quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ateus e Materialistas são muito diferentes - tão diferentes quanto religiões (cristã, muçulmana, hindu, budista...)

Por Marcelo Moraes Caetano (publicado originalmente em http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com/2012/02/ateus-e-materialistas-sao-muito.html)


Numa discussão em aula universitária que eu dava sobre religiosidade e filosofia, uma aluna me indagou, com a mordacidade, sarcasmo, sentimento de superioridade e altivez que costumam acompanhar os fanáticos:

−“Engraçado, tem muito ateu que, na hora de um aperto, chama por Deus.”

Eu respondi:

−“Engraçado, e tem muito crente que, na hora de um infarto, chama o médico”.

Depois do pasmo inicial, resolvi esclarecer, à turma (que, afinal, possuía gente esclarecida) a falácia dessa minha aluna, e a consequente falácia presente, até, na minha resposta.

“Agora vamos ao discernimento?”, perguntei eu. Ao que a turma prontamente se comprometeu a ouvir. (“Discernir é sinônimo de inteligência para Sócrates”, lembrei eu aos alunos, trazendo à discussão o primeiro pensador do Ocidente que se preocupou com a questão que abaixo se esboçará, centenas de anos antes do nascimento de Jesus.).

É fundamental esclarecer a certas almas que “ateus” são totalmente diferentes de “agnósticos”, “céticos”, “materialistas”, que, por sua vez, são diferentes de “gnósticos”, de “espiritualistas”, de “teístas”, de “fideístas”, de “crentes”, de "transcendentalistas", de "imanentistas" etc. Não se pode (ou não se deve, para quem quer a luz e não a penumbra) colocar “tudo num saco só”.

Por isso mesmo, pode haver, sim, combinações dessas posturas filosóficas, que, muitas vezes (não todas), não são sequer excludentes. Einstein, para mim, por exemplo, era um homem espiritualista, gnóstico, porém cético, porque a Razão vinha em primeiro lugar, e imanentista, porque, para ele, a imanência da inteligência superior acompanhava a razão no âmago do homem; não era preciso olhar para fora para achá-la. Já Kardec, outro exemplo, seguiu uma religião (cristã), porém era igualmente cético, porque só aceitava o cristianismo na medida em que ele se esclarecia pela razão, e transcendentalista, pois achava que as verdades cristãs estavam presentes num mundo espiritual fora e além do homem. E os exemplos se proliferariam infinitamente.

Até “religião”, aliás, é muito diferente de “religiosidade”. Há, inclusive, uma religião, o Budismo, que é a religião que tem maior número de seguidores no mundo, que não acredita em Deus nem em Deuses. Mas para os, digamos, simples de inteligência, parcimoniosos das capacidades cognitivas, de interpretação maniqueista-subjetivista, é tudo “uma coisa só”: de preferência o “demo”.

Só uma distinção, porque não quero transformar um blog numa aula profunda de filosofia, apenas superficial (rs), e quero deixar claro que só escrevi este artiguete a pedido de alguns alunos, instigados que foram pelo senso crítico (graças a Deus! rsrs):

1) o “ateu” é aquele que não acredita, prioritariamente, em Deus, ou Deuses, em Deidades, ou Divindades, seja Jeová, Alá, Santa Rita, Xangô, Brahma, Hare Krishna, Zeus, Vênus. Daí que seu “oposto” é o “teísta”, o “fideísta” ou o “crente”, e não necessariamente o “religioso”, o “gnóstico”, o “espiritualista”. Etc. Etc. Etc.

2) O “agnóstico”, por seu turno, é seguidor da filosofia de Kant, e, com ele, afirma que “NÃO se pode comprovar, PELO MERO USO DA RAZÃO (ESTE é o ponto dos agnósticos), que Deus exista, NEM TAMPOUCO que NÃO exista”, donde se conclui que o agnóstico simplesmente não admite, pela racionalidade, a existência de Deus, porquanto não comprovável com aquela faculdade racional, mas tampouco a inexistência de Deus, porquanto tampouco comprovável pela mesma faculdade.

Então, voltando ao caso que deu ensejo a essa busca fundamental de discernimento, quando aquela pessoa fala de “muitos ateus que chamam por Deus” (e, detalhe: "muitos" não são todos; ademais, pergunto onde ela fez essa pesquisa, e o que exatamente ela chama de "muitos" no espaço amostral alpha da questão...?), enfim, "muitos ateus" que chamam por Deus numa situação difícil (e pode, sim, havê-los, sem contradição nenhuma, desde que I) estabeleçamos o que é "muitos"; II) percebamos que o "chamar por Deus" pode constituir um "chamado" instintivo, inconsciente, e o ateísmo é uma postura mental, consciente; e sabemos que pode haver, em certos momentos, sobreposição das estruturas psíquicas do ser humano; III) ateísmo não exclui completamente a presença de Deus, mas sim a sua existência transcendental e IV) o que será que significa "Deus" nesse "chamado"?), essa pessoa que critica "muitos ateus que chamam por Deus" (rimou à moda inversa de Mario Quintana hoho), pessoa porventura bem-intencionada (oh essa minha mania de ser utópico!), não deve saber que ela está colocando “num mesmo saco” uma miríade de posições espirituais/materiais diferentes para cacete!

Esse ateu que chama por Deus no aperto não poderia ser, isso sim, um materialista, um transcendentalista, porque, em tese, seria como imaginar um cristão que, na hora do aperto, clamasse por Hare Krishna ou por Oxalá, ou um Hindu que, na hora do sufoco, orasse à alta clemência de Jeová.

Agora eu pergunto: até isso (a situação desses chamados "sincréticos" descritos acima) é IM-possível?

Não!

Porque julgar um grupo (mesmo “religioso”) pela ação de “muitos” (palavra usada pela nossa amiguinha) é burrice no sentido socrático, porque não discerne. Ela teria que ser, no mínimo, ontológica, e ter julgado todos os indivíduos daquele grupo para afirmar que é uma característica subjacente a eles todos. (Mas, muito antes, como premissa maior, saber o que é um ateu, algo que sequer sabia.)

Parte precisamente desse tipo de falácia a mesma burrice de dizer que os negros (todos) são assim ou assado, os homossexuais (todos) são assim ou assado, as mulheres (todas) são assim ou assado, os teístas (todos) são assim, os (ateus) todos são assado... Etc.

Aqui me parece necessária uma intervenção metalinguística.

É importante que fique claro que as ideologias, sejam quais forem, devem ser respeitadas. Eu não posso desrespeitar a alguém que, no seu íntimo, por razões subjetivas ou de recalque ou seja lá o que for, não goste, por exemplo, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos estadunidenses, dos judeus, dos nazistas, dos brasileiros... Indo mais profundamente, creio que, no futuro, aprenderemos, até!!! a nos expressar com ideologias distintas sem que isso interfira em nossa capacidade de conviver pacificamente numa sociedade.

Outra utopia? Sim, mas utopia não é o que não se pode alcançar (ao contrário do que muita gente pensa - "pensa"?), e sim o que deve idealmente se procurar para que se atinja a harmonia geral.

Liberdade de expressão sempre! O que é inadmissível é o desrespeito, e a falácia, num pseudo-argumento dentro dessa liberdade de expressão que eu tanto defendo, é, dentre outros, um enorme desrespeito.

Então, esse parêntese dialético: precisamos expor, sem falácias (please!) nossas ideologias, contrastá-las, mas sem que isso signifique, necessariamente, que queremos impô-las a quem há por bem outras ideologias alheias à nossa.

Momento chegará em que a legalidade e a liberdade se encontrarão, reproduzindo palavras de uma entrevista que Élisabeth Roudinesco me deu em Paris. Nesse momento, eu poderei me expressar livremente sem ser punido pela lei, porque, antes de saber que tenho liberdade de expressão, saberei que tenho que respeitar as outras liberdades de expressão. E, pois, a lei não precisará intermediar minha relação com outrem, nesse quesito. Será a união da legalidade e da liberdade.

Há distinção entre meu mundo de ideias, que pode até ser imutável, por "n" fatorial razões, e a tentativa fascista de imposição do meu mundo de ideias. Hoje, infelizmente, ainda se crê que a mera discussão de ideias antitéticas e dialéticas gera, necessariamente, conflito pessoal-social. Digo eu: só o gera em pessoas muito pouco esclarecidas e que não fazem a menor ideia da diferença entre espírito científico-crítico e senso comum-subjetivista.

Chomsky e Piaget nunca se digladiaram em congressos porque o primeiro acredita no inatismo e o segundo no construtivismo. Após discussões figadais, saíam para almoçar juntos... Chomsky me disse, numa entrevista que me deu, que Piaget foi um dos maiores pensadores da atualidade.

Nietzsche mesmo, em seu antieclesialismo, grita: "Bendita a Igreja! O que seria dos livre-pensadores se não fosse a Igreja?"

O ser humano é subjetivo, isso é até tautológico. É como dizer: o sujeito é subjetivo (rs). Mas o subjetiv-ISMO é praticamente uma doutrina teológica que crê que a liberdade de expressão ("express yourself", nas palavras de Nietzche-Madonna) gera inequivocamente conflito, balbúrdia e choque de "interesses" (! ui).

Publiquei um artigo na coluna "Papo sério" da revista G-Magazine, edição de aniversário, chamado "Luz no gueto", que procurava, por aí, responder à ontogênese do preconceito homofóbico. Era um pouco diferente, porque, lá, eu partia de uma distinção (como dito, "onto"-gênese) materialista, empirista, mais do que filosófica, o que faço aqui. Em breve publicarei neste blog o artigo "Luz no gueto", porque ainda acredito na sua eficácia (rs) e sou crente (rs) de que, hoje, ele terá uma repercussão até mais profunda nas consciências e almas (oh!) brasileiras, que, bem ou mal, abriram-se às discussões mais racionais, objetivistas e menos subjetivistas, religiosas; passaram mais do foro íntimo da religião para o status quo coletivo e racional do Estado e do bem-estar necessário à civilização.

Entenderam, agora, de onde nascem, basicamente, os preconceitos? Láááááá da falta de discernimento entre, basicamente, materialismo e espiritualismo. Lááááááá da noite dos tempos. Láááááááá da busca pelo poder de poder dizer o que é o certo e o errado (esta a tese que defendo na G-Magazine aludida.). Lááááááááá na inefável vontade de pertencer ao "grupo vencedor" e tripudiar sobre os grupos cuja posição de gueto evidencia e − mais! - comprova o establishment do "grupo vencedor".

Não discernir é o que cria preconceitos.

E NÃO CONHECER é o que cria NÃO DISCERNIR...

E etc. e tal...

Sobre o autor


Marcelo Moraes Caetano é escritor, professor titular da Laureate International Universities, da Universidade de Freiburg e professor pesquisador do CNPq-UERJ. Membro da APPERJ, da União Brasileira de Escritores (SP), do PEN Club (RJ-Londres), da Académie des Arts-Sciences et Lettres (Paris), editor da revista de cultura ALIÁS, colunista da Revista da Cultura (SP, RS, Brasília,PE, Campinas). Pianista clássico (com primeiros lugares no Brasil e no exterior), membro da Orquestra Sinfônica de Viena, tradutor de inglês, francês, alemão, latim e grego, professor de português, grego e literatura brasileira, portuguesa e africana (bacharel pela UERJ e licenciado pela UNESA, especialista pela UFF, Mestre pela PUC-rio e Doutor por Coimbra). Possui 18 livros publicados: gramático ("Gramática para o vestibular", Editora Elite, "Gramática Reflexiva da Língua Portuguesa" (Editora Ferreira), lexicógrafo ("Instâncias do sentido o dicionário e a gramática - múltiplas interconexões semiológicas" -Editora Academia Brasileira de Filologia), crítico literário ("Literatura Brasileira", Editora Elite, "Caminhos do texto", Editora Ferreira), com diversas premiações nacionais e internacionais. Blogue: http://demarcelomoraescaetano.blogspot.com


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

[Notícia] “Curando” gays ou quando o ódio se traveste de amor ao próximo

Por Paulo Stekel


A cada dia surpreendo-me mais com a capacidade dos fundamentalistas evangélicos brasileiros de darem-se ao ridículo. Dão tiros em seus próprios pés o tempo todo. Agora, um projeto de decreto legislativo proposto pelo deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica, quer sustar dois artigos instituídos em 1999 pelo Conselho de Psicologia que proíbem emitir opiniões públicas pessoais ou tratar a homossexualidade como sendo um transtorno ou uma doença.

Segundo João Campos, desconhecendo (por ignorância) ou desconsiderando (por má intenção evidente) o caráter laico da Psicologia em si e do Conselho de Psicologia como órgão regulador, este teria extrapolado seu poder regulamentar ao "restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional". Ora, o que pretendem estes fanáticos? Contaminar com comportamentos religiosos fundamentalistas todos os setores da sociedade de natureza laica? Estão dando tiros para todos os lados, sem perceber que assim, incitam ainda mais o preconceito e a violência contra a comunidade LGBT! É isso o que a religião deles prega? Onde está o tão alardeado amor ao próximo como a si mesmo? Balela hipócrita, como se tem demonstrado facilmente ao analisar as denúncias de corrupção envolvendo vários membros da bancada evangélica...

Este projeto é totalmente inconstitucional, não pode passar e não passará, sob pena do Estado Laico ir parar na boca do lixo e o Brasil virar motivo de chacota e até de sanções por parte dos organismos internacionais de Direitos Humanos! Uma lei como esta jamais poderia interferir na autonomia do Conselho de Psicologia, que baixou as normas em vigência junto aos psicóloga para combater uma intolerância histórica que causou muito mal a gays e lésbicas por décadas. Aprovar uma lei descabida como essa seria regredir no tempo e colocar a comunidade LGBT novamente no rol de um grupo doente, transtornado e pervertido, o que já é repudiado oficialmente por todos os países civilizados do mundo que não são dominados por ditaduras religiosas!

(Dep. João Campos - PSDB/GO. Aviso: qualquer semelhança da foto de João Campos com a saudação nazista é mera coincidência, embora sua proposta legislativa tenha um viés nazistoide...)

Se os divãs estão cheios de gays, não é porque estes queiram “deixar de sê-lo”, mas porque precisam enfrentar seus medos causados pelo preconceito violento que sofrem em suas próprias famílias, na escola, nas igrejas e no mercado de trabalho.

Eu mesmo já passei por algumas situações de difícil decisão, em que assumir-me poderia colocar a perder uma boa oportunidade de trabalho. Contudo, esconder-me traria outra angústia, a de ter que lembrar a cada vez quais mentiras tinham sido criadas na vez anterior para ocultar minha orientação sexual. Minha impaciência com a mentira e com o inventar histórias críveis acabou e nunca mais o fiz. Mas, sei que muitos jovens ainda usam este artifício como forma de sobrevivência. Não se pode julgá-los, mas se tem a obrigação de ajudá-los a enfrentar os leões hipócritas da moralidade.

O relator do projeto de João Campos é o pastor e deputado Roberto de Lucena (PV-SP). Ele acha que uma pessoa não pode ser deixada em conflito, sem uma ajuda psicológica. Até aí, tudo bem. Mas, propor o que ele mesmo chama de “redirecionamento sexual” é a opinião mais nazistoide e perigosa que já vi, um atentado à saúde psicológica da diversidade LGBT.

Desde que a “psicóloga cristã” (?) Marisa Lobo foi instada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná tempos atrás a retirar da Internet material vinculando psicologia e religião, percebi que a coisa ia ficar feia e que logo algum deputado tentaria inverter as coisas. O método de Marisa Lobo para alcançar os LGBT era seguir o exemplo de Cristo, ou trocando em miúdos, descer a lenha na orientação sexual da pessoal com palavras de “tolerância e amor”. Na verdade, um método aparentemente “limpo” de destilar o ódio contra seres humanos por conta de uma orientação que estes fanáticos não só não conseguem explicar como não conseguem extirpar da face da Terra!

Até agora, o único deputado que teve a coragem de enfrentar abertamente este descalabro do fundamentalista João Campos foi Jean Wyllys (PSOL-RJ), que escreveu em seu website o texto abaixo reproduzido:

Deputado Jean Wyllys se posiciona contra projeto da bancada evangélica que busca legalizar a “cura gay”

A intolerância dos fundamentalistas da bancada evangélica se mostra cada vez mais ameaçadora e passível de qualquer manobra para desviar a atenção da sociedade, com novas cortinas de fumaças, dos escândalos que envolvem alguns dos seus integrantes. Desta vez é o Projeto de Decreto de Lei (PDL) do deputado João Campos (PSDB/GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica, que busca sustar a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. A resolução do CFP que o deputado Campos quer derrubar por lei proíbe as mal chamadas “terapias” que prometem mudar a orientação sexual das pessoas, transformando magicamente gays em heterossexuais, como se isso fosse possível — aliás, como se isso fosse necessário.

Não bastasse a inconstitucionalidade do projeto, que contraria os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 (art. 1º, proteção da dignidade da pessoa humana; art. 3º promoção do bem de todos sem discriminação ou preconceito; art. 196º, direito à saúde, entre outros), a proposta vai contra todos os tratados internacionais de Direitos Humanos, que também têm como objetivo fundamental o direito à saúde, a não discriminação e a dignidade da pessoa humana, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros.

Com essa proposta, o deputado, por convicções puramente religiosas, se considera no direito não só de ir contra os direitos humanos de milhões de cidadãos e cidadãs brasileiras, mas também de desconstruir um ponto pacífico entre toda uma comunidade científica: nem a homossexualidade, nem a heterossexualidade, e nem a bissexualidade são doenças, e sim uma forma natural de desenvolvimento sexual. Nenhuma é melhor ou pior ou mais ou menos saudável do que as outras. São simplesmente diferentes e não há nenhuma dissidência quanto à isso. O argumento de que a homossexualidade pode ser “curada” é tão absurdo como seria dizer que a heterossexualidade pode ser “curada” e é usado sem qualquer tipo de embasamento teórico ou científico e sempre por fanáticos religiosos que tem com o objetivo confundir a população com suas charlatanices.

O PDL do deputado – o mesmo da PEC n° 99 de 2011, ou a “PEC da Teocracia” que pretende que as “associações religiosas” possam “propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal” – é, no mínimo, criminoso, e vai também contra os direitos à saúde da população, pois sabemos que essas supostas terapias de “cura gay” nada mais são do que mecanismos de tortura que produzem efeitos psíquicos e físicos altamente danosos, que vão da destruição da auto-estima de um ser humano, até o suicídio de muitos jovens – como ocorreu recentemente nos Estados Unidos, onde mais um adolescente gay, de 14 anos, tirou sua própria vida apos ter sofrido assedio homofóbico na escola.

A tragédia ocorreu no Tennessee, estado dos EUA cujo Senado votava, há um ano, um projeto de lei que proibia professores de mencionar a homossexualidade em sala de aula e logo após outro adolescente gay do Tennessee, Jacob Rogers, tirar sua própria vida. Alguns dias antes, mais dois jovens norte-americanos também se suicidaram, depois de anos de sofrimento: Jeffrey Fehr, 18, e Eric James Borges, de 19 (este último cresceu em uma família fundamentalista cristã que inclusive tentou exorcizá-lo).

Essas supostas terapias, repudiadas unanimemente pela comunidade científica internacional, constituem um grave perigo para a saúde pública. Adolescentes e jovens são obrigados, muitas vezes pela própria família, a tentar mudar o que não pode ser mudado, são pressionados para isso por estes grupos que promovem as mal chamadas “terapias de reversão da homossexualidade” e acabam com graves transtornos psíquicos ou se suicidam. Os responsáveis desses crimes deveriam ser punidos, mas o deputado Campos propõe um amparo legal para que, além de fugir da responsabilidade penal pelos seus atos, possam dizer que a lei os protege e que suas atividades criminosas são lícitas.

Nos EUA, um dos mais conhecidos grupos que dizem “curar” a homossexualidade é Exodus. Mas os “ex gays” de Exodus, mais tarde ou mais cedo, acabam sendo “ex ex gays”, porque a orientação sexual não pode ser mudada ou escolhida a vontade (sobre isso também há absoluto consenso na comunidade científica). Vários ex líderes do grupo pediram publicamente perdão por seus crimes alguns anos atrás: “Peço desculpas a aqueles que acreditaram na minha mensagem. Tenho ouvido nos últimos tempos numerosas histórias de abuso e suicídio de homens e mulheres que não puderam mudar sua orientação sexual, apesar do que Exodus e outros ministérios lhes disseram. Uma participante que conheci caiu numa profunda depressão e preferiu saltar de uma ponte. Naquele momento, disseram-me que não era minha culpa, mas meu coração não acreditou”, declarou numa coletiva de imprensa Darlene Bogle, ex liderança da seita, junto a outros colegas que se arrependeram com ela.

Há uma preocupante confusão na sociedade, incitada por esse fundamentalismo religioso, que precisa ser esclarecida antes que a saúde física e psíquica de mais jovens seja afetada: ao contrario da religião, a orientação sexual de um indivíduo não é uma opção. Se o Estado é laico – como o é o brasileiro desde 1890 – questões de cunho moral e místico não podem ser parâmetro nem para a elaboração das normas nem para o seu controle. Valores espirituais não podem ser impostos normativamente ao conjunto da população.


Jean Wyllys

Deputado Federal

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

[Internacional] Para o gay muçulmano, o armário possui sete chaves

Por Miguel Ángel Medina (Traduzido por Espiritualidade Inclusiva do jornal espanhol El País cfe. http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/02/27/actualidad/1330310577_794728.html)

(Um casal homossexual em uma cidade do Marrocos / I. C. )

A homossexualidade continua sendo tabu no mundo islâmico
Muitos se rebelam, em especial na Europa


A homossexualidade é um tema tabu na maioria dos países de tradição islâmica: os vizinhos Argélia ou Marrocos, por exemplo, tipificam como delito os “atos homossexuais” e os cinco Estados que condenam os gays à morte são muçulmanos. Na Espanha, onde a maior parte desta comunidade está formada por imigrantes de primeira ou segunda geração, estes preconceitos continuam existindo e, em muitos casos, levam estas pessoas a negar sua identidade sexual ou ocultá-la de suas famílias. Mas, as vozes que reivindicam a compatibilidade entre o Alcorão e a realidade homossexual também começam a se fazer ouvir.

“Quando sabemos que alguém é gay o rejeitamos e paramos de falar com ele”, admite o marroquino Achraf el Hadri, de 27 anos e residente em Madri. A presidenta da União de Mulheres Muçulmanas da Espanha (UMME), Laure Rodríguez, vai mais além: “Existe uma lesbofobia e uma homofobia generalizada dentro das comunidades muçulmanas em nosso país”. “As escolas de jurisprudência islâmica sempre consideram a sodomia como algo proibido”, confirma Abdennur Prado, presidente da Junta Islâmica Catalã (JIC).

Neste contexto, os muçulmanos que planejam o que popularmente se chama sair do armário muitas vezes enfrentam um processo muito complexo. Como explica Manuel Ródenas, coautor do “Estudo sociológico e jurídico sobre homossexualidade e mundo islâmico” (Cogam, 2007): “A característica fundamental dos homossexuais muçulmanos é que vivem em dois mundos muito diferentes: por um lado, suas famílias, que não sabem de nada, e, por outro, com os amigos. São redes que jamais se tocam nem se misturam”. Lola Martín, coautora do estudo, considera que estas pessoas vivem em um “armário duplo” e destaca que alguns deles, inclusive, tratam de ocultar que procedem de países árabes.

A presidenta da UMME está realizando um estudo entre mulheres muçulmanas que vivem na Espanha, com as quais tem contato através das redes sociais. “O ponto em comum de todas as lésbicas que entrevistei é um processo longo, traumático e doloroso para decidirem-se entre sua religiosidade, sua sexualidade ou tentar viver de forma equilibrada”, conta Rodríguez, que já falou com umas 20 delas.

Esta trabalhadora social de 36 anos critica que em vários casos, quando alguma destas mulheres se atreveu a dar o passo e solicitar informação em qualquer associação LGBT, “a primeira mensagem que recebeu dizia que, para ser liberada, teria que abandonar sua crença”. Desde o Coletivo de Lésbicas, Gays, Transsexuais e Bissexuais de Madri (COGAM), negam que suas organizações ajam assim: “Acreditamos na liberdade do indivíduo”, respondem, “e não fazemos diferenciação por causa de religião”.

Shiraz (nome fictício) ilustra como este ambiente pode afetar uma mulher procedente de um país árabe, seja muçulmana ou não. No seu caso, chegou à Espanha há 17 anos e, naquele momento, não se considerava uma pessoa homossexual. “Desde jovem eu gostava de mulheres, mas ao viver na Tunísia, onde não tinha referências, não sabia o que me acontecia e tinha muitas dúvidas”, confessa. “No meu país gostava muito de uma professora, mas eu atribuía isso à admiração”, continua, “e até que emigrei, na verdade, não comecei a assimilar”.

Esta mulher, na casa dos 50 anos, tem o prazer de ter experimentado o processo de assumir sua lesbianidade na Espanha. “Na Tunísia teria padecido um calvário ou teria escondido”, assinala. Na verdade, ninguém de sua família —que vive naquele país— sabe nada sobre sua condição sexual, apesar de serem “muito abertos” para os padrões daquele lugar. “Ali, muitos homossexuais têm uma vida dupla, e alguns até chegam a contrair um matrimônio tradicional para escondê-la”. A tunisiana comenta que nunca se considerou uma pessoa religiosa. “Mas, a educação que lhe dão desde criança influi, e há coisas que lhe escapam mesmo sem se dar conta”, admite.

Ajudaria a mudar esta situação uma organização LGBT especificamente muçulmana? Na França, onde há imigrantes de terceira e quarta geração, a associação Homossexuais Muçulmanos da França (HM2F) tem lutado desde 2010 pelos direitos deste grupo. “Não temos que deixar de ser muçulmanos por sermos homossexuais”, explica seu fundador, Ludovic L. Mohamed Zahed, de 34 anos. Sua ação é centrada em trabalhar por um islã inclusivo no qual esta comunidade tenha lugar e em demonstrar que excluir da sociedade as mulheres ou os gays “não é islâmico”. Demonstram isso através do Alcorão, o livro sagrado do islã, e dos Hadith, a tradição oral sobre a vida do Profeta.

Para debater sobre estes assuntos, Zahed organizou um congresso europeu, chamado Calem, que celebrou sua segunda edição reunindo 250 pessoas em dezembro passado em Bruxelas (Bélgica), e cujas conclusões tem apresentado em conferências em Paris, Lisboa e Madri. O fundador da HM2F já prepara o terceiro Calem, que pretende levar também à Itália, Suíça e Luxemburgo.

Mas, na Espanha não existe una organização similar, segundo confirma a Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Transsexuais e Bissexuais (Felglt). “Há alguns muçulmanos em associações LGBT e outros vinculados às organizações muçulmanas mais abertas”, conforme nota da Federação. O mais parecido é o grupo KifKif (“como iguais”, em árabe), que trabalha pelos direitos dos gays no Marrocos, mas também pelos dos que cruzam o Estreito [de Gibraltar]. “Nosso âmbito de atuação é fundamentalmente o país vizinho, mas tivemos que nos registrar como associação na Espanha porque lá a homossexualidade é considerada como delito”, explica Samir Bargachi.

A história deste marroquino de 24 anos é tão complexa quanto a de outros imigrantes que decidiram sair do armário ao emigrar: confessar sua condição sexual supõe que parte de sua família e muitos de seus amigos tenham deixado de lhe falar.

No entanto, Bargachi, que vive na Espanha há 12 anos, não se conformou que as coisas sejam sempre assim. Por isso, iniciou uma associação para defender os direitos dos homossexuais árabes. “Nosso trabalho na KifKif está focado principalmente na comunidade do magrebe e de outros países árabes, mas não nos consideramos uma associação muçulmana, mas leiga”, afirma Bargachi. “Na Espanha, temos um grupo de apoio da comunidade marroquina formado por umas 10 pessoas, mas nosso trabalho está centrado no Marrocos”.

Em sua opinião, “a comunidade muçulmana na Espanha ainda é homofóbica”, porque está formada, na sua maior parte, por imigrantes de primeira ou segunda geração. “Meus pais, por exemplo, não estão totalmente integrados, apesar de já viverem aqui há muito tempo”, acrescenta. Com seu trabalho, o marroquino pretende sensibilizar este grupo, assim como abrir o debate sobre a homossexualidade no Marrocos. Lá, este jovem criou a revista Mithly, a primeira que fala destes temas naquele país, e em língua árabe. Foram editados quatro números impressos e, atualmente, continuam sendo publicados na Internet.

As vozes contra a homofobia surgem de dentro do próprio islã espanhol. “Não há qualquer base que justifique a perseguição dos homossexuais no Alcorão”, afirma, taxativo, Abdennur Prado, que dedicou a este tema um capítulo de seu livro “O Islã antes do Islã” (Oozebap, 2008). Para Prado, aqueles que afirmam que a homossexualidade está proibida por esta tradição estão equivocados: “O hadith a que se referem fala dos seguidores de Ló, o mesmo episódio que na Bíblia concentra-se em Sodoma e Gomorra. Mas, lendo com atenção, se comprova que não fala de relações homossexuais, mas da violação de estrangeiros e do desrespeito à leis da hospitalidade”, afirma Prado, de 44 anos.

O presidente da Junta Islâmica Catalã, que participou do congresso em Bruxelas, defende que, segundo a tradição oral sobre a vida do profeta, nos tempos de Maomé existiam homossexuais, que se chamavam muhandazun e a quem o enviado de Alá sempre defendeu. Prado destaca, além disso, que, no mundo islâmico, há muitos exemplos de poesia e literatura homoerótica, isto é, erótica e de temática homossexual, uma tradição que decaiu com a chegada do colonialismo europeu aos países árabes.

O desafio, agora, é que o debate seja ampliado. E, parece que os primeiros passos poderiam ser dados em breve. “No futuro, sou favorável a que haja um debate sobre a homossexualidade nas comunidades muçulmanas da Espanha”, comenta Mohamed Hamed Alí, presidente da Federação Espanhola de Entidades Religiosas Islâmicas, que agrupa mais de 100 associações em toda a Espanha. “É uma questão que está aí e ninguém pode negar, ainda que possamos não estar de acordo em algo, mas sempre dentro dos parâmetros da democracia e da Constituição espanhola”, confirma Alí, de 58 anos. Prado ressalta: “O Alcorão diz que Deus está sempre com os perseguidos, e tenho claríssimo que é assim, que os crimes que estão sendo cometidos contra os homossexuais e as lésbicas são aberrantes. É para mim um dever religioso como muçulmano lutar contra essa injustiça”.

__________________________________________________

“Parte de minha família deixou de falar comigo ao dizer-lhes que sou gay”

O marroquino Samir Bargachi (Nador, 1987), que vive na Espanha há 12 anos, fundou a associação Kifkif para defender os direitos dos gays no Marrocos.

Pergunta. Como você assumiu que era homossexual?

Resposta. O processo para assumir minha homossexualidade foi muito complicado, porque venho de um espaço cultural, Marrocos, onde a sexualidade não é tratada em público. Quando me dei conta do que sentia estava totalmente desinformado, não sabia o que me acontecia e nem sequer punha um nome ao que me passava. Meu caminho para chegar a esta conclusão se iniciou no meu país natal e continuou depois na Espanha, onde fui morar com minha família em 2000. E, na verdade, não pude contá-lo até que saí de casa. Mais adiante, quando passei a viver fora da casa de meus pais, então pude agir com mais liberdade.

P. Perdeu amigos por dizer que é gay?

R. Confessar minha condição sexual me custou muitas amizades e uma parte de minha família deixou de falar comigo.

P. Qual foi a reação de sua família naquele momento?

R. A princípio, decidi não contar a meus familiares, porque a maioria deles são conservadores e religiosos. Na verdade, temia mesmo que me expulsassem de casa se o confessasse; isto é, tinha alguns medo concretos e reais. Quando minha família soube, minha mãe entendeu, mais ou menos, e continuo tendo uma boa relação com ela e com minhas irmãs. Já meu pai, pelo contrário, foi muito afetado e perdi o contato com ele.

P. Conhece casos similares?

R. Sim, este padrão se repete com outros amigos árabes e muçulmanos, a quem ocorreu o mesmo; isto é, suas mães entendem, seus irmãos homens, menos, e seu pai, nada.

P. A comunidade muçulmana na Espanha é homofóbica?

R. Totalmente. Na Espanha, a imigração muçulmana ainda é uma imigração recente, de primeira ou, quando muito, de segunda geração, e por isso seu código cultural vem destes países. É muito diferente do caso da França ou Reino Unido, onde já vão para uma terceira ou quarta geração e, portanto, há muito mais integração que aqui.

P. Está proibida a homossexualidade no islã?

R. Eu não tenho a mesma opinião que os sábios muçulmanos que dizem isto, e tenho amigos que são religiosos e pensam como eu. No Alcorão unicamente se fala da história de Ló, e está claro que não se refere à homossexualidade, mas a violações, vexações… algo muito diferente.

P. Você se considera muçulmano?

R. Sou uma pessoa muçulmana culturalmente, isto é, que essa é a cultura na qual me eduquei. Entretanto, não me considero religioso.

P. Você já teve uma rede dupla de amigos?

R. Agora, a maioria de meus amigos são espanhóis que conheci no colégio, mas efetivamente, até pouco, tinha dois grupos de amigos: por um lado, os espanhóis, a quem contei de minha homossexualidade e, por outro, os de tradição muçulmana com que se relacionava minha família (amigos de meus irmãos, vizinhos…) que não sabiam de nada. Com eles era muito difícil encaixar todas as facetas de minha vida: imigrante, muçulmano e homossexual.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

[Tradução] O que é homossexualidade? O Uno e o Múltiplo

Por Toby Johnson (Fonte: http://tobyjohnson.com/theoneandthemany.html)


A Homossexualidade, é claro, é uma orientação psicológica para a vida. Foi apenas a partir do desenvolvimento da sofisticada consciência psicológica do "inconsciente" (datada da época de Sigmund Freud) que pudemos pensar em termos de algo como uma orientação psico-sexual da personalidade. Nesse sentido, a homossexualidade é algo relativamente novo. Sempre houve pessoas que fizeram sexo homossexual, mas antes dos tempos modernos, elas não tiveram um sentido de si mesmas como homossexuais.

A homossexualidade é uma categoria de consciência e uma manifestação da consciência ciente de si mesma. Tanto praticamente quanto metaforicamente a homossexualidade é auto-reflexiva. Trata-se da unidade do cosmos, ao invés da dualidade. A heterossexualidade manifesta a dualidade. (heterossexuais são muitas vezes "inconscientes" de ser heterossexuais, porque experimentam seus sentimentos sexuais como normais, automáticos e invariáveis.)

Sendo uma "orientação psicológica" a homossexualidade é uma dinâmica neurológica – como ser canhoto, por exemplo. Com efeito, a incidência de canhotismo e homossexualidade é aproximadamente a mesma, entre 3% e 10% da população geral. Similar também à orientação sexual, a categoria da lateralidade inclui indivíduos ambidestros, assim como a categoria sexual inclui bissexuais. É possível a pessoas ambidestras evitar o uso de sua mão esquerda como dominante, assim como é possível a bissexuais evitar suas atrações homossexuais. Pessoas ambidestras que tenha renunciado ao lado canhoto e bissexuais que renunciaram à homossexualidade parecem ter mudado sua orientação. Canhotos que não são ambidestros e  homossexuais que não são bissexuais não mudam sua orientação.

Há um maravilhoso artigo na web de Chandler Burr sobre os paralelos entre orientação sexual e lateralidade intitulado: “The Only Question That Matters: Do People Choose Their Sexual Orientation?” (A única questão que importa: as pessoas escolhem sua orientação sexual?)

Como a orientação homossexual existe em tudo, isso nos diz algo sobre a metafísica do universo e a natureza da consciência. A Filosofia Hermética e o pensamento metafísico considera o universo em termos de "o Uno e o Múltiplo". "De um vêm dois, e de dois vêm muitos" é uma fórmula tradicional.
Aqui está uma explicação simples aforística de orientação sexual no estilo da antiga terminologia hermética:

O Um se divide em Muitos
a fim de experimentar os muitos como o Uno.

A atração heterossexual manifesta o prazer,
a experiência múltipla em sua variedade.
A União heterossexual propaga o múltiplo,
do Dois fazendo muitos mais.

A atração homossexual manifesta o prazer,
nisso o Uno experimenta a Unidade.
O amor homossexual testemunha o desejo do Um de retornar a si mesmo e
de experimentar a multiplicidade de Muitos
como um reflexo do Self do Uno.

Complemento: O que Jesus disse sobre os Direitos Gays (Fonte: http://tobyjohnson.com/jesusongayrights.html)

O que Jesus disse sobre os direitos dos homossexuais é bastante simples:

"Faça aos outros o que gostaria que fizessem para você."

E, novamente, "Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos e irmãs, é a mim que fazeis."

Não há dúvidas de que Jesus teria estado ao "nosso lado" no debate dos direitos dos homossexuais e não do lado daqueles que afirmam ser seus seguidores e proclamar os seus "valores morais", clamando por leis contra a dignidade e os direitos civis dos gays.

Eles não querem que isso seja feito a eles. Na verdade, eles estão frequentemente gritando que há uma perseguição sutil dos cristãos nos EUA. Eles não gostam disso.

Seguindo as instruções de Jesus, então, eles não deveriam querer qualquer tipo de perseguição a quaisquer pessoas, incluindo gays e lésbicas, porque eles não querem se perseguidos.


Sobre o autor

Toby Johnson, PhD, é autor de oito livros: três livros de não-ficção que aplicam a sabedoria de seu professor e "velho sábio", Joseph Campbell aos modernos problemas sociais e religiosos cotidianos, três romances do gênero gay que dramatizam temas espirituais no âmago da identidade gay, e dois livros sobre a espiritualidade de homens gay e a experiência mística da homossexualidade.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

[Notícia] "A Homofobia me machuca” ou mais uma história real de homofobia familiar fundamentalista no Brasil

Por Paulo Stekel

(foto postada por Gustavo Campos no Facebook e mostrando as marcas deixadas pela agressão do irmão pastor pentecostal - É isso o que Deus quer?)

Na tarde de ontem fui surpreendido por uma postagem no Facebook que me deixou bastante sensibilizado. Na quinta-feira (23/fev) um jovem estudante gay de 18 anos da cidade de Contagem – MG decidiu utilizar a rede social para desabafar com seus contatos sobre as agressões homofóbicas que tem sofrido por parte de seu irmão, que é pastor evangélico. As agressões chegam ao ponto de ser físicas!

O rapaz agredido, que se chama Gustavo Campos, descreveu na postagem o que lhe ocorre com frequência:

“Olá, tenho 18 anos, nasci em Belo Horizonte e vivo em Contagem - MG, a algum tempo sempre venho sofrendo agressões por ódio ao homossexualismo e repressão religiosa em minha casa, principalmente pelo meu irmão mais velho (Pastor Pentecostal), que é o culpado pelas agressões,
pois ele me agride e eu posso até ser agredido de novo e muito mais por isso, mas estou cansado, desesperado e perdido, dessa vez resolvi postar e tentar chamar a atenção pra ver se alguma autoridade pode tomar providencias disso, por que já deu polícia militar aqui e não foi só uma vez, mas não adianta de nada, sempre me apelidam como "boiola", "viado", coisas do gênero, e ainda ao invés de aplicar a lei que era o certo a fazer, ficam pregando sobre Jesus Cristo e sobre Religião. Não aguento mais, está acontecendo muita coisa e não sei como fazer, não quero tentar desistir da minha vida novamente, pois eu quero lutar não só por mim mas por todos as outras pessoas que estão sofrendo algo do tipo ou muito pior. Nos ajude. Seja humano, compartilhe esta imagem para ajudar esse problema a ser resolvido.”

No texto, o rapaz deixa claro que já pensou em desistir da própria vida por conta da opressão homofóbica que sofre. Uma das fotos do perfil dele deixa evidente a opressão sofrida (veja abaixo).
Isso é bastante comum em casos de homofobia familiar, especialmente naqueles em que uma homofobia religiosa está incluída. A junção de ambas as formas de homofobia na cabeça de um adolescente é algo incrivelmente angustiante e coloca a pessoa numa situação limite semelhante à da tortura, da prisão, do sequestro e da guerra.

Assim que o rapaz postou seu desabafo no Facebook, uma chuva de comentários solidários e com propostas de ajuda começou a aparecer na rede social. Eis os trechos de alguns:

“Não desista nunca de você, da sua felicidade!”

“Considero um absurdo isso! Vc é uma pessoa incrível, de uma inteligência ímpar e vc sabe que gosto muito de vc! Isso que ele fez envergonha o reino de Deus, não é assim que verdadeiros cristãos agem!”

“Nós deveríamos subir uma tag no twitter e junto postar o link pro seu relato. Assim, mais gente ficaria sabendo, é importante que esse tipo de coisa não passe em branco, precisamos pressionar esses nossos políticos escrotos a aprovarem leis a nosso favor.”

“Campos, seu caso é de polícia. Se a polícia não lhe protege, é caso do Ministério Público. Enquanto este volta do Carnaval, talvez devesse ausentar-se de casa, ir para algum amigo (considerando que é maior de idade) e ir até as últimas instâncias para ter sua dignidade e direitos básicos preservados. Será que não há por aqui algum advogado da região disposto a pegar seu caso agora mesmo???? Sem contar, Gustavo Campos, que o que seu irmão pastor faz é tortura, um crime inafiançável e hediondo! Tortura em nome de Deus! Que bizarro e cruel!”
[este foi o comentário que fizemos na ocasião]

“É a marcha da Extrema-Direita. Em breve, organizações como a Ku-Klux-Klan vão proliferar no Brasil. Que se cuidem gays, mulheres indefesas e negros....Temos que estancar esta onda logo.”

“A Polícia Civil de Minas inaugurou dia 20 de outubro passado um núcleo de atendimento para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, na Rua Paracatu, Bairro Barro Preto, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Essas pessoas vão contar com proteção formal da polícia por meio do Núcleo de Atendimento e Cidadania à População LGBT (NAC), que receberá denúncias de violência e discriminação.”

“Gustavo, perguntei a uma amiga defensora pública em SP se caberia você procurar a defensoria da sua região, e ela me respondeu o seguinte: 'O ideal era ele procurar o MP [Ministério Público] (por causa da parte criminal). Acredito que lá ele terá um atendimento adequado. Aqui em SP temos na Defensoria um núcleo que cuida da questão da discriminação, mas a atuação é na esfera cível. Lá em MG não sei como funciona.'”

“Procura o Carlos Magno do CELLOS de BH ele pode te ajudar ! E, está próximo!!!”

“‎Gustavo, já compartilhei a imagem em vários grupos. Eu fiquei revoltado com o que eu li aí - ignorância em nome de deus, fanatismo religioso puro. Mas por mais difícil que seja, vai ficar melhor. Não desista de você, da sua vida.”

Na sexta-feira à noite (24/fev), militantes do CELLOS (Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual) de Contagem - MG (ver site) e de Belo Horizonte - MG (ver site) foram até a casa do rapaz agredido, o retiraram de lá, e o levaram em segurança, conforme relatado num comentário da postagem original:

“A mensagem da Dalcira Ferrão que participou da ação: 'Bom dia, pessoal! Gente, ontem por volta de 21:30h, eu e militantes do CELLOS-Contagem e CELLOS-MG, fomos à casa do rapaz e o buscamos para levá-lo para um lugar seguro. Conversamos um pouco com o pai dele. Quando estávamos saindo o irmão dele, que é pastor evangélico, chegou bastante alterado. Pra evitar um confronto direto nos retiramos. Cheguei em casa por volta de 01h da manhã. Hoje providenciaremos a denúncia formalizada do caso e tentaremos uma abordagem e sensibilização junto à família. Gustavo está bem, mais tranquilo. Está muito emocionado com toda a nossa mobilização e carinho. Está ciente que não está só nessa luta por um mundo sem homofobia!!!'”

Após a ação do CELLOS, o próprio Gustavo retornou ao Facebook e agradeceu a todos pela solidariedade e ajuda, relatando como está agora:


“Poxa, ontem mais cedo eu estava chorando por desespero, e agora realmente estou chorando de alegria por ver o verdadeiro apoio de todos vocês. Vocês são fantásticos. Boa noite pessoal.”

“Para todos aqueles que se preocuparam comigo, saibam que estou bem e protegido, tanto fisicamente como psicologicamente, estou bem comigo mesmo mas ainda sei que a nossa luta não acabou. Vocês me ajudaram a não desistir. Vocês lutaram por mim, agora eu lutarei por vocês. Vocês foram corajosos por mim, agora eu serei corajoso por vocês. Estamos todos juntos nessa e somos uma verdadeira família. Adoro vocês. Beijos beijos, até amanhã pessoal, darei mais notícias a todos vocês.”

“Olá Pessoal, em primeiro lugar estou aqui para agradecer o apoio de todo mundo que ajudou, pois acredite, foi muito importante, todos os grupos, sites, o pessoal querendo entrevistar, as notícias, likes, comentários, compartilhamentos, pessoas do país e de fora do país, muito obrigado mesmo. Em segundo lugar para dizer que estou bem, chegaram a minha casa antes que eu pudesse fazer alguma besteira comigo mesmo, estão me apoiando em tudo, totalmente, me acolheram de uma forma fantástica. Obrigado Grupo Cellos Contagem.”

“Como eu prometi, estou aqui no carro com o povo da CELLOS Contagem que estão me apoiando como vocês não imaginam. Estou correndo atrás não só dos meus direitos como dos de todos nós, pois como eu disse, vocês foram fortes por mim e agora eu serei forte, por que vocês me deram forças, mas eu não serei forte só por mim, por que quando eu sair desta, também ajudarei, não deixarei que vocês cheguem ao ponto de tentar fazer merda com vocês mesmos, por que vocês são perfeitos, estamos nessas juntos e não vamos desistir ok? Eu estou super bem, e vamos vencer, por que por mais repercussão que isso tenha tomado, não se trata apenas de direitos dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transsexuais, etc, se trata do SEU e do MEU direito por ser HUMANO, porque somos iguais e somos perfeitos, porque ELE sonhou com a gente exatamente do jeito que a gente é antes de nós nascermos. É, somos perfeitos. Eu amo vocês.”


O caso de Gustavo foi denunciado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e está sendo acompanhado pelo Conselho Nacional LGBT.

A princípio, uma história que poderia ser ainda mais trágica, agora com um final feliz! Mas, fico pensando em quantos Gustavos existem por este Brasil sofrendo exatamente as mesmas dores, agressões, torturas, padecendo sob a hipocrisia fundamentalista dos que se consideram preferidos por Deus. Se fôssemos considerar como válidas as justificativas “divinas” (injustificáveis) destes pastores bandidos incitadores do ódio para suas atitudes, teríamos que colocar Deus definitivamente no banco dos réus, como co-autor dos crimes ou, pelo menos, como omisso e conivente pelos atos de seus fiéis. Mas, sabemos que Deus não tem nada a ver com isso! São os homens que mancham a humanidade com seus atos insanos e cruéis. Como não têm a coragem de assumir sua vilania, precisam dividir com Deus a culpa de sua bandidagem que fere, mata e trucida seres humanos apenas por conta do modo como nasceram ou decidiram viver. Isso não é religião, é crime, e dos piores, seja no reino humano ou no Reino dos Céus!

Que o caso de Gustavo, que continuaremos acompanhando, sirva como exemplo para ambos os lados: para os oprimidos, que sirva de encorajamento para irem aos órgãos de defesa (polícia, Ministério Público, organizações LGBT) e levarem tudo a juízo conforme a lei; para os opressores, que sirva de aviso de que a comunidade LGBT brasileira não está mais assistindo passivamente seus membros serem dizimados diariamente por arremedos de seres humanos travestidos de arautos do Senhor, de defensores da família e de reguladores do que seja a “normalidade da Natureza”!

Gustavo, parabéns por sua coragem! Você é um exemplo a ser seguido por todos os jovens adolescentes que, como você, padecem em mãos diabólicas que se apresentam como angelicais. Se há um Deus, certamente ele sabe quem eles são e lhes dará seu verdadeiro e merecido quinhão na hora certa...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Julgamento do Pastor Estêvão

Por Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz

Era um domingo muito tenso na reunião da Igreja. Ao invés de estarem todos se confraternizando e louvando a Deus, os membros da congregação compareceram ali para acompanhar passivamente o conselho eclesiástico decidir pela expulsão do pastor Estêvão.

O pastor Estêvão era um homem muito popular e querido pelos evangélicos, católicos e até por pessoas da cidade que não seguiam a nenhuma religião. Promovia diversas atividades sociais, bem como organizava protestos contra os políticos corruptos, o que incomodava bastante os interesses dos poderosos e dos líderes eclesiásticos locais. Contudo, nada podia ser dito contra a sua reta conduta. Ele apenas era visto com desconfiança por sua posição teológica liberal pelos que tinham mais apego doutrinário à ortodoxia. Só que, desta vez, o ousado pastor tinha deixado perplexos os crentes conservadores daquele lugar. Na semana anterior à reunião, Estêvão fora denunciado ao bispo presidente do conselho por ter celebrado uma união homo-afetiva entre duas lésbicas.
Para que o estatuto da igreja fosse cumprido, uma assembleia geral precisou ser convocada e o pastor Estêvão teria que ser ouvido. E foi o que prontamente fizeram os principais conselheiros porque aquela era a grande chance que tinham para afastar da liderança o irmão herege e perturbador do sistema econômico e social.

Levantando-se no meio de todos, após ter cumprimentado os irmãos com a "paz do Senhor" e explicado porque estavam todos reunidos ali, o bispo Ananias passou a inquirir o réu:

- “É verdade isto que andam falando a seu respeito? Tem quinze minutos para se defender.”

A esta pergunta respondeu o pastor Estêvão, deixando sua cadeira e tomando o microfone:

- “Meus queridos irmãos e irmãs. Por favor, sejam capazes de me ouvir. Como ensino aos meus alunos do seminário, o glorioso Deus inspirou os autores da Bíblia afim de orientarem o povo de Israel na sua caminhada histórica. Porém, todos eles foram homens de carne e osso, iguais a mim e a vocês, cujos corações sentiram-se motivados para escrever coisas que, conforme seus valores, consideravam serem as corretas. E deste modo, de acordo com a necessidade do povo, ensinaram preceitos direcionados à realidade social da época, fazendo tudo com sensibilidade, mas sempre dentro de seus valores culturais e pessoais. Ao terem testemunhado diante da nação israelita, seus discursos foram atualizados em conformidade com o novo contexto histórico da época dos escribas redatores dos textos bíblicos nas gerações seguintes. E foi desta maneira que surgiram os escritos das partes da Bíblia que a cristandade chama de Antigo Testamento e o mesmo se aplica ao Novo Testamento.”

Até aí muitos ouviam aquelas palavras com alguma admiração. Outros, porém mais versados na doutrina religiosa, levantavam desconfiança em seus corações. Só que a grande maioria mal conseguia acompanhar o que estava sendo discursado. Mas assim mesmo o pastor Estêvão prosseguiu:

- “Um dia, veio ao mundo um homem chamado Jesus da descendência do rei Davi e do patriarca Abraão, como muitos outros judeus na sua época. Ele começou sua atividade ministerial andando entre os pobres e pregava sobre o Reino de Deus e a prática do amor. Em volta dele, juntaram-se pessoas de todos os tipos: ladrões, prostitutas, coletores de impostos, leprosos e toda a ralé do Galil. E creio que até muitos homossexuais deveriam segui-lo também, apesar deste detalhe não ter ficado registrado nos evangelhos oficiais e nem nos apócrifos. Porém, o que importava era que Jesus não condenava a ninguém pelo seu modo de ser ou falhas de caráter. Ele aceitava o outro incondicionalmente! Certa vez absolveu uma mulher adúltera que iria ser apedrejada dizendo aos seus acusadores que atirasse a primeira pedra quem nunca pecou. Em outro episódio, quando seus discípulos foram acusados por alguns religiosos de profanarem o sábado, Jesus lembrou aqueles fariseus provincianos do que Davi fizera na vez em que seu bando precisava urgentemente de comida, pelo que fora ao sacerdote Abiatar pedir que fossem dados os pães exclusivos do santuário para a satisfação de uma necessidade vital. E isto Jesus disse-lhes para mostrar que o direito à vida está acima de qualquer lei porque antes de tudo é preciso cuidar da sobrevivência e do bem estar do seu próximo.”

Neste momento, em que membros do conselho eclesiástico estavam prontos para contra-argumentarem e pedirem uma parte na palavra, o pastor Estêvão, ao perceber que novamente iria encarar uma discussão teológica inútil, resolveu propositalmente radicalizar o seu discurso:

- “Agora ouçam, ó homens egolátricos, insensíveis para ouvir e meditar nas coisas espirituais, vocês sempre resistem ao vento evolutivo da história. Assim como aqueles fariseus medíocres e invejosos do interior da Galileia teriam perseguido a Jesus, vocês fazem a mesma coisa. Pois como vou negar a um homossexual nascido nesta condição o direito de ter um relacionamento afetivo com alguém com quem possa se relacionar intimamente? Que poder tem uma meia dúzia de versículos de uma Bíblia escrita por homens para impedir duas pessoas do mesmo sexo de serem felizes da única maneira que elas conseguem ser? Mas se os evangelhos contam que os religiosos da época de Jesus teriam tramado suas ciladas contra ele, vocês que se consideram detentores das tradições cristãs e pensam serem donos de Deus estão praticando o mesmo pecado. Vocês cujos ancestrais espirituais receberam as boas novas pelo testemunho apostólico e não guardaram a sua essência!”

Quando ouviram isto, os conselheiros da igreja ficaram furiosos, taparam os ouvidos e começaram a ranger os dentes contra o pastor Estêvão, clamando:

- “Herege! Herege!”

Já outros chamavam-no de “ateu”, “pecador”, “pederasta” e até de “pedófilo”. Porém, mesmo em meio aos gritos furiosos e irracionais das pessoas presentes, eis que, naquele momento, o pastor Estêvão ainda conseguiu dizer suas últimas palavras usando o microfone da igreja:

- “Quando olho para o céu, sinto como se Jesus, sentado do lado do Pai, estivesse de pé encorajando-me a continuar levando estas boas-novas da inclusão e ministrando a Santa Ceia aos nossos irmãos gays e lésbicas.”

Com a aprovação do bispo, um jovem chamado Saulo, estudante do seminário teológico e que tinha um blogue sobre apologética cristã na internet, resolveu intervir, desligando primeiramente o microfone que estava nas mãos do pastor Estêvão.

Virgem, reprimido sexualmente, sem nunca ter namorado e se considerando zeloso das tradições dos evangélicos, o rapaz fazia de tudo para agradar o bispo que também era o reitor da faculdade. Ambicionava algum dia ocupar o lugar de Estêvão de depois de Ananias, após se formar.
Sem nenhum respeito pelo pastor e professor, Saulo chegou por detrás do seu mestre, agarrou-o com violência e o colocou à força pra fora do templo:

- “Seu blasfemo e enganador! Fora da casa de Deus! É por causa de falsos irmãos como você que o nome de Cristo é ridicularizado entre os ímpios. Saia daqui!”

Seguindo Saulo, muios conselheiros ali presentes continuaram clamando contra o pastor Estêvão. Uns tentaram até exorcisá-lo. E, quando chegaram na porta da igreja, ele foi empurrado escada abaixo. Porém, ainda disse:

- "Senhor, perdoa-os porque esses homens não compreendem o que estão fazendo."

Ainda naquele dia, Saulo liderou uma manifestação de evangélicos e católicos fundamentalistas pelas ruas da cidade afim de protestarem contra o homossexualismo e o casamento gay. E, no meio dos religiosos, estavam também uns neonazistas e muitos machistas homofóbicos infiltrados.

Quanto ao pastor Estêvão ele foi tratado como se estivesse morto pela comunidade eclesiástica local. Os evangélicos moradores da cidade passaram a não mais convidá-lo para entrar nas suas casas. Nenhum outro pastor permitiu mais que Estêvão pregasse em púlpito e houve até gente que deixou de cumprimentá-lo na rua virando a cara, além de que a faculdade teológica dispensou-o de suas funções. Contudo, alguns homens e mulheres verdadeiramente piedosos aproximaram-se de sua pessoa e juntos lamentaram por causa da ignorância do povo.

OBS: A ilustração acima refere-se à obra Apedrejamento de Santo Estevão, obtida por intermédio da Wikipédia.

Sobre o autor:

Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz é advogado e se interessa por debater História, Teologia e Política e vários outros assuntos sem nenhum compromisso profissional, por enquanto. Identifica-se como um discípulo de Jesus. Mora no Rio de Janeiro e é casado com Núbia Mara Cilense. Politicamente não se define nem como direita, esquerda ou de centro, pois considera tais conceitos como ultrapassados, por adotar uma concepção mais ampla. Porém, considera-se um social democrata. Defende causas ambientais, de inclusão social e culturais. Não se encontra filiado a nenhum partido político no momento e dá mais crédito à política não-institucionalizada, pois a força dos acontecimentos está na união de indivíduos interessados em promover mudanças, bem como nas limitações impostas pelo próprio ambiente, o que, por sua vez, relaciona-se com a soberania divina. Crê num Deus que sempre esteve no controle da História e que buscou relacionamentos com o homem por diversas maneiras, marcando profundamente os rumos deste planeta através de Jesus Cristo, através de quem recebemos as boas novas do Reino e somos convocados para transformar a realidade do nosso planeta. Email para contatos: rodrigoluz@yahoo.com

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

[Notícia] Petição do Estado Laico – Liberdade Religiosa só poderá existir quando uma religião não tiver status de religião de estado

Por Espiritualidade Inclusiva (do blogue da LBL-RS sobre a petição pela retirada de símbolos religiosos de espaços públicos)


Clique AQUI para acessar decisão da presidência

Clique AQUI para acessar Parecer do Juiz Assessor

Clique AQUI para acessar Recurso LBL x TJ-RS

Nesta segunda-feira, 13 de fevereiro, a LBL-RS protocolará recurso à decisão do TJ-RS que negou, em processo administrativo, o pedido de retirada de símbolos religiosos das dependência do TJ e demais foros do interior do Estado. O argumento central da decisão (leia parecer do Juiz Assessor - link acima) baseia-se no argumento de que a exposição de crucifixo não configuraria postura preconceituosa, mas “a homenagem à religiosidade e aos valores a ela vinculados”, citando, para justificar sua decisão, o preâmbulo da constituição federal – o que nos causou bastante surpresa, já que, como todos sabemos, preâmbulo não constitui norma jurídica e, portanto, não se presta a justificar decisão judicial. Continuaremo buscando, por todos os argumentos já expressos, reparar este que consideramos um erro daqueles que ocupam cargos públicos. O país só será efetivamente tolerante e livre para expressar sua religiosidade quando o Estado não tiver, de fato, fé oficial.

Faça sua parte: ASSINE A PETIÇÃO! Por um Estado laico não apenas no papel!

Em novembro de 2011 suscitamos um debate que apesar de muito antigo, soou como novo na sociedade gaúcha: perguntávamos por que órgãos públicos ostentam em suas salas e repartições, em espaços que são públicos e deveriam representar o conjunto da sociedade gaúcha, símbolos próprios da religião de origem Cristã – em especial o crucifixo, mas também temos várias capelas, com imagens de santos católicos dentro de vários órgãos públicos – desrespeitando, frontalmente, a liberdade de escolha religiosa de seus cidadãos e cidadãs e em afronta direta à laicidade do Estado Brasileiro, previsto na CF?

Dizemos que este debate não é novo, pois esteve presente em todas as revisões constitucionais do Estado Brasileiro que, desde que se tornou um Estado Republicano, deixou de ser confessional, quer dizer, deixou de ter uma religião oficial, passando, às vezes de forma direta, como na constituição de 1891, ou de forma igualmente direta, mas em termos mais brandos, como na CF de 1988, a expressar o estado brasileiro como um estado LAICO, portanto, sem religião oficial.

Obviamente que, apesar da laicidade constitucionalmente expressa, a fé anteriormente oficial, ou seja, a fé Católica, continuou tendo influência política e social de destaque no Brasil, afinal, fomos – e continuamos sendo – colonizados e catequisados para sermos católicos e a expressão desta fé específica ocupa espaço público desde a primeira missa rezada em praias Brasileiras. Isso não pode, de qualquer forma, ser justificativa para que símbolos religiosos reforcem, dentro de espaços do poder público, em especial nas Câmaras Legislativas de todos os níveis, nos Tribunais e salas de audiências e nas escolas, onde nossos filhos e filhas são educados – e onde deveriam ser educados para a diversidade religiosa – a expressão de uma única moral religiosa e que esta tenha influência sobre a decisão do “estado” nas demandas sociais.

A presença do símbolo religiosos de qualquer tipo indica ao cidadão que recorre a estas reparticões, que aquele órgão respeita, traduz e referenda, uma forma de pensar religioso, que dita uma conduta social e impõe, em muitos momentos, uma moral coletiva que exclue aqueles que dela se desviam. Um exemplo? Os homossexuais, os ateus, os agnósticos, cuja conduta é repreendida pela moral cristã. Como podem estes cidadãos e cidadãs sentirem-se amparados nas Câmaras Legislativas, diante do rechaço das bancadas religiosas ao avanço da PLC 122/06 – que criminaliza a homofobia – quando sobre a cabeça dos legisladores paira o crucifixo cristão, reforçando o discurso do pecado e da punição, bradado pelos deputados das bancadas evangélicas e católica?

Como podem as crianças educadas nas religiões de matriz africana se sentirem incluídas nas escolas, quando têm de rezar pela bíblia cristã, comemorando seus dias santos, e, muitas vezes, escondendo as cerimônias que presenciam dentro das casas de suas famílias para não serem ridicularizadas pelos colegas de classe – e não raro, por professores de ensino religioso?

Como podemos nós, lésbicas e bissexuais, travestis, gays e trasnsexuais nos sentirmos amparadas pelo estado gaúcho, pelo judiciário gaúcho, pelas câmaras de vereadores espalhadas pelas cidades gaúchas, quando símbolos da religião católica, representada pelo Papa, que condena a homossexualidade e publica e republica incíclicas sobre o tema a cada ano, nos chamando de pecadores e pecadoras, nos recebem nas Câmaras, nas repartições, nas delegacias, nos tribunais, toda vez que a eles recorremos em função da violação de um direito ou da negação de outro?

Como podemos inferir neutralidade do julgador, de quem se exige legalmente neutralidade partidária, dentre outras, se ele está sujeitado ao símbolo da fé cristã no tribunal em que profere a sentença, mesmo que não seja cristão, como, de fato, ocorre em muitas comarcas? Claro que por trás do pedido de retirada dos símbolos religiosos das repartições se encerra uma demanda política, que diz respeito a direitos humanos e ao tipo de sociedade que queremos ver avançar no estado Brasileiro. Assim como na defesa de sua permanência também se encerra disputa da mesma ordem. O que não podemos negar é que tal disputa, no presente momento jurídico, está resolvida no artigo 19 da CF, exigindo que se respeite o que o legislador definiu, através de histórica Constituinte que referendou a CF-1988.

O Estado é laico, não tem fé, não professa crença que não no direito que deve, este sim, ser sua doutrina e regra, da qual não pode prescindir ou transigir, independentemente da crença de quem ocupa a função de estado naquele momento. Ainda que a CF, em seu preâmbulo, fale “sob a proteção de Deus”, o preâmbulo não é norma, e foi assim colocado porque Ulisses Guimarães era católico praticante e, usurpando o direito público, usou de sua convicção pessoal para assim escrever, como fazem todos os que, detentores de cargos públicos, penduram crucifixos (sim, porque eles não foram parar lá por acaso, ou por intervenção divina, sendo a mão – ou a caneta, em alguns atos oficiais – de um mortal a responsável por isso).

Nesta segunda-feira, continuaremos fazendo este debate jurídico, desta vez através de recurso encaminhado ao TJ-RS, em função de sua decisão negando nosso pedido feito em novembro.


CLIQUE AQUI PARA ASSINAR A PETIÇÃO DO ESTADO LAICO:

http://www.peticoesonline.com/peticao/retirada-de-crucifixos-e-simbolos-religiosos-da-camara-de-vereadores-de-poa-e-asselmbleia-legislativa/236

Fonte: Lésbicas Feministas LBL-Região Sul (http://www.lblrs.blogspot.com/2012/02/peticao-do-estado-laico-liberdade.html)

[Editorial] Inclusão X Demonização

Por Paulo Stekel

Hoje, 13 de fevereiro de 2012, nosso blogue Espiritualidade Inclusiva completa dois meses de um trabalho intenso e reconhecido pela comunidade LGBT, tanto aquela parcela interessada em religião e espiritualidade quanto aquela formada por ateus e ativistas político-sociais. As estatísticas atualizadas mostram o que já conquistamos: 44 postagens de diversos autores, mais de 4300 visitantes, quase 6 mil visualizações de página e diversos comentários muito inteligentes e com argumentos profundos.

Até o momento, a postagem mais lida é o artigo “A visão espírita da união estável homossexual segundo Divaldo Pereira Franco”, que recebeu vários comentários no blogue e no Facebook exatamente por envolver a figura de um dos mais famosos médiuns espíritas do Brasil.

O segundo artigo mais lido até agora é “[Notícia] Uma lição (cristã) de amor ao próximo LGBT...”, referente a uma foto em que um grupo cristão aparece a um desfile do Orgulho Gay em Chicago segurando cartazes apologéticos, incluindo "Eu sinto muito de como a Igreja tratou vocês". Atitudes inclusivas desta natureza sempre encontram um apelo positivo junto à comunidade LGBT.

O terceiro artigo mais lido até o momento é “[Evento] Palestra sobre Espiritualidade Inclusiva no Fórum Social Temático – Porto Alegre – RS”. Se trata do convite para nossas atividades junto ao Fórum Social Temático (FST), ocorrido em Porto Alegre entre os dias 24 e 29 de janeiro.

As atividades que promovemos durante FST foram coroadas de êxito. A primeira delas foi uma palestra intitulada “Espiritualidade Inclusiva – a aceitação da comunidade LGBT pelas religiões no Brasil”, realizada no dia 25 de janeiro, na Usina do Gasômetro, centro de Porto Alegre. Foi nosso primeiro contato oficial com o público LGBT fora da Internet. Quem esteve presente gostou da proposta de inclusão dos LGBT nas diversas organizações religiosas/espirituais sem qualquer demonização ou preconceito. A segunda atividade foi uma oficina chamada “Diversidade Intercultural e Espiritualidade Inclusiva” realizada no FST – Canoas no dia 26 de janeiro, no Galpão da Diversidade montado pela Coordenadoria de Políticas de Diversidade, coordenada por Paulo Rogerio Ambieda (Paulinho de Odé). O público desta atividade era formado principalmente por afro-umbandistas, membros de uma das religiões mais demonizadas pelo neo-pentecostalismo radical brasileiro.

A propósito, os dois conceitos de “inclusão” e “demonização” se opõem. A inclusão se refere a entender a diferença e a diversidade do outro, compreendê-lo e amá-lo, acolhê-lo e vê-lo como parte de um universo natural, social, religioso/espiritual e político tanto quanto a si mesmo.

A demonização – termo que se refere a um preconceito vindo de religiosos para com o diverso – anda em sentido oposto, tendendo à normatização de crenças e dogmas, incompreensão da diferença e diversidade do outro, estranheza pelas características do outro, negação de um caráter natural (não doentio, não esdrúxulo, não aberrativo) à existência do outro, redundando em não reconhecimento de seus direitos sociais, religiosos/espirituais e políticos. Ou seja, ao demonizar o outro, os fanáticos religiosos se consideram o summum bonum de Deus e os demais como decadentes, endemoninhados e aberrações.

A hipocrisia, a intolerância e a ignorância a respeito do outro, além de se achar a “última bolacha do pacote divino” são as tônicas da demonização. As grandes religiões instituídas, falemos francamente, sempre caem nesta tendência a se acharem melhores que as demais, a pregarem uma ideia de que são o único caminho viável para uma salvação, felicidade, perfeição ou iluminação. Faz mesmo parte das características das religiões. Se elas são sistemas fechados, “prontos”, com respostas para (quase) todas as questões mundanas, é natural que se considerem aptas a contrapor qualquer outro sistema fechado, pois sistemas fechados não conversam, não interagem. Algumas religiões, que podemos classificar mais como “filosofias religiosas”, talvez consigam ser mais abertas e dialogar com o outro (religioso ou não). Mas, as religiões patriarcais teístas em geral, são muito incompetentes neste diálogo. Por isso, o diálogo inter-religioso esbarra em tantas dificuldades quando os temas debatidos são muito polêmicos. A inclusão dos LGBT é um destes temas “tabu”.

De qualquer forma, continuamos o nosso trabalho de conscientização quanto a dois fatos: os LGBT possuem uma espiritualidade e um anseio por questões transcendentais tanto quanto qualquer outro ser humano; os LGBT merecem, por conta de sua existência não voluntária (não decidem ser LGBT!), ser reconhecidos como naturais, normais (numa natureza não plenamente conhecida sequer pela ciência) e dignos de todos os direitos dos outros seres humanos, entre eles, o de não serem demonizados, apartados como leprosos, considerados doentes, aberrações ou desviantes.

Continuamos abertos a críticas, sugestões, artigos e notícias de colaboração, dicas e depoimentos de quem queira passar aos leitores do blogue suas experiências com a religião e a espiritualidade. O formato do blogue não é fechado e podemos melhorá-lo ou modificá-lo sempre que for útil e necessário. Aos poucos estão chegando alguns relatos interessantes que virarão artigos em breve. Há uma multiplicidade de experiências que precisam chegar ao grande público, para nortear nossas ações em prol da inclusão e da diversidade.

Contamos com nossos leitores nesta tarefa de fazer esta proposta se expandir por todos os cantos e liberar pessoas de angústias internas e da sensação de não serem dignas de qualquer benefício divino, espiritual ou transcendental. São dignas e, em breve, serão plenamente reconhecidas como tais!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

É fato: o entrave é o fundamentalismo evangélico!

Por Paulo Stekel

Esta semana dois fatos chamaram a atenção da comunidade LGBT e, por força do que representam, não tivemos como não escrever este artigo.

A primeira notícia foi o suposto veto a uma das peças institucionais em vídeo de prevenção a DST/AIDS elaborada pelo Programa de AIDS, do Ministério da Saúde, para ser exibida durante a campanha do Carnaval. Ainda que isso não tenha aparecido publicamente, muitos ativistas LGBT desconfiaram da “mão fundamentalista evangélica” neste sumiço do vídeo que apresenta dois homens gays em um flerte prestes a culminar em ato sexual sem camisinha, finalizando com um “quase-beijo” diante de uma “fada madrinha da camisinha” que resolve a situação de risco.

Segundo o Ministério da Saúde, não era para o filme ser divulgado na internet, e será exibido apenas em espaços fechados frequentados por homossexuais. Ou seja, ele não teria sido vetado. Exatamente por ter ido parar na internet podemos imaginar a “patrulha da moral religiosa” fazendo pressão para a retirada do mesmo. Fica evidente a tentativa do fundamentalismo evangélico no Brasil de condicionar a guetos tudo o que se refere à Comunidade LGBT, à prevenção de DST/AIDS e à Cultura Gay em geral. Parece que querem “limpar” a sociedade heteronormatizada de qualquer percepção de nossa existência, de nossos direitos e nossas necessidades.

No site do Ministério da Saúde está escrito que a “Campanha busca sensibilizar público para reduzir vulnerabilidade”. Mas, ao que parece, a bancada evangélica mais radical não só não se sensibilizou quanto à necessidade de prevenção, como pode ter forçado uma “limpeza clínica” na campanha original. O mais preocupante é que a campanha, sendo voltada principalmente a jovens gays de 15 a 24 anos durante o Carnaval, e sendo esfacelada deste modo, deixa nossos jovens a mercê da contaminação e de vários riscos sociais, já que de 1998 a 2010, o percentual de casos na população homossexual de 15 a 24 anos aumentou em 10,1%, conforme último boletim divulgado.

A forma como a campanha foi elaborada é bastante inclusiva, pois há um cartaz com dois heterossexuais, outro com dois homossexuais e um com uma travesti (veja abaixo). Então, o ataque por todos os flancos já era esperado.



A segunda notícia tem a ver com as recentes declarações do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, sobre a necessidade de se travar uma espécie de “disputa ideológica” com os evangélicos. A bancada evangélica ameaçou obstruir pautas até que Gilberto Carvalho se retratasse.

Durante um debate no Fórum Social Temático (FST), ocorrido em Porto Alegre (RS), entre 25 e 29 de janeiro, Gilberto Carvalho teria dito que é preciso montar uma rede para enfrentar de modo ideológico os evangélicos. Para ele, tal segmento religioso possui uma visão de mundo controlada por pastores de televisão. “É preciso fazer uma disputa ideológica com os líderes evangélicos pelos setores emergentes”, disse.

No debate, ao ser questionado sobre o motivo de o governo ser conservador em certos temas como aborto e casamento gay, Carvalho respondeu que o entrave para avançar na discussão eram os evangélicos.

Talvez a afirmação do ministro tenha sido infeliz apenas por ter faltado uma palavra: “o entrave para avançar na discussão são os FUNDAMENTALISTAS evangélicos”. Quando se diz deste modo, se faz uma clara separação entre os evangélicos comuns e os setores mais radicais entre eles, que buscam demonizar gays, impedir acesso a direitos fundamentais e negar-lhes acesso a maior segurança contra ações violentas de homofobia.

Temos toda a clareza necessária para afirmar que não são todos os evangélicos que demonizam gays, ou que são contrários a união civil entre pessoas do mesmo sexo, ou que acham que gays não sofrem tanto preconceito assim para postularem lei especial anti-homofobia (PLC 122). Mas, os que se opõem à agenda LGBT são vociferantes líderes insanos que berram aos quatro cantos em seus programas de TV, colocando a população evangélica em geral contra outros cidadãos que sofrem preconceito em várias frentes (família, escola, trabalho, meio social), sem ter a quem recorrer para sua defesa plena. É, portanto, uma covardia sem limites, um ato impensável quando vindo de cristãos que se consideram “à parte do mundo”, mas tão preocupados em como o mundo do qual se apartaram vive.

Os líderes evangélicos mais radicais, e são estes os barulhentos de plantão, precisam parar de se autodeclarar fiscais daquilo que os que não são evangélicos podem ou não podem fazer. E, como o Estado é laico, isso nem deveria fazer parte de discussões parlamentares.

Estes líderes radicais possuem três frentes de combate muito claras atualmente.

A primeira frente é contra as outras religiões. Demonizam os cultos de matriz africana (Umbanda, Candomblé, etc.), o Espiritismo e as religiões orientais, mais recentes no Brasil. Dizem que os deuses do africanismo são demônios, que os “pais-de-santo” são “pais-de-encosto”, que o Espiritismo deixa baixar diabos no corpo e que as religiões como o Budismo são importação de demônios estrangeiros à nossa terra. Ou seja, não há qualquer abertura para diálogo inter-religioso com esses radicais! Extrapolam a noção de “o estranho é o outro” e a reescrevem “o demônio é o outro”...

A segunda frente é contra os ateus, aqueles que decidem não praticar qualquer religião e que não acreditam em Deus e nos dogmas e rituais religiosos. Num Estado Laico isso é perfeitamente aceitável. Cada cidadão tem o direito de professar a crença que quiser, ou nenhuma. É o caso dos ateus. Mas, geralmente, vemos evangélicos (e católicos) fundamentalistas dizendo que quem não tem “Deus no coração” é vil, perverso e suscetível ao crime. Então, como ficam os budistas, que não têm “Deus no coração” porque o Budismo não tem a noção de um Deus Criador? E, os ateus? Os ateus humanistas, por exemplo, aceitam uma ética que se assemelha muito à ética professada por praticamente todas as grandes religiões. Alguns conhecem ética e religiões muito mais do que os próprios religiosos.

A terceira frente é contra a comunidade LGBT. Considerando o homossexual como um pecador que age conscientemente em sua orientação sexual, os fundamentalistas evangélicos propõem até “curas gays” pelo Espírito Santo que, conforme “ex-curados”, são uma lavagem cerebral e uma flagelação tão cruel como as torturas medievais ou as experiências nazistas de lobotomia em gays nos campos de concentração. Como bem diz Luiz Mott, há um “homocausto” ocorrendo no Brasil (e em várias partes do mundo) neste momento e, declaramos mais uma vez, os fundamentalistas evangélicos com seu radicalismo nada solidário nem amoroso, estão contribuindo indiretamente para que venha a aumentar.

Ao demonizar as outras religiões, os fundamentalistas evangélicos ressuscitam o proselitismo violento do antigo Judaísmo dentro da Palestina antiga e do Islamismo mais radical. Ao atacar os ateus, desejam reforçar seus dogmas como sendo a Verdade Única. Ao negar direitos aos LGBT, se arvoram de arautos de um moralismo e de costumes que sequer praticam (pesquisem o nível de corrupção entre os membros da bancada evangélica e a história pregressa de muitos destes líderes radicais).

Então, permitir em um Estado Laico que a retórica do Cristianismo mais radical seja argumento para decisões políticas e estabelecimento de políticas públicas que atingem minorias em situação de risco, é uma temeridade. Combata-se o fundamentalismo evangélico, católico ou o que o valha, e estaremos retirando o entrave que impede a cidadania plena da comunidade LGBT. Precisamos urgentemente de uma Declaração de Reafirmação do Estado Laico, antes que seja tarde demais...



Notícias relacionadas: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/bancada-evangelica-quer-explicacoes-de-gilberto-carvalho/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter&utm_campaign=Feed%3A+congresso+%28Congresso+em+Foco%29 (“Evangélicos se rebelam e querem retratação de Gilberto Carvalho”); http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2012/02/09/gilberto-carvalho-se-desculpa-com-magno-malta (“Gilberto Carvalho se desculpa com Magno Malta”); http://www.youtube.com/watch?v=I_sjiFHwi1w&feature=youtu.be (“Ministério da Saúde Campanha carnaval 2012”); http://oglobo.globo.com/pais/ministerio-veta-video-de-homens-gays-na-campanha-do-carnaval-3916357#ixzz1lqDH93dq (“Ministério veta vídeo de homens gays na campanha do Carnaval”); http://www.aids.gov.br/noticia/2012/saude_mobiliza_jovens_gays_na_prevencao_aids (“Saúde mobiliza jovens gays na prevenção à aids” [Site do Ministério da Saúde]).