tendo “casos”
rápidos com pessoas do mesmo sexo, consideram que, sendo casados com
alguém do sexo oposto, não se consideram como tendo uma identidade
diversa da maioria. Outros gays até se consideram como tais, mas
evitam qualquer aproximação com a cultura gya, os assuntos
relacionados, ficando a parte de qualquer ativismo pró-direitos
LGBT.
No meio religioso, o
que impera é o desenvolvimento tardio da identidade gay. Gays
cristãos, por exemplo, só começam a desenvolver sua identidade
após chegar ao ensino superior, convivendo com outros gays em
estágio de desenvolvimento maior. Alguns padres cristãos gays
aceitam sua identidade, mas reprimem seu comportamento,
considerando-o pecaminoso.
Uma ressalva à
expressão “orgulho” usada no quinto estágio da psicóloga
autraliana. Ela diz que neste estágio o indivíduo reforça “sempre
que possível, as diferenças entre gays e héteros” e que esse
“costuma ser o estágio da maior parte dos ativistas”. Na
verdade, isso não tem nada a ver com o tão comentado (e polêmico)
Orgulho Gay, mote das Paradas Livres pelo mundo afora. O verdadeiro
Orgulho Gay tem mais a ver com uma sensação psicológica de
“normalidade, afinal!” causada pela percepção de que ser LGBT
não é uma aberração, mas está presente na natureza humana e até
na animal, do que com uma atitude de superioridade. O que as Paradas
Livres procuram enfatizar é essa “normalidade” e naturalidade da
diversidade sexual, e não uma divisão do mundo social em LGBTs e
Não-LGBTs.
Em A Identidade Gay:
Uma Construção Histórica (ver
http://www.pucsp.br/clinica/publicacoes/boletins/boletim10_07.htm),
Elcio Nogueira afirma:
“A homossexualidade
sofreu e ainda sofre, grandes preconceitos e estigmas, o sujeito
homoerótico, é bastante estigmatizado, e as religiões sejam elas
quais forem, ainda o colocam como o “porta-voz” do demônio, ou a
aberração que tem de voltar aos caminhos de Deus. O Lócus social
em que o indivíduo homoerótico foi obrigado a construir sua rede de
identificações, suas subjetividades, ou o que lhe foi permitido
desejar, e mesmo construir como relação possível com o outro,
influíram e tiveram preponderância, nas hoje chamadas relações
homoeróticas.”
Como hoje em dia alguns
grupos do movimento LGBT têm criticado a comercialização de uma
identidade gay e os auto-impostos guetos das culturas LGBT, nos
referimos a “identidade gay” como uma construção da pessoa LGBT
a partir de dentro e não de uma imposição ou pressão social. Tem
mais a ver com o próprio auto-conhecimento do indivíduo acerca de
sua sexualidade do que com uma construção midiática ou de
marketing segundo certas doutrinas ou ideologias.
Exatamente aqui pode
entrar o conceito de Espiritualidade, e é este conceito que pode
diferenciar umas identidade gay “pura” de uma identidade forjada
na mercadologia do momento.
No desenvolvimento da
identidade gay nos moldes não mercadológicos que definimos, a busca
da espiritualidade pode ser um auxiliar incrível. Mas, para isso, a
relação com a espiritualidade deve ser mais profunda e interior que
uma relação com alguma religião formal, embora esse segundo
aspecto não esteja descartado nem seja contraproducente. Afinal, não
há qualquer incompatibilidade entre busca espiritual e orientação
sexual. O que é contraproducente é a prática de uma religião
naturalmente homofóbica numa postura homofóbica. Então, se for
para praticar religiões formais, que se busque os grupos inclusivos
dentro delas.
Contudo, se estivermos
falando em Nova Espiritualidade, uma tendência crescente no
mundo e que se define por uma busca espiritual/religiosa
transcendendo a religião formal, então, tudo o que ajude no
autoconhecimento pode ser proveitoso.
Os aspectos de culto ao
feminismo de algumas espiritualidade pagãs podem ajudar gays e
lésbicas numa autocompreensão a partir da dualidade dentro de si
mesmos, levando a uma integração de polaridades sem a necessidade
de relações sexuais com o sexo oposto, por exemplo.
As práticas
espirituais “xamânicas” que enaltecem a integração do ser
humano com a natureza também podem ser úteis, pois mostram que a
diversidade é a tônica do cosmos. Assim, o LGBT se percebe como
parte natural do todo e não como um acidente de percurso.
Os grupos de meditação
(Budismo, Hinduísmo, etc.) geralmente são mais amigáveis aos gays,
o que pode ser uma boa forma de equilibrar mentes geralmente
bagunçadas pela pressão social, familiar, e pelo preconceito
homofóbico diário, sem contar um pouco de homofobia internalizada,
uma forma de auto-flagelação.
Nos Estados Unidos, há
comunidades de gays praticantes da “nova espiritualidade” que
trabalham com xamanismo, mediunidade, canalização e que até
“incorporam” o gender queer, um tipo de entidade espiritual gay.
O Candomblé brasileiro já conhece isso, pois existem Orixás com
aspectos masculinos e femininos, como Oxumaré.
A principal função da
prática espiritual de um indivíduo gay em processo de
desenvolvimento de sua identidade deve ser o equilibrar sua vida, sem
culpas ou rancores sobre a homossexualidade.
Deve entender que o ser
gay ou LGBT é uma condição espiritual pré-existente no seu ser.
Hoje em dia temos
observado que os adolescentes estão saindo mais cedo do armário que
trinta anos atrás. Isso se deve muito provavelmente à Internet, que
faz com que se sintam menos isolados, pois pesquisando e interagindo
em redes sociais estão vendo modelos positivos nos meios de
comunicação, bem como nos grupos e comunidades das quais
participam, inicialmente com perfis falsos (os “fakes”), depois
abertamente declarando-se gays. Entre estes modelos positivos se
encontram as Igrejas Inclusivas, os grupos inclusivos em religiões
formais mais antigas e as setoriais LGBT de partidos políticos.
De qualquer forma, o
conflito pessoal sobre os sentimentos homossexuais cria sempre uma
difícil luta interna. Depois de anos tentando encontrar respostas e
sem sucesso na tentativa de mudar seus sentimentos, muitos pessoas se
convenceram de que seus sentimentos homossexuais são inatos e
imutáveis, e agora aceitam uma identidade gay que finalmente termina
a luta interna que lhes causou tanta frustração e tanta dor.
Aceitar uma identidade gay tem implicações enormes, uma vez que ser
gay inclui não apenas sentimentos pessoais, mas também descreve uma
identidade social e política. Essa identidade social e política
está sempre em construção e sofre adaptações, já que a
construção social e política dos povos também muda. A formação
da identidade e do orgulho dos povos negros, seja na África ou na
Escravatura, passou por fases muito semelhantes às que passam os
LGBT na busca por aceitação na sociedade moderna.
Hoje, a formação não
apenas de grupos de apoio aos LGBT em processo de desenvolvimento da
própria identidade, mas também de grupos envolvendo espiritualidade
numa perspectiva LGBT (não para LGBTs) se mostra muito salutar na
medida em que se percebe que alguém que saiu do armário tem muita
necessidade de ser ouvido, acolhido e orientado.
Antes de sair do
armário, a maioria dos gays não sabe quem é, se desconhece por
completo, não consegue se ver no espelho sem um olhar de reprovação,
mesmo que não consiga especificar o motivo. O moralismo das
religiões formais tem muito a ver com isso, e esse moralismo
contamina as famílias dos gays, chegando, ao final, a causar a
pressão interna que vemos em quem demora a assumir-se. Este seria o
momento ideal para a Nova Espiritualidade agir, acolhendo o LGBT em
conflito sem fazer qualquer juízo moral, pois esta não é uma
função original da religião – sua função original é levar o
homem à felicidade, ao autoconhecimento e a uma vida de harmonia com
o todo.
Gays saindo ou já
completamente saídos do armário aderem ao “tribalismo”,
buscando seus iguais, para compartilhar vida social, amizades e
encontrar seu lugar num mundo que os exclui. Uma espiritualidade
inclusiva, onde achamos que deva se inserir a Nova Espiritualidade,
sempre orientará o indivídio LGBT a não afastar-se das pessoas,
mas a integrar-se a elas, em todos os ambientes da sociedade, para
não reforçar a “guetificação” LGBT. Se, antigamente, essa
“guetificação” foi positiva na organização do movimento LGBT,
hoje a ideia mais producente deve ser a integração, favorecendo a
conquista de direitos igualitários.
A relação óbvia
entre a Identidade Gay e a Espiritualidade está no autoconhecer-se.
Primeiro, nos autoconhecemos como seres diversos numa variedade de
orientações sexuais disponíveis na natureza. Percebemos nossa
orientação como algo comum em outros, ainda que manifestando-se de
modo muito peculiar – cada um vive sua sexualidade de modo próprio.
Depois, nos autoconhecemos como seres humanos iguais ao demais, com
os mesmos sofrimentos, anseios, momentos felizes e objetivos. Então,
buscamos a transcendência. Isso é espiritualidade! Se uma religião
formal – qualquer uma – não conduz o indivíduo (gay ou não) a
isso, não tem qualquer proveito. E, o que não existe, deve ser
criado, ou antes, percebido como natural e potencialmente
existente...
2 comentários:
No meu modo de ver os gays deveriam buscar a espiritualidade e não as religiões, pois essas só trouxeram divisão entre os seres humanos, sem falar nas mortandades que ocasionaram.
Não sou conhecedora da bíblia, mas me parece que o Novo Testamento não traz nenhuma condenação ao homossexualismo. No Antigo, aquela criatura chamada Jeová (que não é Deus coisa nenhuma)é que disse ser uma abominação. Amor aceita e não julga, Jesus nos aceitou a todos.
Eu fico muito indignada com essa bancada retrógrada evangélica no nosso Congresso, até já postei sobre isso (http://expandiraconsciencia.blogspot.com.br/2012/07/diga-nao-ao-fundamentalismo-e.html)
Seu blog é muito bom, parabéns
Ok,
Ficamos gratos por suas reflexões, Atena.
A intenção de Stekel com este artigo foi levantar o questionamento sobre espiritualidade, religião formal e identidade gay.
Achamos que o propósito está sendo alcançado.
Abraços!
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