quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Hipocrisia papal... preconceito oficial

Por Paulo Stekel (publicado originalmente em http://revistahorizonte.blogspot.com/2008/11/hipocrisia-papal-preconceito-oficial.html)



Depois de afirmar com todas as letras que o Cristianismo (Católico, diga-se de passagem!) é a única religião verdadeira, jogando todas as demais no Inferno, o Papa Bento XVI resolveu se superar: acaba de aprovar medidas que levarão psicólogos a evitar que gays se tornem seminaristas. Isso seria uma resposta aos vários escândalos envolvendo pedofilia que custaram indenizações milionárias ao Vaticano nos últimos anos.

O infame documento divulgado recentemente pela Congregação para a Educação Católica, afirma que o emprego de psicólogos pode ser “útil em certos casos”. Neste caso, os psicólogos deverão detectar possíveis “sintomas” como “as dependências afetivas fortes”, a “identidade sexual incerta” e “a tendência arraigada à homossexualidade”, diz o texto, que dá ênfase à “rigidez de caráter” necessária aos futuros sacerdotes. Se necessário, os psicólogos poderão indicar terapias, no caso de se manifestarem problemas psicológicos (recorrerão ao mesmo expediente de certos grupos protestantes que pretendem “curar” gays?).

Contudo, o que o Vaticano entende por dependências afetivas? O que seria uma identidade sexual incerta? A identidade homossexual não é incerta. É uma identidade! E deve ser respeitada. Rigidez de caráter não tem nada a ver com a identidade sexual de alguém. E a rigidez de Bento XVI não se traduz, necessariamente, por rigidez ética. Aliás, seus antecessores deram vários sinais de falta de ética no trono de São Pedro, como no caso dos Papas que flertaram com o nazismo... que pretendia eliminar judeus, negros, ciganos e homossexuais...

Ainda que o procedimento de recorrer a psicólogos, que não farão parte do corpo docente, não venha a ser obrigatório e deva contar com “o consentimento prévio, livre e explícito do candidato”, o documento, intitulado “Orientações para o uso das competências da psicologia na admissão e formação dos candidatos ao sacerdócio”, e que foi preparado por seis anos até ser aprovado por Bento XVI, não deixa claro o que acontecerá no caso de um candidato se recusar a passar por uma junta de pessoas prontas a devassar suas inclinações pessoais.

As medidas foram ordenadas pelo papa João Paulo II (falecido em 2005), depois que vários escândalos envolvendo pedofilia e relações homossexuais de padres católicos chegaram a público pela imprensa internacional. A Igreja Católica, atualmente muito desgastada, em alguns casos foi obrigada a pagar indenizações milionárias.

A doutrina católica considera a homossexualidade algo intrinsecamente equivocado e, sendo assim, ensina que homossexuais não poderiam se tornar sacerdotes. Tanto que o cardel Zenon Grocholewski, prefeito da congregação vaticana para a educação afirmou sem qualquer receio que “a homossexualidade ainda que não praticada é um desvio, uma irregularidade, uma ferida”. Na verdade, a Igreja Católica só reproduz o preconceito evidente em vários trechos da Bíblia, que não reconhece nem os direitos dos homossexuais, nem os das mulheres, que são consideradas como inferiores e submissas ao homem. Aliás, por serem associados (equivocadamente) às mulheres em seu comportamento, é que os homossexuais masculinos são tão abominados no texto bíblico. Ou seja, uma dupla afronta à dignidade feminina, como se pode ver.

O preconceito vergonhoso da Igreja Católica chega ao ponto de considerar os sacerdotes com tendências homossexuais como mais frágeis e com tendência a ceder com mais facilidade ao ato sexual que os sacerdotes heterossexuais, o que não é confirmado por nenhuma pesquisa científica. Mas, desde quando a Igreja se mostra científica? Sua visão retrógrada neste âmbito já prejudicou a humanidade por muito tempo (lembre-se da Inquisição, da queima de Giordano Bruno, da quase queima de Galileu...). Para a Igreja, a homossexualidade é um comportamento "intrinsecamente ruim" e uma inclinação "objetivamente desordenada". Que belo jogo de palavras!

O livreto aprovado por Bento XVI, e que contém 17 páginas, afirma: “Muitas incapacidades psicológicas mais ou menos patológicas se pronunciam apenas depois da ordenação como sacerdote. (...) Os erros em discernir a vocação não são raros”. Mais ou menos patológicas? Se a Igreja se refere à incapacidade de aderir ao celibato, isso também não atinge os padres supostamente heterossexuais? Não há pedofilia e quebra de celibato por padres heterossexuais? Claro que sim! Agora, querer associar isso tudo a uma parcela minoritária (cerca de 10% das pessoas) é puro preconceito ou algo pior, como declarou Franco Grillini, presidente da associação homossexual italiana, Gaynet: “Isso é puro racismo, a típica obsessão homofóbica da hierarquia eclesiástica. (...) A homofobia na Igreja é cada vez mais evidente. (...) A orientação sexual de um padre deveria ser irrelevante, já que o que a igreja exige é sua castidade. Uma medida assim contribui apenas para alimentar a exclusão.”

Existem cerca de seis mil e quinhentos seminários no mundo e a expulsão dos seminaristas com tendências homossexuais já é uma regra aprovada desde 1961. Contudo, a regra é aplicada poucas vezes, e sabem por que? Por causa da diminuição nos últimos anos da ordenação de padres no Ocidente. Então, quando há falta de sacerdotes, os homossexuais servem? Por que, então, também não ordenam mulheres, se ambos são reprovados como sacerdotes pela doutrina católica?

Entre as recomendações estabelecidas no documento aprovado estão as que pedem que se exclua os candidatos que não tenham sido "castos" por pelo menos três anos, bem como os que tenham tido relações homossexuais, além dos que se declararem publicamente homossexuais, ostentem “atitudes gays” (???) ou que participem de reuniões, clubes ou manifestações desse tipo. É a nova caça às bruxas!

A condenação dos homossexuais por Bento XVI, o ex-soldado nazista, é algo presente em sua biografia mesmo antes deste ter sido ordenado Papa de uma Igreja que flertou com o nazismo sem dar maiores explicações à humanidade. Desde 1981, quando era o presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, fez côro com João Paulo II na hipócrita condenação moral ao amor homossexual, tornando-se um dos maiores críticos católicos da homossexualidade. Eis algumas de suas palavras, presentes em vários documentos: “Segundo a ordem moral objetiva, as relações homossexuais são grave depravação e intrinsecamente desordenadas, não podendo em caso algum receber qualquer aprovação. (...) A igreja classifica os casamentos homossexuais como imorais, artificiais e nocivos. Fazem parte da ideologia do mal. (...) O homossexualismo é uma desordem moral!"

Duas atitudes desde sempre mancharam a autoridade e a moral da Igreja, que pretendeu um dia comandar o mundo com mão de ferro: a homofobia (intolerância à homossexualidade, manifestando reações diversas à mesma, como violência física, verbal ou psicológica) e a misoginia (discriminação às mulheres, consideradas como inferiores ao homem). Ambas as atitudes, defendidas por todos os Papas até aqui, são um atentado à razão e aos direitos humanos, um pensamento medieval arcaico e infame, abominável e desumano. Não há qualquer prova científica de que as mulheres sejam inferiores aos homens em qualquer capacidade que seja, assim como não há qualquer prova científica de que, em termos de normalidade, alguma coisa faça distinção entre os homossexuais e os heterossexuais. Portanto, ao afirmar que “o homossexualismo é intrinsecamente mau", como o fez Bento XVI e em outros termos seus antecessores, é tão obtuso e vil como a Inquisição, que era capaz de incinerar pessoas humildes simplesmente porque, sendo canhotas, estavam servindo ao Diabo...

Se a Igreja Católica deseja sobreviver ao Século XXI, é bom que reveja seus posicionamentos ultrapassados, aceitando a homossexualidade como uma via da natureza, reconhecendo o direito das mulheres de exercerem o sacerdócio, reconhendo a importância do uso de preservativos, etc. Continuar resistindo num tempo em que a humanidade está se libertando das antigas amarras que limitavam sua verdadeira felicidade como espécie, amarras muitas das quais foram criadas pela própria Igreja, é um suicídio para o Vaticano. Já há igrejas protestantes que realizam casamentos gays, que ordenam mulheres e que não condenam o uso de preservativos. Por que a Igreja Católica continua achando que é superior às outras e bate pé na arrogância, mesmo depois dos grandes fiascos do passado?

A demonização da homossexualidade pela Igreja é uma das causas do aumento dos grupos homofóbicos que agridem gays pelo mundo todo. A maior parte destes grupos é constituída de cristãos católicos, que acham que estão, com sua violência sem sentido e nada cristã, garantindo a supremacia de alguma coisa que valha a pena. É a mesma atitude de grupos cristãos racistas brancos, que receosos de perder terreno para a população negra, que consideram como inferior, saem desatinados a matar pessoas simplesmente por sua cor. Isto deve ser considerado abominável aos olhos de qualquer religião que se preze.

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