segunda-feira, 2 de julho de 2012

Resultado da Enquete para a Comunidade LGBT: “Você é feliz?”

Por Espiritualidade Inclusiva



Durante o mês de Junho lançamos a primeira enquete do Movimento Espiritualidade Inclusiva. O tema foi a felicidade dos LGBT brasileiros, seja no geral, seja em vários âmbitos da vida (família, sociedade, trabalho, etc). A ideia foi de um dos leitores e apoiadores do Movimento Espiritualidade Inclusiva.

A enquete ficou no ar de 28 de maio até 29 de junho. O resultado da mesma e alguns comentários pertinentes apresentamos logo abaixo.

As perguntas e os resultados

1 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz? Sim: 89,47%  Não: 10,53%

2 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e sua família? Sim: 73,68%   Não: 26,32%

3 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e a sociedade em que vive? Sim: 38,09%   Não: 61,91%

4 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e o país em que vive? Sim: 33,33%   Não: 66,67%

5 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é você e seu trabalho (se não tiver trabalho atualmente, considere os que já teve ou o que pensa disso no âmbito geral)? Sim: 68,42%   Não: 31,5%

6 – Você, sendo parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o assunto é seu casamento com alguém do mesmo sexo (independente do status de sua relação atual e de ter ou não uma relação afetiva)? Sim: 61,11%   Não: 38,89%

A Felicidade no âmbito geral

Numa primeira olhada, constatamos que a maioria esmagadora dos LGBT se considera feliz no âmbito geral, embora isso mude em duas categorias da enquete.

Entre os motivos mais interessantes justificados para esta felicidade geral, estão:

“Desde cedo, eu escolhi lutar, defender os meus direitos e a busca de um mundo melhor. Isso me faz feliz.” [R.R.A.]

“Me assumi aos 25 anos e, desde então, sei quem sou e não permito que me anulem. Por isso, aconteça o que acontecer, sou feliz.” [P.N.]

“Sou Feliz! Motivo: A vida que cultivo me agrada, tenho coragem de ser quem sou, me importo com os acontecimentos, com o próximo, estou atenta às emoções que produzo em mim e nos que estão ligados na minha vibração!!! A Orientação sexual que cultivo é muito boa, estando lésbica nesta vida me sinto BEM, (…). Gosto de ser Lésbica!” [C.B.R.]

“(...) sou um homem em perfeito equilíbrio comigo mesmo. Sou resolvido nessas questões, psicologicamente, sexualmente e afetivamente.” [J.S.]

“Não ter o peso de viver negando o próprio desejo e afeto me dá liberdade para me realizar em outras áreas.” [I.C.]

“Sou uma pessoa, que com o tempo e muito refletir, percebi que minha condição não me inferiorizava. E, que poderia ter uma vida normal como todos. Isso tudo ajudou a desenvolver relações afetivas mais fortes em minha vida.” [V.A.M.]

“Vivo minha sexualidade naturalmente sem precisar fingir ou me esconder de ninguém.” [V.M.]


Ao que parece, o (poder) (ter coragem de) ASSUMIR-SE plenamente está muito relacionado a esta felicidade geral. Os casos em que a resposta à felicidade geral foi “não” têm muito a ver com o fato das pessoas não se assumirem diante da família, dos amigos e no trabalho. O preconceito que as pessoas manifestam nesses meios é o fator maior. Um exemplo:

“Sofro constantes preconceitos das pessoas. Eu seria feliz se não houvesse preconceito.” [M.B.B.]


A felicidade em família

Impressiona o fato de que a maioria se sinta feliz quanto a sua família. Alguns dos motivos:

“Meus pais me acolheram da melhor forma possível, na verdade, meu relacionamento com eles melhorou.” [F.V.]

“Feliz a partir da consciência, do crescimento espiritual. Eu e minha família carnal agora estamos em equilíbrio e respeito. Sou um ser de luz que acabou por contaminar a família. Minha irmã, a mais difícil, hoje publica links solicitando respeito aos Gays!!! Como consegui? Com amor e exemplo de respeito!” [C.B.R.]

“Meus pais, mesmo sendo religiosos (Adventistas), com o tempo foram percebendo que minha sexualidade não me afastava dos valores que me ensinavam.” [I.C.]

“Hoje, sim. Mas foi o resultado de uma luta de uma vida inteira. Hoje me compreendem bem mais, excluindo a parte evangélica fundamentalista, que continua me odiando.” [R.R.A.]

“Ao construir uma relação de lealdade e respeito à felicidade mútua, pais, irmãos e toda a família respeita minha visão de que a nova família que constituí somos eu, meu companheiro e nossos animais de estimação, gato e cachorro. Sendo assim, criamos a oportunidade de expandir a visão de uma família do interior. Sou absolutamente feliz pela minha família - meu companheiro, eu e meus animais de estimação - ou simplesmente nós dois. Somos uma família, e de duas pessoas que se amam e caminham sempre rumo a felicidade mútua. Sou feliz.” [M.A.M.]

Fica claro que a felicidade em família tem a ver com dois fatores: a aceitação e acolhimento do LGBT por parte dos familiares; o resultado de um trabalho árduo de busca por aceitação, especialmente nos casos de famílias de origem evangélica.

As respostas negativas à felicidade em família giram em torno da necessidade de esconder a vida privada para evitar preconceitos. Exemplos:

“Minha família não faz parte da minha vida. Para ser um pouco feliz, ter paz e ser respeitado tive que seguir meu caminho somente ao lado do meu companheiro. Não culpo meus pais por isso, mas sim a falta de cultura de uma sociedade preconceituosa e a falta de diálogo entre as famílias.” [J.V.S.]

“Eles são homofóbicos e não sabem de mim.” [T.S.]

“Sou forçado a esconder muitas coisas da minha família.” [M.P.B.B.]

“Apesar de ser feliz comigo mesmo, a minha família ainda é um quesito frágil. Eles não entendem e não apoiam. Típica família tradicional, provinciana e católica de base.” [J.S.]

A felicidade na convivência com a sociedade

Nesta âmbito a maior parte das respostas foi negativa. As reclamações têm a ver com a visão machista-misógina que permeia a sociedade em geral, o preconceito, os crimes sem pena adequada, o risco ao se manifestar afeto em público e a alcunha de “doentes” e “pervertidos” para os gays reforçada por setores fundamentalistas da sociedade.

Alguns exemplos de justificativa para o “não”:

“Na sociedade em que vivemos somos muitas vezes postos de lado, porque ela é tomada de preconceito, cheia de dedos, hipócrita e traiçoeira. Quando somos gays, negros e pobres sofremos ainda mais. Estamos longe ainda de ser como quer a Constituição (“somos todos iguais perante a lei”). Basta ver o número de gays que são assassinados por ano no Brasil feudal e arcaico em relação a orientação sexual.” [J.V.]

“Acho que o machismo ainda é grave, bem como a misoginia e a homofobia. Ceifa vidas, destrói a subjetividade das pessoas, cria graves traumas e neuroses desnecessárias, provoca desentendimentos. Junta-se a isso o conservadorismo e as religiões homofóbicas e o quadro da infelicidade e da dor está traçado.” [R.R.A.]

“A sociedade brasileira ainda é muito manipulada pelas religiões restritivas.” [T.Q.]

“Não sou feliz vendo meus irmãos sendo injustiçados, crimes sem punição, discriminação, preconceitos, desigualdade.” [R.V.]

“Não, a sociedade ainda bitolada pela ignorância não percebe que a busca pelos direitos de cada LGBT é uma busca de direitos e melhorias sociais para todos. Quando falamos em adequar o SUS para a comunidade LGBT é para melhorar o SUS - melhoria é para todos. Esta total falta de conhecimento ainda aborrece-me. Então, pessoalmente e individualmente sou muito feliz, pois posso fazer a minha parte em todos os ambientes pelos quais passo, mas não posso dizer isso - infelizmente - olhando a sociedade em que vivo, totalmente alienada da realidade do respeito ao humano.” [M.A.M.]

As respostas positivas quanto à sociedade tiveram mais a ver com os casos em que a pessoa LGBT conseguiu se impôr diante do preconceito com coragem, a despeito dos riscos sempre existentes.

Dois exemplos:

“Eu conquistei o respeito das pessoas desde sempre por minha postura não-vitimista, sempre buscando ver todos sem preconceito e evitando compartimentar as pessoas em guetos.” [C.S.N.]

“Uma parcela da sociedade ainda quer conhecer o que é o cidadão LGBT e muitos aceitam a quebra de paradigmas retrógrados.” [F.V.]

A felicidade no país em que se vive

Este foi o âmbito com o maior percentual de negativas (66%), e demonstra o descontentamento da comunidade LGBT com a forma como os seus direitos têm sido encarados pelos políticos e pelo judiciário brasileiro. O crescente número de assassinatos de gays, frequentemente minimizados pelas autoridades, políticos corruptos e fundamentalistas como tendo outras causam que não a homofobia, é o fator que mais parece gerar indignação entre os que responderam à enquete.

Algumas justificativas para o “não”:

“O Brasil é um país que ainda precisa evoluir muito na ideia de direitos humanos e grupos sociais, principalmente quanto aos LGBTs, que ainda sofrem discriminação de diversas e formas e têm seus direitos negados.” [F.V.]

“Enquanto o Brasil for o campeão mundial, comprovadamente, em assassinatos de LGBTs, impossível ser feliz.” [R.R.A.]

“O Brasil precisa evoluir bastante ainda. O governo é deficiente quanto a isso, quanto a educação, quanto a proteção, quanto a igualdade, quanto a conscientização.” [J.S.]

“Temos algumas conquistas, mas muitas ainda para ser alcançadas. Como principal, citaria a erradicação dos assassinatos dos LGBT e a legalização do casamento. Temos políticos que lutam por nós e dizem que nos defendem, mas precisamos nós mesmos ser mais unidos e não nos conformar com o pseudônimo de classe das minorias ou dos grupos de risco. A luta tem que ser diária.” [J.P.S.]

“O Brasil tem muito que crescer, primeiro começando por nós mesmos, deixando nosso preconceito de lado, nossos orgulhos, e defender nossos direitos, não escandalizar o povo. O Brasil é um país de grande conflito religioso, social, e bater de frente com esses dois ícones é só aumentar ainda mais o preconceito. A coisa é sentar e conversar sem pressão, cada coisa no seu devido momento.” [L.I.]

“Nossa política ainda acredita que respeitar a opinião pública é democracia. Eu chamo isso de BURRICE. A política de um país é o que faz suas leis, é o que norteia-o, educa-o, e absolutamente no Brasil a política serve unicamente para fins de re-eleição e não para fazer com que uma nação realmente íntegra seja criada.” [M.A.M.]

As poucas respostas positivas a esta questão têm a ver com uma sensação de que em outros países o preconceito é bem pior, com leis que criminalizam a homossexualidade.

Dois exemplos:

“Se fico triste por algum constrangimento aqui, imagino como deve ser em países onde é crime ser gay, e fico imediatamente feliz. Aqui é "menos pior".” [M.B.B.]

“Se eu vivesse num país muçulmano, a coisa seria bem pior do ponto de vista legal, embora o Brasil seja mais homofóbico que o Irã se considerarmos o número de assassinatos de LGBTs. Mas, a luta está avançando e podemos abrir a boca e falar o que pensamos e o que queremos.” [P.C.S.]

A felicidade no trabalho

A maioria dos que responderam à enquete se considera feliz no trabalho por vários motivos: já estar aposentado, ser autônomo e poder se impôr, ser estritamente profissional (a competência como forma de abafar o preconceito).

Exemplos:

“Raramente sofro preconceito em meu trabalho. Sou autônomo e me imponho sempre.” [P.N.]

“No trabalho sempre fui respeitada, sempre fui PROFISSIONAL, e tive força para me colocar. É preciso coragem, e sabe, talento natural. Nós gays somos muito talentosos, conosco a coisa é séria! Então, é preciso muita auto-confiança. O preconceito... hehehe... é quebrado no jogo da INTELIGÊNCIA GAY!” [C.B.]

“Em meu trabalho hoje me sinto feliz, sou relativamente bem remunerado, tenho cargo de confiança e sou respeitado como homossexual. Isso foi conquistado com muito esforço. No início foi difícil, ouvia muitas piadas, comentários maldosos, mas soube me impôr e conquistar todos com meu trabalho, comprometimento com o emprego e respeito acima de tudo. Não deixo e nunca deixarei que minha vida pessoal interfira no meu trabalho.” [J.S.]

As poucas respostas negativas revelam um pouco do que ainda falta neste quesito:

“Falta mais comprometimento por parte dos gays em buscar seus direitos e denunciar questões de abuso e preconceito.” [I.C.]

“Parcialmente não. Meus companheiros de trabalhos são todos "compreensivos". O que se torna chato e provoca um "mal estar" são as piadinhas sem graça ou comentários preconceituosos.” [L.I.]

“Apesar de eu conseguir muitos empregos, é por pura luta e sofrimento. Pois, já perdi muitas oportunidades e serviços pelo simples fato de eu ser gay.” [M.P.B.B.]

A felicidade no casamento/união LGBT

Esta pergunta foi a que obteve maior equiparação entre “sim” e “não” entre as seis perguntas da enquete. O motivo é meio óbvio: no quesito “relacionamento” há vários fatores subjetivos que independem do preconceito, tendo também a ver com expectativas, objetivos de vida e capacidade de convivência a dois. Mesmo assim, a maioria se considerou feliz neste âmbito.

Exemplos:

“Apesar de não ter ainda podido converter minha declaração de união estável em casamento civil, sou feliz, sim, pois sei que a conquista disso é questão de pouco tempo agora.” [C.S.]

“Sou feliz, com carinho e cumplicidade diante de todos e de tudo. No passado foi desafiante, agora é bom, pacifico e sentimental demais! Amo ter minha parceira junto, amo estar casada com ELA! Nós nos transbordamos em nós! Nada de completar, sim transbordar! Então, sou grata pela oportunidade de me expressar!!!” [C.R.]

“A parte mais feliz da minha vida é o meu casamento. A vida que escolhi, sonhei e desejei tanto ao lado do meu companheiro, que é minha família. Meu casamento é o que me sustenta, que me dá coragem, determinação e vontade de lutar para que todos tenhamos de fato direitos, respeito, dignidade, liberdade de expressão e sexual, respeitados e assegurados em nosso país, que se diz laico, democrático e igualitário. Espero, ansioso, que logo seja aprovado o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo assegurando assim a igualdade perante a constituição, e que a sociedade deixe de ser machista, homofóbica e arcaica. A luta não é só dos LGBT, mas sim de um país que quer ser de primeiro mundo, com uma economia sustentável sem corrupção e que as pessoas tenham seus direitos mínimos assegurados.” [J.P.S.]

“Estou casado há 8 anos e nós nos amamos, respeitando nossas diferenças e sempre com equilíbrio.” [L.G.A.]

“Não sei se é necessário justificar, mas no momento em que você AMA, e este sentimento é simplesmente MÚTUO e verdadeiro, caminha-se junto rumo à felicidade. Sou feliz por amar, ser amado e ambos fazermos nossa parte na criação de ambientes de respeito a nossos direitos enquanto pessoas que querem ser cidadãos plenos, e seres humanos.” [M.A.M.]

Os que responderam “não” a esta pergunta pautaram a não-equiparação dos direitos gays aos direitos heterossexuais:

“O Casamento Civil entre pessoas do mesmo sexo ainda não é Lei, apesar de caminhar para. Faz parte dos 112 Direitos que nos são boicotados perante a Constituição, em comparação aos heterossexuais.” [R.R.A.]

“As políticas públicas para casais LGBT continuam muito aquém em comparação às políticas públicas para casais heterossexuais.” [T.Q.]

“Estamos ficando atrás de países vizinhos por pura má-vontade política e influência de grupos religiosos.” [I.C.]

“Nunca encontrei uma pessoa que quisesse enfrentar todo o contexto ruim em que vivemos para nos "casarmos", se é que se pode chamar assim, visto que a sociedade nos chama de "juntados", ou menos ainda, como "morando junto".” [M.B.B.]

“Apesar da união estável entre pessoas do mesmo sexo já ser reconhecida em grande parte do país, não temos os mesmos direitos naturais de um casal hétero. Para isso, tem que se recorrer à justiça.” [V.M.]

Conclusão


Em geral, o LGBT brasileiro se considera feliz, mas a enquete deixou claro que os gays mais felizes são os que já saíram do armário, se impuseram em suas famílias, trabalho e círculo de amigos, que têm consciência política e algum tipo de ativismo pró-cidadania plena e que pautam seu trabalho pela perfeição e profissionalismo. Os demais, em sua maioria, ainda padecem de muito sofrimento interior, que se soma ao sofrimento causado pelo preconceito e homofobia externos.

A enquete deixa alguns recados importantes: as famílias devem ser mais acolhedoras com o LGBT ao invés de excluí-lo de seu seio; as famílias com tendência religiosa tradicional devem se esforçar em dobro para incluir o LBT; a sociedade precisa repensar sua tendência cruel a preconceitos abertos e velados contra os LGBT; o mercado de trabalho precisa, reconhecendo a competência natural dos gays em nada menor que a dos heterossexuais, implantar medidas anti-homofóbicas em seus ambientes; as forças políticas e o judiciário brasileiro precisam dar uma resposta rápida para incluir o LGBT no seio social com uma cidadania plena, possibilidade de casamento civil, proteção, segurança, educação e saúde.

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