Por Paulo Stekel
Neste terceiro dia de
2012, já nas primeiras horas, deparei-me com um vídeo espúrio em
um canal da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), comandada pelo
Bispo Edir Macedo (o mesmo que em vídeo conhecidíssimo na Internet
ensina seus pastores a tirar o máximo de dinheiro das pessoas sob a
falsa noção do dízimo como deflagrador da prosperidade enviada por
Deus). O vídeo em questão é um trecho de programa de TV da IURD em
que o Bispo Clodomir chama uma rapaz que padecia do “mal do
homossexualismo”, como diz o vídeo. Através de uma teatralidade
de quinta categoria, durante mais de dez minutos os Bispos Clodomir,
Edir Macedo e uma catrefa de asseclas fanáticos tentam expulsar o
“demônio do homossexualismo” de um rapaz de nome Leandro.
Primeiramente, vejamos
o vídeo inteiro e continuemos depois nossas considerações:
Este Leandro é gay
mesmo ou um péssimo ator? Em minha opinião, é alguém pago para
fazer este teatro todo! O Bispo Clodomir pergunta quem o colocou
nessa “vida de homossexualismo” e o rapaz responde:
“recebi trabalho”. Um trabalho do vizinho que o queria
“como homem”. O trabalho teria sido feito por um terreiro
numa encruzilhada, numa sexta-feira. Eis aqui um duplo preconceito:
homofobia e discriminação religiosa contra os africanistas. Além
de considerar a homossexualidade como advindo de demônios, afirma
que eles são mandados contra as pessoas por “pais-de-santo”.
Fico admirado como o Bispo Edir Macedo e seus “atores” ainda
estejam fora das grades. São charlatões evidentes, todos sabemos
disso!
Quando os bispos e a
catrefa fanática começam a orar para expulsar o “demônio do
homossexualismo”, o Bispo Macedo diz que “o terreiro vai
fechar, todos os terreiros”, porque têm impedido o rapaz e
todos como ele de “buscar a Deus”. Por ser gay ele estaria
sendo impedido de buscar a Deus? Como, se Deus o criou assim???
Em seguida, vem a maior
pérola fundamentalista. O Bispo Macedo diz que “homossexualismo,
lesbianismo, prostituição tem origem no Inferno”. Então,
gays são pessoas infernais? Ele ainda diz: “Demônio do
homossexualismo (…) maldito. Se tiver AIDS também é queimado!”
Ele ainda pensa que AIDS é doença de gays?
Depois que o suposto
“demônio gay” sai do rapaz, o Bispo Macedo pergunta como ele
está. Ao responder que está bem, o Bispo ainda solta outra pérola:
“Agora você tá falando grosso!” O que? Para ele todo o
homossexual masculino fala fino, quer ser ou parecer mulher?
(Sinceramente, a voz do rapaz continuou a mesma ao final!...rsrs.)
Este vídeo, que
repostamos em nosso canal no youtube – acessem
http://www.youtube.com/Espiritualinclusiva
–, antes que venha a ser deletado pela IURD em seu próprio canal,
é apenas um dos muitos exemplos em vídeo das atrocidades
apresentadas por esta Igreja que nada mais é que um caça-níqueis
muito bem sucedido. Outras igrejas neo-pentecostais (Assembleia de
Deus, Quadrangular, etc.) também atacam os gays e os praticantes de
outras religiões (especialmente espíritas, africanistas,
umbandistas) com argumentos baixos, mas a IURD se supera na
teatralidade da coisa. Antigamente, chegaram a cunhar as expressões
“pai-de-encosto” e “mãe-de-encosto” para se referir aos
Babalorixás e às Ialorixás do africanismo, numa clara intenção
de denegrir a imagem destes religiosos que não têm nada de
demoníaco, pois são apenas os sacerdotes de uma outra religião que
não a cristã. Da mesma forma, gays não são demônios nem são
gays por estarem possuídos, mas são simplesmente uma outra via de
orientação da complexa sexualidade e afetividade humana. E, não só
humana, já que a homossexualidade foi encontrada em cerca de 450
espécies animais!
A figura do topo deste
artigo demonstra bem como fundamentalistas neo-pentecostais percebem
um homossexual: uma mistura de Hellboy com Barbie... O imaginário
evangélico sobre os gays é medieval e muito vil, covarde e sem
escrúpulos. Os gays são vistos por estas pessoas do mesmo modo
demonizado que eram vistos na Idade Média os praticantes dos cultos
pagãos (bruxas), os epilépticos, os nascidos com deficiência ou
sinais no corpo, os cientistas inovadores (Galileu, Giordano Bruno),
as mulheres não-submissas e os artistas que abandonavam os cânones
aprovados pela Igreja de Roma. O que pretendem? Um retorno à Idade
Média? Querem que adoremos um Deus caricato, moldado à moda do
carrasco, que não parece ter qualquer consideração pela
diversidade que ele mesmo teria criado? Não. Este Deus não existe!
O que existem são profetas auto-declarados de um Deus que de amor
paternal nada possui, um Deus deuteronômico vingativo e
preconceituoso que exige fé cega para franquear uma salvação que
não virá, pois sem amor ao próximo e sem obras realmente bondosas
ninguém pode dizer que é salvo. Quando fanáticos desta estirpe
apartam seres humanos de si por não os compreenderem, não estão
cumprindo Palavra alguma, pois, todos sabem, a Palavra de Deus é uma
só: AMOR!
Há poucos dias o
deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou em uma entrevista que
os religiosos “são livres para dizer no púlpito de suas
igrejas que a homossexualidade é pecado”. Mas, o que não se
pode admitir, segundo ele, o uso de concessões públicas de rádio e
TV para “demonizar e desumanizar uma comunidade inteira, como é
a comunidade homossexual”. Na verdade, mesmo no púlpito das
igrejas afirmar isso é complicado, pois no caso de haver gays
assistindo o culto, estes podem se sentir diminuídos como seres
humanos, e mesmo assim têm o direito constitucional de qualquer
outro cidadão de estar ali dentro! Apenas um estado verdadeiramente
laico pode mediar este conflito... e, não é o caso do Brasil! Onde
está a lei para punir aqueles que pregam a “cura” de gays, sejam
psicólogos ou pastores? Onde está a lei para punir os agressores
nazistoides de gays pelo Brasil inteiro?
Há pastores que dizem
que nem todos os gays são endemoniados. Para estes, alguns o são
por simples “escolha”, outros, por causa de um “processo de
aprendizado” durante a infância. Aprendizado? Mas, até onde
sabemos, qualquer família heterossexual só apresenta um processo de
aprendizado para seus filhos: o heterossexual! Então, como poderia
um processo heterossexual ser o responsável por filhos gays? Não é!
A homossexualidade, ainda que não totalmente entendida pela Ciência,
é – e, considero isso ponto pacífico – nada mais que parte do
complexo processo de sexualidade e afetividade humana e, quiçá, dos
mamíferos! É, neste sentido, natural, por ser encontrada na
Natureza, e não apenas na humana. Se é natural, deve ser estudada,
compreendida, e não demonizada. Para os crentes, se é natural,
devem entender que foi criada por Deus e, se há algum culpado pela
homossexualidade incomodar alguns “varões” e “varoas”
remidos e auto-declarados salvos, este culpado é o próprio Deus!
Entendam-se com Ele, pois, oh salvos em Cristo, e deixem os gays
viverem em paz, terem seus direitos fundamentais garantidos e
colocarem em prática o maior dos mandamentos: amar!
Quando penso que num
país como o Brasil o racismo e a discriminação por religião são
impedidos por lei, mas a discriminação de homossexuais (por vezes
aberta, nos meios de comunicação, quando não associada a violência
física e assassinatos) claudica em tentativas mornas ou frustradas
de legislação específica, me recordo do fim da Segunda Guerra
Mundial, quando as leis anti-semíticas do regime hitlerista na
Alemanha foram abolidas, mas as leis anti-homossexuais nazistas só
foram suprimidas após a década de 1960, tendo muitos gays presos em
campos de concentração sido obrigados pelos aliados, após o fim do
Reich, a terminar suas penas, enquanto todos os judeus foram
completamente libertados... receberam indenizações... mas os
homossexuais continuaram recebendo privação de liberdade.
Comparativamente, no Brasil, afirmar-se em público que os judeus
assassinaram Jesus Cristo por não o terem reconhecido como o Messias
é discriminação prevista em lei, mas dizer que gays são possuídos
por demônios é apenas “liberdade de expressão” e “liberdade
religiosa”.
Cada vez mais tenho a
certeza de que as mentes vis deste mundo se aproveitam das brechas
legislativas e sociais para destilar seu ódio contra o que não lhes
agrada ou que escapa a seu entendimento limitado do que seja a vida,
a liberdade, a comunidade e, principalmente, a espiritualidade.
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