Quando nos vem a mente
o termo Fundamentalismo logo aparecem imagens de islâmicos matando,
degolando em nome de seus ideias religiosas ou se amarrando a bombas
e se explodindo em algum supermercado movimentado de Israel.
Muitos acham que o
fundamentalismo começou com os islâmicos radicais, mas eles foram
taxados pelo termo; na verdade o fundamentalismo religioso começou
nas próprias fileiras do Cristianismo, no ocidente, e para
entendermos a sua ascensão e manifestação no mundo temos que nos
reportar um pouco à História. Sabemos de muitas das ideologias que
pautaram a sociedade ocidental, esta por sua vez é norteadora da
oriental.
Pois bem, aqui surgiram
no século 18 e 19 ideologias que deram uma reviravolta na maneira de
como entender as instituições políticas e religiosas. Depois de
tantas guerras de cunho religioso na Europa (católicos contra
protestantes) uma atitude humanista começou a tomar forma com os
iluministas, pensadores esses que começaram a dar uma nova visão
para a sociedade, separação total do estado da religião, para
combater o despotismo da Igreja Católica que com sua visão que
permeava o mundo, influenciava-o todavia.
Os iluministas tinham
essas ideias, separação do Estado da religião, bem como divisão
dos três poderes, etc. Jean Jacques Rousseau, Voltaire, Montesquieu
e outros tinham esse ideal e esse movimento culminou com a Revolução
Francesa que trouxe essa novidade concretizando-a. Logo em seguida a
Igreja Católica condenou o laicismo e a revolução, mas as Igrejas
Protestantes receberam o laicismo com boas vindas, pois era a maneira
de se garantir a liberdade religiosa que tanto queriam. Mas, esse
humanismo libertário continuava a agir, tinha-se uma esperança
depositada na Ciência como aquela capaz de dar as explicações
necessárias e satisfatórias a respeito da vida, do universo, etc.
Todas as filosofias que
advieram desse ethos, como por exemplo, o marxismo com seu
materialismo dialético e Comte com seu positivismo, praticamente
reduziram a religião ao estado primitivo e infantil da humanidade.
As Igrejas Protestantes, que tiveram no governo dos EUA a liberdade
necessária para se estruturarem, começaram a remoer certa ansiedade
com esses "tempos modernos" que tinham vindo para
torná-los, senão obsoletos em suas ideias, "ridículos"
enquanto destoavam de enunciados razoáveis científicos, sem falar
também que a grande ameaça que pairava era o cientificismo
biologicista que apregoava o Evolucionismo Darwiniano.
Uma atitude de reação
não demoraria a vir no momento em que houve uma racha interna no
pensamento das mesmas, pois muitos tinham aderido às ideias de se
modernizarem e construírem um chão para suas fés através da
utilização de ciências modernas como a História e posteriormente
a sociologia, como exemplos. Em 1895, tem-se a Conferência bíblica
de Niágara, que funciona como essa reação que o povo crédulo mais
intransigente necessitava. Ali se firmaram as bases, os FUNDAMENTOS,
que funcionariam como "bandeiras" a serem hasteadas, eram
cinco as tais que as igrejas protestantes (evangélicas) deveriam
defender com unhas e dentes, ei-las - Inerrância da Bíblia -
Nascimento virginal de Cristo - Expiação vicária de Cristo -
Ressurreição física de Cristo - Eminente vinda de Cristo.
Bem, esse
"fundamentalismo" que começou aí não era somente um
movimento de fé, mas um movimento de colocar os ditames da fé acima
de quaisquer oposições e ameaças externas vindas de ideologias
cientificistas como o darwinismo ou humanas como o marxismo. Pouco a
pouco esses dados de fé, para serem mantidos, começaram a ter todo
um viés racionalizado para se contrapor na mentes dos
correligionários à valorização de dados racionais tão procurados
no "mundo secular", que é a sociedade civil. Nesse
momento, passou a se dar uma divisão mais acentuada no mundo
cristão. Por um lado as igrejas históricas de pensamento mais
liberal que adotavam noções dadas pelas ciências humanas para seu
aggiornamento nos tempos atuais, e aquelas que eram rotuladas como
"fundamentalistas" e que se apegavam à Bíblia Sagrada
como se fosse uma enciclopédia de onde se tirariam conhecimentos
gerais para todas as necessidades da vida e que insistiam em
menosprezar o conhecimento acumulado por instâncias não
eclesiásticas. Atualmente o termo fundamentalismo tem uma
abrangência maior na sociedade, sendo usado como termo pejorativo
para denotar a intransigência, o fanatismo e religiosos que não são
abertos ao diálogo. No mundo islâmico o fundamentalismo também
surge como uma reação à modernidade, ao desemprego, às
dificuldades da vida, e nesse afunilamento no mundo religioso,
condenam a civilização ocidental que para eles toma feições
demoníacas pelo excesso de liberdades cultivadas.
Daí, então,
arregimentar e recrutar pessoas para se lançarem em prédios com
aviões e se explodirem com bombas na cintura é um passo, unidos num
"ideal" contra o "opressor" aparente. No mundo
cristão, ocidental, as feições mais radicais de fundamentalistas,
que seguem à risca os ditames religiosos, são aqueles que tentam
sabotar as liberdades individuais e os direitos dos gays, os que
negam a transfusão de sangue para si e para seus filhos "em
nome de Deus". Vale salientarmos aqui que Deus não deve ser
instrumentalizado, nem sequestrado para fins pessoais ou de um nicho
religioso. Sabemos o que o monopólio de Deus ou da Bíblia por parte
de instituições que visavam o poder fizeram. Deus é para elevar a
alma dos indivíduos e dar-lhes consolo e certa transcendência para
longe dos problemas diários que temos, e não para oprimir e
reprimir, muito menos para reduzir os direitos de grupos sociais e
pior, incitar o ódio a seres humanos.
Sobre o autor
Victor Ricardo Orellana
tem criticado o crescente fundamentalismo das Igrejas Evangélicas.
Nascido no Chile, atualmente vive em São Paulo. Assumiu a
homossexualidade há muitos anos. Ordenado na Assembleia de Deus,
saiu para fundar a própria igreja, a Acalanto. É professor,
teólogo, bacharel em teologia pelo Instituto Betel e com
pós-graduação “Latu-Sensu” pelo CLAP - São Paulo-SP, fundador
da Igreja Acalanto e conferencista nacional sobre o tema
“Homossexualidade e Religião”.
Pastor Victor Orellana:
outrasovelhas@hotmail.com
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