Esta semana dois fatos
chamaram a atenção da comunidade LGBT e, por força do que
representam, não tivemos como não escrever este artigo.
A primeira notícia foi
o suposto veto a uma das peças institucionais em vídeo de prevenção
a DST/AIDS elaborada pelo Programa de AIDS, do Ministério da Saúde,
para ser exibida durante a campanha do Carnaval. Ainda que isso não
tenha aparecido publicamente, muitos ativistas LGBT desconfiaram da
“mão fundamentalista evangélica” neste sumiço do vídeo que
apresenta dois homens gays em um flerte prestes a culminar em ato
sexual sem camisinha, finalizando com um “quase-beijo” diante de
uma “fada madrinha da camisinha” que resolve a situação de
risco.
Segundo o Ministério
da Saúde, não era para o filme ser divulgado na internet, e será
exibido apenas em espaços fechados frequentados por homossexuais. Ou
seja, ele não teria sido vetado. Exatamente por ter ido parar na
internet podemos imaginar a “patrulha da moral religiosa” fazendo
pressão para a retirada do mesmo. Fica evidente a tentativa do
fundamentalismo evangélico no Brasil de condicionar a guetos tudo o
que se refere à Comunidade LGBT, à prevenção de DST/AIDS e à
Cultura Gay em geral. Parece que querem “limpar” a sociedade
heteronormatizada de qualquer percepção de nossa existência, de
nossos direitos e nossas necessidades.
No site do Ministério
da Saúde está escrito que a “Campanha busca sensibilizar público
para reduzir vulnerabilidade”. Mas, ao que parece, a bancada
evangélica mais radical não só não se sensibilizou quanto à
necessidade de prevenção, como pode ter forçado uma “limpeza
clínica” na campanha original. O mais preocupante é que a
campanha, sendo voltada principalmente a jovens gays de 15 a 24 anos
durante o Carnaval, e sendo esfacelada deste modo, deixa nossos
jovens a mercê da contaminação e de vários riscos sociais, já
que de 1998 a 2010, o percentual de casos na população homossexual
de 15 a 24 anos aumentou em 10,1%, conforme último boletim
divulgado.
A forma como a campanha
foi elaborada é bastante inclusiva, pois há um cartaz com dois
heterossexuais, outro com dois homossexuais e um com uma travesti
(veja abaixo). Então, o ataque por todos os flancos já era
esperado.
A segunda notícia tem
a ver com as recentes declarações do ministro da Secretaria Geral
da Presidência, Gilberto Carvalho, sobre a necessidade de se travar
uma espécie de “disputa ideológica” com os evangélicos. A
bancada evangélica ameaçou obstruir pautas até que Gilberto
Carvalho se retratasse.
Durante um debate no
Fórum Social Temático (FST), ocorrido em Porto Alegre (RS), entre
25 e 29 de janeiro, Gilberto Carvalho teria dito que é preciso
montar uma rede para enfrentar de modo ideológico os evangélicos.
Para ele, tal segmento religioso possui uma visão de mundo
controlada por pastores de televisão. “É preciso fazer uma
disputa ideológica com os líderes evangélicos pelos setores
emergentes”, disse.
No debate, ao ser
questionado sobre o motivo de o governo ser conservador em certos
temas como aborto e casamento gay, Carvalho respondeu que o entrave
para avançar na discussão eram os evangélicos.
Talvez a afirmação do
ministro tenha sido infeliz apenas por ter faltado uma palavra: “o
entrave para avançar na discussão são os FUNDAMENTALISTAS
evangélicos”. Quando se diz deste modo, se faz uma clara separação
entre os evangélicos comuns e os setores mais radicais entre eles, que
buscam demonizar gays, impedir acesso a direitos fundamentais e
negar-lhes acesso a maior segurança contra ações violentas de
homofobia.
Temos toda a clareza
necessária para afirmar que não são todos os evangélicos que
demonizam gays, ou que são contrários a união civil entre pessoas
do mesmo sexo, ou que acham que gays não sofrem tanto preconceito
assim para postularem lei especial anti-homofobia (PLC 122). Mas, os
que se opõem à agenda LGBT são vociferantes líderes insanos que
berram aos quatro cantos em seus programas de TV, colocando a
população evangélica em geral contra outros cidadãos que sofrem
preconceito em várias frentes (família, escola, trabalho, meio
social), sem ter a quem recorrer para sua defesa plena. É, portanto,
uma covardia sem limites, um ato impensável quando vindo de cristãos
que se consideram “à parte do mundo”, mas tão preocupados em
como o mundo do qual se apartaram vive.
Os líderes evangélicos
mais radicais, e são estes os barulhentos de plantão, precisam
parar de se autodeclarar fiscais daquilo que os que não são evangélicos
podem ou não podem fazer. E, como o Estado é laico, isso nem
deveria fazer parte de discussões parlamentares.
Estes líderes
radicais possuem três frentes de combate muito claras atualmente.
A primeira frente é
contra as outras religiões. Demonizam os cultos de matriz africana
(Umbanda, Candomblé, etc.), o Espiritismo e as religiões orientais,
mais recentes no Brasil. Dizem que os deuses do africanismo são
demônios, que os “pais-de-santo” são “pais-de-encosto”, que
o Espiritismo deixa baixar diabos no corpo e que as religiões como o
Budismo são importação de demônios estrangeiros à nossa terra.
Ou seja, não há qualquer abertura para diálogo inter-religioso com
esses radicais! Extrapolam a noção de “o estranho é o outro” e
a reescrevem “o demônio é o outro”...
A segunda frente é
contra os ateus, aqueles que decidem não praticar qualquer religião
e que não acreditam em Deus e nos dogmas e rituais religiosos. Num
Estado Laico isso é perfeitamente aceitável. Cada cidadão tem o
direito de professar a crença que quiser, ou nenhuma. É o caso dos
ateus. Mas, geralmente, vemos evangélicos (e católicos)
fundamentalistas dizendo que quem não tem “Deus no coração” é
vil, perverso e suscetível ao crime. Então, como ficam os budistas,
que não têm “Deus no coração” porque o Budismo não tem a
noção de um Deus Criador? E, os ateus? Os ateus humanistas, por
exemplo, aceitam uma ética que se assemelha muito à ética
professada por praticamente todas as grandes religiões. Alguns
conhecem ética e religiões muito mais do que os próprios
religiosos.
A terceira frente é
contra a comunidade LGBT. Considerando o homossexual como um pecador
que age conscientemente em sua orientação sexual, os
fundamentalistas evangélicos propõem até “curas gays” pelo
Espírito Santo que, conforme “ex-curados”, são uma lavagem
cerebral e uma flagelação tão cruel como as torturas medievais ou
as experiências nazistas de lobotomia em gays nos campos de
concentração. Como bem diz Luiz Mott, há um “homocausto”
ocorrendo no Brasil (e em várias partes do mundo) neste momento e,
declaramos mais uma vez, os fundamentalistas evangélicos com seu
radicalismo nada solidário nem amoroso, estão contribuindo
indiretamente para que venha a aumentar.
Ao demonizar as outras
religiões, os fundamentalistas evangélicos ressuscitam o
proselitismo violento do antigo Judaísmo dentro da Palestina antiga
e do Islamismo mais radical. Ao atacar os ateus, desejam reforçar
seus dogmas como sendo a Verdade Única. Ao negar direitos aos LGBT,
se arvoram de arautos de um moralismo e de costumes que sequer praticam
(pesquisem o nível de corrupção entre os membros da bancada
evangélica e a história pregressa de muitos destes líderes
radicais).
Então, permitir em um
Estado Laico que a retórica do Cristianismo mais radical seja
argumento para decisões políticas e estabelecimento de políticas
públicas que atingem minorias em situação de risco, é uma
temeridade. Combata-se o fundamentalismo evangélico, católico ou o
que o valha, e estaremos retirando o entrave que impede a cidadania
plena da comunidade LGBT. Precisamos urgentemente de uma Declaração
de Reafirmação do Estado Laico, antes que seja tarde demais...
Notícias relacionadas:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/bancada-evangelica-quer-explicacoes-de-gilberto-carvalho/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter&utm_campaign=Feed%3A+congresso+%28Congresso+em+Foco%29
(“Evangélicos se rebelam e querem retratação de Gilberto
Carvalho”);
http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2012/02/09/gilberto-carvalho-se-desculpa-com-magno-malta
(“Gilberto Carvalho se desculpa com Magno Malta”);
http://www.youtube.com/watch?v=I_sjiFHwi1w&feature=youtu.be
(“Ministério da Saúde Campanha carnaval 2012”);
http://oglobo.globo.com/pais/ministerio-veta-video-de-homens-gays-na-campanha-do-carnaval-3916357#ixzz1lqDH93dq
(“Ministério veta vídeo de homens gays na campanha do Carnaval”);
http://www.aids.gov.br/noticia/2012/saude_mobiliza_jovens_gays_na_prevencao_aids
(“Saúde mobiliza jovens gays na prevenção à aids” [Site do
Ministério da Saúde]).
4 comentários:
"
Ao demonizar as outras religiões, os fundamentalistas evangélicos ressuscitam o proselitismo violento do antigo Judaísmo dentro da Palestina antiga e do Islamismo mais radical. Ao atacar os ateus, desejam reforçar seus dogmas como sendo a Verdade Única. Ao negar direitos aos LGBT, se arvoram de arautos de um moralismo e de costumes que sequer praticam (pesquisem o nível de corrupção entre os membros da bancada evangélica e a história pregressa de muitos destes líderes radicais)."
Excelente! Os fundamentalistas evangélicos estão extrapolando e estão longe, muito longe do que Jesus pregou.
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Juliana Sardinha
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Stekel
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