Durante o mês de Junho
lançamos a primeira enquete do Movimento Espiritualidade Inclusiva.
O tema foi a felicidade dos LGBT brasileiros, seja no geral, seja em
vários âmbitos da vida (família, sociedade, trabalho, etc). A
ideia foi de um dos leitores e apoiadores do Movimento
Espiritualidade Inclusiva.
A enquete ficou no ar
de 28 de maio até 29 de junho. O resultado da mesma e alguns
comentários pertinentes apresentamos logo abaixo.
As perguntas e os
resultados
1 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz? Sim:
89,47% Não: 10,53%
2 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o
assunto é você e sua família? Sim: 73,68% Não: 26,32%
3 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o
assunto é você e a sociedade em que vive? Sim: 38,09% Não:
61,91%
4 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o
assunto é você e o país em que vive? Sim: 33,33% Não: 66,67%
5 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o
assunto é você e seu trabalho (se não tiver trabalho atualmente,
considere os que já teve ou o que pensa disso no âmbito geral)?
Sim: 68,42% Não: 31,5%
6 – Você, sendo
parte da comunidade LGBT, se considera uma pessoa feliz quando o
assunto é seu casamento com alguém do mesmo sexo (independente do
status de sua relação atual e de ter ou não uma relação
afetiva)? Sim: 61,11% Não: 38,89%
A Felicidade no
âmbito geral
Numa primeira olhada,
constatamos que a maioria esmagadora dos LGBT se considera feliz no
âmbito geral, embora isso mude em duas categorias da enquete.
Entre os motivos mais
interessantes justificados para esta felicidade geral, estão:
“Desde cedo, eu
escolhi lutar, defender os meus direitos e a busca de um mundo
melhor. Isso me faz feliz.” [R.R.A.]
“Me assumi aos 25
anos e, desde então, sei quem sou e não permito que me anulem. Por
isso, aconteça o que acontecer, sou feliz.” [P.N.]
“Sou Feliz! Motivo: A
vida que cultivo me agrada, tenho coragem de ser quem sou, me importo
com os acontecimentos, com o próximo, estou atenta às emoções que
produzo em mim e nos que estão ligados na minha vibração!!! A
Orientação sexual que cultivo é muito boa, estando lésbica nesta
vida me sinto BEM, (…). Gosto de ser Lésbica!” [C.B.R.]
“(...) sou um homem
em perfeito equilíbrio comigo mesmo. Sou resolvido nessas questões,
psicologicamente, sexualmente e afetivamente.” [J.S.]
“Não ter o peso de
viver negando o próprio desejo e afeto me dá liberdade para me
realizar em outras áreas.” [I.C.]
“Sou uma pessoa, que
com o tempo e muito refletir, percebi que minha condição não me
inferiorizava. E, que poderia ter uma vida normal como todos. Isso
tudo ajudou a desenvolver relações afetivas mais fortes em minha
vida.” [V.A.M.]
“Vivo minha
sexualidade naturalmente sem precisar fingir ou me esconder de
ninguém.” [V.M.]
Ao que parece, o
(poder) (ter coragem de) ASSUMIR-SE plenamente está muito
relacionado a esta felicidade geral. Os casos em que a resposta à
felicidade geral foi “não” têm muito a ver com o fato das
pessoas não se assumirem diante da família, dos amigos e no
trabalho. O preconceito que as pessoas manifestam nesses meios é o
fator maior. Um exemplo:
“Sofro constantes
preconceitos das pessoas. Eu seria feliz se não houvesse
preconceito.” [M.B.B.]
A felicidade em
família
Impressiona o fato de
que a maioria se sinta feliz quanto a sua família. Alguns dos
motivos:
“Meus pais me
acolheram da melhor forma possível, na verdade, meu relacionamento
com eles melhorou.” [F.V.]
“Feliz a partir da
consciência, do crescimento espiritual. Eu e minha família carnal
agora estamos em equilíbrio e respeito. Sou um ser de luz que acabou
por contaminar a família. Minha irmã, a mais difícil, hoje publica
links solicitando respeito aos Gays!!! Como consegui? Com amor e
exemplo de respeito!” [C.B.R.]
“Meus pais, mesmo
sendo religiosos (Adventistas), com o tempo foram percebendo que
minha sexualidade não me afastava dos valores que me ensinavam.”
[I.C.]
“Hoje, sim. Mas foi o
resultado de uma luta de uma vida inteira. Hoje me compreendem bem
mais, excluindo a parte evangélica fundamentalista, que continua me
odiando.” [R.R.A.]
“Ao construir uma
relação de lealdade e respeito à felicidade mútua, pais, irmãos
e toda a família respeita minha visão de que a nova família que
constituí somos eu, meu companheiro e nossos animais de estimação,
gato e cachorro. Sendo assim, criamos a oportunidade de expandir a
visão de uma família do interior. Sou absolutamente feliz pela
minha família - meu companheiro, eu e meus animais de estimação -
ou simplesmente nós dois. Somos uma família, e de duas pessoas que
se amam e caminham sempre rumo a felicidade mútua. Sou feliz.”
[M.A.M.]
Fica claro que a
felicidade em família tem a ver com dois fatores: a aceitação e
acolhimento do LGBT por parte dos familiares; o resultado de um
trabalho árduo de busca por aceitação, especialmente nos casos de
famílias de origem evangélica.
As respostas negativas
à felicidade em família giram em torno da necessidade de esconder a
vida privada para evitar preconceitos. Exemplos:
“Minha família não
faz parte da minha vida. Para ser um pouco feliz, ter paz e ser
respeitado tive que seguir meu caminho somente ao lado do meu
companheiro. Não culpo meus pais por isso, mas sim a falta de
cultura de uma sociedade preconceituosa e a falta de diálogo entre
as famílias.” [J.V.S.]
“Eles são
homofóbicos e não sabem de mim.” [T.S.]
“Sou forçado a
esconder muitas coisas da minha família.” [M.P.B.B.]
“Apesar de ser feliz
comigo mesmo, a minha família ainda é um quesito frágil. Eles não
entendem e não apoiam. Típica família tradicional, provinciana e
católica de base.” [J.S.]
A felicidade na
convivência com a sociedade
Nesta âmbito a maior
parte das respostas foi negativa. As reclamações têm a ver com a
visão machista-misógina que permeia a sociedade em geral, o
preconceito, os crimes sem pena adequada, o risco ao se manifestar
afeto em público e a alcunha de “doentes” e “pervertidos”
para os gays reforçada por setores fundamentalistas da sociedade.
Alguns exemplos de
justificativa para o “não”:
“Na sociedade em que
vivemos somos muitas vezes postos de lado, porque ela é tomada de
preconceito, cheia de dedos, hipócrita e traiçoeira. Quando somos
gays, negros e pobres sofremos ainda mais. Estamos longe ainda de ser
como quer a Constituição (“somos todos iguais perante a lei”).
Basta ver o número de gays que são assassinados por ano no Brasil
feudal e arcaico em relação a orientação sexual.” [J.V.]
“Acho que o machismo
ainda é grave, bem como a misoginia e a homofobia. Ceifa vidas,
destrói a subjetividade das pessoas, cria graves traumas e neuroses
desnecessárias, provoca desentendimentos. Junta-se a isso o
conservadorismo e as religiões homofóbicas e o quadro da
infelicidade e da dor está traçado.” [R.R.A.]
“A sociedade
brasileira ainda é muito manipulada pelas religiões restritivas.”
[T.Q.]
“Não sou feliz vendo
meus irmãos sendo injustiçados, crimes sem punição,
discriminação, preconceitos, desigualdade.” [R.V.]
“Não, a sociedade
ainda bitolada pela ignorância não percebe que a busca pelos
direitos de cada LGBT é uma busca de direitos e melhorias sociais
para todos. Quando falamos em adequar o SUS para a comunidade LGBT é
para melhorar o SUS - melhoria é para todos. Esta total falta de
conhecimento ainda aborrece-me. Então, pessoalmente e
individualmente sou muito feliz, pois posso fazer a minha parte em
todos os ambientes pelos quais passo, mas não posso dizer isso -
infelizmente - olhando a sociedade em que vivo, totalmente alienada
da realidade do respeito ao humano.” [M.A.M.]
As respostas positivas
quanto à sociedade tiveram mais a ver com os casos em que a pessoa
LGBT conseguiu se impôr diante do preconceito com coragem, a
despeito dos riscos sempre existentes.
Dois exemplos:
“Eu conquistei o
respeito das pessoas desde sempre por minha postura não-vitimista,
sempre buscando ver todos sem preconceito e evitando compartimentar
as pessoas em guetos.” [C.S.N.]
“Uma parcela da
sociedade ainda quer conhecer o que é o cidadão LGBT e muitos
aceitam a quebra de paradigmas retrógrados.” [F.V.]
A felicidade no país
em que se vive
Este foi o âmbito com
o maior percentual de negativas (66%), e demonstra o descontentamento
da comunidade LGBT com a forma como os seus direitos têm sido
encarados pelos políticos e pelo judiciário brasileiro. O crescente
número de assassinatos de gays, frequentemente minimizados pelas
autoridades, políticos corruptos e fundamentalistas como tendo
outras causam que não a homofobia, é o fator que mais parece gerar
indignação entre os que responderam à enquete.
Algumas justificativas
para o “não”:
“O Brasil é um país
que ainda precisa evoluir muito na ideia de direitos humanos e grupos
sociais, principalmente quanto aos LGBTs, que ainda sofrem
discriminação de diversas e formas e têm seus direitos negados.”
[F.V.]
“Enquanto o Brasil
for o campeão mundial, comprovadamente, em assassinatos de LGBTs,
impossível ser feliz.” [R.R.A.]
“O Brasil precisa
evoluir bastante ainda. O governo é deficiente quanto a isso, quanto
a educação, quanto a proteção, quanto a igualdade, quanto a
conscientização.” [J.S.]
“Temos algumas
conquistas, mas muitas ainda para ser alcançadas. Como principal,
citaria a erradicação dos assassinatos dos LGBT e a legalização
do casamento. Temos políticos que lutam por nós e dizem que nos
defendem, mas precisamos nós mesmos ser mais unidos e não nos
conformar com o pseudônimo de classe das minorias ou dos grupos de
risco. A luta tem que ser diária.” [J.P.S.]
“O Brasil tem muito
que crescer, primeiro começando por nós mesmos, deixando nosso
preconceito de lado, nossos orgulhos, e defender nossos direitos, não
escandalizar o povo. O Brasil é um país de grande conflito
religioso, social, e bater de frente com esses dois ícones é só
aumentar ainda mais o preconceito. A coisa é sentar e conversar sem
pressão, cada coisa no seu devido momento.” [L.I.]
“Nossa política
ainda acredita que respeitar a opinião pública é democracia. Eu
chamo isso de BURRICE. A política de um país é o que faz suas
leis, é o que norteia-o, educa-o, e absolutamente no Brasil a
política serve unicamente para fins de re-eleição e não para
fazer com que uma nação realmente íntegra seja criada.” [M.A.M.]
As poucas respostas
positivas a esta questão têm a ver com uma sensação de que em
outros países o preconceito é bem pior, com leis que criminalizam a
homossexualidade.
Dois exemplos:
“Se fico triste por
algum constrangimento aqui, imagino como deve ser em países onde é
crime ser gay, e fico imediatamente feliz. Aqui é "menos
pior".” [M.B.B.]
“Se eu vivesse num
país muçulmano, a coisa seria bem pior do ponto de vista legal,
embora o Brasil seja mais homofóbico que o Irã se considerarmos o
número de assassinatos de LGBTs. Mas, a luta está avançando e
podemos abrir a boca e falar o que pensamos e o que queremos.”
[P.C.S.]
A felicidade no
trabalho
A maioria dos que
responderam à enquete se considera feliz no trabalho por vários
motivos: já estar aposentado, ser autônomo e poder se impôr, ser
estritamente profissional (a competência como forma de abafar o
preconceito).
Exemplos:
“Raramente sofro
preconceito em meu trabalho. Sou autônomo e me imponho sempre.”
[P.N.]
“No trabalho sempre
fui respeitada, sempre fui PROFISSIONAL, e tive força para me
colocar. É preciso coragem, e sabe, talento natural. Nós gays somos
muito talentosos, conosco a coisa é séria! Então, é preciso muita
auto-confiança. O preconceito... hehehe... é quebrado no jogo da
INTELIGÊNCIA GAY!” [C.B.]
“Em meu trabalho hoje
me sinto feliz, sou relativamente bem remunerado, tenho cargo de
confiança e sou respeitado como homossexual. Isso foi conquistado
com muito esforço. No início foi difícil, ouvia muitas piadas,
comentários maldosos, mas soube me impôr e conquistar todos com meu
trabalho, comprometimento com o emprego e respeito acima de tudo. Não
deixo e nunca deixarei que minha vida pessoal interfira no meu
trabalho.” [J.S.]
As poucas respostas
negativas revelam um pouco do que ainda falta neste quesito:
“Falta mais
comprometimento por parte dos gays em buscar seus direitos e
denunciar questões de abuso e preconceito.” [I.C.]
“Parcialmente não.
Meus companheiros de trabalhos são todos "compreensivos".
O que se torna chato e provoca um "mal estar" são as
piadinhas sem graça ou comentários preconceituosos.” [L.I.]
“Apesar de eu
conseguir muitos empregos, é por pura luta e sofrimento. Pois, já
perdi muitas oportunidades e serviços pelo simples fato de eu ser
gay.” [M.P.B.B.]
A felicidade no
casamento/união LGBT
Esta pergunta foi a que
obteve maior equiparação entre “sim” e “não” entre as seis
perguntas da enquete. O motivo é meio óbvio: no quesito
“relacionamento” há vários fatores subjetivos que independem do
preconceito, tendo também a ver com expectativas, objetivos de vida
e capacidade de convivência a dois. Mesmo assim, a maioria se
considerou feliz neste âmbito.
Exemplos:
“Apesar de não ter
ainda podido converter minha declaração de união estável em
casamento civil, sou feliz, sim, pois sei que a conquista disso é
questão de pouco tempo agora.” [C.S.]
“Sou feliz, com
carinho e cumplicidade diante de todos e de tudo. No passado foi
desafiante, agora é bom, pacifico e sentimental demais! Amo ter
minha parceira junto, amo estar casada com ELA! Nós nos
transbordamos em nós! Nada de completar, sim transbordar! Então,
sou grata pela oportunidade de me expressar!!!” [C.R.]
“A parte mais feliz
da minha vida é o meu casamento. A vida que escolhi, sonhei e
desejei tanto ao lado do meu companheiro, que é minha família. Meu
casamento é o que me sustenta, que me dá coragem, determinação e
vontade de lutar para que todos tenhamos de fato direitos, respeito,
dignidade, liberdade de expressão e sexual, respeitados e
assegurados em nosso país, que se diz laico, democrático e
igualitário. Espero, ansioso, que logo seja aprovado o casamento
civil entre pessoas do mesmo sexo assegurando assim a igualdade
perante a constituição, e que a sociedade deixe de ser machista,
homofóbica e arcaica. A luta não é só dos LGBT, mas sim de um
país que quer ser de primeiro mundo, com uma economia sustentável
sem corrupção e que as pessoas tenham seus direitos mínimos
assegurados.” [J.P.S.]
“Estou casado há 8
anos e nós nos amamos, respeitando nossas diferenças e sempre com
equilíbrio.” [L.G.A.]
“Não sei se é
necessário justificar, mas no momento em que você AMA, e este
sentimento é simplesmente MÚTUO e verdadeiro, caminha-se junto rumo
à felicidade. Sou feliz por amar, ser amado e ambos fazermos nossa
parte na criação de ambientes de respeito a nossos direitos
enquanto pessoas que querem ser cidadãos plenos, e seres humanos.”
[M.A.M.]
Os que responderam
“não” a esta pergunta pautaram a não-equiparação dos direitos
gays aos direitos heterossexuais:
“O Casamento Civil
entre pessoas do mesmo sexo ainda não é Lei, apesar de caminhar
para. Faz parte dos 112 Direitos que nos são boicotados perante a
Constituição, em comparação aos heterossexuais.” [R.R.A.]
“As políticas
públicas para casais LGBT continuam muito aquém em comparação às
políticas públicas para casais heterossexuais.” [T.Q.]
“Estamos ficando
atrás de países vizinhos por pura má-vontade política e
influência de grupos religiosos.” [I.C.]
“Nunca encontrei uma
pessoa que quisesse enfrentar todo o contexto ruim em que vivemos
para nos "casarmos", se é que se pode chamar assim, visto
que a sociedade nos chama de "juntados", ou menos ainda,
como "morando junto".” [M.B.B.]
“Apesar da união
estável entre pessoas do mesmo sexo já ser reconhecida em grande
parte do país, não temos os mesmos direitos naturais de um casal
hétero. Para isso, tem que se recorrer à justiça.” [V.M.]
Conclusão
Em geral, o LGBT
brasileiro se considera feliz, mas a enquete deixou claro que os gays
mais felizes são os que já saíram do armário, se impuseram em
suas famílias, trabalho e círculo de amigos, que têm consciência
política e algum tipo de ativismo pró-cidadania plena e que pautam
seu trabalho pela perfeição e profissionalismo. Os demais, em sua
maioria, ainda padecem de muito sofrimento interior, que se soma ao
sofrimento causado pelo preconceito e homofobia externos.
A enquete deixa alguns
recados importantes: as famílias devem ser mais acolhedoras com o
LGBT ao invés de excluí-lo de seu seio; as famílias com tendência
religiosa tradicional devem se esforçar em dobro para incluir o LBT;
a sociedade precisa repensar sua tendência cruel a preconceitos
abertos e velados contra os LGBT; o mercado de trabalho precisa,
reconhecendo a competência natural dos gays em nada menor que a dos
heterossexuais, implantar medidas anti-homofóbicas em seus
ambientes; as forças políticas e o judiciário brasileiro precisam
dar uma resposta rápida para incluir o LGBT no seio social com uma
cidadania plena, possibilidade de casamento civil, proteção,
segurança, educação e saúde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário