quinta-feira, 31 de maio de 2012

Gays no mundo palestino-israelense

Por Espiritualidade Inclusiva


Muitos nos têm perguntado sobre a diferença em ser gay no mundo ocidental e em ser gay no mundo judeu-islâmico-cristão, em Israel e na Palestina. Dois artigos recentemente publicados em http://operamundi.uol.com.br relatam exatamente o que se quer saber.

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Não é fácil ser gay em nenhum lugar do mundo, diz ex-líder de ONG para lésbicas palestinas

Rauda Morcos ressalta que os muçulmanos não são melhores ou piores no trato com a comunidade gay



Palestina, mulher e homossexual. Rauda Morcos carrega um triplo estigma em um país cercado de controvérsias. Apesar de não estar mais à frente da Aswat, a primeira organização para as lésbicas palestinas em Israel, ela deixou uma grande marca na organização. Hoje Rauda dedica-se plenamente à Mantiqitna, uma rede social de ativistas no Oriente Médio formada por membros de destaque do movimento gay na região.

Cofundadora da Aswat, ela é a primeira palestina a assumir publicamente sua homossexualidade. Segundo Rauda, os desafios encontrados pelos homosexuais são bastante semelhantes, independentemente da localização geográfica. "Se me dizem que, por causa da crença, os muçulmanos são menos tolerantes com a homossexualidade, eu lhes direi o mesmo. Veja o Papa! O maior dirigente religioso do mundo não só não reconhece os homossexuais, como os condena", sublinha.

Rauda conversou com Opera Mundi sobre a organização que deu tanto apoio a uma das comunidades mais desprotegidas em Israel.

Opera Mundi: Como surgiu a ideia de criar uma organização para lésbicas palestinas?

Rauda Morcos: A Aswat começou em 2001 como um grupo de e-mails, para compartilhar ideias, projetos e ajudar umas às outras, porque não havia nenhum lugar ao qual recorrer naquela ocasião. Depois de algum tempo, decidimos organizar uma reunião para nos conhecermos. Em 2003, tivemos nosso primeiro encontro, cerca de nove mulheres que hoje formam o núcleo da organização. Depois de várias reuniões, nos demos conta da importância de atender adequadamente a comunidade lésbica palestina e decidimos nos organizar. O problema, então, foi que nenhuma tinha a menor ideia sobre como seria isso e nem sequer chegávamos a um acordo sobre como fazê-lo. Decidimos que o melhor na época era que alguma organização nos acolhesse, e entramos em contato com Kayan, uma organização feminista em Haifa que nos deu um escritório e o material necessário para começar.

Fui eleita coordenadora. A verdade, não vou mentir, é que eu não tinha ideia de como começar, estava totalmente perdida. A Kayan nos ajudou muito. Comecei a escrever nossa visão do projeto, objetivo, atividades e entrei em contato com organizações feministas e de lésbicas, até que em 2004 conseguimos nosso primeiro fundo do Global Women Fund e Mama Cash. Na ocasião, tínhamos o mesmo objetivo que temos hoje, o de alcançar a população palestina, assim como a israelense e internacional. Queremos prosperar como grupo. Aqui, já somos 15, e queremos ajudar os 10% da população gay palestina.

Estatisticamente, 10% de toda população é homossexual, e, naturalmente, os palestinos não seriam diferentes.

OM: É mais difícil ser homossexual em uma sociedade muçulmana, sobretudo quando se é mulher?

RM: (suspiro) Não acho que seja fácil ser gay em nenhuma parte do mundo, é sempre igual. Os ocidentais associam ser árabe a ser primitivo, ou seja, homofóbico. A maior parte das sociedades do mundo é patriarcal e isso significa que são homofóbicas. Costumo usar George W. Bush [ex-presidente dos Estados Unidos] como exemplo, um homem que dirigiu um dos países mais influentes do mundo. Para mim, é um dos homens mais racistas, machistas e homofóbicos que existem e era o presidente daquela que se supõe a superpotência do mundo ocidental.

Muitos países europeus não têm nenhuma organização para lésbicas. E na União Europeia, sabe quantas pessoas são assassinadas por ano por serem homossexuais? Centenas, todos os anos, só por serem gays. Mas as pessoas não querem saber, preferem continuar pensando em São Francisco, a capital gay dos Estados Unidos e em como são liberais e progressistas.

Até mesmo em Amsterdã há ataques contra homossexuais, enquanto se supõe que lá a mente seja mais aberta... Portanto, quando me perguntam isso, tenho que dizer que não acredito que dependa do local de nascimento, no Ocidente ou no Oriente, nem da religião. Tudo depende do uso que se dá à religião. Se me dizem que, por nossa crença, os muçulmanos são menos tolerantes com a homossexualidade, eu lhes direi o mesmo. Veja o Papa! O maior dirigente religioso do mundo não só não reconhece os homossexuais, como os condena.

Odeio que o Ocidente nos julgue por nossa religião, porque sei que utilizam isso como uma arma contra nós. Além disso, o modo de vida ocidental não significa nada para mim, não me atrai, e, ao menos na Aswat, não queria imitá-lo. Não teríamos sido bem sucedidas se pretendêssemos atingir nosso povo com os mesmos métodos. Cada país tem que encontrar um método para seu contexto cultural.

OM: Você foi a primeira mulher a dizer que era gay abertamente. Como foi “sair do armário”?

RM: Uau! Eu tinha certeza de que não podia ser homossexual na minha comunidade. Principalmente pela imagem que eu havia formado sobre isso, graças ao estereótipo dos meios de comunicação. Eu também, como palestina, ouvia a mídia falar do meu povo, e foi duro também porque eu era a primeira que fazia algo do tipo, a pioneira, e quando não há precedentes, é sempre mais difícil. Não tinha ideia de qual seria o resultado, mas a verdade é que sempre fui muito independente, até que finalmente resolvi me assumir.

Quando finalmente o tornei público, preciso dizer que me senti totalmente nua. De repente, todos me olhavam e me analisavam na rua, sem nenhuma vergonha. Foi difícil, claro, mas passado um tempo, me dei conta de que isso era na realidade muito bom, porque recebi todo tipo de respostas, desde as pessoas ao meu redor até pessoas que eu não conhecia e que me abordavam na rua. Com isso, finalmente as pessoas se atreveram a se aproximar de mim para perguntar tudo o que antes só pensavam, suspeitavam ou cochichavam.

Alguns me paravam na rua para me perguntar por que eu era lésbica, esclarecer dúvidas ou até expressar seu desagrado. No começo me senti um pouco oprimida, mas finalmente me dei conta do bem que é poder ter essa interação e falar abertamente. Até a minha avó, de 85 anos, me abordou e perguntou: “o que é isso que falam de você, que é uma Elisabetta? Me disseram que é algo muito ruim”. (Neste momento, Rauda começa a rir, jogando a cabeça para trás, e me explica que, em árabe, lésbica é lesbit e que sua avó nem sequer conhecia a palavra).

Achei realmente engraçado, alguém abordou a minha avó e disse a ela que eu era lesbit, e a pobre mulher nem sequer entendeu a palavra, ainda menos o conceito. Mas o que mais me surpreendeu foi a reação quando expliquei à ela o que é uma lésbica. Me disse: “Ah! Então não é tão ruim. Às vezes é melhor não se casar”. Se não tivéssemos esses estereótipos sobre os homossexuais, tenho certeza que todos reagiriam como a minha avó, que nunca ouviu falar sobre isso, nem viu na televisão.

A mesma coisa aconteceu com os meus pais. No começo foi um escândalo, até que me sentei com eles para falar sobre isso e pude explicar com calma. Deixou de ser um problema. Quando se vê a questão de outra maneira e tem a chance de explicar e se expressar abertamente, ela deixa de ser um problema, não tem que ser ampliada.

OM: Em relação ao tema da ocupação palestina, a Aswat tem algum ponto de vista?

RM: Acreditamos que tudo é político, nossa nacionalidade e nosso gênero, isso é o que somos. Não temos nenhuma agenda nem qualquer opinião política sobre isso, a não ser que afete a comunidade homossexual de alguma forma. A Aswat enquanto grupo não tem afiliação nem opinião política, logo, cada membro tem a sua própria opinião sobre isso.

Se há uma manifestação pela ocupação, o muro ou os direitos do povo palestino, que seja patrocinada por alguma organização de mulheres, nós estaremos lá para apoiá-las, mas nunca daremos início a nenhum evento desse tipo.

No verão passado, houve um grande alvoroço porque queriam celebrar a Parada Gay em Jerusalém, e nós fomos contra. Muita gente nos disse que isso significava perder uma oportunidade, mas acreditamos que não se pode celebrar este tipo de evento em um país em guerra, onde muitos grupos de outros países nem sequer poderiam passar devido à política de Israel. Além disso, no verão passado, tínhamos como sócia a organização lésbica libanesa Hellem, e decidimos apoiá-la durante a Guerra do Líbano.

OM: Quais são os principais objetivos da Aswat?

RM: Ajudar as lésbicas da nossa comunidade, mostrar que não estão sozinhas, que não é algo estranho nem desprezível ser gay e conscientizar a população sobre a homossexualidade. Em suma, gerar uma reação positiva sobre isso. Também organizamos reuniões mensais às quais todos podem comparecer, no norte de Israel, em Nazaré, e no sul. Hoje, ajudamos cerca de 30 mulheres e oferecemos cursos o ano todo, assim como publicações trimestrais em árabe sobre o que fazemos aqui. Temos um disk-ajuda 24 horas por dia.

Acredito que nossa luta é parte da luta internacional pelos nossos direitos e é muito importante conhecer as nossas diferenças assim como o que nos une. Também acredito fortemente que juntos podemos fazer um mundo muito melhor.

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Jerusalém: o desafio de ser gay na cidade "sagrada"

Apesar de reunir uma pluralidade de crenças e estilos de vida, a intolerância contra homossexuais ainda é grande


Uma terra de contrastes. Ao mesmo tempo em que Jerusalém é considerada sagrada por três religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo e o islamismo – e reúne símbolos e pessoas tão diferentes entre si, é também terreno sinuoso para a manifestação de direitos civis. A cidade abriga uma comunidade homossexual vibrante, mas que frequentemente é alvo das camadas mais conservadoras.

Em Jerusalém, há apenas um bar gay e a realização da Parada do Orgulho Gay foi um direito conquistado após muito esforço. Ela reuniu quatro mil pessoas em 2011, que exigiram a aprovação de uma legislação que proteja os homossexuais em Israel. Indignados com o desfile, grupos de judeus ortodoxos protestaram em diversos pontos da cidade, controlados por cerca de mil policiais espalhados por Jerusalém - alguns chegaram a agredir os participantes do evento. Em junho daquele ano, a marcha em Tel Aviv conseguiu reunir 70 mil pessoas.

“Embora não existam tantos homossexuais quanto em Tel Aviv, todos os anos Jerusalém atrai milhares de ativistas gays para participar da marcha, para mostrar que, mesmo que os religiosos nos considerem ‘sujos’, esta é nossa cidade também”, comenta A.S. um membro da comunidade homossexual da cidade.

Apesar das diversas ameaças de morte que recebem ano após ano durante a parada, a marcha anual se supera cada vez mais em termos de assistência e organização. “A diferença entre a nossa marcha anual e a de Tel Aviv e outras partes do mundo é que, em Jerusalém, adquire também um significado de luta pelos nossos direitos e contra o ódio que uma ampla maioria da população de Jerusalém sente por nós”, acrescenta Natalie V., uma belga que desembarcou em Jerusalém há cinco anos.

Natalie, que há cinco anos namora uma mulher israelense, é prova da dualidade do estado de Israel em relação à homossexualidade. Embora Israel seja um país democrático, o judaísmo ortodoxo interfere em muitos assuntos civis, incluindo os casamentos. Em Israel, é impossível realizar um casamento civil, mesmo entre heterossexuais. No entanto, em uma distorção, estão permitidas as uniões homossexuais, inclusive se uma delas for estrangeira, como é o caso de Natalie.

“É curioso que isto seja possível em um país onde predomina tanto a religião. Eu quero deixar claro que em Jerusalém e Israel, até o momento, não tive nenhum problema por andar de mãos dadas com a minha namorada, nem por darmos um beijo”, diz. “No entanto, trabalho com uma família ortodoxa judia e não comentei nada sobre a minha orientação sexual em quase quatro anos", conta Natalie.

Ultraortodoxos caminhando ao lado de uma mulher muçulmana usando o véu e uma menina de minissaia logo atrás são cenas comuns nas ruas de Jerusalém. E é nessa heterogeneidade que, no final, reside uma espécie de acordo tácito de não agressão. Embora, às vezes, essa bolha possa estourar, como aconteceu durante a Parada do Orgulho Gay de 2005, quando um judeu ultraortodoxo esfaqueou vários participantes. Atentado pior aconteceu à comunidade gay de Tel Aviv, quando uma bomba matou duas pessoas e feriu uma. O culpado, um colono da Cisjordânia, afirmou que os homossexuais são “animais”.

Portanto, apesar da mescla aparentemente suave entre religiosos e seculares em Jerusalém, assim como no resto do país, uma tensão soterrada pulsa abaixo da superfície. “Aqui, em geral, como os gays não carregam um cartaz dizendo ‘sou gay’, não há tantos problemas, mas também você não vai dar um beijo em outro homem em Mea Shearim (o bairro ultraortodoxo), não queremos provocá-los em seu bairro”, diz Adam.

Segundo ele, porém, o resto da cidade é de todos. O bar Mikve, antes conhecido como Shushan, na rua Shushan, foi o primeiro voltado para o público gay a ser aberto na cidade. O lugar está vivendo uma nova era dourada depois de permanecer fechado durante muitos anos devido às pressões dos ortodoxos. Durante toda a semana há festas para clientes homossexuais e as segundas-feiras são exclusivas das drag queens.

“Em Jerusalém, não há muitas festas nem lugares para dançar, por isso sempre aparecem heterossexuais. Na cidade, todos nos conhecemos e amigos de todas as orientações sexuais se juntam a nós. Estamos misturados”, conta com um sorriso Daniel R., empresário.

A empresa encarregada de organizar as festas, Unibra, garante que é um sucesso, que atrai dezenas de pessoas a semana toda, embora as festas drag sejam as preferidas. “As pessoas querem se divertir, já estão cansadas de se esconder, mas infelizmente nesta cidade não há lugares para onde sair à noite”, lamenta a Unibra.

Palestinos

Para os membros da comunidade homossexual palestina os desafios são ainda maiores. “Para eles é mais difícil, pois vem de uma sociedade mais conservadora, em que a homossexualidade é punida ou humilhada em público. Por isso, a última coisa que querem é fazer uma declaração pública de que são gays, sejam homens ou mulheres”, explica Adam.

A organização para palestinos homossexuais em Israel Al Qaws organiza eventos para os palestinos e ajuda a criar uma rede de apoio e conscientização entre a comunidade árabe. Uma vez por mês organiza uma festa para que os gays e lésbicas palestinos que vivem em Israel possam se conhecer.

“Mesmo que os palestinos que vivem em Israel contem com os mesmos direitos que os cidadãos judeus, muitas vezes há racismo e incompreensão em relação aos gays palestinos”, comenta um porta-voz da Al Qaws. “Há também muita incompreensão por parte da comunidade internacional, que se foca na ocupação israelense. Além disso, a opinião da comunidade palestina pesa demais. Dessa forma, não podemos esperar que eles saiam do armário como no Ocidente.”

Às vezes, Israel chega a acolher como refugiados os palestinos homossexuais que correm risco de morte ou que tenham recebido ameaças, embora não seja algo tão frequente. Enquanto isso, em Jerusalém, continua a luta para que a comunidade religiosa aceite aos homossexuais, se não como iguais, como cidadãos com os mesmos direitos de todos.

“Este é o nosso objetivo. Não queremos nem mais nem menos do que têm os demais e poder passear tranquilamente de mãos dadas, sem ter medo que nos façam sentir inferiores, nem ter a nossa Parada do Orgulho Gay cercada por centenas de policiais”, diz Adam.

Para mostrar que, embora nem sempre venha à tona, o ódio contra os gays corre solto em Jerusalém, em 2006 foi a homofobia que uniu representantes das três religiões monoteístas para protestar contra a marcha gay daquele ano. “É uma pena. Poderiam ter se unido para protestar contra outras coisas mais importantes”, lamenta Adam.

Um comentário:

Drak Druk disse...

Gente,esta Rauda é mesmo louca,comparar as tolices que o Papa diz para um mundo ocidental totalmente secular com as matanças feitas pelas sociedades islâmicas em seus países hipócritas,onde há enorme número de homossexuais mas também profunda homofobia chega a ser insultante.Ela só falta dizer que os enforcamentos no Irã,os queimados vivos no Iraque,os mortos de diversas formas em outros países e a prescrição islâmica de se jogar gays de lugares altos tem equivalentes aqui no ocidente tb. Claro que fundamentalimos cristão mata por solidão,por pressão subliminar ,mas não é nunca comparaável em número e formas de estruturação social o grau de homofobia dos países muçulmanos ortodoxos.Ela e outros só poderem se assumir publicamente em Israel é outra corroboração disso...