A cada dia
surpreendo-me mais com a capacidade dos fundamentalistas evangélicos
brasileiros de darem-se ao ridículo. Dão tiros em seus próprios
pés o tempo todo. Agora, um projeto de decreto legislativo proposto
pelo deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar
Evangélica, quer sustar dois artigos instituídos em 1999 pelo
Conselho de Psicologia que proíbem emitir opiniões públicas
pessoais ou tratar a homossexualidade como sendo um transtorno ou uma
doença.
Segundo João Campos,
desconhecendo (por ignorância) ou desconsiderando (por má intenção
evidente) o caráter laico da Psicologia em si e do Conselho de
Psicologia como órgão regulador, este teria extrapolado seu poder
regulamentar ao "restringir o trabalho dos profissionais e o
direito da pessoa de receber orientação profissional". Ora, o
que pretendem estes fanáticos? Contaminar com
comportamentos religiosos fundamentalistas todos os setores da sociedade de
natureza laica? Estão dando tiros para todos os lados, sem perceber
que assim, incitam ainda mais o preconceito e a violência contra a
comunidade LGBT! É isso o que a religião deles prega? Onde está o
tão alardeado amor ao próximo como a si mesmo? Balela hipócrita,
como se tem demonstrado facilmente ao analisar as denúncias de
corrupção envolvendo vários membros da bancada evangélica...
Este projeto é
totalmente inconstitucional, não pode passar e não passará, sob
pena do Estado Laico ir parar na boca do lixo e o Brasil virar motivo
de chacota e até de sanções por parte dos organismos
internacionais de Direitos Humanos! Uma lei como esta jamais poderia
interferir na autonomia do Conselho de Psicologia, que baixou as
normas em vigência junto aos psicóloga para combater uma
intolerância histórica que causou muito mal a gays e lésbicas por
décadas. Aprovar uma lei descabida como essa seria regredir no tempo
e colocar a comunidade LGBT novamente no rol de um grupo doente,
transtornado e pervertido, o que já é repudiado oficialmente por
todos os países civilizados do mundo que não são dominados por
ditaduras religiosas!
(Dep. João Campos - PSDB/GO. Aviso: qualquer semelhança da foto de João Campos com a saudação nazista é mera coincidência, embora sua proposta legislativa tenha um viés nazistoide...)
Se os divãs estão
cheios de gays, não é porque estes queiram “deixar de sê-lo”,
mas porque precisam enfrentar seus medos causados pelo preconceito
violento que sofrem em suas próprias famílias, na escola, nas
igrejas e no mercado de trabalho.
Eu mesmo já passei por
algumas situações de difícil decisão, em que assumir-me poderia
colocar a perder uma boa oportunidade de trabalho. Contudo,
esconder-me traria outra angústia, a de ter que lembrar a cada vez
quais mentiras tinham sido criadas na vez anterior para ocultar minha
orientação sexual. Minha impaciência com a mentira e com o
inventar histórias críveis acabou e nunca mais o fiz. Mas, sei que
muitos jovens ainda usam este artifício como forma de sobrevivência.
Não se pode julgá-los, mas se tem a obrigação de ajudá-los a
enfrentar os leões hipócritas da moralidade.
O relator do projeto de
João Campos é o pastor e deputado Roberto de Lucena (PV-SP). Ele
acha que uma pessoa não pode ser deixada em conflito, sem uma ajuda
psicológica. Até aí, tudo bem. Mas, propor o que ele mesmo chama
de “redirecionamento sexual” é a opinião mais nazistoide e
perigosa que já vi, um atentado à saúde psicológica da
diversidade LGBT.
Desde que a “psicóloga
cristã” (?) Marisa Lobo foi instada pelo Conselho Regional de
Psicologia do Paraná tempos atrás a retirar da Internet material
vinculando psicologia e religião, percebi que a coisa ia ficar feia e
que logo algum deputado tentaria inverter as coisas. O método de
Marisa Lobo para alcançar os LGBT era seguir o exemplo de Cristo, ou
trocando em miúdos, descer a lenha na orientação sexual da pessoal
com palavras de “tolerância e amor”. Na verdade, um método
aparentemente “limpo” de destilar o ódio contra seres humanos
por conta de uma orientação que estes fanáticos não só não
conseguem explicar como não conseguem extirpar da face da Terra!
Até agora, o único
deputado que teve a coragem de enfrentar abertamente este descalabro
do fundamentalista João Campos foi Jean Wyllys (PSOL-RJ), que
escreveu em seu website o texto abaixo reproduzido:
Deputado Jean Wyllys se
posiciona contra projeto da bancada evangélica que busca legalizar a
“cura gay”
A intolerância dos
fundamentalistas da bancada evangélica se mostra cada vez mais
ameaçadora e passível de qualquer manobra para desviar a atenção
da sociedade, com novas cortinas de fumaças, dos escândalos que
envolvem alguns dos seus integrantes. Desta vez é o Projeto de
Decreto de Lei (PDL) do deputado João Campos (PSDB/GO), líder da
Frente Parlamentar Evangélica, que busca sustar a aplicação do
parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do
Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à
questão da orientação sexual. A resolução do CFP que o deputado
Campos quer derrubar por lei proíbe as mal chamadas “terapias”
que prometem mudar a orientação sexual das pessoas, transformando
magicamente gays em heterossexuais, como se isso fosse possível —
aliás, como se isso fosse necessário.
Não bastasse a
inconstitucionalidade do projeto, que contraria os princípios
fundamentais da Constituição Federal de 1988 (art. 1º, proteção
da dignidade da pessoa humana; art. 3º promoção do bem de todos
sem discriminação ou preconceito; art. 196º, direito à saúde,
entre outros), a proposta vai contra todos os tratados internacionais
de Direitos Humanos, que também têm como objetivo fundamental o
direito à saúde, a não discriminação e a dignidade da pessoa
humana, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros.
Com essa proposta, o
deputado, por convicções puramente religiosas, se considera no
direito não só de ir contra os direitos humanos de milhões de
cidadãos e cidadãs brasileiras, mas também de desconstruir um
ponto pacífico entre toda uma comunidade científica: nem a
homossexualidade, nem a heterossexualidade, e nem a bissexualidade
são doenças, e sim uma forma natural de desenvolvimento sexual.
Nenhuma é melhor ou pior ou mais ou menos saudável do que as
outras. São simplesmente diferentes e não há nenhuma dissidência
quanto à isso. O argumento de que a homossexualidade pode ser
“curada” é tão absurdo como seria dizer que a
heterossexualidade pode ser “curada” e é usado sem qualquer tipo
de embasamento teórico ou científico e sempre por fanáticos
religiosos que tem com o objetivo confundir a população com suas
charlatanices.
O PDL do deputado – o
mesmo da PEC n° 99 de 2011, ou a “PEC da Teocracia” que pretende
que as “associações religiosas” possam “propor ação de
inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade
de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal” –
é, no mínimo, criminoso, e vai também contra os direitos à saúde
da população, pois sabemos que essas supostas terapias de “cura
gay” nada mais são do que mecanismos de tortura que produzem
efeitos psíquicos e físicos altamente danosos, que vão da
destruição da auto-estima de um ser humano, até o suicídio de
muitos jovens – como ocorreu recentemente nos Estados Unidos, onde
mais um adolescente gay, de 14 anos, tirou sua própria vida apos ter
sofrido assedio homofóbico na escola.
A tragédia ocorreu no
Tennessee, estado dos EUA cujo Senado votava, há um ano, um projeto
de lei que proibia professores de mencionar a homossexualidade em
sala de aula e logo após outro adolescente gay do Tennessee, Jacob
Rogers, tirar sua própria vida. Alguns dias antes, mais dois jovens
norte-americanos também se suicidaram, depois de anos de sofrimento:
Jeffrey Fehr, 18, e Eric James Borges, de 19 (este último cresceu em
uma família fundamentalista cristã que inclusive tentou
exorcizá-lo).
Essas supostas
terapias, repudiadas unanimemente pela comunidade científica
internacional, constituem um grave perigo para a saúde pública.
Adolescentes e jovens são obrigados, muitas vezes pela própria
família, a tentar mudar o que não pode ser mudado, são
pressionados para isso por estes grupos que promovem as mal chamadas
“terapias de reversão da homossexualidade” e acabam com graves
transtornos psíquicos ou se suicidam. Os responsáveis desses crimes
deveriam ser punidos, mas o deputado Campos propõe um amparo legal
para que, além de fugir da responsabilidade penal pelos seus atos,
possam dizer que a lei os protege e que suas atividades criminosas
são lícitas.
Nos EUA, um dos mais
conhecidos grupos que dizem “curar” a homossexualidade é Exodus.
Mas os “ex gays” de Exodus, mais tarde ou mais cedo, acabam sendo
“ex ex gays”, porque a orientação sexual não pode ser mudada
ou escolhida a vontade (sobre isso também há absoluto consenso na
comunidade científica). Vários ex líderes do grupo pediram
publicamente perdão por seus crimes alguns anos atrás: “Peço
desculpas a aqueles que acreditaram na minha mensagem. Tenho ouvido
nos últimos tempos numerosas histórias de abuso e suicídio de
homens e mulheres que não puderam mudar sua orientação sexual,
apesar do que Exodus e outros ministérios lhes disseram. Uma
participante que conheci caiu numa profunda depressão e preferiu
saltar de uma ponte. Naquele momento, disseram-me que não era minha
culpa, mas meu coração não acreditou”, declarou numa coletiva de
imprensa Darlene Bogle, ex liderança da seita, junto a outros
colegas que se arrependeram com ela.
Há uma preocupante
confusão na sociedade, incitada por esse fundamentalismo religioso,
que precisa ser esclarecida antes que a saúde física e psíquica de
mais jovens seja afetada: ao contrario da religião, a orientação
sexual de um indivíduo não é uma opção. Se o Estado é laico –
como o é o brasileiro desde 1890 – questões de cunho moral e
místico não podem ser parâmetro nem para a elaboração das normas
nem para o seu controle. Valores espirituais não podem ser impostos
normativamente ao conjunto da população.
Jean Wyllys
Deputado Federal
2 comentários:
Mesmo que o Evangelho diga o contrário, os fundamentalistas pregam o ódio.
Pois é, Tauan! A hipocrisia evangélica tem causado mal a muitos gays e lésbicas. Além disso, a gritaria violenta nos meios de comunicação ajuda a incitar o ódio violento contra homossexuais nas ruas deste Brasil. Se não intensificarmos agora as medidas legislativas para coibir este abuso, o Brasil será em pouco tempo palco de atrocidades só vistas na época do Nazismo ou no atual Irã!
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