segunda-feira, 5 de março de 2012

Refletindo sobre o movimento LGBT...

Por Paulo Stekel


A intenção deste texto não é a de ser um estudo completo sobre o ativismo LGBT no Brasil. Pretende ser apenas uma rápida reflexão, já que o artigo devidamente aprofundando é um projeto para mais adiante. Contudo, por força do status do ativismo em nosso país atualmente, não posso furtar-me a algumas considerações pertinentes e necessárias.

Durante muitos anos o ativismo LGBT ficou baseado em ONGs utilizando verba pública para promover ações geralmente centradas em campanhas de conscientização, anti-homofobia, de prevenção a DST/AIDS e de afirmação da identidade gay. Inicialmente não parecia haver qualquer viés político-partidário no trabalho destas ONGs. Elas pareciam soberanas, legítimas representantes da comunidade LGBT e realmente engajadas em defender nossos direitos sem qualquer atrelamento obscuro. Atualmente, há vários ativistas que contestam a lisura de muitas ONGs neste quesito. Contudo, se há um fundo de verdade nisso, tenho certeza de que não corresponde a todas as ONGs e nem mesmo nas supostamente envolvidas, isso corresponda ao pensamento de todos os seus líderes.

Agora, além desta desconfiança, soma-se uma espécie de apatia com cheiro de atrelamento político-partidário exatamente quando os LGBTs estão sendo atacados diariamente por pastores e políticos fundamentalistas evangélicos, numa crescente demonização da pessoa LGBT, num rebaixamento anti-constitucional evidente da nossa dignidade. Alguns pedem calma, mas a calma tem sido, neste caso, sempre uma vantagem para os homofóbicos fundamentalistas, que aproveitam a passividade LGBT para intensificar um “lobby diabólico anti-gay” em Brasília!

Ao mesmo tempo, evita-se falar no já anunciado “combate ideológico contra os evangélicos” na questão da orientação sexual. É uma “guerra” anunciada, e trará consequências sérias para o processo de consolidação da cidadania plena para LGBTs e das (geralmente tímidas e pouco eficazes) políticas de direitos humanos em nosso país.

Questões como a aprovação de uma lei anti-homofobia, o uso de material de prevenção à homofobia em escolas e mesmo a escolha de fundamentalistas para setores do governo federal são, entre outras de menor importância, o mote de muitas contradições, embates, rachas e críticas dentro do próprio movimento LGBT. Mas, quando falamos em “movimento LGBT”, do que estamos falando? De algo coeso ou plural? Talvez plural, mas não coeso. E, ambas as palavras, neste caso, nem são opostas entre si, já que um movimento pode ser coeso, mas não permitir a pluralidade de ideias; pode ser plural quanto às ideias, mas não ter coesão; pode ser coeso e plural; pode ser nem coeso, nem plural. Qual é o caso, então? Acho que se trata de um movimento não-coeso e com pluralidade de pensamentos e ideologias (partidárias, apartidárias, laicas, religiosas). O fato de algumas organizações (como a ABGLT, por exemplo) de certa forma serem consideradas “representantes” da comunidade LGBT não significa coesão, já que para isso, todos os setores da comunidade LGBT deveriam não apenas estar ali representados, mas “ouvidos” quanto a suas ideias. E, convenhamos, a comunidade LGBT é tão plural quanto a heterossexual. Há, então, um misto de orientação sexual com ideologias... Estopim para muitas divergências e munição para o inimigo...

O “inimigo” a que nos referimos, não de modo odioso, mas “ideal” (no plano das ideias), é o fundamentalismo (neo)pentecostal que se utiliza não apenas dos templos, mas da mídia e da política para tentar criminalizar os “diferentes” através de um pensamento medieval.

Quando analisamos as pré-candidaturas às eleições municipais deste ano em todo o Brasil, vemos que pouco mais de uma centena de “militantes” gays pretende contribuir com a luta por nossos direitos. E, pasmem!, estão sendo aceitos por vários partidos, até aqueles historicamente envolvidos com o preconceito e a homofobia. O PR do senador ultra-homofóbico Magno Malta é um deles (ver a notícia: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gay-candidato-tem-espaco-ate-no-pr-,843759,0.htm). Mas, como bem desconfiava Carlos Tufvesson ainda hoje pela manhã em uma rede social: “Cheiro de mais erro aí. Gente, pensem bem, no que isso vai ajudar aos nossos candidatos? Só vai dizer é que o PR é bonzinho e nos é que somos intolerantes, pois eles nos aceitam tanto que até nos dão legenda!!!!” É a velha tática do “unir-se ao inimigo para vencê-lo”. Claro que estou falando dos partidos eivados de fundamentalistas unindo-se a candidatos gays para, de certa forma, jogarem conosco e não o contrário! Se bem que o contrário pode ser uma boa tática (reflexão não definitiva...)!

É claro que é importante (e ideal!) que todos os partidos possuam frentes de defesa dos direitos LGBT e abram espaço para candidatos gays, mas isto deve vir de um anseio legítimo de seus filiados, e não de interesses obscuros de seus líderes fundamentalistas com vistas a obstruir as ações do movimento LGBT como um todo. Isso contrasta com a pressão que temos visto por parte de lideranças evangélicas junto ao governo federal para a não aprovação da lei anti-homofobia (PLC 122) e a retirada do (assim denominado por eles, não por nós) “kit gay”. Até quando esta pressão surtirá efeito? Até quando permitirmos!

Neste sentido, concordo com Toni Reis (ABGLT), quando diz que é o momento de incentivarmos as candidaturas LGBT (somente candidatos com histórico e propostas, claro!) e de apoiarmos aliados (políticos sabidamente pró-LGBT). Sem isso, não temos como aumentar nossa força em Brasília e ficaremos à mercê de teocratas mal-intencionados loucos para transformar o Brasil no “Irã Fundamentalista Evangélico” tão sonhado por insanos como Malafaia et catrefa...

Não querendo ser profético, mas talvez já o sendo, o divisor de águas nesta confusão toda deverá ser a 3ª Marcha Nacional Contra a Homofobia (organizada pela ABGLT), que ocorrerá em 17 de maio, em Brasília (ver notícia: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,movimento-social-poe-fim-a-tregua-e-vai-as-ruas-,843800,0.htm?p=1).

A intenção da Marcha este ano é a de fazer um repúdio ao que está sendo chamado de “homofobia institucional”, algo que, a meu ver, não está muito claro, e por um motivo muito simples: as ações até aqui observadas não constituem “homofobia declarada” por parte do governo, mas caracterizam, sim, uma atitude morna e tímida na hora de implantar políticas pró-LGBT, que acabam retrocedendo sob um fortíssimo “lobby do capeta”! E, onde está o “lobby arco-íris”? É fraco, ainda. Só será mais intenso com mais gays na política, em todas as esferas. Ora, se somos de 6 a 10% da população, não se admite que tenhamos menos que esses percentuais de representação no Congresso, no Senado, etc. Quem não entende como funciona o jogo de forças na política não terá condições de propor uma ação eficaz em prol dos direitos LGBT. Sem neutralizar a ação “demoníaca anti-laicista” dos fundamentalistas da Frente Parlamentar Evangélica não conseguiremos avançar mais. Podemos, sim, cobrar que o governo federal faça a sua parte, mas também temos que fazer a nossa: aumentar nossa representatividade política em 100% do território nacional!

A ABGLT de Toni Reis, que reúne entidades de todo o país, diz que o governo federal se recusa a receber o movimento, apesar de já ter recebido os fundamentalistas evangélicos. Mas, a qual movimento ele se refere? A ABGLT representa uma parte da comunidade LGBT através das organizações filiadas, mas isso não corresponde ao todo do pensamento LGBT brasileiro. Pretender, assim, ir à luta como se estivesse representando todos os gays do Brasil é um quixotismo dos mais românticos e ineficazes, a meu ver. Como o foi, aliás, no momento em que o texto do PLC 122 foi redigido e reformulado por pressão, em que se consultou apenas a ABGLT, uns tantos teocratas evangélicos e se pretendeu que todos os gays do Brasil concordassem com um acordo às escuras que continuava permitindo a pastores de boca suja a demonização de seres humanos em seus templos por conta de sua orientação sexual. Isso é o movimento LGBT brasileiro? Que cada um reflita e responda por si!

Tenho observado que o movimento LGBT amplo, aquele que escapa ao controle de qualquer associação que pretenda abarcá-lo no todo, pode ser classificado de dois modos que se entremeiam e se confundem:

Quanto a visão política:

a) Movimento LGBT partidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que, ainda que não abertamente, nasceram em partidos políticos ou estão atrelados a eles por força de vários motivos. São ligados a ideologias políticas diversas, desde as mais esquerdistas às mais direitistas. Incluem-se aqui também os grupos de diversidade LGBT dentro dos partidos políticos.

b) Movimento LGBT apartidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que não mantêm qualquer vinculação ideológica com partidos políticos, partindo geralmente de uma visão internacionalmente estabelecida de direitos humanos LGBT. Os grupos de cultura gay (homo-cultura) e arte gay geralmente são apartidários.

Quanto a religiosidade/espiritualidade:

a) Movimento LGBT laico: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que defendem o Estado Laico, mas não se opõem aos direitos constitucionais das religiões/crenças nem à liberdade religiosa ou de expressão. Neste caso, não esposam quaisquer ideologias religiosas, agnósticas ou ateias, mas tão somente a defesa do laicismo em relação com os direitos humanos LGBT. Laicismo é um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos. Não se trata, portanto, da negação da religião, mas da separação entre esta e o Estado. A maior parte das ONGs LGBT se encaixa neste grupo.

b) Movimento LGBT ateu: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que defendem a ideologia do ateísmo abertamente. Não confundir ateísmo com laicismo. Ateísmo num sentido amplo, é a rejeição ou ausência da crença na existência de divindades e outros seres sobrenaturais. Mesmo sendo ateu, um grupo LGBT pode defender claramente o laicismo de Estado, onde, por consequência, ficam assegurados os direitos de crença.

c) Movimento LGBT religioso/espiritual: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que possuem relação com crenças, religiões e visões de mundo consideradas “espirituais”. Os grupos de afro-descendentes LGBT geralmente defendem a cultura e a espiritualidade de matriz africana e o legado de suas religiões. Há ainda grupos LGBT ligados a religiões como Umbanda, Cristianismo e Espiritismo. Isso não impede que estes grupos também defendam o laicismo de Estado.

Estas classificações não são engessadas. São, na verdade, fluidas, móveis, e constituem apenas o esboço de um estudo mais aprofundado que venho fazendo dentro do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Contribuições a este estudo não só são muito bem-vindas, como altamente necessárias para sabermos do que realmente se constitui o tão falado movimento LGBT brasileiro...


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