Certa vez, depois que o
Congresso brasileiro aprovou o Projeto de Lei da Câmara n.º
122/2006, criminalizando a homofobia no país, uma psicóloga teve a
genial ideia de criar grupos de apoio para auxiliar no tratamento de
pacientes homofóbicos no Rio de Janeiro. Homens que cometeram crimes
de menor potencial ofensivo relacionados ao preconceito contra os
homossexuais, passaram a ser encaminhados pela Justiça para a ONG da
doutora Kátia e, desta maneira, recebiam uma nova chance para não
serem condenados à prisão. O parecer dela tornava-se quase sempre o
fundamento da sentença proferida pela magistrada titular do Juizado
Especial Criminal (JECRIM) da cidade.
Iniciando mais uma
sessão do seu complicado grupo de machões provocadores, a doutora
Kátia assim saudou a todos:
- “Bom dia, meninos!
Este é o nosso décimo segundo encontro e hoje gostaria que cada um
contasse sobre aquilo que mais lhe causa aversão num homossexual,
conforme pedi que refletissem na semana passada. Vocês estão
lembrados?”
Sérgio, um dos
participantes mais alterados do grupo, interrompeu a psicóloga:
- “Doutora Kátia! A
senhora não está querendo que eu saia hoje daqui assumindo que sou
frutinha. Já cansei de ouvir aquele velho papo de que todo machão é
um gay enrustido. Chega! Prefiro, neste caso, renunciar ao benefício
da Justiça e ser condenado de cabeça erguida pelo insulto que
proferi contra aquelas duas bichas lá na praia de Copacabana. Jamais
ofenderei a minha própria honra e me comprometo em nunca mais andar
pela Zona Sul da cidade!”
- “Sérgio, sei que
você não estava no encontro anterior quando falei que a homofobia
das pessoas seria resultado da projeção que cada um faz no outro
quanto aos seus próprios sentimentos. Isto não significa que todo
homofóbico seja necessariamente um homossexual que recusa a se
assumir. Ele pode, por exemplo, ter escolhido um grupo social em
desvantagem para descarregar suas frustrações mal resolvidas.
Espero que hoje ainda descubra qual é o seu caso, pois de nada
adianta enganar a si próprio. Você admitiria que é um homofóbico
ou não se vê desta maneira?”
- “Doutora, não
tenho nenhuma fobia dos gays. Se for pra sair no braço com eles,
podem vir dois pra cima de mim que eu arrebento. O meu caso é que
sou um dos poucos homens de bem que sobraram nesta sociedade
decadente. Tenho orgulho de ser macho, trabalhador, não dever a
ninguém, criar filhos e viver com decência. Por isto eu sempre
votei no Jair Bolsonaro. Ele é o único que presta no meio daqueles
deputados cretinos e conseguiu impedir que a vaca da nossa presidenta
aprovasse aqueles vídeos de educação homossexual no ano de 2011.
Infelizmente, as ONGs GLS, com o apoio dos banqueiros sionistas,
aprovaram esta lei vergonhosa que criminaliza o natural sentimento de
repulsa contra a anormalidade. Mas o que podemos esperar de uma
mulher que sempre se disse favorável ao aborto e fingiu ser santa
nas eleições para ter o apoio dos religiosos?”
- “Sérgio! Por favor
fale só de você. Nosso tempo é curto e as regras do grupo foram
explicadas claramente desde o primeiro encontro há três meses
atrás. Aqui eu só permito que o meu paciente fale de si. Ronaldo,
agora é a sua vez.”
- “Bom dia, doutora.
Ontem fiquei pensando nas coisas sobre as quais tínhamos debatido
aqui e descobri por que eu me tornei um homofóbico. No fundo eu
tinha era inveja da liberdade dos gays porque muitos deles são
pessoas abertas e espontâneas ao passo que eu me tornei um cara
reprimido. Papai queria controlar todas as minhas manifestações
espontâneas. Ele podou minha maneira de rir, meu jeito de me vestir
e proibiu que eu e meu irmão fizéssemos teatro na escola. Depois de
adulto, preservei todo aquele enquadramento e então todo homossexual
masculino que tinha um comportamento extravagante me despertava
raiva”
- “E hoje você ainda
culpa seu pai, Ronaldo?”
- “Hoje eu o
compreendo, doutora. A escolha de ter me tornado um sujeito reprimido
foi toda minha. Quando meu irmão fez seus dezoito anos, ele saiu de
casa e foi fazer um curso para artistas. Hoje ele é um humorista da
televisão e faz bastante sucesso se fingindo até de gay.”
- “Sente inveja do
seu irmão?”
- “Ainda sinto, mas
luto contra isto a cada dia”
- “Tá certo. E aí,
Antônio? Conseguiu chegar a uma conclusão sobre o seu problema?”
- “Sim, doutora.
Descobri que a minha homofobia está associada com a adolescência
conflituosa que tive. Nunca senti atração por outro homem. Meu
problema era por causa da masturbação.”
Nesta hora, alguns
membros do grupo não aguentaram e deram gargalhadas. A doutora
Kátia, porém, procurou evitar que houvesse uma dispersão.
- “Silêncio, gente!
Vamos ouvir o que o colega de vocês tem a dizer. Antônio, por que
você está ligando aversão à homossexualidade com masturbação se
esta é justamente uma maneira como os rapazes costumam se afirmar
como heterossexuais dentro da nossa cultura antes de terem a primeira
relação sexual? Por favor, explique melhor isto.”
Desrespeitosamente,
Sérgio mais uma vez interrompeu:
- “Na certa foi
porque, quando o Toninho estava na escola, ensinaram-lhe a maneira
errada de se masturbar. Trocaram com o manual das meninas e colocaram
nas mãos dele.”
Embora quase todos os
membros do grupo tivessem dado um sorriso discreto, a doutora Kátia
ignorou o comentário do Sérgio e pediu a Antônio que continuasse:
- “Doutora, quando eu
era um adolescente, fiz parte de uma igreja evangélica em que o
pastor dizia ser um pecado contra a natureza eu me masturbar. Ele
comparava a masturbação com o homossexualismo e considerava pior do
que o sexo antes do casamento. Então resolvi parar com aquele vício
maldito mas não consegui. Toda vez que terminava de ejacular,
sentia-me tão impuro quanto um gay. Aí minha aversão ao
homossexualismo foi aumentando a cada dia mais.”
- “E hoje? Como você
consegue lidar com isto, Antônio?”
- “Depois destas
excelentes sessões de terapia, consegui melhorar bastante e descobri
que o problema está em mim e preciso aceitar-me como sou. Nem culpo
a igreja pelas loucuras que fui desenvolvendo na minha cabeça. Até
porque só me tornei um homofóbico radical depois que me desviei dos
caminhos do Senhor. Foi quando decidi erroneamente que a melhor
maneira de tirar a masturbação da minha vida seria arrumando uma
mina pra transar.”
- “E você não
arrumou nenhuma namorada na adolescência?”
- “Até hoje não,
doutora. Minha primeira transa foi pagando e eu me senti tão
bloqueado que nem consegui ter ereção quando entrei no quarto com a
mulher. Ficava toda hora lembrando daquela parte da Bíblia em que o
apóstolo Paulo diz que quando o homem se une com uma prostituta ele
se torna uma só carne com ela. Aí qualquer reação da mulher
parecia que ela estava com alguma pomba-gira no corpo e fiquei com
medo que o demônio pegasse em mim. Saí dali e fui pro culto da
igreja no dia seguinte aceitar Jesus novamente.”
- “E hoje saberia
explicar por que agrediu aquele travesti que representou contra você
na polícia?”
- “Sei sim, doutora.
É porque na minha cabeça eu cheguei a criar a ideia de que a
dificuldade que tenho com as mulheres seria porque os gays estariam
controlando o mundo através de uma conspiração diabólica para que
os heterossexuais ficassem sem opção de sexo e passassem a
procurá-los para satisfazerem suas necessidades. Então, no dia em
que fui na boate e paguei a saída do travesti achando que fosse
mulher, resolvi dar na cara dele quando chegamos no motel.”
- “Tá. Mas o
travesti não te avisou que era homossexual?”
- “Não sei dizer
porque eu tava mamadão de cerveja e só consegui prestar a atenção
no preço do programa que muito mal negociei. Então na hora em que
ela ou ele me perguntou se eu já tinha feito sexo com travesti,
aproveitei o momento para extravasar tudo o que sinto contra os gays.
Seria o bode expiatório das minhas frustrações sexuais.”
- “Pelo visto quem
levou a pior na briga foi você, né Toninho?!”, interveio um outro
participante do grupo chamado José.
- “Agora conte um
pouco sobre você, José”, falou a doutora Kátia passando a
palavra para o outro paciente.
- “Bem, doutora, o
meu problema começou no recreio do colégio. Sempre fui um aluno
meio mongo para certas brincadeiras e quase não sabia os palavrões.
Principalmente os mais cabeludos. Nem mesmo fazia ideia do que
significava a palavra gay ou o que era um homossexual. Sabia apenas
que alguns homens gostavam de se vestir de mulher e não entendia por
que os machões usavam este tipo de fantasia na época do carnaval.
Quando fiz meus sete anos, mamãe colocou-me pela primeira vez na
escola para cursar a primeira série, mas tive sérios problemas de
adaptação. Um garoto mais velho, repetente e ainda com 13 anos na
quarta série, tentou abusar de mim no banheiro.”
Todos os pacientes
olharam entre si nesta hora dando uma discreta risadinha. A doutora
Kátia, porém, advertiu o grupo:
- “Rapazes, vamos
respeitar o colega. Uma das regras do nosso grupo de apoio é
aprender a ouvir com consideração a experiência do outro. Pode
prosseguir, José.”
- “Obrigado, doutora.
Confesso que me sinto até hoje culpado pelo que aconteceu como se
tivesse provocado o rapaz.”
- “Como assim, José?
Explique melhor isto.”
- “É que certo dia,
quando eu e os colegas da turma estávamos brincando de super herói,
cada um escolheu para si um personagem dos desenhos. O representante
da classe foi o Super Homem, o Rogerinho escolheu ser o Batman, um
outro foi o Robin e eu, quando tentava ser algum herói, um outro
menino dizia que era ele. Não consegui ser o Incrível Hulk, nem o
He-Man, nem o Homem Aranha, nem o Capitão América ou qualquer
personagem dos desenhos animados. Até a vaga do Popeye já estava
ocupada por num garoto da segunda série que se meteu no nosso meio.
Foi aí, sem ter nenhuma outra opção de heróis, que lembrei-me do
Capitão Gay que passava num antigo programa do Jô Soares chamado
Viva o Gordo”.
Sérgio não se
aguentava mais de tanto rir e perguntou com ares de sarcasmo
machista, pondo-se depois a cantar uma marchinha de Carnaval:
- “Você jura mesmo,
Zé, que que não sabia que o Capitão Gay era um boiolão? Acho que
todos já descobrimos seu problema. Olha a cabeleira do Zezé! Será
que ele é?! Será que ele é?!”
A doutora Kátia desta
vez advertiu seriamente Sérgio:
- “É a última vez
que chamo a sua atenção. Se você continuar com este comportamento,
vou ter que tirá-lo do grupo e comunicar a minha decisão à juíza
do JECRIM. Aqui não estou tratando de crianças. Só posso admitir
pacientes realmente dispostos a se tratar. Se você não está afim
de encarar a terapia, não posso deixar que a sua atitude covarde
atrapalhe os outros que estão aqui tentando compreender melhor a si
mesmos”
- “Tudo bem, doutora.
Se é assim, vou falar de mim. A senhora quer saber por que eu não
suporto os gays? Pois te contarei agora todos os meus motivos e, se
me escutar com atenção até o final, com sensatez e sensibilidade,
sei que vai me dar razão.”
- “Então continue,
Sérgio. Quero ouvi-lo.”
- “Sabe, doutora. Eu
concordo em parte com o Toninho quando ele acreditava numa
conspiração gay. Mas não se trata bem de uma conspiração
articulada pelos homossexuais e sim pelos banqueiros judeus que
pretendem dominar o mundo destruindo as famílias dos povos. Por
causa disto, temos visto tantos homossexuais, inclusive lésbicas,
ocupando cargos elevados na política e nas empresas. Nossa
presidenta, por exemplo, é uma sapata a serviço dos sionistas.”
- “E você se sente
incomodado porque vê uma mulher independente com um salário melhor
do que o seu e se recusando a transar contigo? Quer que todas elas
sejam submissas a você? Isto te ameaça?”
Sérgio emudeceu,
pensou um pouco e depois respondeu:
- “Doutora Kátia.
Estou achando a sua sexualidade bem duvidosa. No dia em que você for
comigo pra cama e experimentar um macho de verdade vai aprender a
gostar de homem.”
Indignada com a atitude
de Sérgio, doutora Kátia resolveu encerrar a sessão.
- “Paciente Sérgio,
queira se retirar. Não sou mais a sua terapeuta e me julgo por
impedida para dar um parecer sobre o seu caso. Ficará a critério da
juíza designar outro psicólogo para te avaliar ou te sentenciar
como ela bem entender. Quanto aos demais, estão dispensados. Posso
dizer que todos vocês estão em condições de continuar a conviver
em sociedade. Apenas recomendo que prossigam com o tratamento no SUS
ou num consultório particular. Aqui na minha ONG temos preços
promocionais de vinte reais por consulta para pessoas de condição
humilde e os grupos de apoio são todos gratuitos. Anotem o horário
que está no mural lá do corredor.”
Sérgio deixou a sala
de terapia na frente dos demais e os outros pacientes saíram todos
juntos, alcançando-o minutos depois no bar onde costumavam reunir-se
ao término de cada sessão. Ali todos eles davam boas gargalhadas
contando piadas sobre homossexuais e zombando da doutora Kátia.
- “QUA! QUÁ! QUÁ! O
Toninho enganou a mulher direitinho e acho que a doutora não vai
descobrir que eu nem estava na primeira série quando a Globo exibia
o Viva o Gordo”, comentou José.
- “É impossível ela
descobrir que eu jamais fui crente. Decorei na íntegra as confissões
de um blogueiro ex-evangélico na internet, as quais pareceram-me bem
coerentes. No fundo, prefiro mais é uma boa curimba do que ir numa
igreja”, ridicularizou Antônio.
- “Mas e você,
Sérgio? Por que não falou pra mulher que sente inveja das lésbicas?
A doutora Kátia iria ver que você compreendeu o seu problema e iria
encaminhar uma resposta favorável pra juíza e você ficaria livre
de tomar uma cadeia. Seu tormento terminaria dentro de poucas semanas
e ficaria livre de ter que continuar vindo toda semana aqui. Agora,
depois deste incidente, existe até o risco de uma condenação.”
- “Olha, amigos.
Quando a doutora Kátia perguntou se eu me sentia incomodado pelo
fato de uma mulher ganhar mais do que meu salário, saquei logo qual
deveria ser a resposta. Mas a verdade, Toninho, é que se a Justiça
me liberar, perderei a chance de ser mandado pra uma cadeia fétida
lotada de homens suados, bem musculosos. Ui!”
- “Que é isto,
companheiro!? Você só pode estar zoando com a nossa cara!”
- “Estou falando
sério, gente! Naquele momento em que a doutora Kátia fez aquela
pergunta, refleti profundamente e descobri que gosto é de homem,
Toninho.”
- “Por favor, não me
chame mais de Toninho. A partir de agora já não te dou estas
intimidades! Saia daqui, bichona nazista, antes que agente te cubra
de porrada.”
- “Eu vou sair daqui,
bambinos. Mas saibam que tenho esta conversa gravadinha bem aqui
neste aparelho. Todos os papos anteriores aqui do bar já estão no
meu computador porque eu tinha resolvido me prevenir de vocês, caso
deixassem de ser homofóbicos. E, certamente que, se vocês me
baterem, nós nos veremos todas no presídio de Bangu, além de que
vou espalhar pra todo mundo no Facebook. Ai, como eu tô bandida!”
Sobre o autor
Rodrigo Phanardzis
Ancora da Luz é advogado e se interessa por debater História,
Teologia e Política e vários outros assuntos sem nenhum compromisso
profissional, por enquanto. Identifica-se como um discípulo de
Jesus. Mora no Rio de Janeiro e é casado com Núbia Mara Cilense.
Politicamente não se define nem como direita, esquerda ou de centro,
pois considera tais conceitos como ultrapassados, por adotar uma
concepção mais ampla. Porém, considera-se um social democrata.
Defende causas ambientais, de inclusão social e culturais. Não se
encontra filiado a nenhum partido político no momento e dá mais
crédito à política não-institucionalizada, pois a força dos
acontecimentos está na união de indivíduos interessados em
promover mudanças, bem como nas limitações impostas pelo próprio
ambiente, o que, por sua vez, relaciona-se com a soberania divina.
Crê num Deus que sempre esteve no controle da História e que buscou
relacionamentos com o homem por diversas maneiras, marcando
profundamente os rumos deste planeta através de Jesus Cristo,
através de quem recebemos as boas novas do Reino e somos convocados
para transformar a realidade do nosso planeta. Email para contatos:
rodrigoluz@yahoo.com
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