Neste artigo, o foco
incide sobre o surgimento da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM)
no Brasil – uma famosa denominação norte-americana, criada em
1968 pelo Reverendo Troy Perry (Natividade 2008) – e sua
transformação em Igreja Cristã Contemporânea. Analiso o modo como
um grupo de fiéis rompeu com a matriz americana e criou uma nova
igreja, que se consolidou a partir de influências locais e de um
diálogo com ideias de sistemas religiosos do campo hegemônico, em
especial a cosmologia pentecostal da batalha espiritual (Mariz 1999).
Argumento que a emergência da
questão gay (Meccia 2006) nesse campo compreende coloridos
regionais, fornecidos por conceitos e noções oriundas das passagens
e das mediações realizadas pelos sujeitos entre suas igrejas de
origem e um novo estilo de religiosidade, cuja hermenêutica prega a
conciliação entre uma orientação sexual dissonante da norma da
heterossexualidade e o exercício da vida religiosa. Essa reflexão é
feita por meio de uma etnografia que problematiza a implantação da
Igreja da Comunidade Metropolitana no Rio de Janeiro, sua posterior
desfiliação da Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade
Metropolitana e a criação de uma nova igreja.
Igrejas “reformadas”
e “inclusivas”
A emergência de
discursos e grupos que discutem as relações entre religiões
cristãs e homossexualidade só pode ser entendida dentro de
condições sócio-históricas específicas. No Brasil,
transformações sociais insufladas pela atuação e pela organização
política dos movimentos homossexuais se intensificam desde a década
de 1990, relacionadas aos direitos civis, à reivindicação da
despatologização, à luta contra a violência e a discriminação
e, principalmente, ao enfrentamento da epidemia de AIDS no país
(Fachini 2005:154). É nesse cenário que despontam questionamentos
sobre a “inclusão” de gays e lésbicas em espaços religiosos,
proferidos por atores sociais ligados aos
movimentos ativistas. Em termos sociológicos, é possível inferir,
por um lado, que tal demanda surge ligada ao crescente reconhecimento
e à progressiva legitimação das ditas “minorias sexuais” na
esfera pública. Por outro, a vertente protestante desponta como
segmento do cristianismo afeito às mudanças e consciente das
dinâmicas de transformações socioculturais mais amplas, com
incrível capacidade de inovação e espaço para rupturas. O atual
quadro de pluralismo religioso no país, a quebra da hegemonia
católica e a ampliação das possibilidades de intercâmbio evidenciam a
complexidade da construção das identidades religiosas na atualidade
(Natividade 2008; Mariz e Machado 1996). Nas últimas décadas,
evidenciaram-se crescentes processos de individualização entre
segmentos sociais diversos, implicados em uma diversificação de
estilos de vida e em um clima de liberalização sexual sem
precedentes. Em contraste, ocorre também o recrudescimento de
conservadorismos e tentativas de domesticar diferenças percebidas
como ameaçadoras, por meio de cruzadas morais (Natividade &
Oliveira 2009). É nesse contexto que a sexualidade, antes restrita
ao domínio do privado, se torna matéria de discussão na cena
pública, incluindo uma
perspectiva crítica dos supostos constrangimentos sociais que
incidiriam sobre a mesma. É possível dizer que uma percepção
sociológica das sexualidades se difundiu entre diferentes atores,
organizações e movimentos sociais, pluralizando discursos e
instituindo novas zonas de legitimidade e ilegitimidade. Com efeito,
o tema da exclusão da diversidade sexual pelas religiões despontou,
por meio de uma crítica à homofobia supostamente presente na
tradição cristã e à consequente vinculação de tal prática
sexual ao tema do pecado, da “abominação”, da anti-natureza.
A religião, sob essa
perspectiva, aparece como o lugar do controle e da regulação, e a
sexualidade como um domínio livre de amarras institucionais e
sociais (Natividade 2008b), dimensão da autenticidade e da verdade
de si (Duarte 2005; Natividade 2008a). Tal panorama soma-se às
plurais formas de gestão da vida moderna delineadas por novos
discursos e práticas rituais psicologizadas, sobretudo, em correntes
evangélicas, demonstrando que o religioso pode abarcar um idioma
cultural subjetivista como forma de expressão da autenticidade do
self (Semán 2000; Duarte 2005; Duarte e Carvalho 2005; Lewgoy
2005; Lewgoy 2007). É possível pensar essas transformações nos
planos da cultura e da sociedade como instituintes de um campo de
possibilidades para a emergência de alternativas religiosas
inclusivas. Entre 1996 e 1997, o grupo ativista Corsa (São Paulo)
organizou celebrações ecumênicas e promoveu discussões sobre o
tema da exclusão dos homossexuais por diversas religiões em
suas reuniões semanais. A preocupação política com a homofobia
de algumas tradições religiosas motivou o início de um debate no
qual se afirmava a necessidade do reconhecimento da igualdade de
homossexuais e heterossexuais. As religiões de matriz africana foram
identificadas como as mais abertas à inclusão de homossexuais nos
cultos, em contraposição às posturas históricas de resistência
da Igreja Católica e de igrejas evangélicas. Em 1997, o Centro
Acadêmico de Estudantes de História da USP (CAEHUSP) organizou um
ciclo de debates sobre direitos humanos e homossexualidade,
contemplando como um dos eixos a relação entre religião/igreja e
preconceito. Fachini (2004) informa que nesse encontro algumas
lideranças se articularam para a
criação da primeira Comunidade Cristã Gay. O pequeno grupo que
passou a se reunir no CAEHUSP foi responsável pela ordenação dos
primeiros pastores gays no Brasil. Em 1998, uma cisão originou a
formação da Comunidade Cristã Metropolitana. Nesse momento
inicial, tensões entre os frequentadores desses grupos se produziram
a partir de um questionamento: colaborar para a criação de
instituições religiosas cristãs específicas para gays ou fazer
pressão para a inclusão e visibilidade dos homossexuais nas igrejas
e denominações de origem? Apesar da referência a essas iniciativas
no estudo de Regina Fachini (2004), não houve a produção de pesquisas que
resgatassem a experiência e a trajetória de tais grupos.
Em meados dos anos
1990, a Igreja Presbiteriana Unida de Copacabana, no Rio de Janeiro,
atraiu a atenção da mídia pelo posicionamento público do pastor
(heterossexual) Nehemias Marien, favorável à inclusão dos
homossexuais em cultos cristãos. Marien realizou cerimônias
religiosas de bênção a casais homo-afetivos e, em diversas
ocasiões, participou de fóruns e debates nos quais proferiu um
discurso que conferia à homossexualidade um caráter positivo. Com a
preocupação política de colaborar para a desconstrução do
preconceito contra os homossexuais, celebrou o Culto do Orgulho Gay
durante cinco anos, em data próxima ao dia 28 de junho, conhecido
como Dia do Orgulho Gay. Diversos atores e instituições evangélicas
reagiram a esse discurso sobre a homossexualidade, assinalando o
caráter individual do posicionamento do pastor. Conforme informa
Machado (1998), grupos religiosos manifestaram repúdio ao proceder
de Marien, por meio de artigos, livros, faixas em passeatas,
protestos e programas televisivos na mídia evangélica. Em resposta,
o líder religioso tornou pública sua posição favorável ao
ecumenismo e contrária à exclusão e à discriminação de
quaisquer pessoas. Em conjunto com outros líderes religiosos, membros da Igreja
Presbiteriana de Confissão Reformada, ele assinou a “Carta Aberta
de Jaconé”, datada de fevereiro de 2001. O documento, composto por
oito itens, defendia, dentre outras premissas, que Deus havia se
revelado em variadas culturas, através da história, não sendo
“propriedade” do cristianismo; que “Ele não faz discriminação
de qualquer ordem”; e que a “Igreja Reformada” se colocava ao
lado “de todos os que defendem a justiça, a paz, o bem-estar do
ser humano, especialmente, aqueles excluídos pela globalização
econômica”. Embora não houvesse clara referência à orientação
sexual, o texto era utilizado por participantes da igreja como marco
na discussão sobre a
inclusão dos homossexuais, porque defendia o amor incondicional e o
respeito aos Direitos Humanos contra “toda forma de opressão”.
Em termos teológicos,
o pastor (através de pronunciamentos públicos) apresentava
argumentos para uma liturgia que contemplava o acolhimento dos
homossexuais, sem exigir deles uma mudança de conduta sexual.
Citando o evangelho de Matheus (19:12), ele instruía que
homossexuais “eram como os eunucos” do texto bíblico: alguns
foram “feitos assim pela sociedade”, outros “nasceram”, e
ainda havia aqueles que o eram por “opção”. Portanto, a
homossexualidade não podia ser vista como pecado. Como
consequência de tal postura, a igreja atraiu um considerável número
de homossexuais e ficou conhecida como uma “igreja gay”, sendo
nomeada dessa forma em inúmeras reportagens e matérias nas
imprensas secular e religiosa. Nas dependências da denominação,
localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, um pequeno número de fiéis
fundou o Grupo Convivência Cristã – espaço de troca de
experiências entre homossexuais, ativistas e heterossexuais que
frequentavam a denominação. Entre 2000 e 2004, o grupo reuniu
participantes de diversas vertentes religiosas e não religiosas.
Congregou travestis, homens gays e um número reduzido de lésbicas,
em torno de atividades diversas: estudos sobre homossexualidade e
questões teológicas na tradição cristã, reuniões de convivência
e participação em eventos como a Parada do Orgulho GLBT. O projeto
“Pecado é Não Amar” envolveu a militância em atividades de
prevenção e também em fóruns que discutiam temas como religião e
orientação sexual. Um prospecto distribuído defendia o sexo seguro
como forma de “preservação da vida” e a luta “pelo direito à
liberdade de manifestação religiosa e sexual”. O texto
acrescentava que “grande é o número de segmentos religiosos que,
a partir da interpretação bíblica contextualizada, entendem não
existir nas sagradas escrituras
qualquer condenação à homossexualidade”. Ligadas a essa igreja
de tendência “reformada”, algumas lideranças iniciaram
discussões sobre questões teológicas e homossexualidade, ensaiando
os passos embrionários de uma hermenêutica que problematizava o
caráter culturalmente construído da condenação da
homo-afetividade. Em 2004, no entanto, o Convivência Cristã foi
extinto. Com a morte do pastor, em 2006, e o trânsito religioso dos
fiéis para outras
denominações, a igreja não mais apresentava o apelo popular, nem
contava com a presença de homossexuais, como outrora. À época,
contudo, no auge de sua atuação, líderes de outras denominações
“reformadas” adotaram posicionamentos semelhantes, possibilitando
discutir a inclusão dos homossexuais, como nos casos da Igreja
Presbiteriana da Praia de Botafogo e da Igreja Presbiteriana de
Jaconé (interior do Estado do Rio).
O cenário atual se
apresenta plural e diversificado, com a criação de cultos
evangélicos liderados por pastores, diáconos e ministros que
assumem publicamente uma identidade homossexual, egressos de
denominações convencionais. A Igreja Acalanto – Ministério
Outras Ovelhas, em São Paulo, foi uma das iniciativas pioneiras,
criada pelo pastor Victor Orellana, em 2002. Dois anos depois, alguns
de seus membros se reuniram para fundar a Comunidade Cristã Nova
Esperança. Em 2008, essa denominação já possuía duas novas
células10 (Guarulhos e Osasco) e um novo grupo foi criado na cidade de
Natal (Rio Grande do Norte), no nordeste do país. No mesmo período,
coletei informações que apontavam para a organização de uma
célula em São Luiz do Maranhão e para o estabelecimento de
congregações atuantes em Buenos Aires (Argentina) e em Portugal,
expansões que são fruto do caráter missionário pentecostal da
denominação. Um cisma religioso também fora responsável pela
criação da Igreja Cristã Evangelho Para Todos, por volta de 2005,
por fiéis da antiga Igreja Acalanto.
Tentativas de
introduzir a Igreja da Comunidade Metropolitana no Brasil foram
feitas nos anos 2000. A denominação de origem norte-americana, que
possui filiais em cerca de vinte países, foi criada em 1968, em Los
Angeles, pelo reverendo Troy Perry, que teria sido expulso de sua
igreja em razão de sua orientação sexual. Hoje há no Brasil
células, missões e congregações (em São Paulo, Belo Horizonte,
Fortaleza, Vitória e Salvador). O passo pioneiro para a
implementação da ICM no país, contudo, foi dado na cidade do Rio
de Janeiro, entre 2002 e 2004, quando ali foram criados grupos hoje já
extintos. Nessa mesma época, surgiu também uma missão em Porto
Alegre. Em seguida, a ICM implantou uma nova igreja em Niterói. Em
fins da primeira década do século XXI, a Igreja da Comunidade
Metropolitana encontrava-se ainda em Fortaleza, Natal, Vitória, Belo
Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em 2007, foram criadas,
ainda, a Igreja Inclusiva, em Porto Alegre, e a Igreja da Inclusão,
em Brasília. Fátima de Jesus (2008) menciona também a existência
do grupo MEL (Movimento Espiritual Livre), em Curitiba. Essas
recentes iniciativas de vertente evangélica, em um sentido mais
global, vêm construindo sua imagem na esfera pública a partir da
rejeição de sua vinculação à ideia de uma “igreja
gay”, passando a aderir ao rótulo de “igreja inclusiva”.
Segundo Ernesto Meccia (2006), movimento semelhante pode ser
identificado em outros países da América Latina. Em 1987, a Igreja
da Comunidade Metropolitana instalou-se na Argentina, figurando no
Registro Oficial de Cultos daquele país. As duas principais linhas
de ação da denominação no país foram: a) atividades para
conscientização sobre direitos humanos, tais como: emissão de
documentos oficiais em colaboração com outras organizações,
convocatória à participação na Marcha do Orgulho Gay, intervenção em
programas televisivos, produção de conhecimento sobre a
problemática do HIV/AIDS e acompanhamento da apresentação de
projetos de lei que contemplem os direitos das populações gays e
lésbicas; b) atividades religiosas: celebração de cultos,
consagração de matrimônios entre pessoas do mesmo sexo, seminários
de leitura da Bíblia, assistência religiosas a doentes terminais.
Nesse contexto estudado por Meccia, outros grupos que atuam nessa
perspectiva política são o Centro de La Comunidad Gay, Lésbico,
Travesti e Transgénero, Católicas pelo Direito de Decidir e
alguns grupos judeus. A Igreja da Comunidade Metropolitana é o
integrante mais antigo e institucionalizado nesse âmbito.
É possível dizer que
no campo religioso brasileiro essas iniciativas são recentes,
buscando reconhecimento e legitimidade no contexto mais amplo. Apesar
disso, um importante movimento político vem sendo empreendido por
segmentos da Igreja Anglicana, com correntes internas a essa
denominação defendendo a possibilidade da ordenação de pastores
homossexuais, acompanhando as discussões internacionais em torno do
assunto, que agitam a instituição (Soares 2008:7-8). O cenário
esboçado permite delinear o escopo de um movimento social que
expressa a emergência de um discurso especificamente voltados para
gays e lésbicas no campo religioso brasileiro. Quando comecei a
pesquisar o tema, as reflexões que se colocavam eram numerosas e
instigantes. Existiria uma teologia gay no Brasil? Que contornos esse
movimento adquiria em face das influências religiosas no país?
Essas indagações foram minha primeira motivação para o trabalho.
Com efeito, se a emergência de uma teologia feminista no Brasil,
influenciada pela Teologia da Libertação, problematizara o lugar da
mulher na sociedade e na tradição cristã ao longo da história
(Rohden 1997), não estaríamos diante de um movimento de semelhante
teor, protagonizado majoritariamente por líderes homossexuais? Quais
as repercussões desse movimento? Motivado por tais questões segui
para a pesquisa de campo e fui interpelado por novas e inesperadas
situações, que me permitiram delinear aos poucos uma pluralidade de
discursos, interpretações e respostas sociais.
Aproximações do
campo: uma igreja para gays?
A celebração de
inauguração da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) aconteceu
em um famoso hotel na Zona Sul do Rio de Janeiro, em 2004. Estive
presente e assisti a um culto religioso que ocorreu como parte da II
Conferência para a Implantação da ICM no Brasil. No evento foi
anunciada a missão da denominação: congregar homossexuais
oprimidos pelas igrejas cristãs em um ambiente religioso no qual
pudessem se assumir, sem medo e sem culpa. A ICM no Brasil pretendia
mostrar ao mundo evangélico uma forma diferente de adorar a Deus. Ao
final, um momento de louvor foi conduzido por rapazes que através de
performances drag – em uma linguagem descontraída
e cheia de humor – dublaram cantoras evangélicas. Também foi
lançado o Primeiro CD Gospel com louvores para as comunidades GLBTH
no Brasil. Essa seria uma forma de “propagar o evangelho inclusivo”
e levar conforto àqueles (no caso, os homossexuais) que eram
“excluídos do Reino de Deus” por homens e instituições. A ICM
defendia: 1) que a orientação sexual devia ser celebrada como “uma
bênção de Deus”; 2) que haveria base bíblica para a aceitação
da homossexualidade no cristianismo. O site, inaugurado meses depois,
informava que a igreja almejava
participar do Conselho Mundial de Igrejas.
Passado algum tempo
desse contato inicial, em maio de 2006, matriculado no Doutorado em
Antropologia Social do IFCS/UFRJ – e com a intenção de estudar
essa igreja e suas relações com a militância gay – fui a campo.
Ao chegar ao endereço indicado no site, um sobrado entre o bairro da
Lapa e as imediações da Cruz Vermelha, no Centro do Rio, fui
recebido por uma liderança, um pastor interino da denominação,
antes de um culto. Apesar da receptividade, havia certa apreensão no
ar, que mais tarde entendi como resultante dos fatos inesperados que
ocorreram e dos quais fui informado. Um cisma religioso era
responsável pelo desligamento efetivo do grupo de sua matriz
americana, representada por um tipo de Conselho Superior, nomeado
Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana.
Sucintamente, o pastor – a quem chamarei Pedro – comentou que tal
evento propiciaria o estabelecimento de novas linhas de ação.
Apressou-se em criticar lideranças da ICM que (supostamente) teriam
por estratégia criar espaços exclusivamente gays. A ICM era tida
como “coisa de americano”, que fazia “igreja para gay”,
“igreja para negros”.
Uma de suas primeiras
mudanças seria a retirada de todo e qualquer conteúdo teológico do
site, especificamente voltado para a diversidade sexual, incluindo
textos traduzidos com reflexões sobre o tema “Homossexualidade e
Bíblia”. Segundo Pedro, o modelo ideal era o de uma igreja com
pouca doutrina e teoria, mas muita espiritualidade; almejava-se com
isso a construção de um ambiente no qual o fiel homossexual tivesse
conforto e orientação. O pastor apontou que as igrejas que mais
cresciam no Brasil não possuíam doutrina, como a Universal do Reino
de Deus. Assim, uma igreja inclusiva deveria ser uma “igreja
comum”. Era preciso se livrar do estigma de ser uma “igreja
homossexual”. O discurso do líder religioso sinalizava para o
intento de dissociar a igreja do rótulo de congregação
gay, um tipo de gueto para homossexuais. Como é possível
interpretar sociologicamente tal problematização? A que tipo de
rejeições sociais e dilemas uma igreja com essa proposta estaria
sujeita? De que modo se dá a articulação da proposta militante de
uma igreja aberta aos gays com a doutrina cristã? Com essas
primeiras perguntas na cabeça, passei a frequentar a igreja,
participando de algumas reuniões, cultos e atividades, entrevistando
lideranças e me aproximando de alguns fiéis.
Uma nova igreja
pentecostal
Um dos espaços que
elegi para a observação foi o Culto de Unção, que ocorria todas
as quartas-feiras, por volta das 19h30, caracterizado por
demonstrações de louvor e orações. A liturgia seguia um estilo
pentecostal leve, sem exorcismos, mas voltado para um ethos religioso
que invocava a presença do Espírito Santo. As músicas executadas,
conforme descobri posteriormente, eram largamente difundidas no meio
pentecostal através de cantores e grupos gospel, como Ministério
Apascentar de Nova Iguaçu, Toque no Altar, Aline Barros, Kleber
Lucas, Cassiane e outros14. Através de playbacks, eram cantadas e
conduzidas pelos “levitas” (“aqueles que têm o dom da
música”). Os cultos de domingo eram mais avivados, consistindo em
reuniões de “adoração”, com maior recorrência de glossolalia
e experiências com o Espírito Santo. Circulava o comentário de que
a frequência aumentava na mesma proporção em que crescia o fervor
religioso. Isso era interpretado por alguns como prova de que o poder
de Deus se mostrava cada vez mais atuante na igreja. Nesse dia da
semana era comum a presença de um maior número de pessoas,
incluindo visitantes, e, geralmente no primeiro domingo do mês, um
momento era dedicado para a ceia, quando se serviam vinho e pão à
comunidade. Um outro ritual, nomeado de “intercessão”, acontecia
nas quintas-feiras à noite, com a participação de poucos fiéis,
tendo por objetivo orar por intenções da comunidade. Nesse evento
tomavam parte membros com competência religiosa para, através de
orações, interferir no plano espiritual, a fim de obter graças e
milagres (propósitos específicos, materializados sob a forma de
pedidos de oração para cura, obtenção de emprego, resoluções de
demandas familiares e amorosas.
Ao primeiro sábado de
cada mês ocorriam vigílias temáticas. Esse momento ritual era
reservado aos “iniciados”, sob o argumento de que nesse espaço
ocorreriam experiências místicas (como o “derramamento no
Espírito”) que, por serem consideradas muito fortes, escapariam à
compreensão dos neófitos. Nessas ocasiões, fiéis tombavam ao chão
após serem ungidos pelo pastor. A pessoa era então assistida por
intercessores, que oravam até que, após algum tempo, a mesma se
levantasse e tomasse novamente seu
lugar na plateia. Alguns informantes me explicaram que tal
acontecimento possuía grande importância no desenrolar do culto,
sendo frequentemente responsável pela “libertação de algum
problema espiritual”. Essa experiência mística era valorizada
como propiciadora de elevação espiritual e/ou desenvolvimento de
dons místicos.
A frequência da igreja
era majoritariamente de homens gays. Fui informado mais tarde que a
única mulher que eu costumava ver com frequência na igreja era
lésbica, uma aspirante a “diaconisa”, cargo eclesial situado
hierarquicamente abaixo do pastor. Também era rara a adesão de
travestis ou de transexuais, embora eu tenha conversado com uma fiel
transexual, ativista em projetos sociais, estudante de Direito.
Gisele, cerca de 30
anos, frequentava a igreja na companhia de seu namorado, um homem
mais jovem, de aparência viril. Diferentes participantes declararam
notar que a transexual adotava trajes comportados, evitando roupas
justas ou extravagantes, consideradas mais típicas de travestis.
Diziam que ela cultivava um aspecto de “senhora”. Por tal motivo,
era muito querida e admirada no grupo, sendo considerada uma travesti
(ou transexual) “diferente”, recatada. Contudo, ela passava
alguns períodos afastada da congregação, retornando
ocasionalmente. Circulou o comentário de que uma vez Gisele fora
agredida na porta da igreja por seu parceiro, na presença de
participantes do culto e, envergonhada com o episódio, não voltara
mais ao templo. Pouco mais de um ano depois, eu soube de sua morte,
cercada de circunstâncias misteriosas e apresentada ora como
decorrente de uma doença, ora de um crime passional.
A maioria dos participantes da igreja residia em periferias, subúrbios, no Centro do Rio ou nas zonas norte e oeste da cidade. Algumas vezes retornei do culto com integrantes que se dirigiam à estação ferroviária Central do Brasil, para tomar conduções para os subúrbios ou para a Baixada Fluminense. Dentre suas vinculações religiosas anteriores estavam denominações como Igreja Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus, Igreja Batista, Renascer em Cristo, Igreja Metodista, Igreja Congregacional. Poucos casos particulares destoavam desses padrões – havia, por exemplo, um integrante que tinha passagem por um culto afro-brasileiro e outro que fora criado em uma família que seguia os princípios da religião muçulmana.
Em pouco tempo foi
anunciado o novo nome da congregação: Igreja Cristã Contemporânea
(ICC). Um cavalete foi colocado na entrada do templo, onde se liam os
dizeres: “diferente, ungida e sem preconceitos, a igreja que vive
nas asas de um novo tempo”. No material de divulgação, folders e
prospectos, enfatizava-se que aquele era “o lugar da cura, do amor
e da Palavra de Deus”.
A separação das duas
igrejas era, se não tabu, assunto desconfortável. Nesse contexto,
tornou-se evidente o papel do silêncio também com uma forma de
fala; através de uma linguagem não verbal organizava-se um discurso
que comunicava sutilezas, transparecendo certos constrangimentos e
convenções não declarados. Eu era repreendido quando,
inadvertidamente, me referia ao grupo como ICM. Quando isso ocorria,
era logo lembrado de que ali funcionava agora a Igreja Cristã Contemporânea, uma
nova congregação. Apesar da existência de um relativo
constrangimento, a fala sobre a contenda servia para marcar a
distinção entre a velha e a nova congregação. Alguns alegaram não
ter conhecido muito bem a ICM, o que tornava difícil para eles
opinar sobre o grupo. Soube que um pequeno número de pessoas
evadiu-se para o culto que funcionava em Niterói, que passou a ser
reconhecido oficialmente como o responsável pela implantação
daquela igreja no país. A adoção de um novo nome e a rejeição à
identificação com a ICM refletiam um estabelecimento de fronteiras
por meio de agudos contrastes. Neófitos ou participantes mais
recentes diziam acreditar que na outra igreja as coisas eram “um
pouco diferentes”, predominando maior tolerância com
comportamentos não religiosos. A ICM seria mais permissiva, sendo
tolerados o “relacionamento aberto”, o sexo sem compromisso e
outras formas de relação afetivo-sexuais não condizentes com uma
vida religiosa. Essa atitude supostamente complacente era
interpretada como incompatível com um comportamento cristão.
Um entrevistado relatou
que a preocupação com a imagem do grupo (o temor com relação a
possíveis associações com “promiscuidade”) conduzia inclusive
a discussões sobre as formas de evangelismo. A maior parte das
pessoas concordava que não deviam fazer proselitismo em saunas, sex
shops e clubes de sexo, ambientes frequentados por certa parcela do
público gay. Em uma reunião que discutiu o assunto, apenas um
participante defendera a divulgação da igreja nesses
estabelecimentos, de modo que a decisão fora quase unânime. O
evangelismo do novo grupo era feito em locais que não pudessem
prejudicar a imagem da igreja, nem constituir fonte de “tentação” aos
missionários. Era permitido evangelizar em portas e entradas de
boates, bares ou outros pontos de sociabilidade homossexual. Contudo,
uma instrução pastoral advertia quanto à entrada e permanência
nesses lugares. Embora membros da igreja pudessem eventualmente
frequentar tais locais, tal hábito não era bem visto, tanto pelas
lideranças quanto por uma boa parte de fiéis. Essa atitude era
especialmente repudiada quando associada a uma situação de
evangelismo, cujo objetivo era “levar a Palavra”.
Com efeito, a
preparação para esse trabalho proselitista envolvia uma oração
coletiva pelos participantes antes e depois de sua realização. Um
informante contou-me preferir não ir a tais eventos, pois disse
enfrentar uma situação de “luta espiritual”, representada pelo
conflito entre os “desejos da carne” e sua contrastiva
consciência de que uma atitude de elevação espiritual envolvia a
compreensão de que tais prazeres são mundanos, enquanto as coisas
de Deus são eternas. Do mesmo modo, evangelizações nas paradas do
Orgulho Gay podiam ocorrer, mas aspiravam semelhantes cuidados. A
estratégia era se manter coeso com o grupo e não deixar-se levar
pela “euforia” da festa. A suposta situação orgiástica da
parada gay também exigia uma postura de contenção, para que o fiel
não se contaminasse espiritualmente, por meio da bebida e da
paquera.
Conversas informais
enfatizavam que a denominação pretendia seguir a linha de uma
“igreja normal”, pregando “o que toda igreja prega”: o
crescimento espiritual, a Palavra, o conhecimento de Deus e da
Bíblia. Uma igreja tão normal que nem mesmo se ouviria pregações
sobre homossexualidade nos cultos, contrastando com o estilo de
pregação adotado na ICM, antes do cisma religioso que conduziu à
formação da Igreja Contemporânea.
Uma orientação
pastoral estabelecida instruía sobre o respeito ao ambiente, um
local para busca da espiritualidade, para adoração e louvor. Para
exemplificar o que se entendia por uma conduta inadequada, foram
citadas a situação em que um casal de gays se beijara durante um
culto (tendo sido advertidos por um pastor) e a ocasião em que um
rapaz supostamente convidara outro frequentador para uma relação
sexual, exibindo-lhe um preservativo. Equívocos como esses levavam à
necessidade de se esclarecer o caráter sagrado do templo.
Uma estória
recorrente, relatada com pequenas variações, descrevia a situação
em que gays (ou lésbicas) eram surpreendidos nas escadas de acesso à
igreja trocando carícias ou beijando-se. O casal era então alertado
de que aquele não era um lugar adequado para este tipo de conduta.
A Igreja Contemporânea
também não desejava “fazer apologia sobre a orientação sexual”
– posicionamento que se percebia como contrastivo à estratégia da
militância feminista e de algumas “igrejas gays”, como a ICM. A
orientação sexual da pessoa “é o que ela é”, uma coisa
natural, tal como a cor dos olhos. Como um desdobramento dessa
perspectiva naturalizante, algumas lideranças também endossavam que
não era preciso enfatizar a orientação homossexual como uma
diferença. Eventos como a campanha contra a AIDS (com a distribuição
de preservativos) também não eram considerados convenientes para o
espaço.
Leonardo, um aspirante
a diácono, estudante universitário, com passagem pelas igrejas
Renascer e Batista, afirmou que percebia mudanças na comunidade. Na
sua perspectiva, a igreja vinha crescendo em termos espirituais, o
que se refletia na maior reverência a Deus no templo e no cultivo de
uma espiritualidade sem precedentes. Outro convertido apontou, a
respeito de algumas desvinculações, que as pessoas
descompromissadas com os propósitos religiosos não permaneciam na
igreja. Alguns não estavam ainda preparados para uma vida de
renúncia aos comportamentos não cristãos, guiada pela
obediência a Deus e pela oração. Por eles se fazia necessário
orar, para que obtivessem “libertação”. Essa visão podia ser
apresentada em uma versão mais radical, segundo a qual Deus se
encarregava de afastar pessoas cujo intento era apenas conseguir um
parceiro sexual.
Como os desígnios
divinos são insondáveis, também era possível que uma pessoa
buscasse o culto com esse intento e com o passar dos dias fosse
tocada pelo Espírito Santo, levando-a ao arrependimento e ao desejo
de conversão. Era oferecida, assim, uma explicação cosmológica
para a não permanência e submissão às orientações doutrinárias.
Do mesmo modo, outros
tipos de comportamento eram considerados inadequados e deviam ser
evitados. Havia uma passagem bíblica que servia de advertência
contra comportamentos considerados escandalosos. Com essa
preocupação, a admoestação de uma liderança endossava a
importância de evitar “dar pinta na igreja”. A regra não era
interpretada como uma imposição, mas como uma espécie de cautela
com relação aos comportamentos que eram percebidos como ‘exageros’ e
‘excessos’ do ‘mundo gay’, atitudes tidas como “afeminadas”.
Cumprimentar o outro chamando de “bicha”, “mona”, “ela”,
era desaconselhável, embora isso pudesse ocorrer em momentos de
sociabilidade, através de comentários jocosos. Um informante
justificou a norma ao me explicar que alguns gays “exageravam”, e
que atitudes que chocavam as pessoas deveriam ser contidas. Os gays
tinham que saber se comportar para, assim, serem respeitados.
A aura de
respeitabilidade podia ser quebrada até mesmo por conversas muito
íntimas no espaço religioso (contra o que era preciso precaver-se,
atentando para o que se falava e evitando certas brincadeiras).
Zedir, 47 anos, exemplificou sua preocupação com esse assunto ao
evocar uma discussão que teve com alguns participantes que
entabulavam uma conversa animada na porta da igreja, minutos antes de
um Culto de Intercessão:
Uma vez eu estava aqui
na porta da igreja, era pra intercessão [reunião de oração], a
pessoa estava falando: “Ai, eu fiquei com fulano, fulano é ativo,
fulano é passivo...” Eu olhei bem assim, eu fiquei calado e me
afastei um pouco. E ele: “Ah, e você?” Eu olhei muito sério pra
ele e falei: “Me admira muito vocês estarem aqui na porta da
igreja, um momento antes da intercessão, um momento em que eu vou
entrar em guerra espiritual, orar pelas pessoas, vocês falando em
promiscuidade. Pra mim, isso pra mim é falta de caráter, vocês não
tem caráter.” [...] Era o momento d’eu estar no coração já em
espírito, uma preparação espiritual. Eu contei tudo pro pastor. E
falei: “Eu não quero fazer parte de uma igreja assim, eu fico em
casa sozinho orando a Deus, buscando a Deus. Como uma pessoa dessa
vai botar a mão e orar em cima de mim cheio de promiscuidade? Tô
fora!”. Falei: “Tô fora! Cabe a você repensar o código moral
dessa igreja.”
Aqui são destacados os
aspectos cosmológicos do código de santidade presente no culto. As
dimensões de pureza e impureza são realçadas. O momento de
“intercessão” é visto como incompatível com conversas ou
brincadeiras sexualizadas. A atividade religiosa de “interceder”
exige preparação, um estado de pureza que demanda oração,
conversas com Deus, cultivo de pensamentos elevados. Acredita-se que
a “intercessão” implica os riscos de uma batalha, de uma guerra
espiritual. Um estado de impureza representaria perigo nesse
contexto, podendo impedir a obtenção de uma graça. Uma pessoa
impura não será “cheia” do Espírito Santo, que é quem capacita o crente para
vencer na batalha espiritual. A vida cotidiana aqui está imersa na
luta do bem contra o mal, e o bem é alcançado por meio da busca de
santidade e de domínio sobre os desejos pessoais (Mariz 1999;
Natividade 2008). Desse modo, uma pessoa impura, ao tocar outra,
repousando a mão sobre ela durante o ato da oração, poderia
transmitir-lhe seu estado impuro, em vez de promover sua cura ou
sintonia com a divindade. A seleção de ideias e noções oriundas
das cosmologias pentecostais difusas no campo religioso brasileiro
ficou evidente em situações desse tipo. Categorias como “cura”
e “libertação” faziam parte do vocabulário e linguagem
empregados nos cultos. Em algumas pregações havia referências à
cura das rejeições familiares e exclusões que a sociedade
perpetrava. Nem sempre uma associação entre tais rejeições e a
homossexualidade era feita diretamente, mas o tema das exclusões era
evocado e a solução apresentada: pessoas excluídas, feridas,
vítimas de preconceito, agressão, cuja alma se encontrava “ferida”,
podiam ser “restauradas” pelo poder do Espírito Santo.
Com efeito,
acreditava-se que os gays que procuravam a igreja chegavam com muitas
“feridas emocionais”, resultantes da homofobia da sociedade e das
religiões cristãs, que se apegavam a dogmas e interpretações
bíblicas literais. Tal discurso assinalava uma afinidade do grupo
com um ethos religioso pentecostal, psicologizado, através do qual
se instituíam modos de gerenciamento das subjetividades pautados em
modelos de autoajuda que preconizavam como valores o autocontrole e a
posse de si (Semán 2000). Nesse caso, tal discurso estava imbricado
a uma percepção naturalizada da homossexualidade, instituindo novas
leituras da sexualidade. Diferente de grupos evangélicos
tradicionais, que pregavam que gays e lésbicas deveriam tornar-se
heterossexuais através de correntes de exorcismos, do
comprometimento com o casamento e a construção de uma família
cristã (Natividade 2008), aqui a cura era direcionada aos
sentimentos de inferioridade que essa parcela de excluídos cultivava
em decorrência do preconceito e da homofobia. Deus curava, sim –
não a homossexualidade, mas as mágoas decorrentes, por exemplo, das
rejeições familiares, as diversas cicatrizes deixadas pela
discriminação.
A categoria
“restituição” também era empregada. Um louvor específico
evocava que Jesus restituía tudo o que o “inimigo” (o diabo)
roubava das pessoas, através da doença, do desemprego, dos
relacionamentos desfeitos, da desarmonia familiar. O demônio podia
agir na vida de uma pessoa e frustrar os “projetos de Deus” para
a mesma (saúde, prosperidade, casamento, vida familiar equilibrada).
Tal lógica cultural orientava a percepção de que visões negativas
de si e de sua orientação sexual podiam ser transformadas por Deus
em sentimentos positivos de aceitação. Desse modo, ainda que o tema
da homossexualidade não estivesse em foco, se fazia presente como
uma preocupação pastoral com a autoestima e cura dos efeitos do
preconceito sofrido pelos fiéis, instituindo uma pedagogia da
aceitação (Natividade 2008). Tal cuidado pastoral estava associado às formulações de um
comportamento ideal cristão, conforme exploro a seguir.
Homossexualidade
santificada?
A etnografia apontou a
construção de um modelo específico de homossexualidade, conjugando
as ideias de respeito e igualdade entre homossexuais e heterossexuais
ao tema da “vida cristã”. A afirmação de que a
homossexualidade é uma forma de expressão legítima da sexualidade
humana sinalizava para sua naturalização. A estratégia adotada
preconizava a convivência entre pessoas de distintas orientações
sexuais, de modo a atingir um público mais heterogêneo. Por outro
lado, procurava-se estabelecer parâmetros, a serem seguidos por gays
e lésbicas, que demarcassem os domínios de uma vida cristã. Assim
sendo, cultivavam-se como valores a monogamia e as relações
estáveis, assim como um ethos de discrição.
Nos discursos de fiéis
e membros percebi uma tensão entre as “coisas do mundo”
(associadas à postura hedonista) e as “coisas de Deus”,
representadas pelo desejo do serviço na Casa do Senhor. Assim, como
já foi observado, estabelecia-se uma dinâmica de apropriação e
rejeição de códigos e linguagens de subculturas gays, em
convivência com categorias e idiomas típicos da linguagem religiosa
pentecostal.
Em diversas ocasiões
observei o contínuo esforço pastoral em conquistar a frequência de
heterossexuais ao culto. A presença de pessoas com essa orientação
era extremamente valorizada, consistindo uma meta. Dessa forma, era
comum o relato de situações em que um heterossexual (homem ou
mulher) estivera presente.
A celebração de
rituais cristãos como a Páscoa e o Natal ocasionava a preparação
de um culto especial, no qual se apresentavam “cantatas musicais”,
ocorrendo ampla divulgação. Uma exortação a que os fiéis
aproveitassem a oportunidade e levassem algum conhecido à
denominação era feita pelo pastor, que sublinhava a importância de
trazer a família ou mesmo amigos para conhecerem a congregação. Contudo,
era admitida a dificuldade que heterossexuais poderiam ter em relação
a participar de um culto conduzido por homossexuais, devido ao
preconceito. Um informante reportou ocasião em que uma conhecida
cantora gospel, que fora convidada para uma “cantata”, se retirou
do ambiente religioso, após a realização de uma bênção e unção
de casais do mesmo sexo. Ele interpretava o fato como um sinal da
falta de informação sobre o caráter “inclusivo” da igreja: a
mulher não sabia que ali se congregavam homossexuais.
Como foi exposto
anteriormente, o cuidado com a imagem da igreja envolvia constante
preocupação em dissociar o ambiente religioso de formas de
sociabilidade que implicassem comportamentos percebidos como
“promíscuos”, como a troca de parceiros ou quaisquer formas de
relacionamento não monogâmicas. Para coibir a troca de namorados ou
o sexo sem compromisso criou-se o interdito de relacionamento entre
um novato e um fiel. As relações só eram permitidas após três
meses de ingresso no grupo. Em casos raros, solicitava-se permissão
do pastor, mas era preciso assumir o relacionamento publicamente.
A preocupação
pastoral com ligações afetivo-sexuais motivava a realização de
cultos voltados à vida sentimental, como a Noite do Amor e a Vigília
dos Relacionamentos, essa última em data próxima ao Dia dos
Namorados. Nessas ocasiões, os solteiros poderiam orar para
encontrar “a pessoa certa”, enquanto os “casados” obtinham
orientações espirituais e conselhos para a manutenção de uma vida
marcada pela diferencial de ser um “casal cristão”. Em novembro
de 2006, ocorreu o primeiro Encontro de Casais Contemporâneos. O
convite que circulou pela internet enfatizava o objetivo de
“fortalecer os casais”:
“É trabalhosa a
construção de um relacionamento numa sociedade tão indiferente ao
amor, respeito e fidelidade. Venha mudar seu relacionamento
encontrando casais que se amam e vivem o diferencial contemporâneo
de Deus em suas vidas. [...] Solteiros serão bem vindos para o
aprendizado.”
Pregações enfatizavam
que os membros deviam evitar frequentar ou procurar relacionamentos
em lugares que não refletiam a “presença de Deus”. Nesse
panorama, acontecimentos como o recente casamento de duas lésbicas
na igreja adquiriam o sentido de um “bom exemplo”. Uma relação
que “não é de Deus” pode afastar o fiel de uma “vida na
obra”. “Saber escolher”, “renunciar às tentações da carne”
e/ou se afastar de amizades que podem prejudicar o casal muitas vezes
se fazia necessário.
Contudo, reconhecia-se que a principal luta do cristão era contra demônios e potestades: “orar juntos”, “sentir a presença de Deus” eram formas de revestir o casal de uma “couraça” do Espírito Santo. Era enfatizada aqui a dicotomia entre as coisas de Deus (o casamento) e as coisas do mundo (o sexo sem compromisso). Em maio de 2007, a criação do Código de Condutas para lideranças da Igreja Contemporânea materializou as orientações institucionais. O documento de cinco páginas era obrigatório às “pessoas que desempenham funções de cunho espiritual na igreja” – dentre eles clérigos, discipuladores, intercessores, músicos, cantores, dançarinos ou instrumentistas –, devendo também ser observado pelos demais participantes. O capítulo IV advertia que era vedada a ida a “orgias”, “casas de prostituição” e “saunas”. O Capítulo V, “Dos relacionamentos e das condutas sexuais”, informava sobre a proibição dos “adultérios e traições aos parceiros”, da “poligamia” (mesmo com anuência do casal), endossando: “o líder só pode ter relação sexual com adultos e isso com pretensões de união afetiva”. Havia ainda no documento uma referência clara à conduta no espaço da igreja. O artigo doze do capítulo IV enfatizava que o líder deve “evitar brincadeiras”, “colocar apelidos desrespeitosos em alguma pessoa” ou “se referir a mesma por um nome ou o sexo que não seja o dela”.
A análise feita até
aqui permite antever os rumos tomados pela igreja após o seu
desligamento da matriz americana: uma pentecostalização se faz
acompanhar de um recrudescimento da moral sexual. Há mudanças de
forma e conteúdo nos cultos, havendo um progressivo deslocamento das
discussões da teologia inclusiva para uma ênfase na teologia da
batalha espiritual. Ocorre um relativo apagamento das relações
entre religião e orientação sexual no espaço oficial do culto,
justificada por líderes como uma necessidade de “pregar o que toda
igreja prega” e não fazer apologia da orientação sexual das
pessoas. Convém notar que tal estratégia foi revista após a consolidação da
igreja, indicando que a trajetória de um grupo não é estável e o
modo como se dá a dinâmica entre ocultamento e revelação é
contextual – discrição e aquisição de visibilidade podem se
alternar, dependendo da situação. Naquele momento, contudo, as
justificações teológicas para o exercício da homossexualidade
foram gradativamente minimizadas em função da ascensão de um novo
discurso, centrado na “obediência a Deus” e no cultivo de um
modelo de homossexualidade santificada, aceita e
abençoada pela divindade. A hipótese é que essa mudança possui
dois aspectos: 1) constitui uma resposta aos estigmas que incidem
sobre os homossexuais; 2) apresenta relações também com as
influências religiosas dos participantes, prevalecendo no grupo um
ethos pentecostal, com seus modelos de vida religiosa e códigos de
santidade.
A etnografia
possibilitou identificar o surgimento de um modelo específico de
sexualidade, centrado na preocupação pastoral com definições do
código de santidade do culto, o qual formulava as fronteiras do
puro/impuro e deslocava o “pecado” da homossexualidade para a
prática do sexo sem compromisso. Tal ênfase transparece na
associação entre homossexualidade, respeito, tradição religiosa e
direito ao livre exercício da orientação sexual. Um complexo jogo
de construção identitária assinala a presença de linhas de força
e discursos múltiplos, que se conjugam no estabelecimento de novas
zonas de legitimidade e ilegitimidade nesse contexto.
Duas estratégias:
orgulho ou discrição?
Um informante lembra
que os cultos da ICM tinham um conteúdo mais político, procurando
construir uma positividade em torno da orientação sexual que
diverge da norma heterossexual:
“O culto tinha a
oração, o momento do louvor. Depois, tinha toda a preocupação de
desconstruir as interpretações que os líderes evangélicos, de
modo geral, fazem sobre a homossexualidade. Tinha essa coisa [de ir
pontualmente?]. Levítico, geralmente eles usam essa passagem para
dizer que o homossexual é um pecador. Aí a gente lia esse texto e
fazia todo um trabalho de desconstrução disso.”
A ideia era todo um
trabalho de positividade da homossexualidade. E também tinha um
conteúdo de cura espiritual. Como boa parte dos membros era
proveniente de igrejas que por muitos anos falavam mal da
homossexualidade, usavam termos altamente pejorativos, havia também
uma preocupação da liderança em transformar isso, curar, de certa
forma, dar positividade. Então eles usavam muito a Bíblia
também nesse sentido. Essa teologia inclusiva denunciava as “bases
históricas da homofobia”. No centro da proposta do grupo estava –
como enfatiza um prospecto distribuído – “o re-exame das
escrituras e do tratamento anticristão dado à comunidade GLBT”.
Tal proceder consistia em
uma forma de atuação distinta daquela que vinha observando no atual
grupo.
A ICM Rio foi refundada
em 2006, passando a denominação de Niterói a ser reconhecida como
a ICM Brasil. Entre 2006 e 2008 entrevistei lideranças da ICM de São
Paulo e do Rio de Janeiro (Niterói), dentre outras inclusivas.
Assisti, além de cultos, eventos como o Primeiro Seminário de
Teologia Inclusiva realizado pela ICM SP, que teve como ênfase
instruir os fiéis sobre a necessidade de “curar a homofobia
internalizada” dos crentes homossexuais que vinham de igrejas
conservadoras. Em outro evento, ocorrido no Rio de Janeiro, o
seminário “A Bíblia e os excluídos”, chamou-se atenção para
o fato de que os homossexuais ocuparam uma posição desigual na
sociedade em diferentes épocas e culturas, sendo necessário, assim,
desconstruir muitos preconceitos.
Um discurso pastoral
enfatizou que a homossexualidade já fora um comportamento aceito
entre cristãos primitivos. Marta, Maria e Lázaro teriam formado a
primeira comunidade GLS do cristianismo. Preconizou que existiam
evidências históricas sobre a homossexualidade de muitos dos santos
do panteão católico, como São Sebastião, São João da Cruz,
Santa Tereza D’Ávila, São Paulo, as santas Perpétua e Felicidade
(supostamente um casal lésbico), São Marcos e São Cosme e São
Damião (também considerados amantes).
Foi possível perceber
logo que havia uma considerável diferença nas formas de atuação
das duas igrejas, a partir de suas próprias percepções acerca de
sua missão religiosa. Líderes e participantes da Igreja Cristã
Contemporânea questionaram, em algumas ocasiões, o rótulo de
igreja inclusiva. A justificativa principal se dava em torno do
argumento de que não pretendiam excluir heterossexuais (as igrejas
inclusivas teriam se tornado sinônimo de “igrejas gays”).
Contudo, essa auto-identificação como uma igreja gay não é
necessariamente compartilhada por todos os participantes e líderes
da ICM, em seus vários grupos locais. Em diversas conversas que
travei, apresentava-se a preocupação em constituir uma denominação
que incluísse todas as pessoas. Por outro lado, era problematizada a
preocupação com a questão através de comentários jocosos: “a
ICM é uma igreja ‘GLBTodos’”, uma denominação para gays que
inclui também heterossexuais. Um pastor dessa denominação
comentou, ainda, que o objetivo era “incluir todos os excluídos”,
mas a ICM era de fato uma “comunidade homossexual”.
Numa comparação entre
as duas denominações, nota-se que a ICM se constitui como uma
igreja com engajamento político, sua missão religiosa estando
relacionada à promoção da “justiça social”, cuja agenda
incluía: 1) denunciar a homofobia da tradição cristã; 2) promover
a criação de espaços em que os homossexuais pudessem exercer uma
vida religiosa em conformidade com a sua orientação sexual; 3)
produzir ou divulgar uma teologia que prega a igualdade entre pessoas
homossexuais e heterossexuais. Em algumas ocasiões, líderes
religiosos ligados a diferentes comunidades dessa denominação
buscaram ressaltar que o que os diferenciava de outras congregações
era o fato de serem teólogos e acadêmicos progressistas. Eles
percebiam a atuação de alguns segmentos inclusivos como “mais
pentecostais”, portanto, mais conservadores, visto que
reproduziriam valores e hierarquias presentes no campo hegemônico.
Por outro lado, a
identidade de igreja inclusiva pentecostal é adotada por alguns
grupos. Um líder da Comunidade Cristã Nova Esperança, definiu-se
como um “inclusivo” um pouco “fundamentalista”, em função
dos posicionamentos que sustenta sobre o que é ser um gay cristão:
é contra o sexo sem compromisso e tem uma atitude crítica em face
da “efeminação”.
Em algumas ocasiões a
polarização entre inclusivos pentecostais e inclusivos não
pentecostais foi realçada. No já citado Seminário de Teologia
Inclusiva, críticas ao ethos pentecostal foram protagonizadas por um
líder religioso que, inflamado, reclamou da execução de louvores
gospel em cultos inclusivos. Ele ostentou uma postura de rejeição
de conceitos e práticas oriundas de vertentes do cristianismo que
difundiam o preconceito e homofobia. Desse modo, criticava a
importação de certos termos do universo pentecostal pelas igrejas
inclusivas. Acreditava que os homossexuais não precisavam de
“restituição” ou “cura” (termos largamente explorados em
louvores gospel, executados em algumas igrejas inclusivas
pentecostais), mas de uma sociedade que os legitimasse. Em uma outra
situação de interação, uma liderança de distinta comunidade
inclusiva enunciou, em tom de brincadeira, que Deus não era
conservador, “nem pentecostal”. Em entrevista, o pastor da Igreja
da Comunidade Metropolitana de Niterói justificou o perfil ativista
da denominação, tributando-o ao engajamento da ICM (mundialmente)
em lutas sociais pelos direitos humanos. Segundo ele, a denominação
representava “uma tomada do poder religioso cristão pelo povo
GLBT”.
A ICM São Paulo vem
estreitando suas relações com o ativismo, em especial com o Grupo
Corsa, passando a ocupar espaço na sede desse grupo (com a
participação de líderes da igreja em cargos e atividades da
organização). A igreja participa também de atividades ligadas ao
Programa Estadual de DSTs e AIDS de São Paulo.
É importante observar
que a identidade de igreja pentecostal não leva necessariamente à
rejeição de uma perspectiva ativista, como demonstra o caso da
Comunidade Cristã Nova Esperança, que nas reuniões das
segundas-feiras, através de um grupo de convivência, recebe
profissionais de saúde ligados também a programas de prevenção.
No interior dessa igreja fundou-se o Ministério Intimidade, espaço
de troca de experiência para indivíduos soropositivos ou portadores
de outras doenças. O pastor me
informou que a criação do espaço ocorreu em função da demanda do
grupo, visto que a igreja já acolhera portadores do vírus.
A perspectiva
comparativa permitiu demonstrar uma pluralidade de formas de atuação:
a ICM em geral valoriza a diferença como positiva e com ênfase nas
discussões teológicas, promovendo relações mais estreitas como o
movimento homossexual e suas demandas. A Igreja Contemporânea
adotava, no período da pesquisa, uma distinta estratégia,
assinalando o apagamento da diferença e distanciamento de uma
perspectiva de intervenção, atitude fundada na expectativa de
constituir-se mais como igreja e menos como movimento social.
Como se tratam de
grupos em processo de constituição essas estratégias não são
estanques, podendo haver redirecionamentos, novos posicionamentos e
atitudes, relacionados, sobretudo, à adesão de novos atores
sociais. Nessa perspectiva, convém frisar que toda etnografia é uma
descrição de tal grupo ou comunidade em um dado momento e contexto.
Ambas as propostas lidavam com os dilemas associados à busca por
reconhecimento e legitimidade, formulando respostas próprias aos
estigmas que incidem sobre gays e lésbicas. Por outro lado,
considero que o modo como a Igreja Contemporânea lidava com tais
estigmas encontra respaldo em amplos processos sociais em curso na
sociedade brasileira. A ênfase da denominação na valorização de
uma homossexualidade “discreta”, “responsável”, encontra
afinidades eletivas com ideias e modelos de uma cultura mais ampla,
bastante difundida, envolvendo a adequação aos padrões hegemônicos
de masculinidade.
Nesse ponto, é
possível estabelecer um diálogo com algumas hipóteses
desenvolvidas por Sérgio Carrara (2005)24 com relação ao cultivo
de uma homossexualidade viril no Brasil, e também com autores que
discutem o tema partindo da observação etnográfica de contextos
latino-americanos (Pecheny 2004; Sivori 2008).
Pecheny (2004) aborda
as relações entre discrição, homossexualidade e processos de
construção de si na contemporaneidade, chamando atenção para
mecanismos de controle da informação fundados no cultivo do segredo
como formas de neutralizar estigmas. O segredo em torno da orientação
sexual origina tipos particulares de conflito e interações,
estreitando e consolidando laços específicos entre aqueles que
compartilham esse segredo. Nesse panorama, ocultamento e revelação não
representam uma dicotomia, mas possuem uma relação de
interdependência, por meio da qual a sociabilidade se estrutura
segundo três tipos de mundos. Pecheny assinala a existência do
mundo dos que “não sabem nada”, o daqueles que estão cientes e
o mundo dos “iguais”. As fronteiras entre tais mundos seriam
flexíveis, havendo sempre a possibilidade de mudança na gestão da
informação e instauração de novos conflitos. A dinâmica social
própria do desenvolvimento urbano permitiria aos homossexuais
exercerem uma “vida dupla”, organizando os vínculos sociais
espacial e temporalmente em função da gestão do segredo. Contudo,
Pecheny sublinha que essas formas de construção de si sofrem
profundas mudanças em função da construção social da
homossexualidade em contextos contemporâneos.
As emergências do
movimento gay e da AIDS – e as transformações sociais insufladas
por estes acontecimentos – diluem as fronteiras entre o público e
o privado. A emergência de uma ideia de tolerância não
equivaleria, contudo, a uma aceitação social plena ou a um
reconhecimento da legitimidade das pessoas cuja orientação sexual é
divergente da norma heterossexual.
A expressão pública
de afeto, amor e compromisso entre pessoas do mesmo sexo sofre
constrangimentos sociais, e a força da percepção pessoal da
discriminação enseja atitudes ambíguas. É nesse contexto que as
afirmações sobre a necessidade de não “exagerar”, ou seja,
manter-se discreto para obter respeito e aceitação social, devem
ser compreendidas. Em diálogo com essa perspectiva, Sivori (2008)
analisou a emergência de um ethos da visibilidade discreta, segundo
o qual se cultiva como um valor um modelo de homossexualidade “mais
masculino” que desqualifica uma expressão feminizada do homem gay.
Em diálogo com diversos autores, ele discute a emergência de novas
normatividades em um cenário global. Enquanto no início do
florescimento do movimento homossexual apostava-se no potencial
transformador do confronto e da desconstrução das normas (a
homossexualidade ligada à contracultura), fenômeno analisado por
Peter Fry (1982), com a ascensão de um regime de vida igualitário e
a rejeição progressiva dos modelos hierárquicos de categorização
das pessoas (bicha/bofe; ativo/passivo) ocorre hoje uma crescente
valorização de um modelo de homossexualidade discreta. Nesse ideal,
prevalece o valor da masculinidade, preconizando a importância de
uma expressão contida da orientação sexual. Enseja-se assim uma
manipulação das identidades que requer uma apresentação de si que
seja acima de tudo discreta e contida. Criam-se formas paradoxais de
expressão pública de uma gestão de si, marcadas pela constante
necessidade de negociação entre discrição e publicidade. O regime
do coming-out (assumir-se) é
realizado pelos sujeitos na convivência com esses modelos culturais
nos quais a tensão entre segredo e visibilidade fornece um mapa para
a construção de si (Natividade & Gomes 2006). Carrara (2005)
analisou essas mudanças culturais em um texto exemplar intitulado
“Só os viris e discretos serão amados?”. O autor sugere que a
afirmação de uma “homossexualidade viril” pode representar uma
resposta à discriminação, em que se constrói a respeitabilidade
dos “discretos”, redirecionando o preconceito contra a população
– muito mais vulnerável – dos “afeminados”. Regina Fachini
(2005) amplia a discussão, identificando também entre alguns
segmentos lésbicos, correlata estratégia: valorização da
feminilidade e desqualificação do masculino entre
mulheres lésbicas.
Após essa discussão
teórica, é possível ponderar que a maneira como se lida com a
diferença no contexto religioso descrito pode apresentar relações
com certos modelos culturais. Assim, a necessidade de discrição
evocada por representantes da Igreja Cristã Contemporânea
constituiria uma estratégia para o reconhecimento e a tomada de
legitimidade do grupo. A emergência da regra que preconiza “evitar
dar pinta na igreja” pode ser interpretada como resposta à
desqualificação social a que os homossexuais estão expostos em
alguns contextos. O ideal de uma homossexualidade discreta, presente
no culto, pode apresentar também afinidades eletivas com valores
religiosos e com o modelo do “homem de Deus” cultivado em crenças
evangélicas de uma forma geral
(Natividade 2008).
Em perspectiva
confluente, Laud Humphreys (1972), ao investigar o crescimento da
organização política de grupos homossexuais nos Estados Unidos, já
destacava que o engajamento deliberado de grupos oprimidos no
ativismo está relacionado principalmente à remoção de estigmas
sociais. Apesar de se reportar a um contexto específico, com
defasagem de décadas e uma distinta realidade local e nacional, é
relevante nesse cenário a posição do autor, que acredita que o
surgimento de “igrejas gays” nos Estados Unidos está ligado à
“redenção” de estigmas. Humphreys alega não se tratar de uma
mera mudança de seu status de marginalidade social para a
visibilidade política, mas sim da ascensão de uma “criatura
transformada” (Humprheys 1972:142). Nesse sentido, grupos
inclusivos ajudam a confrontar o estigma social que recai sobre os
homossexuais (e os tormentos consequentes de uma situação de
descrédito), por meio de uma adequação às regras. A estratégia
da Igreja Contemporânea pode ser vista, de certa forma, sob essa
perspectiva, mas também pode ser lida como uma tentativa de apagar a
diferença, reivindicando tradicionalidade: quer ser reconhecida como
uma iniciativa inclusiva que tem como parâmetro o ideal de uma vida
cristã, pautada em princípios bíblicos. Ao celebrar a presença de
heterossexuais em seus cultos, ela reivindica sua ‘normalidade’.
Esse modelo convive com suas contradições: a valorização de um
ethos da contenção e da discrição revela premissas naturalizantes
do sexo e do gênero: indivíduos do sexo (biológico) masculino
devem portar-se coerentemente com seu (suposto) gênero.
Nota-se a presença de
construtos e convenções culturais do campo evangélico mais amplo,
aqui reproduzidos. Apesar disso, seguindo a pista de Butler (2003a;
2003b), é preciso indagar quais as possibilidades de fissuras nos
modelos culturais, considerando o gênero como performativamente
construído.
Apesar da ênfase em
uma normatividade de gênero presente no ethos da Igreja
Contemporânea, no plano da sociabilidade observam-se transgressões.
Um discurso jocoso focado nas brincadeiras em que indivíduos se
referem uns aos outros – ou a si mesmos – através de tratamentos
no feminino é a forma recorrente de burlar as regras. Presenciei,
até mesmo em algumas entrevistas, interações em que informantes
encenavam performances tipicamente reconhecidas como femininas.
Por exemplo, se referir
a uma terceira pessoa (do sexo masculino) como “ela”, “bicha”,
“mona”, ou mesmo transformar um nome masculino em feminino
(nessas brincadeiras, Bruno pode ser chamado de “Bruna”). É
importante destacar que as expressões corporais são fundamentais no
desempenho dessa performance, com a imitação de gestos femininos,
sobretudo inspirados em personagens de ficção (heroínas de desenho
animado, novelas e filmes) e cantoras evangélicas como Fernanda Brum
e Marina de Oliveira. Um informante que julgava não ter dom para o
canto e o louvor, considerava essa uma maravilhosa forma de
“sensibilizar a Deus”. Desejava ter uma “voz bonita para
louvar”, ser uma “Whitney Houston de Jesus”. No momento da
pregação nos cultos, observei pastores e lideranças de algumas
igrejas inclusivas pentecostais empregarem performances femininas
para descontrair a sua audiência. Na associação entre cantoras de
musica gospel e encenação de papéis femininos, o louvor se
configurava como um espaço propício para o exercício dessa
feminilidade. A igreja era percebida como feminina (a noiva de
Cristo), em relação a uma divindade masculina. O louvor descrevia
os termos dessa forma de contato: ao desejar/aguardar a vinda do
Espírito Santo, a igreja revelava um ethos religioso em que a
interação dos fiéis com a divindade é estruturada a partir de uma
hierarquia de gênero. Ao empregarem metáforas que descrevem a
relação entre fiel e Deus como um relacionamento amoroso, os
louvores opõem a igreja passiva à divindade, que toma, invade e
arrebata. Uma performance de gênero que em outras situações
poderia ser avaliada de modo negativo tem legitimidade relativa no
espaço do louvor, da dança e da arte nas igrejas inclusivas. Em
algumas ocasiões, foi possível presenciar a execução de números
de dança e da linguagem de “libras” nos cultos, espaços em que
as fronteiras de gênero não pareciam tão demarcadas. Embora essa
questão não fosse o foco de interesse de meu trabalho, parecia um
elemento importante que sugeria como nesse ethos religioso se
constrói, por meio de performances rituais, um gênero mais flexível
e ambíguo, a despeito das convenções fixadas em termos
doutrinários.
Passagens e mediações
sociais
Procurei demonstrar,
partindo do pressuposto de que não existe "homossexualidade",
mas "homossexualidades", a existência de múltiplas
experiências e mediações no campo inclusivo. O artigo pretendeu
lançar um foco de luz sobre a junção entre homossexualidade,
formas de ação social e religiões evangélicas, evidenciando
distintos dilemas, caminhos e soluções.
Quando de sua criação
no Rio de Janeiro, a ICM seguia uma proposta específica de igreja,
com um discurso voltado para o público homossexual. Há fartos
indícios de que a linguagem GLBT era enfatizada, buscando alcançar
um público de gays e lésbicas (a missão religiosa consistia no
alcance desse "igual" excluído). Ocorreram tensões entre
as hierarquias religiosas (americanas e brasileiras) acerca de suas
propostas e modelos a serem seguidos. Os acontecimentos que
propiciaram o cisma religioso não foram bem esclarecidos, aspecto
que não apresenta relevância aqui.
A teologia gay ou
inclusiva perdeu, naquele momento da crise, a sua centralidade,
cedendo espaço a uma pregação na qual o tema da exclusão
homossexual foi minimizado. A busca pela normalidade foi preconizada
na afirmação do caráter religioso do grupo e na celebração da
heterossexualidade como bem vinda e desejada, como forma de obter um
status mais elevado e sair de uma situação de marginalidade social.
Esforços foram empregados nesse sentido. A ideia de uma igreja
brasileira, não identificada como um gueto, comportou uma visão
positiva da diversidade religiosa cristã, possibilitando uma
pluralidade de influências: listam-se a Assembleia de Deus, a Igreja
Universal, a Renascer e muitas outras. O grupo conseguiu sua unidade
apresentado-se e representando-se como uma igreja inclusiva
pentecostal. As influências religiosas locais e os modelos culturais
globais colaboram na construção de convenções que estabelecem
como deve ser o homossexual de vida cristã: não afeminado,
discreto, monogâmico, responsável e um cidadão consciente. Os
mecanismos sociais empregados para garantir a unidade foram eficazes
e culminaram na criação de um código de conduta, que pauta a
postura nos ministérios e nas atividades e campanhas religiosas. A
consolidação final se deu com a inauguração de um novo templo, no
andar térreo do mesmo prédio em que a igreja funcionava. A
cooptação de novos fiéis e o sucesso dessas ações se comprovaram na institucionalização
da igreja, que em 2008 contava com mais de duas centenas de
afiliados, com a ordenação de dois novos pastores e sete novos
diáconos. Na época da pesquisa, havia planos de expansão
missionária dentre os projetos para as próximas ações.
O ideal inicial de uma
igreja específica cedeu lugar à diversidade – que se expressou
menos pela presença heterossexual do que por meio da organização
de uma "rede de mulheres lésbicas" na igreja. Contudo,
ainda eram empregados esforços para a aproximação de travestis e a
ampliação do público em um sentido mais amplo. A presença de mães
(de homossexuais) na igreja era valorizada, enquanto possibilidade de
diversificar esse público e propiciar a convivência entre pessoas
hétero e homossexuais.
A emergência de
igrejas inclusivas, cuja hermenêutica articula vida religiosa e
homossexualidade, confere positividade a tal orientação sexual. Em
termos sociológicos, cismas internos ao campo assinalam a emergência
de distintas estratégias políticas dessa legitimação. A
comparação entre discursos produzidos pela Igreja da Comunidade
Metropolitana (ICM) e pela Igreja Cristã Contemporânea (ICC) no
período de pesquisa de campo enfatizou tal dimensão. Situei essas
estratégias em termos de particularismo e universalismo. Assim, para
a ICM a homossexualidade é vista como extremamente positiva e
valorizada, empregando-se ações no sentido de realçá-la. O
discurso elaborado pela ICC, ao contrário, almeja apagar ou
minimizar a separação entre homossexuais e heterossexuais. As duas
formas de atuação estão em consonância com o dilema constitutivo do
movimento homossexual. A busca por reconhecimento social é
perpassada por uma constante reflexão sobre como proceder na
promoção da igualdade: tomar a diferença como eixo das
reivindicações ou elaborar discursos que tendem a apagá-la,
forjando fendas e forçando rachaduras em sistemas de valores
tradicionais, de modo a obter mudanças estruturais mais profundas?
O tema da exclusão de
gays e lésbicas, recorrente nas falas pastorais e nos cultos da ICM,
realça essa estratégia particularista. A teologia inclusiva é um
dos principais instrumentos na luta contra a homofobia. Ao empregar
outro tipo de discurso, pautado na ênfase no caráter mais
tradicional, relacionado à preeminência da vida religiosa, e
optando por um ethos da contenção, a ICC demonstrou um discurso
político menos voltado ao realce das diferenças. A principal linha
de ação dessa denominação era
a que reivindicava certa tradicionalidade, ainda que no confronto com
o contexto mais amplo líderes se posicionassem como inclusivos,
engajados numa missão (mais religiosa e menos política) contra a
homofobia cristã.
Um elemento unificador
das duas propostas é certamente o fato de que todas as igrejas
inclusivas preconizam uma "aceitação" da
homossexualidade. Gays, lésbicas e travestis são parte do "povo
de Deus", antes excluído da possibilidade de uma vida cristã.
As nuances desses discursos podem ser mais detidamente examinadas,
mas por ora cabe assinalar que a oposição dessas duas estratégias
pode ser compreendida em termos de uma paradoxal junção entre
ativismo e religião, mediações sociais cujos impactos e efeitos
são ainda pouco conhecidos.
A ideia de passagem
elucida relações complexas dos planos micro e macrossociais. Essa
atuação política (plural) está imbricada às modernas lutas por
reconhecimento, constitutivas das políticas de identidade do cenário
cultural global. A emergência de reflexões sobre as relações
entre homossexualidade e religião cristã ocorre no bojo de um
processo recente, muito amplo, da instituição de políticas de
identidade. Dessa forma, é visível que essas denominações
proferem recorrentemente um discurso alinhado a demandas por
legitimidade de segmentos de gays, lésbicas, travestis e
transexuais. Há também afinidades eletivas entre algumas dessas
demandas, como o casamento gay (e a união civil) e o modelo de
relacionamento estável e monogâmico, valorizado pelas igrejas
inclusivas de uma forma geral. Ainda que possa haver dissensos, as
formas de relacionamento afetivo-sexuais propaladas são aquelas
enquadradas dentro dos parâmetros cristãos, incidindo sobre as
outras relativa desqualificação. A visibilidade de homossexuais em
posições eclesiais nesse segmento religioso assinala que estamos
diante de importantes mudanças culturais. Apesar disso, é possível
ponderar sobre a forma através da qual se dá a distribuição de
certas posições sociais
nesse cenário. O poder parece estar majoritariamente concentrado
entre homens gays, sendo a feminilidade exibida por alguns
homossexuais um lugar de menor prestígio social. É possível assim
observar que mesmo a inclusão obedece a regras, do mesmo modo que
todo processo social. "Incluir" ou "acolher" algo
ou alguém é obrigatoriamente reforçar as fronteiras entre o dentro
e o fora, entre quem são os sujeitos que estão habilitados a esse
novo lugar e quais deverão ser resgatados, ou se transformar em
objeto de regulação e rituais de agregação. O modelo de conduta idealizado contém os
pressupostos da construção social da homossexualidade nesse
contexto. O "gay cristão", ou o "homossexual
inclusivo", é virtualmente definido em termos da
responsabilidade, da consciência de cidadania, da
discrição/contenção, da não "promiscuidade" e da busca
pela santidade.
O dilema de se
compatibilizar duas dimensões de vida anteriormente intocáveis leva
a decisões sobre o melhor caminho a ser percorrido, considerando as
reações de aceitação, respeito ou repúdio de segmentos da
sociedade mais ampla. Esse dilema, aqui referido nos termos de um
particularismo em oposição a um universalismo, é confluente com as
tensões constituintes da trajetória do movimento homossexual
(realçar a diferença ou afirmar a igualdade) e também com aquelas
provenientes das lutas ocorridas na esfera política.
É preciso destacar que
fiéis e lideranças inclusivas são mediadores, participantes de
distintas redes e mundos sociais, criando sínteses próprias e
construindo aspectos da relação entre sexualidade e religião no
Brasil contemporâneo. A análise das formas de atuação das igrejas
inclusivas implica, assim, a compreensão dos nexos entre religião,
políticas de identidade e processos sociais mais amplos.
Gilberto Velho (2001)
discute o fenômeno das mediações sociais em uma perspectiva
sociológica que destaca a problemática do trânsito entre distintos
mundos socioculturais. Afirma que certos indivíduos, especialmente
no meio metropolitano, estão potencialmente expostos a experiências
muito diferenciadas, na medida em que se deslocam e têm contato com
universos sociológicos, estilos de vida e modos de percepção da
realidade distintos e contraditórios. Assinala, ainda, que certos
atores sociais, desempenham o papel de mediadores entre diferentes
mundos, estilos de vida e experiências, devido às próprias
circunstâncias do cotidiano na sociedade contemporânea, que
inevitavelmente propicia o trânsito por diferentes grupos e domínios
sociais (Velho 2001:20). Dessa forma, alguns sujeitos aderem com mais
clareza ao projeto de mediação, cruzando fronteiras, ora flexibilizando padrões
tradicionais de relacionamento, ora reforçando outros aspectos,
através de um fluxo de informações que permite o contato cultural
entre diferentes visões de mundo. Esses encontros evidenciam
interesses, geram prestígio e constituem canais de mobilidade
social. A dinâmica dos contatos e fluxos de informação entre
grupos inclusivos e a sociedade abrangente necessita, no entanto, ser
alvo de um esclarecimento maior.
A análise da criação
da Igreja Cristã Contemporânea evidenciou que alguns indivíduos
desempenham esse papel de mediadores, caracterizado pela
possibilidade de lidar com vários códigos e viver diferentes papéis
sociais, num processo de metamorfose cultural (Velho 2001:24).
Tal contato estabelece
canais de comunicação que podem redundar em sucesso ou fracasso. No
caso analisado, a consolidação desse grupo religioso e sua
ampliação possibilitou interpretar o sucesso de seu discurso, que
reverbera entre um público amplo de homens gays e de lésbicas que
vivenciam dilemas típicos da construção da homossexualidade em
ambientes religiosos avessos à expressão da sexualidade. A opção
por um estilo pentecostal facilitou esse diálogo e a circulação de
categorias sociais evidencia tal aspecto, indicando o trânsito entre
códigos e linguagens laicas e religiosas, ora incorporados, ora
rejeitados ou ressignificados. Vale frisar que mediadores são
agentes de transformação e que os impactos sociais dessas mudanças
só podem ser medidos através de pesquisas que sinalizem em que
termos são alteradas as fronteiras e transformados os valores,
preservando ou abalando o status quo.
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Sobre o autor
Marcelo Natividade é
antropólogo, cientista social, jornalista, atualmente professor
visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pós-doutorando
pelo PPGAS/MN/UFRJ, integrante do Núcleo de Pesquisa sobre Sujeito,
Interação e Mudança (NUSIM/MN/UFRJ), membro associado do
Laboratório Integrado em Diversidade Sexual, Políticas e Direitos
(UERJ), da Associação Brasileira de Antropologia e da Federação
Nacional de Jornalistas. Áreas de pesquisa: religiões cristãs,
gênero, diversidade sexual, evangélicos, novos movimentos
religiosos, direitos e cidadania, políticas públicas, homofobias.
Contato: marcelonatividade@hotmail.com
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