Nós somos aqueles que
crescemos no núcleo da Comunidade Judaica, ou que encontramos nosso
caminho em seu seio mais tarde na vida e fizemos dessa comunidade
nosso lar. Nós somos o silêncio que habita dentro das comunidades e
somos o silêncio abandonado depois que partimos. Nós somos aqueles
cujos nomes mal eram mencionados, os estranhos, os outros. Nós somos
os gays, as lésbicas, os transexuais, os travestis, os transgêneros,
as bichas loucas, suas famílias e seus amigos e aqui estamos, como
sempre estivemos.
Nós rezamos em
silêncio sentados a seu lado, nós nos sentamos na mesa à sua
frente e mantivemos conversas cordiais durante jantares, nós
educamos nossos filhos e cumprimentamos você no final do serviço
religioso de sexta-feira (shabat). Nós desfrutamos da maioria dos
sucessos que você desfrutou e sofremos boa parte de suas derrotas.
E, fizemos isso tudo mantendo um segredo, um segredo tão
impressionante e abrangente quanto nosso próprio ser. E então,
quando o fardo do segredo foi demais para suportar, nós saímos. Nós
saímos cedo ou saímos tarde, mas, invariavelmente, nos tornamos
fofoca naqueles jantares e no final daqueles serviços religiosos,
segredo que só podia ser mencionado a baixa-voz ou em sussurros.
Nosso Judaísmo foi
duplamente – triplamente – exílico. Nós fomos primeiramente
forçados para fora de nossa identidade sexual e, a seguir, fomos
forçados para fora do Judaísmo. E a única alternativa era esconder
uma das duas identidades, para poder preservar a outra.
Eis que chegou o tempo
perfeito para que nossas vozes sejam ouvidas e para que o rumor de
nosso silêncio se torne uma conversa honesta. A conversa de uma
comunidade – das comunidades – que devem se reconhecer diferentes
do que acreditam ser. É chegada a hora para que as comunidades
deixem de ser comunidades de sussurros e silêncio. No espírito da
tradição judaica, permitam-nos dizer que estamos aqui – Hinenu –
para que o silêncio possa ser quebrado, o fardo possa ser aliviado e
a responsabilidade pelo outro possa ser plenamente assumida.
Nós não buscamos um
espaço vazio para preencher com nossas peculiaridades, que podem
muito bem ficar longe da indignação e da aversão daqueles que
preferem nossa invisibilidade e silêncio. Nós não buscamos nos
tornar uma curiosidade para exploração antropológica ou
sociológica. Nós não buscamos uma separação que relegue nossa
diversidade em algum consenso estranho. O que almejamos é nosso
lugar de direito entre nossos amigos e familiares. O que almejamos é
nosso lugar de direito em nossas comunidades. E fazemos isso
integralmente, enquanto judeus e sexualmente diferentes.
E então, naquelas
comunidades, deixaremos de ser um sussurro, para que a menção de
nosso nome e a dúvida sobre nossa identidade esqueça seu passado de
vergonha; esqueça a vergonha de ter que se silenciar e esqueça a
vergonha de não ser mencionado. Esta é nossa missão, enquanto
missão assumida no espírito do Judaísmo, que não é tolerância
mas integração. Esta é a volta do exílio.
A missão pode parecer
simples, mas é imensa. A realização de nossas aspirações exige
um reconhecimento coletivo de nossas existências entre nossas
comunidades; exige educação, conversa, reflexão e consideração
dos comentários.
E é este o trabalho
que se nos apresenta. O que é mais necessário agora é uma conversa
aberta.
Sobre o autor
Ari Teperman, nascido
em 1962, em São Paulo, é Analista de Sistemas Junior e Analista de
Comunicação Social Sênior. Sua origem é de uma família
tradicional judaica. Ari estudou no I. L. Peretz e durante dez anos
seguiu a linha ortodoxa. Em 1999 fundou o Grupo de Judeus Gays,
Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Simpatizantes
Brasileiros para debater temas como direitos humanos, cidadania,
união civil, judaísmo, sionismo e homossexualidade x religião.
Um comentário:
Lindo! :-)
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