quinta-feira, 1 de março de 2012

Hinenu (Estamos aqui... onde sempre estivemos)

Por Ari Teperman


Nós somos aqueles que crescemos no núcleo da Comunidade Judaica, ou que encontramos nosso caminho em seu seio mais tarde na vida e fizemos dessa comunidade nosso lar. Nós somos o silêncio que habita dentro das comunidades e somos o silêncio abandonado depois que partimos. Nós somos aqueles cujos nomes mal eram mencionados, os estranhos, os outros. Nós somos os gays, as lésbicas, os transexuais, os travestis, os transgêneros, as bichas loucas, suas famílias e seus amigos e aqui estamos, como sempre estivemos.

Nós rezamos em silêncio sentados a seu lado, nós nos sentamos na mesa à sua frente e mantivemos conversas cordiais durante jantares, nós educamos nossos filhos e cumprimentamos você no final do serviço religioso de sexta-feira (shabat). Nós desfrutamos da maioria dos sucessos que você desfrutou e sofremos boa parte de suas derrotas. E, fizemos isso tudo mantendo um segredo, um segredo tão impressionante e abrangente quanto nosso próprio ser. E então, quando o fardo do segredo foi demais para suportar, nós saímos. Nós saímos cedo ou saímos tarde, mas, invariavelmente, nos tornamos fofoca naqueles jantares e no final daqueles serviços religiosos, segredo que só podia ser mencionado a baixa-voz ou em sussurros.

Nosso Judaísmo foi duplamente – triplamente – exílico. Nós fomos primeiramente forçados para fora de nossa identidade sexual e, a seguir, fomos forçados para fora do Judaísmo. E a única alternativa era esconder uma das duas identidades, para poder preservar a outra.

Eis que chegou o tempo perfeito para que nossas vozes sejam ouvidas e para que o rumor de nosso silêncio se torne uma conversa honesta. A conversa de uma comunidade – das comunidades – que devem se reconhecer diferentes do que acreditam ser. É chegada a hora para que as comunidades deixem de ser comunidades de sussurros e silêncio. No espírito da tradição judaica, permitam-nos dizer que estamos aqui – Hinenu – para que o silêncio possa ser quebrado, o fardo possa ser aliviado e a responsabilidade pelo outro possa ser plenamente assumida.

Nós não buscamos um espaço vazio para preencher com nossas peculiaridades, que podem muito bem ficar longe da indignação e da aversão daqueles que preferem nossa invisibilidade e silêncio. Nós não buscamos nos tornar uma curiosidade para exploração antropológica ou sociológica. Nós não buscamos uma separação que relegue nossa diversidade em algum consenso estranho. O que almejamos é nosso lugar de direito entre nossos amigos e familiares. O que almejamos é nosso lugar de direito em nossas comunidades. E fazemos isso integralmente, enquanto judeus e sexualmente diferentes.

E então, naquelas comunidades, deixaremos de ser um sussurro, para que a menção de nosso nome e a dúvida sobre nossa identidade esqueça seu passado de vergonha; esqueça a vergonha de ter que se silenciar e esqueça a vergonha de não ser mencionado. Esta é nossa missão, enquanto missão assumida no espírito do Judaísmo, que não é tolerância mas integração. Esta é a volta do exílio.

A missão pode parecer simples, mas é imensa. A realização de nossas aspirações exige um reconhecimento coletivo de nossas existências entre nossas comunidades; exige educação, conversa, reflexão e consideração dos comentários.

E é este o trabalho que se nos apresenta. O que é mais necessário agora é uma conversa aberta.


Sobre o autor

Ari Teperman, nascido em 1962, em São Paulo, é Analista de Sistemas Junior e Analista de Comunicação Social Sênior. Sua origem é de uma família tradicional judaica. Ari estudou no I. L. Peretz e durante dez anos seguiu a linha ortodoxa. Em 1999 fundou o Grupo de Judeus Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Simpatizantes Brasileiros para debater temas como direitos humanos, cidadania, união civil, judaísmo, sionismo e homossexualidade x religião.