A intenção deste
texto não é a de ser um estudo completo sobre o ativismo LGBT no
Brasil. Pretende ser apenas uma rápida reflexão, já que o artigo
devidamente aprofundando é um projeto para mais adiante. Contudo,
por força do status do ativismo em nosso país atualmente, não
posso furtar-me a algumas considerações pertinentes e necessárias.
Durante muitos anos o
ativismo LGBT ficou baseado em ONGs utilizando verba pública para
promover ações geralmente centradas em campanhas de
conscientização, anti-homofobia, de prevenção a DST/AIDS e de
afirmação da identidade gay. Inicialmente não parecia haver
qualquer viés político-partidário no trabalho destas ONGs. Elas
pareciam soberanas, legítimas representantes da comunidade LGBT e
realmente engajadas em defender nossos direitos sem qualquer
atrelamento obscuro. Atualmente, há vários ativistas que contestam
a lisura de muitas ONGs neste quesito. Contudo, se há um fundo de
verdade nisso, tenho certeza de que não corresponde a todas as ONGs
e nem mesmo nas supostamente envolvidas, isso corresponda ao
pensamento de todos os seus líderes.
Agora, além desta
desconfiança, soma-se uma espécie de apatia com cheiro de
atrelamento político-partidário exatamente quando os LGBTs estão
sendo atacados diariamente por pastores e políticos fundamentalistas
evangélicos, numa crescente demonização da pessoa LGBT, num
rebaixamento anti-constitucional evidente da nossa dignidade. Alguns
pedem calma, mas a calma tem sido, neste caso, sempre uma vantagem
para os homofóbicos fundamentalistas, que aproveitam a passividade
LGBT para intensificar um “lobby diabólico anti-gay” em
Brasília!
Ao mesmo tempo,
evita-se falar no já anunciado “combate ideológico contra os
evangélicos” na questão da orientação sexual. É uma “guerra”
anunciada, e trará consequências sérias para o processo de
consolidação da cidadania plena para LGBTs e das (geralmente
tímidas e pouco eficazes) políticas de direitos humanos em nosso
país.
Questões como a
aprovação de uma lei anti-homofobia, o uso de material de prevenção
à homofobia em escolas e mesmo a escolha de fundamentalistas para
setores do governo federal são, entre outras de menor importância,
o mote de muitas contradições, embates, rachas e críticas dentro
do próprio movimento LGBT. Mas, quando falamos em “movimento
LGBT”, do que estamos falando? De algo coeso ou plural? Talvez
plural, mas não coeso. E, ambas as palavras, neste caso, nem são
opostas entre si, já que um movimento pode ser coeso, mas não
permitir a pluralidade de ideias; pode ser plural quanto às ideias,
mas não ter coesão; pode ser coeso e plural; pode ser nem coeso,
nem plural. Qual é o caso, então? Acho que se trata de um movimento
não-coeso e com pluralidade de pensamentos e ideologias
(partidárias, apartidárias, laicas, religiosas). O fato de algumas
organizações (como a ABGLT, por exemplo) de certa forma serem
consideradas “representantes” da comunidade LGBT não significa
coesão, já que para isso, todos os setores da comunidade LGBT
deveriam não apenas estar ali representados, mas “ouvidos”
quanto a suas ideias. E, convenhamos, a comunidade LGBT é tão
plural quanto a heterossexual. Há, então, um misto de orientação
sexual com ideologias... Estopim para muitas divergências e munição
para o inimigo...
O “inimigo” a que
nos referimos, não de modo odioso, mas “ideal” (no plano das
ideias), é o fundamentalismo (neo)pentecostal que se utiliza não
apenas dos templos, mas da mídia e da política para tentar
criminalizar os “diferentes” através de um pensamento medieval.
Quando analisamos as
pré-candidaturas às eleições municipais deste ano em todo o
Brasil, vemos que pouco mais de uma centena de “militantes” gays
pretende contribuir com a luta por nossos direitos. E, pasmem!, estão
sendo aceitos por vários partidos, até aqueles historicamente
envolvidos com o preconceito e a homofobia. O PR do senador
ultra-homofóbico Magno Malta é um deles (ver a notícia:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gay-candidato-tem-espaco-ate-no-pr-,843759,0.htm).
Mas, como bem desconfiava Carlos Tufvesson ainda hoje pela manhã em
uma rede social: “Cheiro de mais erro aí. Gente, pensem bem, no
que isso vai ajudar aos nossos candidatos? Só vai dizer é que o PR
é bonzinho e nos é que somos intolerantes, pois eles nos aceitam
tanto que até nos dão legenda!!!!” É a velha tática do “unir-se
ao inimigo para vencê-lo”. Claro que estou falando dos partidos
eivados de fundamentalistas unindo-se a candidatos gays para, de
certa forma, jogarem conosco e não o contrário! Se bem que o
contrário pode ser uma boa tática (reflexão não definitiva...)!
É claro que é
importante (e ideal!) que todos os partidos possuam frentes de defesa
dos direitos LGBT e abram espaço para candidatos gays, mas isto deve
vir de um anseio legítimo de seus filiados, e não de interesses
obscuros de seus líderes fundamentalistas com vistas a obstruir as
ações do movimento LGBT como um todo. Isso contrasta com a pressão
que temos visto por parte de lideranças evangélicas junto ao
governo federal para a não aprovação da lei anti-homofobia (PLC
122) e a retirada do (assim denominado por eles, não por nós) “kit
gay”. Até quando esta pressão surtirá efeito? Até quando
permitirmos!
Neste sentido, concordo
com Toni Reis (ABGLT), quando diz que é o momento de incentivarmos
as candidaturas LGBT (somente candidatos com histórico e propostas,
claro!) e de apoiarmos aliados (políticos sabidamente pró-LGBT).
Sem isso, não temos como aumentar nossa força em Brasília e
ficaremos à mercê de teocratas mal-intencionados loucos para
transformar o Brasil no “Irã Fundamentalista Evangélico” tão
sonhado por insanos como Malafaia et catrefa...
Não querendo ser
profético, mas talvez já o sendo, o divisor de águas nesta
confusão toda deverá ser a 3ª Marcha Nacional Contra a Homofobia
(organizada pela ABGLT), que ocorrerá em 17 de maio, em Brasília
(ver notícia:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,movimento-social-poe-fim-a-tregua-e-vai-as-ruas-,843800,0.htm?p=1).
A intenção da Marcha
este ano é a de fazer um repúdio ao que está sendo chamado de
“homofobia institucional”, algo que, a meu ver, não está muito
claro, e por um motivo muito simples: as ações até aqui observadas
não constituem “homofobia declarada” por parte do governo, mas
caracterizam, sim, uma atitude morna e tímida na hora de implantar
políticas pró-LGBT, que acabam retrocedendo sob um fortíssimo
“lobby do capeta”! E, onde está o “lobby arco-íris”? É
fraco, ainda. Só será mais intenso com mais gays na política, em
todas as esferas. Ora, se somos de 6 a 10% da população, não se
admite que tenhamos menos que esses percentuais de representação no
Congresso, no Senado, etc. Quem não entende como funciona o jogo de
forças na política não terá condições de propor uma ação
eficaz em prol dos direitos LGBT. Sem neutralizar a ação “demoníaca
anti-laicista” dos fundamentalistas da Frente Parlamentar
Evangélica não conseguiremos avançar mais. Podemos, sim, cobrar
que o governo federal faça a sua parte, mas também temos que fazer
a nossa: aumentar nossa representatividade política em 100% do
território nacional!
A ABGLT de Toni Reis,
que reúne entidades de todo o país, diz que o governo federal se
recusa a receber o movimento, apesar de já ter recebido os
fundamentalistas evangélicos. Mas, a qual movimento ele se refere? A
ABGLT representa uma parte da comunidade LGBT através das
organizações filiadas, mas isso não corresponde ao todo do
pensamento LGBT brasileiro. Pretender, assim, ir à luta como se
estivesse representando todos os gays do Brasil é um quixotismo dos
mais românticos e ineficazes, a meu ver. Como o foi, aliás, no
momento em que o texto do PLC 122 foi redigido e reformulado por
pressão, em que se consultou apenas a ABGLT, uns tantos teocratas
evangélicos e se pretendeu que todos os gays do Brasil concordassem
com um acordo às escuras que continuava permitindo a pastores de
boca suja a demonização de seres humanos em seus templos por conta
de sua orientação sexual. Isso é o movimento LGBT brasileiro? Que
cada um reflita e responda por si!
Tenho observado que o
movimento LGBT amplo, aquele que escapa ao controle de qualquer
associação que pretenda abarcá-lo no todo, pode ser classificado
de dois modos que se entremeiam e se confundem:
Quanto a visão
política:
a) Movimento LGBT
partidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que, ainda que
não abertamente, nasceram em partidos políticos ou estão atrelados
a eles por força de vários motivos. São ligados a ideologias
políticas diversas, desde as mais esquerdistas às mais direitistas.
Incluem-se aqui também os grupos de diversidade LGBT dentro dos
partidos políticos.
b) Movimento LGBT
apartidário: constituído de pessoas, grupos e/ou ONGs que não
mantêm qualquer vinculação ideológica com partidos políticos,
partindo geralmente de uma visão internacionalmente estabelecida de
direitos humanos LGBT. Os grupos de cultura gay (homo-cultura) e arte
gay geralmente são apartidários.
Quanto a
religiosidade/espiritualidade:
a) Movimento LGBT
laico: Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas,
grupos e/ou ONGs que defendem o Estado Laico, mas não se opõem aos
direitos constitucionais das religiões/crenças nem à liberdade
religiosa ou de expressão. Neste caso, não esposam quaisquer
ideologias religiosas, agnósticas ou ateias, mas tão somente a
defesa do laicismo em relação com os direitos humanos LGBT.
Laicismo é um conceito que denota a ausência de envolvimento
religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de
envolvimento do governo nos assuntos religiosos. Não se trata,
portanto, da negação da religião, mas da separação entre esta e
o Estado. A maior parte das ONGs LGBT se encaixa neste grupo.
b) Movimento LGBT ateu:
Partidário ou apartidário, é constituído de pessoas, grupos e/ou
ONGs que defendem a ideologia do ateísmo abertamente. Não confundir
ateísmo com laicismo. Ateísmo num sentido amplo, é a rejeição ou
ausência da crença na existência de divindades e outros seres
sobrenaturais. Mesmo sendo ateu, um grupo LGBT pode defender
claramente o laicismo de Estado, onde, por consequência, ficam
assegurados os direitos de crença.
c) Movimento LGBT
religioso/espiritual: Partidário ou apartidário, é constituído de
pessoas, grupos e/ou ONGs que possuem relação com crenças,
religiões e visões de mundo consideradas “espirituais”. Os
grupos de afro-descendentes LGBT geralmente defendem a cultura e a
espiritualidade de matriz africana e o legado de suas religiões. Há
ainda grupos LGBT ligados a religiões como Umbanda, Cristianismo e
Espiritismo. Isso não impede que estes grupos também defendam o
laicismo de Estado.
Estas classificações
não são engessadas. São, na verdade, fluidas, móveis, e
constituem apenas o esboço de um estudo mais aprofundado que venho
fazendo dentro do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Contribuições
a este estudo não só são muito bem-vindas, como altamente
necessárias para sabermos do que realmente se constitui o tão
falado movimento LGBT brasileiro...
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