Este artigo, a despeito
de seu subtítulo, pretende ser um complemento e uma contribuição
ao debate mais do que algum tipo de contestação aos dois artigos
anteriores publicados neste blogue com o mesmo título (os quais
recomendamos que se leia antes do nosso):
O artigo de João
Marinho:
http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/06/biblia-e-homofobica.html
O artigo de Walter
Silva:
http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/06/biblia-e-homofobica-um-segundo.html
Um argumento pretende
defender uma ideia lançando mão de algumas premissas iniciais. No
caso em questão, consideramos como argumento a ideia de que a Bíblia
é homofóbica.
Um contra-argumento ou
retribuição é uma objeção a uma objeção, podendo ser usado
para rebater uma objeção a uma premissa. Ele pode pretender lançar
dúvida sobre a veracidade de uma ou mais premissas iniciais de um
argumento, ou mostrar que os argumentos iniciais não se seguem a
suas premissas de maneira válida, ou pode dar pouca atenção às
premissas e simplesmente tentar demonstrar a verdade de uma conclusão
incompatível com o que é estipulado no argumento inicial. No caso
em questão, o contra-argumento é a ideia de que apenas partes da
Bíblia são homofóbicas, enquanto outras parecem enaltecer a
homo-afetividade (casos Davi-Jônatas, Rute-Noemi).
Com o que chamamos de
anti-contra-argumento pretendemos lançar uma terceira ideia: a de
que a Bíblia não é um texto coeso, de que entre o Antigo e o Novo
Testamento há muitas contradições, de modo que querer defini-la no
seu todo como sendo homofóbica ou não-homofóbica é esquecer que a
homofobia depende mais da interpretação que se a dá HOJE.
Se se lhe dá uma
interpretação literalista, conectada de modo radical a um momento
histórico (o levítico-deuteronomista, por exemplo) e sem qualquer
recontextualização para com o nosso tempo atual, isso pode ser
entendido como uma interpretação homofóbica.
Por outro lado, se se
lhe dá uma interpretação contextualizadora e moderna, que
considera as mudanças históricas dentro do próprio texto bíblico
(as mudanças de costumes e aplicação de leis entre o Antigo e o
Novo Testamento, por exemplo) e as adaptações do homem ao longo do
tempo, bem como os novos conceitos biológicos, sociais e
tecnológicos, isso pode ser entendido como uma interpretação
não-homofóbica e naturalmente inclusiva.
João Marinho no texto
que abriu este debate deixou claro que mesmo após o surgimento da
Teologia Inclusiva a homofobia dentro do texto bíblico não pode ser
maquiada: “Mesmo com a teologia inclusiva e supostas passagens
pró-homossexualidade, não devemos maquiar a homofobia e demais
preconceitos de certos textos bíblicos. (…) Na verdade, a questão
do embate entre as diferentes formas de teologia inclusiva e as
vertentes mais conservadoras, para mim, é mais profunda do que
escolher um lado ou outro.”
Com certeza. E, ao
termos dividido acima a interpretação bíblica entre a literalista
e a contextualizadora, não estamos falando, no caso da segunda, em
Teologia Inclusiva. Estamos falando em uma interpretação
naturalmente inclusiva. Qual a diferença? No caso da Teologia
Inclusiva, frequentemente, sua consequência é a criação de
“igrejas” alcunhadas de “inclusivas” que nem sequer são
aceitas pela maioria dos grupos cristãos como sendo igrejas cristãs.
Já, uma interpretação naturalmente inclusiva deveria estar
disponível em todos os grupos cristãos, o que seria muito mais
producente para a inclusão da pessoa LGBT que escolheu para sua vida
religiosa o Cristianismo.
Provavelmente o
surgimento das Igrejas Inclusivas tenha se dado pela resistência dos
grupos cristãos existentes até então em se permitirem a uma
interpretação contextualizadora como descrita acima. Para alguns,
incluindo muitos gays cristãos, tais Igrejas Inclusivas são uma
aberração dentro do Cristianismo, já que este deveria acolher a
todos sem distinção, sem preconceito e sem demonização. Para
outros, elas são algo legitimamente cristão, embora o texto de que
se valem apresente dificuldades exegéticas consideráveis no caso do
tema homossexualidade e homo-afetividade. Em nosso
anti-contra-argumento dizemos que tais Igrejas são um mal necessário
enquanto a inclusão do indivíduo LGBT precisa ser algo “negociável”
com relação à maioria cristã.
Walter Silva, no
segundo artigo desta polêmica, escreveu algo aparentemente óbvio,
mas que não custa relembrar, dada a sua gravidade: “(…)
questionar se a bíblia é homofóbica pode parecer mesmo uma grande
ingenuidade, quando não uma pilhéria grotesca.”
É o que parece. E,
muitos comentários recebidos pelos dois artigos até aqui evidenciam
exatamente esta certeza: a de que a Bíblia é homofóbica.
Mas, João Marinho, ao
citar Davi e Jônatas, já havia argumentado: “Agora, porém,
assumamos que realmente tenha havido um relacionamento gay entre Davi
e Jônatas, que a história contada seja essa – uma homofilia
bíblica, em vez de seu oposto, a homofobia. Isso descartaria a
existência da mesma homofobia na Bíblia?
Não é porque os
livros de Samuel, Reis e Crônicas exaltam o relacionamento entre
Davi e Jônatas e ambos trocaram declarações carinhosas que o
Levítico e suas injunções a certas práticas homoeróticas deixam
de existir.”
Realmente, não.
Contudo, há uma polarização moderna evidente quando os teólogos
inclusivos tendem a argumentar (conforme o artigo de João Marinho)
que “a Bíblia não é, ou talvez não seja, toda homofóbica
classicamente falando, como os cristãos conservadores tanto gostam
de retratá-la” e os teólogos conservadores dizem que “a Bíblia
não é nada homofóbica”.
Para João Marinho “o
que é producente, portanto, é tomar a Bíblia pelo que ela é: um
livro histórico-religioso, com um sem-número de contradições,
inclusive com relação à homossexualidade”. Isso nos leva ao
terceiro argumento: a Bíblia está desconectada de nossa realidade
moderna exatamente por ser um livro histórico-religioso escrito ao
longo de milhares de anos. Isso explica as inúmeras contradições
que apresenta no tocante a vários assuntos.
Um dos argumentos mais
usados pelos defensores de Levítico para atacar os homossexuais é o
de que, segundo estes, não apenas o Antigo Testamento condena os
atos homossexuais, mas também o Novo Testamento. As demais leis
judaicas de Levítico e Deuteronômio que não aparecem no Novo
Testamento teriam sido “abrandadas” pelo Cristianismo, como as
proibições alimentares, por exemplo. Mas, como Coríntios ataca os
gays, nada feito. Será? A posição inferior da mulher diante do
marido, seu status de propriedade do homem, de que deve calar-se,
etc, aparece em ambos os Testamentos da mesma forma que as críticas
aos eunucos, efeminados e sodomitas. Contudo, qual cristão hoje
imagina dizer para sua mulher manter-se calada numa conversa porque
Deus assim manda na Bíblia? A misoginia foi “abrandada”, mas a
homofobia não? Conveniências? Talvez. Mas, que muitos cristãos
machistas gostariam de poder calar suas mulheres em público sob a
autoridade bíblica, ah, isso sim!
O que fazer então?
Continuar cristão gay em meio a homofóbicos, aderir a Igrejas
Inclusivas ou deixar de ser cristão? João Marinho: “(...) não
posso esperar que todos se tornem ateus apenas por serem LGBTs
(lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), quando eu
mesmo, por sinal, não sou.”
Não há necessidade de
gays cristãos deixarem de ser cristãos. Por que? Porque todo e
qualquer trecho bíblico sobre homossexualidade está sujeito a
interpretações diversas. E, isso tem um motivo simples, mas
crucial: na época bíblica ninguém tinha consciência de orientação
sexual, de que uma delas é a homossexual, de que isso é natural e
de que não pode ser mudada. Se tivessem tal consciência, as
orientações LGBT estariam na conta do que foi criado por Deus e não
estariam sujeitas às leis mosaicas e deuteronomistas, que são mais
tentativas de regrar a vida privada dos israelitas e judeus que
preceitos divinos universais. Em suma, não são pecado, mas
interdições, a maioria delas, inclusive, dirigidas aos
heterossexuais. E, interdições, não levam ao Inferno. Apenas o
pecado não remido pelo arrependimento leva ao Inferno, segundo as
crenças cristãs.
Como bem pontuou Walter
Silva, na época bíblica nem sequer havia a consciência de existirem heterossexuais e homossexuais. Só se tratava do sexo como
entre macho e fêmea. Não havia a diferenciação entre sexo
biológico, gênero, identidade e orientação sexual. Para os
antigos semitas tudo se resumia no macho-fêmea, e pretendiam que era
assim também no reino animal. A Ciência moderna colapsou tal ideia
ao descobrir animais andróginos, hermafroditas, e espécies que
podem até mudar de sexo sob certas circunstâncias. Com que animais
estas espécies se alojaram na Arca de Noé???
O que quero deixar
claro com meu anti-contra-argumento é que, antes de alcunharmos o
livro inteiro chamado “Bíblia” como homofóbico, devemos
declarar que a Bíblia ignora tudo o que sabemos hoje sobre a
sexualidade humana. Então, a Bíblia é ignorante quanto à pessoa
LGBT e, por tal contraste com nossa realidade atual, figura como
homofóbica. Além disso, no momento em que fanáticos
preconceituosos desvirtuam os textos e traduzem termos antigos com
palavras modernas – como quando se traduz “sodomita” por
“homossexual” -, a ideia “mastigada” e falaciosa lançada
para a maioria é a de que a Bíblia condena os gays.
Mas, como pode um texto
que sequer concebe a existência de gays condená-los? Tudo no texto
bíblico é escrito numa ótica homem e mulher, macho fêmea. Ele
não concebe sexo entre homens além da noção de algo não-natural
que deve ser interdito; não concebe o amor entre pessoas do mesmo
sexo que não seja o amor paternal-filial-fraternal pois não
acredita que tal amor seja possível em sua visão normativa
homem-mulher; não concebe a união/casamento entre pessoas do mesmo
sexo porque não percebe uma pessoa que mantém relações com outra
do mesmo sexo como alguém que possa amar esta outra pessoa e desejar
viver toda a vida com ela de modo equivalente a um homem e uma
mulher.
Este argumento parece
simples, mas tem implicações importantes já apresentadas por
Walter Silva ao citar John Richard Boswell, autor do livro
“Cristianismo, tolerância social e homossexualidade’’: "(…)
Boswell foi celebrado ao expor uma interpretação revolucionária,
argumentando que a igreja no início da sua trajetória e ao longo de
uma parte do medievo, conviveu com a homossexualidade de forma pouco
conflituosa, possibilitando inclusive o emergir de uma subcultura
gay, expressando-se através de primorosos poemas e cartas eróticos
de amor e amizade do mesmo sexo, escritos por bispos e clérigos
cristãos.”
Isso demonstra o que
dissemos sobre a ignorância bíblica a respeito da pessoa
homossexual! Tal ignorância, na Idade Média, serviu para uma
evidente tolerância da Igreja Católica para com pessoas com
tendências ao amor pelo semelhante, o mesmo sexo, enquanto que a
mesma ignorância hoje tem servido aos setores fundamentalistas que
traduzem a seu gosto o texto bíblico para condenar os LGBTs. Se isso
não fosse verdade, não teríamos várias Igrejas Cristãs
protestantes que não se consideram “inclusivas” aceitando LGBTs
entre seus fieis, ordenando sacerdotes gays e celebrando casamentos
entre homossexuais. É o caso da Igreja Luterana nos EUA (no Brasil,
infelizmente, não é bem assim), da Igreja Presbiteriana (também
nos EUA), da Igreja Anglicana, da Igreja Episcopal dos Estados
Unidos, de setores minoritários da Igreja Batista e Metodista, entre
outras.
Walter Silva: “De
modo contraditório os literalistas afirmam que Deus não reconheceu
a categoria dos homossexuais (então qual o sentido de dizer que Deus
não condena a pessoa gay?), que Deus criou somente o “macho’’
e a “fêmea’’; indivíduos gays, portanto são machos e fêmeas
que se recusam a cumprir com os desígnios de sua natureza verdadeira
(heterossexual).”
A questão é mais
ampla: o Deus bíblico não cita “gays”, “homossexuais” ou
“LGBTs” simplesmente porque desconhece sua existência. Mas,
dirão os beatos, como pode Deus desconhecer o que hoje conhecemos?
E, dirão os teólogos beatos, como poderia Deus reconhecer o que não
existe e é uma doença, uma aberração e uma imoralidade? E, dirão
os 10% da humanidade que Deus “desconhece” ou que pensa não
existirem, se Deus nos desconhece ou se cala sobre nós porque não
existimos, por que seus adeptos colocam na boca do Criador uma
condenação que não faz sentido, dados os argumentos? Alguns
setores protestantes norte-americanos entenderam isso (anglicanos,
luteranos, etc.) e deixaram de adotar posturas anti-gays. Quando os
cristãos brasileiros vão acordar? Quando deixarão de ouvir o
vociferante e infernal discurso de Malafaia, Magno Malta, Marco
Feliciano e legião, e passarão a incluir os LGBTs em suas vidas sem
ódio, sem preconceito e sem demonização?
Quando dizemos que a
Bíblia é homofóbica, estamos alimentando um discurso falso de que
todo o cristão e de que todos os grupos cristãos são homofóbicos
e contra os direitos gays.
Quando dizemos que a
Bíblia não é homofóbica, pois ama o gay mas condena o ato
homossexual, estamos alimentando a hipocrisia violenta daqueles
cristãos que se aproveitam deste argumento para condenar os gays ao
Inferno e para tentar impedi-los de conquistar direitos básicos.
Porém, quando dizemos,
equilibrando as coisas:
1 – Que a Bíblia
desconhece as noções modernas de sexualidade, orientação sexual,
identidade de gênero, heterossexualidade, homossexualidade e
bissexualidade;
2 – Que a Bíblia
condena comportamentos sob a perspectiva de que sejam efetuados por
pessoas vistas dentro do padrão macho-fêmea, sem alternativa
diferente;
3 – Que, mesmo a
despeito de tais condenações, a Bíblia deve ser interpretada,
contextualizada e tornada “viva” na modernidade, sem os arcaísmos
embutidos;
Quando dizemos tudo
isso, fica claro que não é a Bíblia que é homofóbica – por uma
impossibilidade histórica de sê-la –, mas os que a adotam hoje
para fazer uma interpretação arcaica, desconectada da vida humana,
dos sentimentos humanos, da realidade interna do ser humano, trabalho
este que tem sido feito pela Psicologia, mas no qual a Teologia
moderna apenas engatinha.
Contudo, é certo que
se a Bíblia não é homofóbica por ser antes ignorante da pessoa
LGBT, também não é um livro inclusivo pelo mesmo motivo!
O Novo Testamento
apresenta uma noção um pouco menos ignorante da existência de uma
alternativa à visão do padrão macho-fêmea (baseado na imprecisa
observação dos animais pelos antigos) e homem-mulher (baseado
unicamente nos gêneros evidentes física e mentalmente) ao
referir-se aos “eunucos de nascimento”, como brilhantemente
esclareceu Walter Silva em seu artigo: “(…) a Bíblia repudia a
afeminação não natural nos homens heterossexuais, o sexo
homossexual com prostitutos sagrados e a disposição de alguns
heterossexuais para a luxúria ocasional com o mesmo sexo.”
A tendência “feminina”
em eunucos era conhecida e aceita, portanto. O que não era aceito –
ou conhecido, já que se desconhecia também a noção de orientação
sexual desconectada de tendências masculinas-femininas – era um
homem não-feminino que se desse ao mesmo sexo, como se “feminino”
fosse. Novamente, uma tentativa sutil de encaixar mesmo os eunucos no
padrão macho-fêmea, homem-mulher. Sem contar que a mulher no ato
sexual, na visão judaico-cristã, é considerada como “submetida”
ao homem, e não em caráter de igualdade, como hoje em dia. Então,
como se considerada o submetido como inferior, assim também eram
considerados, como as mulheres, os eunucos, os homens femininos e os
prostitutos sagrados. Nesta noção machista-patriarcal é
inadmissível um homem não-feminino deitar-se com outro
não-feminino...
Já naquela época
bíblica, portanto, se percebe uma tentativa de conter o fator gay
(ainda nem considerado existente como hoje) dentro de uma categoria
aceitável (o eunuco de nascimento), em oposição à não aceitável
(o prostituto sagrado).
Atualmente, quanto ao
tema, vemos radicalismos de ambos os lados: do lado fundamentalista,
uma tentativa de “eugenia social”; do lado de alguns LGBT que não
gostam de religião, uma tentativa de desqualificar todo e qualquer
valor da espiritualidade para a vida LGBT. Extremos nunca se
entendem. Podem se tocar, mas nunca se entendem.
O que desejam os
“patrulheiros da moral e dos bons costumes” de origem cristã?
Estes “patrulheiros” desejam que os gays voltem aos guetos, que
amem seus iguais às escondidas, sem postular direitos, casamento,
adoção, benefícios iguais aos dos heterossexuais... Querem, assim,
promover no Brasil uma verdadeira eugenia social dos homossexuais aos
moldes da proposta nazista? Jamais o permitiremos!
Quando uso o argumento
da eugenia social contra gays, muitos dizem que essa comparação é
um absurdo. Mas, não é. A eugenia (termo cunhado em 1883 por
Francis Galton), significa “bem nascido” e é o estudo dos
agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as
qualidades raciais das futuras gerações seja física ou
mentalmente. Ou seja, melhoramento genético. Hitler se baseou nisso
ao imaginar que o arianos loiros heterossexuais eram mais puros e
superiores aos judeus, negros, ciganos, deficientes e homossexuais.
Aplicando isso à noção
de eugenia social contra gays, ela significaria a discriminação de
pessoas por categorias sexuais, por orientação sexual, levando
apenas a uma relativa aceitação dos gays mais “comportados”,
mais semelhantes aos padrões heterossexuais, que seriam melhor
aceitos na sociedade, mas nunca completamente integrados, incluídos.
Contudo, continuariam sendo considerados não-aptos para a
reprodução, como se, afinal, todos os gays e lésbicas fossem
estéreis!!! Segundo esta eugenia social, os melhores gays seriam os
do armário, os caladinhos, os que aceitam a ofensa, a demonização
e a violência, de modo a nem serem percebidos pela sociedade e não
constituírem qualquer ameaça a “família cristã”. Ledo engano!
Não se joga para debaixo do tapete cerca de 10% da humanidade (se
não for mais!) como Hitler tentou fazer com os que ele considerava
inferiores.
Para finalizar, a
Bíblia deve ser lida e interpretada como um livro antigo, escrito
por muitos autores ao longo de milhares de anos e que não trata de
todos os assuntos que interessam à vida dos fieis com a riqueza de
detalhes e nos termos modernos, como se gostaria. É um livro sagrado
– como todos os demais, aliás – para ser estudado, esmiuçado,
esquadrinhado, e não usado como arma contra outros seres humanos por
pessoas que, em geral, não entendem o que está ali escrito.
A propósito, tenho
visto pastores semi-analfabetos vomitando preconceitos como certezas
teológicas enquanto ouço dúvidas profundas e pertinentes de
teólogos com décadas de estudos. Para os primeiros, estes
analfabetos de Deus que se consideram Seus intérpretes, deixo alguns
trechos do Livro da Sabedoria, atribuído a Salomão:
“O Senhor de todos
não fará exceção para ninguém, e não se deixará impor pela
grandeza, porque, pequenos ou grandes, é ele que a todos criou, e de
todos cuida igualmente; mas para os poderosos o julgamento será
severo.
Resplandescente é a
Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na
facilmente.
Os que a procuram
encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam.
Quem, para possuí-la,
levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará
sentada à sua porta.
Fazê-la objeto de seus
pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve
não terá mais cuidado.
Ela mesma vai à
procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia
de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus
pensamentos, porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é
instruir, e desejar instruir-se é amá-la.
Mais ágil que todo o
movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à
sua pureza.
Embora única, tudo
pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas. Ela se derrama
de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os
intérpretes de Deus, porque Deus somente ama quem vive com a
sabedoria!”
(Livro da Sabedoria,
VI. 7-8, 12-17; VII. 24, 27-28)
Sobre o autor
Paulo Stekel é jornalista, escritor, músico, poliglota, especialista em religiões, tradições espirituais e línguas sagradas. Ativista LGBT focado na relação entre homofobia e religião, é o criador do Movimento Espiritualidade Inclusiva e possui quase uma centena de artigos sobre espiritualidade, orientação sexual, homofobia religiosa e espiritualidade inclusiva. Contatos: espiritualidadeinclusiva@gmail.com