domingo, 6 de maio de 2012

A terapia dos homofóbicos anônimos

Por Rodrigo Ancora da Luz

Certa vez, depois que o Congresso brasileiro aprovou o Projeto de Lei da Câmara n.º 122/2006, criminalizando a homofobia no país, uma psicóloga teve a genial ideia de criar grupos de apoio para auxiliar no tratamento de pacientes homofóbicos no Rio de Janeiro. Homens que cometeram crimes de menor potencial ofensivo relacionados ao preconceito contra os homossexuais, passaram a ser encaminhados pela Justiça para a ONG da doutora Kátia e, desta maneira, recebiam uma nova chance para não serem condenados à prisão. O parecer dela tornava-se quase sempre o fundamento da sentença proferida pela magistrada titular do Juizado Especial Criminal (JECRIM) da cidade.


Iniciando mais uma sessão do seu complicado grupo de machões provocadores, a doutora Kátia assim saudou a todos:

- “Bom dia, meninos! Este é o nosso décimo segundo encontro e hoje gostaria que cada um contasse sobre aquilo que mais lhe causa aversão num homossexual, conforme pedi que refletissem na semana passada. Vocês estão lembrados?”

Sérgio, um dos participantes mais alterados do grupo, interrompeu a psicóloga:

- “Doutora Kátia! A senhora não está querendo que eu saia hoje daqui assumindo que sou frutinha. Já cansei de ouvir aquele velho papo de que todo machão é um gay enrustido. Chega! Prefiro, neste caso, renunciar ao benefício da Justiça e ser condenado de cabeça erguida pelo insulto que proferi contra aquelas duas bichas lá na praia de Copacabana. Jamais ofenderei a minha própria honra e me comprometo em nunca mais andar pela Zona Sul da cidade!”

- “Sérgio, sei que você não estava no encontro anterior quando falei que a homofobia das pessoas seria resultado da projeção que cada um faz no outro quanto aos seus próprios sentimentos. Isto não significa que todo homofóbico seja necessariamente um homossexual que recusa a se assumir. Ele pode, por exemplo, ter escolhido um grupo social em desvantagem para descarregar suas frustrações mal resolvidas. Espero que hoje ainda descubra qual é o seu caso, pois de nada adianta enganar a si próprio. Você admitiria que é um homofóbico ou não se vê desta maneira?”

- “Doutora, não tenho nenhuma fobia dos gays. Se for pra sair no braço com eles, podem vir dois pra cima de mim que eu arrebento. O meu caso é que sou um dos poucos homens de bem que sobraram nesta sociedade decadente. Tenho orgulho de ser macho, trabalhador, não dever a ninguém, criar filhos e viver com decência. Por isto eu sempre votei no Jair Bolsonaro. Ele é o único que presta no meio daqueles deputados cretinos e conseguiu impedir que a vaca da nossa presidenta aprovasse aqueles vídeos de educação homossexual no ano de 2011. Infelizmente, as ONGs GLS, com o apoio dos banqueiros sionistas, aprovaram esta lei vergonhosa que criminaliza o natural sentimento de repulsa contra a anormalidade. Mas o que podemos esperar de uma mulher que sempre se disse favorável ao aborto e fingiu ser santa nas eleições para ter o apoio dos religiosos?”

- “Sérgio! Por favor fale só de você. Nosso tempo é curto e as regras do grupo foram explicadas claramente desde o primeiro encontro há três meses atrás. Aqui eu só permito que o meu paciente fale de si. Ronaldo, agora é a sua vez.”

- “Bom dia, doutora. Ontem fiquei pensando nas coisas sobre as quais tínhamos debatido aqui e descobri por que eu me tornei um homofóbico. No fundo eu tinha era inveja da liberdade dos gays porque muitos deles são pessoas abertas e espontâneas ao passo que eu me tornei um cara reprimido. Papai queria controlar todas as minhas manifestações espontâneas. Ele podou minha maneira de rir, meu jeito de me vestir e proibiu que eu e meu irmão fizéssemos teatro na escola. Depois de adulto, preservei todo aquele enquadramento e então todo homossexual masculino que tinha um comportamento extravagante me despertava raiva”

- “E hoje você ainda culpa seu pai, Ronaldo?”

- “Hoje eu o compreendo, doutora. A escolha de ter me tornado um sujeito reprimido foi toda minha. Quando meu irmão fez seus dezoito anos, ele saiu de casa e foi fazer um curso para artistas. Hoje ele é um humorista da televisão e faz bastante sucesso se fingindo até de gay.”

- “Sente inveja do seu irmão?”

- “Ainda sinto, mas luto contra isto a cada dia”

- “Tá certo. E aí, Antônio? Conseguiu chegar a uma conclusão sobre o seu problema?”

- “Sim, doutora. Descobri que a minha homofobia está associada com a adolescência conflituosa que tive. Nunca senti atração por outro homem. Meu problema era por causa da masturbação.”

Nesta hora, alguns membros do grupo não aguentaram e deram gargalhadas. A doutora Kátia, porém, procurou evitar que houvesse uma dispersão.

- “Silêncio, gente! Vamos ouvir o que o colega de vocês tem a dizer. Antônio, por que você está ligando aversão à homossexualidade com masturbação se esta é justamente uma maneira como os rapazes costumam se afirmar como heterossexuais dentro da nossa cultura antes de terem a primeira relação sexual? Por favor, explique melhor isto.”

Desrespeitosamente, Sérgio mais uma vez interrompeu:

- “Na certa foi porque, quando o Toninho estava na escola, ensinaram-lhe a maneira errada de se masturbar. Trocaram com o manual das meninas e colocaram nas mãos dele.”

Embora quase todos os membros do grupo tivessem dado um sorriso discreto, a doutora Kátia ignorou o comentário do Sérgio e pediu a Antônio que continuasse:

- “Doutora, quando eu era um adolescente, fiz parte de uma igreja evangélica em que o pastor dizia ser um pecado contra a natureza eu me masturbar. Ele comparava a masturbação com o homossexualismo e considerava pior do que o sexo antes do casamento. Então resolvi parar com aquele vício maldito mas não consegui. Toda vez que terminava de ejacular, sentia-me tão impuro quanto um gay. Aí minha aversão ao homossexualismo foi aumentando a cada dia mais.”

- “E hoje? Como você consegue lidar com isto, Antônio?”

- “Depois destas excelentes sessões de terapia, consegui melhorar bastante e descobri que o problema está em mim e preciso aceitar-me como sou. Nem culpo a igreja pelas loucuras que fui desenvolvendo na minha cabeça. Até porque só me tornei um homofóbico radical depois que me desviei dos caminhos do Senhor. Foi quando decidi erroneamente que a melhor maneira de tirar a masturbação da minha vida seria arrumando uma mina pra transar.”

- “E você não arrumou nenhuma namorada na adolescência?”

- “Até hoje não, doutora. Minha primeira transa foi pagando e eu me senti tão bloqueado que nem consegui ter ereção quando entrei no quarto com a mulher. Ficava toda hora lembrando daquela parte da Bíblia em que o apóstolo Paulo diz que quando o homem se une com uma prostituta ele se torna uma só carne com ela. Aí qualquer reação da mulher parecia que ela estava com alguma pomba-gira no corpo e fiquei com medo que o demônio pegasse em mim. Saí dali e fui pro culto da igreja no dia seguinte aceitar Jesus novamente.”

- “E hoje saberia explicar por que agrediu aquele travesti que representou contra você na polícia?”

- “Sei sim, doutora. É porque na minha cabeça eu cheguei a criar a ideia de que a dificuldade que tenho com as mulheres seria porque os gays estariam controlando o mundo através de uma conspiração diabólica para que os heterossexuais ficassem sem opção de sexo e passassem a procurá-los para satisfazerem suas necessidades. Então, no dia em que fui na boate e paguei a saída do travesti achando que fosse mulher, resolvi dar na cara dele quando chegamos no motel.”

- “Tá. Mas o travesti não te avisou que era homossexual?”

- “Não sei dizer porque eu tava mamadão de cerveja e só consegui prestar a atenção no preço do programa que muito mal negociei. Então na hora em que ela ou ele me perguntou se eu já tinha feito sexo com travesti, aproveitei o momento para extravasar tudo o que sinto contra os gays. Seria o bode expiatório das minhas frustrações sexuais.”

- “Pelo visto quem levou a pior na briga foi você, né Toninho?!”, interveio um outro participante do grupo chamado José.

- “Agora conte um pouco sobre você, José”, falou a doutora Kátia passando a palavra para o outro paciente.

- “Bem, doutora, o meu problema começou no recreio do colégio. Sempre fui um aluno meio mongo para certas brincadeiras e quase não sabia os palavrões. Principalmente os mais cabeludos. Nem mesmo fazia ideia do que significava a palavra gay ou o que era um homossexual. Sabia apenas que alguns homens gostavam de se vestir de mulher e não entendia por que os machões usavam este tipo de fantasia na época do carnaval. Quando fiz meus sete anos, mamãe colocou-me pela primeira vez na escola para cursar a primeira série, mas tive sérios problemas de adaptação. Um garoto mais velho, repetente e ainda com 13 anos na quarta série, tentou abusar de mim no banheiro.”

Todos os pacientes olharam entre si nesta hora dando uma discreta risadinha. A doutora Kátia, porém, advertiu o grupo:

- “Rapazes, vamos respeitar o colega. Uma das regras do nosso grupo de apoio é aprender a ouvir com consideração a experiência do outro. Pode prosseguir, José.”

- “Obrigado, doutora. Confesso que me sinto até hoje culpado pelo que aconteceu como se tivesse provocado o rapaz.”

- “Como assim, José? Explique melhor isto.”

- “É que certo dia, quando eu e os colegas da turma estávamos brincando de super herói, cada um escolheu para si um personagem dos desenhos. O representante da classe foi o Super Homem, o Rogerinho escolheu ser o Batman, um outro foi o Robin e eu, quando tentava ser algum herói, um outro menino dizia que era ele. Não consegui ser o Incrível Hulk, nem o He-Man, nem o Homem Aranha, nem o Capitão América ou qualquer personagem dos desenhos animados. Até a vaga do Popeye já estava ocupada por num garoto da segunda série que se meteu no nosso meio. Foi aí, sem ter nenhuma outra opção de heróis, que lembrei-me do Capitão Gay que passava num antigo programa do Jô Soares chamado Viva o Gordo”.

Sérgio não se aguentava mais de tanto rir e perguntou com ares de sarcasmo machista, pondo-se depois a cantar uma marchinha de Carnaval:

- “Você jura mesmo, Zé, que que não sabia que o Capitão Gay era um boiolão? Acho que todos já descobrimos seu problema. Olha a cabeleira do Zezé! Será que ele é?! Será que ele é?!”

A doutora Kátia desta vez advertiu seriamente Sérgio:

- “É a última vez que chamo a sua atenção. Se você continuar com este comportamento, vou ter que tirá-lo do grupo e comunicar a minha decisão à juíza do JECRIM. Aqui não estou tratando de crianças. Só posso admitir pacientes realmente dispostos a se tratar. Se você não está afim de encarar a terapia, não posso deixar que a sua atitude covarde atrapalhe os outros que estão aqui tentando compreender melhor a si mesmos”

- “Tudo bem, doutora. Se é assim, vou falar de mim. A senhora quer saber por que eu não suporto os gays? Pois te contarei agora todos os meus motivos e, se me escutar com atenção até o final, com sensatez e sensibilidade, sei que vai me dar razão.”

- “Então continue, Sérgio. Quero ouvi-lo.”

- “Sabe, doutora. Eu concordo em parte com o Toninho quando ele acreditava numa conspiração gay. Mas não se trata bem de uma conspiração articulada pelos homossexuais e sim pelos banqueiros judeus que pretendem dominar o mundo destruindo as famílias dos povos. Por causa disto, temos visto tantos homossexuais, inclusive lésbicas, ocupando cargos elevados na política e nas empresas. Nossa presidenta, por exemplo, é uma sapata a serviço dos sionistas.”

- “E você se sente incomodado porque vê uma mulher independente com um salário melhor do que o seu e se recusando a transar contigo? Quer que todas elas sejam submissas a você? Isto te ameaça?”

Sérgio emudeceu, pensou um pouco e depois respondeu:

- “Doutora Kátia. Estou achando a sua sexualidade bem duvidosa. No dia em que você for comigo pra cama e experimentar um macho de verdade vai aprender a gostar de homem.”

Indignada com a atitude de Sérgio, doutora Kátia resolveu encerrar a sessão.

- “Paciente Sérgio, queira se retirar. Não sou mais a sua terapeuta e me julgo por impedida para dar um parecer sobre o seu caso. Ficará a critério da juíza designar outro psicólogo para te avaliar ou te sentenciar como ela bem entender. Quanto aos demais, estão dispensados. Posso dizer que todos vocês estão em condições de continuar a conviver em sociedade. Apenas recomendo que prossigam com o tratamento no SUS ou num consultório particular. Aqui na minha ONG temos preços promocionais de vinte reais por consulta para pessoas de condição humilde e os grupos de apoio são todos gratuitos. Anotem o horário que está no mural lá do corredor.”

Sérgio deixou a sala de terapia na frente dos demais e os outros pacientes saíram todos juntos, alcançando-o minutos depois no bar onde costumavam reunir-se ao término de cada sessão. Ali todos eles davam boas gargalhadas contando piadas sobre homossexuais e zombando da doutora Kátia.

- “QUA! QUÁ! QUÁ! O Toninho enganou a mulher direitinho e acho que a doutora não vai descobrir que eu nem estava na primeira série quando a Globo exibia o Viva o Gordo”, comentou José.

- “É impossível ela descobrir que eu jamais fui crente. Decorei na íntegra as confissões de um blogueiro ex-evangélico na internet, as quais pareceram-me bem coerentes. No fundo, prefiro mais é uma boa curimba do que ir numa igreja”, ridicularizou Antônio.

- “Mas e você, Sérgio? Por que não falou pra mulher que sente inveja das lésbicas? A doutora Kátia iria ver que você compreendeu o seu problema e iria encaminhar uma resposta favorável pra juíza e você ficaria livre de tomar uma cadeia. Seu tormento terminaria dentro de poucas semanas e ficaria livre de ter que continuar vindo toda semana aqui. Agora, depois deste incidente, existe até o risco de uma condenação.”

- “Olha, amigos. Quando a doutora Kátia perguntou se eu me sentia incomodado pelo fato de uma mulher ganhar mais do que meu salário, saquei logo qual deveria ser a resposta. Mas a verdade, Toninho, é que se a Justiça me liberar, perderei a chance de ser mandado pra uma cadeia fétida lotada de homens suados, bem musculosos. Ui!”

- “Que é isto, companheiro!? Você só pode estar zoando com a nossa cara!”

- “Estou falando sério, gente! Naquele momento em que a doutora Kátia fez aquela pergunta, refleti profundamente e descobri que gosto é de homem, Toninho.”

- “Por favor, não me chame mais de Toninho. A partir de agora já não te dou estas intimidades! Saia daqui, bichona nazista, antes que agente te cubra de porrada.”

- “Eu vou sair daqui, bambinos. Mas saibam que tenho esta conversa gravadinha bem aqui neste aparelho. Todos os papos anteriores aqui do bar já estão no meu computador porque eu tinha resolvido me prevenir de vocês, caso deixassem de ser homofóbicos. E, certamente que, se vocês me baterem, nós nos veremos todas no presídio de Bangu, além de que vou espalhar pra todo mundo no Facebook. Ai, como eu tô bandida!”

Sobre o autor


Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz é advogado e se interessa por debater História, Teologia e Política e vários outros assuntos sem nenhum compromisso profissional, por enquanto. Identifica-se como um discípulo de Jesus. Mora no Rio de Janeiro e é casado com Núbia Mara Cilense. Politicamente não se define nem como direita, esquerda ou de centro, pois considera tais conceitos como ultrapassados, por adotar uma concepção mais ampla. Porém, considera-se um social democrata. Defende causas ambientais, de inclusão social e culturais. Não se encontra filiado a nenhum partido político no momento e dá mais crédito à política não-institucionalizada, pois a força dos acontecimentos está na união de indivíduos interessados em promover mudanças, bem como nas limitações impostas pelo próprio ambiente, o que, por sua vez, relaciona-se com a soberania divina. Crê num Deus que sempre esteve no controle da História e que buscou relacionamentos com o homem por diversas maneiras, marcando profundamente os rumos deste planeta através de Jesus Cristo, através de quem recebemos as boas novas do Reino e somos convocados para transformar a realidade do nosso planeta. Email para contatos: rodrigoluz@yahoo.com

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