sexta-feira, 1 de junho de 2012

Fundamentalismo, suas origens

Por Victor Orellana (publicado originalmente em http://portog.com.br/noticia.php?cat=vida+e+estilo&subcat=religiao&id=400&tit=Fundamentalismo%2C+suas+origens)


Quando nos vem a mente o termo Fundamentalismo logo aparecem imagens de islâmicos matando, degolando em nome de seus ideias religiosas ou se amarrando a bombas e se explodindo em algum supermercado movimentado de Israel.

Muitos acham que o fundamentalismo começou com os islâmicos radicais, mas eles foram taxados pelo termo; na verdade o fundamentalismo religioso começou nas próprias fileiras do Cristianismo, no ocidente, e para entendermos a sua ascensão e manifestação no mundo temos que nos reportar um pouco à História. Sabemos de muitas das ideologias que pautaram a sociedade ocidental, esta por sua vez é norteadora da oriental.

Pois bem, aqui surgiram no século 18 e 19 ideologias que deram uma reviravolta na maneira de como entender as instituições políticas e religiosas. Depois de tantas guerras de cunho religioso na Europa (católicos contra protestantes) uma atitude humanista começou a tomar forma com os iluministas, pensadores esses que começaram a dar uma nova visão para a sociedade, separação total do estado da religião, para combater o despotismo da Igreja Católica que com sua visão que permeava o mundo, influenciava-o todavia.

Os iluministas tinham essas ideias, separação do Estado da religião, bem como divisão dos três poderes, etc. Jean Jacques Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros tinham esse ideal e esse movimento culminou com a Revolução Francesa que trouxe essa novidade concretizando-a. Logo em seguida a Igreja Católica condenou o laicismo e a revolução, mas as Igrejas Protestantes receberam o laicismo com boas vindas, pois era a maneira de se garantir a liberdade religiosa que tanto queriam. Mas, esse humanismo libertário continuava a agir, tinha-se uma esperança depositada na Ciência como aquela capaz de dar as explicações necessárias e satisfatórias a respeito da vida, do universo, etc.

Todas as filosofias que advieram desse ethos, como por exemplo, o marxismo com seu materialismo dialético e Comte com seu positivismo, praticamente reduziram a religião ao estado primitivo e infantil da humanidade. As Igrejas Protestantes, que tiveram no governo dos EUA a liberdade necessária para se estruturarem, começaram a remoer certa ansiedade com esses "tempos modernos" que tinham vindo para torná-los, senão obsoletos em suas ideias, "ridículos" enquanto destoavam de enunciados razoáveis científicos, sem falar também que a grande ameaça que pairava era o cientificismo biologicista que apregoava o Evolucionismo Darwiniano.

Uma atitude de reação não demoraria a vir no momento em que houve uma racha interna no pensamento das mesmas, pois muitos tinham aderido às ideias de se modernizarem e construírem um chão para suas fés através da utilização de ciências modernas como a História e posteriormente a sociologia, como exemplos. Em 1895, tem-se a Conferência bíblica de Niágara, que funciona como essa reação que o povo crédulo mais intransigente necessitava. Ali se firmaram as bases, os FUNDAMENTOS, que funcionariam como "bandeiras" a serem hasteadas, eram cinco as tais que as igrejas protestantes (evangélicas) deveriam defender com unhas e dentes, ei-las - Inerrância da Bíblia - Nascimento virginal de Cristo - Expiação vicária de Cristo - Ressurreição física de Cristo - Eminente vinda de Cristo.

Bem, esse "fundamentalismo" que começou aí não era somente um movimento de fé, mas um movimento de colocar os ditames da fé acima de quaisquer oposições e ameaças externas vindas de ideologias cientificistas como o darwinismo ou humanas como o marxismo. Pouco a pouco esses dados de fé, para serem mantidos, começaram a ter todo um viés racionalizado para se contrapor na mentes dos correligionários à valorização de dados racionais tão procurados no "mundo secular", que é a sociedade civil. Nesse momento, passou a se dar uma divisão mais acentuada no mundo cristão. Por um lado as igrejas históricas de pensamento mais liberal que adotavam noções dadas pelas ciências humanas para seu aggiornamento nos tempos atuais, e aquelas que eram rotuladas como "fundamentalistas" e que se apegavam à Bíblia Sagrada como se fosse uma enciclopédia de onde se tirariam conhecimentos gerais para todas as necessidades da vida e que insistiam em menosprezar o conhecimento acumulado por instâncias não eclesiásticas. Atualmente o termo fundamentalismo tem uma abrangência maior na sociedade, sendo usado como termo pejorativo para denotar a intransigência, o fanatismo e religiosos que não são abertos ao diálogo. No mundo islâmico o fundamentalismo também surge como uma reação à modernidade, ao desemprego, às dificuldades da vida, e nesse afunilamento no mundo religioso, condenam a civilização ocidental que para eles toma feições demoníacas pelo excesso de liberdades cultivadas.

Daí, então, arregimentar e recrutar pessoas para se lançarem em prédios com aviões e se explodirem com bombas na cintura é um passo, unidos num "ideal" contra o "opressor" aparente. No mundo cristão, ocidental, as feições mais radicais de fundamentalistas, que seguem à risca os ditames religiosos, são aqueles que tentam sabotar as liberdades individuais e os direitos dos gays, os que negam a transfusão de sangue para si e para seus filhos "em nome de Deus". Vale salientarmos aqui que Deus não deve ser instrumentalizado, nem sequestrado para fins pessoais ou de um nicho religioso. Sabemos o que o monopólio de Deus ou da Bíblia por parte de instituições que visavam o poder fizeram. Deus é para elevar a alma dos indivíduos e dar-lhes consolo e certa transcendência para longe dos problemas diários que temos, e não para oprimir e reprimir, muito menos para reduzir os direitos de grupos sociais e pior, incitar o ódio a seres humanos.


Sobre o autor


Victor Ricardo Orellana tem criticado o crescente fundamentalismo das Igrejas Evangélicas. Nascido no Chile, atualmente vive em São Paulo. Assumiu a homossexualidade há muitos anos. Ordenado na Assembleia de Deus, saiu para fundar a própria igreja, a Acalanto. É professor, teólogo, bacharel em teologia pelo Instituto Betel e com pós-graduação “Latu-Sensu” pelo CLAP - São Paulo-SP, fundador da Igreja Acalanto e conferencista nacional sobre o tema “Homossexualidade e Religião”.

Pastor Victor Orellana: outrasovelhas@hotmail.com

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