Por Paulo Stekel (artigo originalmente publicado em http://gayexpression.wordpress.com/2011/03/01/o-beijo-proibido-do-%E2%80%9Camor-que-nao-ousa-dizer-o-nome%E2%80%9D/)
Quem não conhece a famosa frase do polêmico escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) que define o amor entre pessoas do mesmo sexo como “o amor que não ousa dizer o nome”? Em Wilde, quase tudo é audacioso, desde suas comédias, textos para crianças (sim, ele fez isso!) até seu autobiográfico “De Profundis”,
publicado em versão completa mais de 70 anos após sua morte. Para
muitos, um dos primeiros ícones homossexuais a inspirar os modernos
movimentos LGBTs, ainda que tenha travado uma luta muito particular
contra o preconceito, não uma luta articulada, como a que travamos hoje.
Wilde viveu sua homossexualidade intensamente numa época em que isso
era crime, e teve que arcar com as consequências de “amar o igual” em
plena era das trevas da Londres de 1895. Ficou preso por dois anos e,
por conta disso, teve sua saúde, vida financeira e até produção
intelectual prejudicadas.
Wilde vinha de família protestante, o que, com certeza, lhe aumentou a
pressão por causa de sua orientação sexual. Os protestantes, em geral,
são muito mais radicais que os católicos no que tange ao sexo
não-reprodutivo e, em especial, à homossexualidade. Ainda hoje é assim,
e, se pudessem, todos nós estaríamos presos como Oscar Wilde, privados
de nossos direitos fundamentais. Aliás, é o que intentam na surdina os
pastores evangélicos fanáticos e mesmo alguns setores fundamentalistas
do catolicismo.
Esses fanáticos querem negar-nos o direito mais consensual do amor
entre dois seres: o beijo apaixonado em público. Todos sabemos que na
televisão brasileira o beijo gay é um tabu absurdamente hipócrita.
Novelas em horário nobre apresentam a um público indiscriminado as
maiores baixarias sexuais, extra-conjugais e violência sado-masoquista
sem o mínimo murmúrio dos que se auto-intitulam “baluartes da moral e
dos bons costumes”, mas sequer apresentam um “selinho gay”, pois isso
acabaria com a “demonização” das relações homoafetivas perante a
sociedade brasileira, derrubando o cavalo de batalha caquético das
“frentes cristãs” abertamente anti-gays. Na verdade, o beijo proibido, o
beijo gay, se tornado frequente na televisão, e do modo correto,
acabaria com o bicho-de-sete-cabeças na cabeça dos brasileiros, que
possuem uma visão equivocada do universo homoafetivo. É um medo
inconsciente de sabe-se lá o que a atormentar a mente de quem foi
educado dentro de uma norma imposta por um costume que não é de todos.
Se não é de todos, há de se dar voz ao diverso.
Recordo a primeira vez que dei o “beijo proibido” em plena rua, em
Santa Maria, no interior do RS, lá pelos idos de 1995, ao sair de uma
festa. Não esqueço da reação de um popular que passava e ia proferindo
impropérios ladeira abaixo. Se fosse na Avenida Paulista, a coisa seria
mais séria…
Dez anos depois, em 2005, repeti a cena em um shopping de
Brasília, e a reação foi mais amistosa. Mereci até um ok e um sorriso de
um atendente de empresa de celulares que assistia a tudo de um quiosque
no centro do shopping. (Não, não sei se ele era gay ou apenas “simpatizante”. Rsrs.)
O fato é que, por mais que uma boa parcela da sociedade pareça hoje
mais “tolerante” ao beijo gay em público, sempre se encontra aqueles
“machões carentes de auto-afirmação” que só conseguem sentir virilidade
batendo em quem pensam ser menos viris que eles, o que, me permitam
esclarecer, nem sempre é a verdade dos fatos…
A grosso modo, eu divido os homofóbicos masculinos em três classes: os enrustidos (engaiolados
em uma orientação sexual que não quer se revelar por conta da pressão
do meio social em que vivem, o que os leva a “exorcizar” seus demônios
sexuais através da violência contra quem demonstra claramente sua
orientação), os fanáticos religiosos (que seguem de
modo cego e medieval uma interpretação bíblica não conectada à realidade
do mundo moderno, propagada por sacerdotes hipócritas que chegam ao
cúmulo de associar homossexualidade com pedofilia) e os misóginos (sim,
os misóginos, aqueles homens que, mesmo sendo heterossexuais, tem
“nojo” das mulheres, as consideram seres inferiores ao homem e sua
propriedade meramente reprodutiva; então, associando a homossexualidade
ao feminino, o asco contra gays é duplicado).
Quanto às mulheres, a homofobia é bem menor por conta do preconceito
que elas mesmo sofreram por milênios (e, ainda sofrem) sob a tutela de
seus “senhores”. Vejo aí a explicação para gays masculinos possuírem
muito mais amigas que amigos. As mulheres entendem melhor quem sofre
preconceito porque elas mesmas o sofrem em muitas circunstâncias e
lugares, por mais que nossa sociedade tenha evoluído no tocante aos
direitos femininos. Podemos, então, concluir que gays masculinos não são
misóginos, não consideram a mulher como inferior a eles, mas como uma
referência de beleza, força, coragem e devoção, ou um misto de tudo
isso. Não há qualquer relação de submissão, de superioridade ou de
inferioridade, entre um gay masculino e uma amiga mulher, seja ela
heterossexual ou lésbica. Tanto que Oscar Wilde escreveu: “As mulheres existem para que as amemos, e não para que as compreendamos.” Amar é a suprema aceitação…, pois, para Wilde, “amar é ultrapassarmo-nos”.
Ao elencar esses tipos masculinos de homofóbicos, pessoas que
conseguem em público até sorrir para gays, mas que em circunstâncias
outras lhes desferem tapas, socos e pontapés, me recordo das palavras de
Oscar Wilde em “De Profundis”: “Por detrás da alegria e do
riso, pode haver um temperamento vulgar, duro e insensível. Mas, por
detrás do sofrimento, há sempre sofrimento. Ao contrário do prazer, a
dor não usa máscara.”
E, não usa mesmo! A dor é evidente, é feroz, se instala e não
apresenta opções: ou você a enfrenta, ou a enfrenta. Não cabem máscaras
nessa luta. Então, em geral, gays falam o que pensam sem dó nem piedade.
A dor lhes ensinou a “encurtar o caminho para a salvação” (desculpem,
mas não resisti!): a verdade, o discurso direto sem hipocrisia, o saber
“se virar” para sobreviver, a coragem para dar a cara a tapa… Afinal,
não dizem que “A Verdade vos libertará”? Se existe um Deus, Ele deve se
agradar dessa autenticidade, não da hipocrisia dos religiosos que se
consideram salvos e que se utilizam da mentira o tempo todo para impedir
que tenhamos direitos reconhecidos.
O que pensar, por exemplo, de um senador (diga-se, Magno Malta – PR/ES,
pastor evangélico) que maldosamente tenta vincular a homossexualidade à
pedofilia? As estatísticas não mentem: a maior parte dos pedófilos são
homens heterossexuais! Nada mais lógico, uma vez que os gays são só
cerca de 10% das pessoas. Ao dizer que, se aprovado o Projeto de Lei 122 (PLC/122) que criminaliza a homofobia, um pedófilo poderia alegar que “sua orientação sexual é transar com crianças”,
o senador demonstra total desconhecimento do Direito e despreparo ao
lidar com direitos civis. Na verdade, o que existe é má intenção pura de
natureza religiosa!
E, nós, como podemos fazer frente a noções bizarras e
mal-intencionadas como a deste pastor-senador e símiles malafaias que se
locupletam em seus templos não taxados pelo Brasil afora? Dentro da lei
podemos protestar, e o “beijaço” é uma das formas mais interessantes.
Usar o “beijo proibido” para tornar evidente “o amor que não ousa dizer o nome” é uma forma pacífica e eficaz de preencher a lacuna que a mídia insiste em deixar vazia.
Pessoas que confundem o beijo gay com promiscuidade demonstram uma
ignorância tal que não merece resposta. A promiscuidade existe nas
relações humanas, sejam heterossexuais, homossexuais ou bissexuais.
Aliás, a quantidade de maridos heterossexuais com suas amantes, algo que
está presente em 100% das novelas e séries brasileiras, é a prova de
que a promiscuidade é um evento, por dizer assim, democratizado em nossa
sociedade, uma espécie de vício social aceitável, qual o “beber
moderadamente” ou “socialmente”.
As relações afetivas gays não duram menos que as heterossexuais, e já
há pesquisas demonstrando isso. O problema é que a mídia só mostra dos
gays a “banda podre” ou o “circo de micos amestrados”. Me refiro à
prostituição, aos excessos e aos gays caricatos em programas de humor.
Contudo, a prostituição é uma instituição heterossexual praticamente
universal! Não foram os gays que a inventaram! E, nos gays caricatos, há
um “realce” do comportamento efeminado e do humor que agrada a uns e
desagrada a outros. Sem problemas, há espaço para todas as tribos! Mas,
querer definir todo o universo gay por uma parcela, com vistas a
denegrir o todo, é uma tática “que não é de Deus” (desculpem, não
resisti novamente)!
Está chegando a hora do “amor que não ousa dizer o nome”
dizê-lo em voz alta, com todas as letras e exigir seus direitos até a
última linha da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da
Constituição Federal. Não seremos encarcerados como o foi Oscar Wilde, a
não ser que moremos em algum país islâmico, onde até assassinados
sumariamente podemos ser. Então, saiamos às ruas e vamos exigir nossos
direitos sociais todos, sem exceção. Temos que evidenciar todo o nosso
descontentamento à sociedade. Lembremos do que escreveu Wilde:
“O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação.”
Blogue do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Artigos sobre visão inclusiva nas diversas formas de espiritualidade; denúncias de preconceito religioso e fundamentalista contra LGBTs; dicas de blogues, sites, filmes e documentários; tradução de artigos; divulgação de eventos LGBT e os inclusivos; notícias do mundo LGBT; decisões legislativas e debates políticos relativos aos direitos LGBT; temas culturais relevantes. Contato: espiritualidadeinclusiva@gmail.com
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
O beijo proibido do “amor que não ousa dizer o nome”
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2 comentários:
Parabéns pela postagem maravilhosa!
Se fosse artigo de jornal, mereceria prêmio, com certeza!
Obrigado pelo elogio, Tauan Queiroz. Isso nos incentiva a melhorar a cada dia. Feliz Natal para você! :)
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