sexta-feira, 11 de maio de 2012

Respondendo ao artigo “É possível falar em uma espiritualidade inclusiva?”

Por Paulo Stekel [resposta ao artigo intitulado “É possível falar em uma espiritualidade inclusiva?”, publicado em http://evolucaolgbt.blogspot.com.br/2012/05/e-possivel-falar-em-uma-espiritualidade.html e citando nosso artigo anterior “Você é espiritualista e... homofóbico? (uma pergunta para os amigos de verdade)” - ver http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com.br/2012/05/voce-e-espiritualista-e-homofobico-uma.html]


Dois dias após ter escrito o artigo “Você é espiritualista e... homofóbico? (uma pergunta para os amigos de verdade)”, que se tornou um dos mais polêmicos do blogue Espiritualidade Inclusiva, encontramos um artigo que o cita no blogue Evolução LGBT. Não é um artigo ofensivo nem mal-intencionado. Pelo contrário, julgamos muito salutar para o debate sobre o tema, e por isso achamos útil responder a alguns dos questionamentos e argumentos do artigo do blogue amigo. Os argumentos ali mostram que ainda não está claro para alguns o verdadeiro conceito e a proposta de uma “Espiritualidade Inclusiva”. Cabe-nos, então, lançar mais luz sobre o assunto.

O texto que nos cita inicia assim: “Este brilhante texto trata sobre como linhas esotéricas como Maçonaria, florais, Sociedade Teosófica etc travestem-se de espiritualmente elevadas, mas perpetuam visões extremamente negativas e preconceituosas sobre LGBTs.”

É importante esclarecer que não são tais “linhas esotéricas” (algumas nem são “esotéricas”) que se travestem de espiritualmente elevadas, mas seus praticantes equivocados, que deixam sua homofobia particular manchar propostas espirituais que deveriam incluir a todos naturalmente. No caso da Sociedade Teosófica, não há uma só linha contra gays nos textos mais antigos de Blavatsky, Besant e Leadbeater (este, aliás, foi acusado de ser homossexual e este falatório persiste até hoje nos círculos internos da Sociedade Teosófica). Então, a homofobia reinante entre os líderes atuais desta sociedade espiritualista é fruto de sua própria ignorância, como pude confirmar pessoalmente ao trabalhar em Brasília, onde fica a sede nacional, no ano de 2005.

Em seguida, o texto afirma que “Há textos 'teosóficos' que dizem que gays têm perispírito deformado!” Só se for em textos de autores modernos, textos estes que, sinceramente, desconheço. Entre os textos dos fundadores do pensamento teosófico não há nada a respeito. O fato de um livro referir-se à teosofia não significa ser escrito por um membro da Sociedade Teosófica e muito menos refletir os princípios ali ensinados, todos baseados nas obras mais antigas.

Mais adiante: “Portanto, vemos que essas ordens esotéricas não são tão iluminadas quanto se pensam, principalmente porque seu conhecimento esotérico é baseado em puro achismo e crendice e não absorveu o que a academia e a ciência – a psicanálise, a sociologia, a biologia etc – já produziram sobre a homossexualidade e sua presença no meio natural. A ciência inclusive já articulou a homossexualidade com o darwinismo e ainda vemos babacas dessas “ordens” esotéricas acusando os LGBTs de antinaturais.”

Concordo com este argumento. Está mais do que na hora das religiões e “espiritualidades” incorporarem as descobertas das Ciências – biológicas e humanas – a suas visões de mundo, se querem aproximar-se um pouco mais da realidade do mundo atual. O Dalai Lama, representante do Budismo Tibetano, afirmou várias vezes que o Budismo não é radical e que, se um ensinamento budista for contradito peremptoriamente por comprovações científicas, deve-se seguir a Ciência e não a religião, já que o Buda pregou que cada um fosse o seu próprio Mestre e só aceitasse aquilo que pudesse ser comprovado. Falta apenas a Ciência dar mais dados sobre a naturalidade da homossexualidade no mundo animal para que isso possa ser considerado de modo mais firme.

“Lutar por uma espiritualidade inclusiva implica em reforçar que há os 'normais' – homens e mulheres heterossexuais – e que estes devem, por 'bondade', tolerar e/ ou incluir LGBTs em sua presença nos lugares de espiritualidade. (…) Ou seja, reforça a oposição entre “nós” e “eles”.”

Desculpe o autor do artigo, mas há uma confusão no que tange ao conceito e proposta da Espiritualidade Inclusiva. Ela não diz que os heterossexuais são os “normais” e os LGBT os “não-normais” ou “anormais”. Ela diz que heterossexuais e não-heterossexuais são IGUAIS perante a natureza material e espiritual e, por isso, ninguém pode ser excluído de uma possibilidade de desenvolvimento em direção ao transcendente e de autoconhecimento em direção a uma felicidade plena. Também não reforçamos a ideia de “tolerância”, mas de reconhecimento do outro como parte de uma diversidade natural, ainda que desconhecida ou deliberadamente ignorada pela maioria. Aceitar, reconhecer, valorizar, sim! Mas, simplesmente “tolerar”, não é a atitude mais eficaz.

Além disso, o Movimento Espiritualidade Inclusiva não propõe que os heterossexuais incluam os LGBT em seus “lugares de espiritualidade”. Temos que ser nossos próprios protagonistas. Não dependemos, não precisamos e não queremos “bondade” de ninguém. Queremos apenas o reconhecimento de um fato: o de sermos iguais em direitos, ainda que diversos na manifestação. Assim, não reforçamos oposição alguma, mas buscamos a integração.

“A ideia de espiritualidade inclusiva, com todo respeito aos que a defendem, reforçam nossa alteridade e o paradigma vigente. E ainda vem reforçar a ideia de que devemos ser incluídos quase como que por um favor. Ela não muda necessariamente padrões de pensamento. O maior exemplo disso é a Ordem Rosa-cruz AMORC que “aceita” pessoas homo-afetiva, mas não lhes dá nenhum ritual de casamento. Isso mostra que aceitar ou tolerar a presença de alguém em alguma instituição é bem diferente de INCLUIR ESSE ALGUÉM NA ENGRENAGEM DO SISTEMA.”

Não reforçamos o paradigma vigente. Pelo contrário, ao buscar o reconhecimento da naturalidade dos LGBT, reforçamos a ideia de que todos participamos do mesmo mundo, da mesma vida e dos mesmos direitos, sejam os materiais, biológicos, sociais ou espirituais. Ninguém depende de “favor” para ser incluído. Não os heterossexuais que nos incluem. Somos nós, os LGBT, que argumentamos já estar incluídos pela natureza por conta do princípio da naturalidade da diversidade de orientações sexuais.

O fato de organizações de cunho esotérico-religioso-espiritual não darem plenitude aos LGBT que são seus membros é apenas prova do não-reconhecimento deste princípio. Cabe a nós demonstrarmos isto através de nossas argumentações e movimentos como o Espiritualidade Inclusiva. A sociedade funciona mais em camadas sobrepostas e em intercessão do que através de engrenagens. Preconceitos se sobrepõem em variados graus nos indivíduos, nas associações e nas organizações em geral, mas nunca na mesma intensidade. Por isso, igrejas protestantes em alguns países celebram casamentos gays enquanto lojas maçônicas e grupos rosa-cruzes não o fazem. É contraditório? Dependendo do ponto de vista, se fizermos juízo de valor de que é mais “elevado”, talvez. Se não analisarmos por este prisma, é apenas constatação do reconhecimento da naturalidade LGBT por uns e permanência na ignorância por outros.

“É importante lembrar que a espiritualidade inclusiva pode tanto significar uma espiritualidade desenvolvida por LGBTs para LGBTs como também uma luta dentro das espiritualidades tradicionais para que sejamos incluídos. Em ambos os casos teremos problemas nela.”

Nós não entendemos o Movimento Espiritualidade Inclusiva como uma espiritualidade desenvolvida por LGBTs para LGBTs. Isso seria outra coisa, que nos EUA se chama de “Espiritualidade Queer”, e sobre a qual já escrevemos por aqui. Nossa proposta é um movimento laico e não religioso apoiado por todos, indistintamente, LGBTs ou não. Não doutrina, não professa dogmas e não é uma crença. É uma proposta. Por isso, creio que os problemas sugeridos não se apliquem neste caso. Não podemos confundir Espiritualidade Inclusiva com Espiritualidade Gay! Uma “espiritualidade gay” pode, sim, ser considerada uma exclusão, não uma inclusão. Isso não nos interessa. Já há muita exclusão para criarmos mais uma. Incluir = reconhecer a naturalidade = seguir adiante em congregação.

“A meu ver, uma espiritualidade só será realmente inclusiva quando mudar certos paradigmas vigentes sem essa coisa de “tolerância”. E para tal, é preciso trazer à tona certas noções teológicas perdidas se realmente quisermos alguma inserção no campo da espiritualidade.”

Então, já estamos neste caminhos, pois propomos, sim, uma mudança de paradigmas, e não temos essa coisa de “tolerância”. A mudança que propomos é sair da exclusão para o reconhecimento da naturalidade da expressão LGBT, o que resolve muitos conflitos.

“Portanto, creio que a ideia de espiritualidade inclusiva não dá conta de uma necessária mudança de paradigmas na humanidade, embora tal iniciativa seja louvável.

Para tal, é preciso mudar os seus fundamentos ontológicos, acabando com essa dicotomia héteros x homos (que precisam ser incluídos ou tolerados). É preciso mostrar a humanidade como um todo para que as pessoas sejam vistas fundamentalmente como pessoas.”

No final das contas, é exatamente isto o que propomos com o termo “inclusão”. Nada a ver com “bondade” ou “tolerância” de héteros para com homossexuais, mas sim, o reconhecimento de que todos somos fundamentalmente iguais em direitos, em expectativas e em anseios de vida, independente da orientação sexual. Quem entende a Espiritualidade Inclusiva de outra forma é que está equivocado!

“Espero sinceramente que as pessoas tomem essas críticas como construtivas e não as encarem como um ataque. O ideal seria construirmos uma perspectiva coletiva.”

Com certeza. O Movimento não é isolado. Senão, não seria um movimento, não é mesmo? Todo o movimento busca uma perspectiva coletiva, seja em escala menor – em um grupo – ou no todo da sociedade. E, nós, buscamos isso no todo. Queremos o todo e não uma parte. Caso contrário, a cidadania plena para LGBTs nunca será conquistada.

“Naturalmente não devemos impor tal mudança de paradigma a ninguém. Antes, devemos sugeri-la de forma amável e inicialmente mudar por nós mesmos. É preciso que nós acreditemos nisso firmemente e que mudemos a visão que temos sobre nós mesmos.”

Plenamente de acordo. E, em nossos artigos plurais, de vários autores (gays e héteros), temos feito esta lição de casa. Os comentários e a ressonância do que postamos aqui no blogue em toda a Internet mostra que estamos no caminho certo.

“Não quero que ninguém faça o favor de me 'incluir', principalmente achando que meu perispírito é distorcido. Quero eu próprio LGBT fornecer minhas respostas ao mundo.”

Assim deve ser. Apenas os LGBT podem dizer ao mundo como se sentem, o que esperam e o que desejam para si. E, no final, o que desejam não é nada além daquilo que qualquer ser humano deseja: felicidade, cidadania plena e direitos iguais.

“É possível falarmos em espiritualidade inclusiva quando assumirmos nós próprios LGBTs o processo de criar discursos sobre nós mesmos. Criar conceitos e noções é TAMBÉM um exercício de PODER e não somente de uma 'neutra' espiritualidade. Quando alguém cria conceitos e noções sobre nós, esse alguém passa a ter poder sobre nós.”

Não é o nosso caso. Nosso material postado vem de vários autores, a maioria da comunidade LGBT, e não pretendemos criar conceitos e noções sobre os LGBT, apesar do coordenador geral do movimento também pertencer a esta comunidade. O que buscamos é apresentar o panorama geral da relação espiritualidade/religiosidade e LGBTs. Ao apresentar este relação, agimos como “repórteres” do processo, e não como “conceituadores”. Em um segundo momento, fomentamos o debate para que a própria comunidade LGBT livremente possa ir criando seus conceitos e noções conforme a necessidade.

Importante deixar claro mais uma vez: o Movimento Espiritualidade Inclusiva é um movimento social laico, sem ligação com qualquer denominação religiosa, sem apologia a alguma religião em detrimento das demais e que busca incitar o debate sobre a inclusão através do reconhecimento da naturalidade das diversas orientações não-heterossexuais. Os autores dos artigos, em sua maioria religiosos, podem sim, falar abertamente de suas crenças espirituais pessoais, mas o movimento em si é laico, neutro quanto a princípios religiosos, reportando-se unicamente ao princípio do Estado Laico e à Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Que este debate salutar produza muitos frutos nesta luta em prol de todos os seres humanos – pois, ao lutar por um grupo, o LGBT, estamos reforçando os direitos de toda a humanidade e preservando sua identidade, diversidade e variedade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Opa!!! Sou o autor do texto no blog "EvolucaoLGBT".

confesso que fiquei bastante reticente ao escrever este texto, pois temi muito que fosse mal interpretado do outro lado.

Ainda bem que vocês viram no texto um debate salutar!!! com o confrontamento desses diferentes ideias, creio que é possível construirmos argumentos bastante sólidos.

Gostaria apenas de ressaltar que as considerações no blog EvolucaoLGBT sobre a ideia de espiritualidade inclusiva não foi exatamente uma crítica (no melhor sentido deste termo) à proposta deste site. Antes, foi considerações sobre a noção maior de espiritualidade inclusiva.

Vocês, no entanto, responderam maravilhosamente bem às minhas inquietações. Fico muito feliz de ver um debate tão salutar em torno de um conceito sobre o universo LGBT.

A resposta foi muito bem escrita e não tenho maiores considerações!

Agora estou Certo de que efeticamente uma espiritualidade inclusiva é um horizonte perfeitamente válido!

Abraços para este amado blog irmão!


Amor e Paz para nossos irmãos nessa labuta!

Espiritualidade Inclusiva disse...

Grato pelo comentário, parceiro de ideal. Claro que uma Espiritualidade Inclusiva é possível, ainda mais se todos caminharmos juntos em fraternidade e com argumentos consistentes, sem baixar o nível e tendo sempre à frente o benefício de todos. Abraços!